Untitled - FALE - UFMG
Untitled - FALE - UFMG Untitled - FALE - UFMG
A todo bicho que passava, o quibungo pedia para lhe cortar os cipós que o prendiam ao toco. Mas nenhum quis fazer-lhe o favor, dizendo: – Eu não. Para, quando acabar, tu ires comer meus filhos... Por fim, passou o cupim e ele pediu com voz de choro: – Cupim, me dá aqui nestes cipós, cupim… – Eu não. Para, quando acabar, tu ires comer meus filhos. – Me solta, cupim, que eu não como mais, não! Tanto pediu, tanto rogou, até que o cupim ajuntou todos os companheiros e num instante roeram os cipós. Assim que o quibungo se viu solto, foi logo em procura da aranha, que já andava muito longe. Passado algum tempo, houve uma seca muito grande e os bichos reuniram-se para fazer uma fonte. Então o quibungo pensou logo em pegar a aranha. Todos os dias ficava de sentinela na fonte, para ver se lhe punha a mão em cima, quando ela fosse beber água. A aranha ficou matutando um meio de ir beber na fonte, sem ser reconhecida pelo quibungo. No final das contas, achou o couro de um veado que havia morrido esturricado de sede. Meteu-se dentro dele e saiu por ali afora, toda borocochó, cai aqui, cai acolá, sem poder com o peso do couro, até que deu na fonte. Chegando lá, o quibungo perguntou-lhe: – Oh! Amigo veado, o que foi que você teve, que ficou seco assim desse jeito? Respondeu a aranha, de dentro do couro, dando um suspiro muito comprido: – Ai! Amigo quibungo… hum! Quem me pôs assim neste estado, que você está vendo, foi aquela malvada da aranha caranguejeira, aquela excomungada! – O quê? A aranha caranguejeira? Ah! Amigo veado, se você soubesse o que aquela peste me fez… Aí contou-lhe o que se passara, arrematando: – Mas deixe estar, que eu pego ela aqui e dou-lhe o troco. A aranha desceu, chegou à beira da fonte, bebeu água, tomou banho e raspou-se. Quando já estava um bocado distante, saiu de dentro do couro do veado, subiu numa árvore bem alta e gritou: – Quibungo! Ôi! Quibungo!... Sou eu, olha. O quibungo ficou fulo de raiva, porém, não pode agarrá-la. 56 Conversas com quibungos O Quibungo e a cachorra “ Foi um dia uma cachorra cujos filhos, todas as vezes que ela paria, eram comidos pelo Quibungo. Então para poder livrar os novos filhos do Quibungo que queria comê-los, meteu-os num buraco e ficou sentada em cima, vestida com uma saia e um colar no pescoço. Chegando o Quibungo e vendo a cachorra assim vestida, a desconheceu e teve medo de aproximar-se. Então passando o Cágado, ele perguntou-lhe: Ótavi, ótavi, longôzôê ilá ponô êfan i vê pondêrêmunhôtô rô men i cós assenta ni ananá ogannê sô arôrô ale nuxá. Né só arorô ale nuxa? O Cágado respondeu: “Não sei, Quibungo”. Passou a raposa. Quibungo fez a mesma pergunta cantando, e a raposa respondeu que não sabia. Passou então o coelho e o Quibungo fez-lhe ainda a pergunta; foi quando este disse: “Ora Quibungo, você não conhece a cachorra vestida de saia com o colar no pescoço?” Ah, o Quibungo correu atrás da cachorra para matá-la, e esta atrás do coelho. Nesta carreira entraram pela cidade. Os homens mataram o Quibungo e a cachorra matou o coelho. Entrou por uma porta e saiu pela outra, rei meu senhor, que me conte outra”.
- Page 6: Conversas com quibungos Escritos so
- Page 10: A vida dos quibungos
- Page 14: mais pequeno. Os meninos andavam de
- Page 18: A Kandimba, o Dumbo e o Kibungo Cer
- Page 22: Fugas e ataques
- Page 26: Com medo de tocar nas terríveis cr
- Page 30: chorando, nas costas do quibungo. P
- Page 34: - Pois eu já vou comendo ele, Cumu
- Page 38: A mulher, coitadinha, disse: E vosm
- Page 42: - Ei! Minha gente é o quibungo! -
- Page 46: Ela respondeu: Pode comê-los, embo
- Page 50: A menina, de raiva, enterrou a cach
- Page 54: A aranha caranguejeira e o quibungo
- Page 60: A filha que ficou com o seu pai Rez
- Page 64: A minina que ficô morano mais o pa
- Page 68: Quibungo Luís da Câmara Cascudo
- Page 72: e sociais da Bahia não diferem tan
- Page 76: o entrecruzamento de várias versõ
- Page 80: narrativa, assim como o domínio do
- Page 84: mas era feia, horrorosa, parecia a
- Page 88: lobo fantástico. Assim, há uma ap
- Page 92: Referências: BANDEIRA, Manuel. Man
- Page 96: XIMBUNGO, de pronúncia dialetal, s
- Page 100: Campos, o monstro é nomeado como b
- Page 104: O bicho consentiu. E lá foram os d
A todo bicho que passava, o quibungo pedia para lhe cortar os cipós<br />
que o prendiam ao toco. Mas nenhum quis fazer-lhe o favor, dizendo:<br />
– Eu não. Para, quando acabar, tu ires comer meus filhos...<br />
Por fim, passou o cupim e ele pediu com voz de choro:<br />
– Cupim, me dá aqui nestes cipós, cupim…<br />
– Eu não. Para, quando acabar, tu ires comer meus filhos.<br />
– Me solta, cupim, que eu não como mais, não!<br />
Tanto pediu, tanto rogou, até que o cupim ajuntou todos os companheiros<br />
e num instante roeram os cipós.<br />
Assim que o quibungo se viu solto, foi logo em procura da aranha,<br />
que já andava muito longe.<br />
Passado algum tempo, houve uma seca muito grande e os bichos<br />
reuniram-se para fazer uma fonte. Então o quibungo pensou logo em pegar<br />
a aranha. Todos os dias ficava de sentinela na fonte, para ver se lhe punha<br />
a mão em cima, quando ela fosse beber água.<br />
A aranha ficou matutando um meio de ir beber na fonte, sem ser<br />
reconhecida pelo quibungo. No final das contas, achou o couro de um veado<br />
que havia morrido esturricado de sede. Meteu-se dentro dele e saiu<br />
por ali afora, toda borocochó, cai aqui, cai acolá, sem poder com o peso<br />
do couro, até que deu na fonte. Chegando lá, o quibungo perguntou-lhe:<br />
– Oh! Amigo veado, o que foi que você teve, que ficou seco assim<br />
desse jeito?<br />
Respondeu a aranha, de dentro do couro, dando um suspiro muito<br />
comprido:<br />
– Ai! Amigo quibungo… hum! Quem me pôs assim neste estado, que você<br />
está vendo, foi aquela malvada da aranha caranguejeira, aquela excomungada!<br />
– O quê? A aranha caranguejeira? Ah! Amigo veado, se você soubesse<br />
o que aquela peste me fez…<br />
Aí contou-lhe o que se passara, arrematando:<br />
– Mas deixe estar, que eu pego ela aqui e dou-lhe o troco.<br />
A aranha desceu, chegou à beira da fonte, bebeu água, tomou<br />
banho e raspou-se. Quando já estava um bocado distante, saiu de dentro<br />
do couro do veado, subiu numa árvore bem alta e gritou:<br />
– Quibungo! Ôi! Quibungo!... Sou eu, olha.<br />
O quibungo ficou fulo de raiva, porém, não pode agarrá-la.<br />
56 Conversas com quibungos<br />
O Quibungo e a cachorra<br />
“ Foi um dia uma cachorra cujos filhos, todas as vezes que ela paria, eram<br />
comidos pelo Quibungo. Então para poder livrar os novos filhos do Quibungo<br />
que queria comê-los, meteu-os num buraco e ficou sentada em cima, vestida<br />
com uma saia e um colar no pescoço. Chegando o Quibungo e vendo<br />
a cachorra assim vestida, a desconheceu e teve medo de aproximar-se.<br />
Então passando o Cágado, ele perguntou-lhe:<br />
Ótavi, ótavi, longôzôê<br />
ilá ponô êfan<br />
i vê pondêrêmunhôtô rô men i cós<br />
assenta ni ananá ogannê sô arôrô ale nuxá.<br />
Né só arorô ale nuxa?<br />
O Cágado respondeu: “Não sei, Quibungo”.<br />
Passou a raposa. Quibungo fez a mesma pergunta cantando, e a<br />
raposa respondeu que não sabia. Passou então o coelho e o Quibungo<br />
fez-lhe ainda a pergunta; foi quando este disse: “Ora Quibungo, você<br />
não conhece a cachorra vestida de saia com o colar no pescoço?” Ah, o<br />
Quibungo correu atrás da cachorra para matá-la, e esta atrás do coelho.<br />
Nesta carreira entraram pela cidade. Os homens mataram o Quibungo e<br />
a cachorra matou o coelho. Entrou por uma porta e saiu pela outra, rei<br />
meu senhor, que me conte outra”.