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Untitled - FALE - UFMG

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altos montes, os escalavrados cor de sangue das ladeiras íngremes, e mais<br />

que tudo, os pedaços de sua longa cabeleira que de passagem deixava-os<br />

pendurados nas ramagens. E aos bocados apanhando-os juravam e juravam<br />

tanto por essa existência, tais a certeza e a convicção dessa verdade,<br />

que as gerações modernas nunca mais a esqueceram.<br />

Um dia, em 1893, em demanda do arraial do Jacaré, ribeirinho povoado<br />

do São Francisco, fronteiro ao grande morro do Itacarambi, chegara<br />

de carreira um tapuia das cercanias, conduzindo três filhinhos.<br />

Ali entrara desvairada, gritando, pedindo socorro, bradando misericórdia.<br />

Cercaram-na, indagando a causa.<br />

Era o bicho-homem que gritava na floresta, tendo descido as montanhas;<br />

que lá vinha errando e o mundo estava pr’acabar.<br />

Que bem diziam os seus antepassados!<br />

Ela e muita gente sua tinha ouvido os seus horrores.<br />

Por essas catingas, apontava ela, estirando à direita, em busca da<br />

beira do rio, muito povo, muito povo correndo!<br />

Causava lástima ver o estado triste, desesperador, dessa pobre<br />

criatura em desalinho, roupas em tiras, olhos esbugalhados, apontando<br />

sempre quase louca em rumo às montanhas interiores.<br />

– Ah! O bicho-homem! Ouvi gritar! É horroroso! É horroroso, Virgem<br />

Mãe do Céu!<br />

O povo olhava atônito para o fundo escuro das selvas, onde, a um<br />

canto ao norte, se alteiava o dorso gigante do Itacarambi.<br />

Estaria, porventura, o monstro por detrás do fabuloso e vizinho<br />

monte?<br />

Existia a lenda.<br />

De fato, seria verdadeira a historia do bicho-homem? Seria mentira<br />

dessa cabocla e deveras andariam outros correndo, amedrontados como ela?<br />

– Uai! uai! uai! uai! ai! ai!... ô! ô! ô! ô!... ai! ai! ai! ai! ai! ai! uai!... ai!<br />

ai! ai! ai! ô! ô! ô! ô!... bradara desse instante forte por mais de três léguas<br />

em torno de um grito formidável, de ferro, realmente pavoroso de lástima,<br />

alto, profundo, imenso, aterrador e pungente, vale em fora – o apito de<br />

vaia, descomunal, vagabundo, peralta, desmantelado, gracista, metido a<br />

sebo e pedante, do vapor Rodrigo Silva de passagem por aquele porto.<br />

38 Fugas e ataques<br />

O quibungo e o menino do saco de penas<br />

Era um menino que, desde que teve entendimento, começou a andar no<br />

mato armando laços e arapucas para pegar passarinhos. De cada um<br />

que ele pegava, tirava uma pena da asa e outra do rabo, guardando-as<br />

num saco. Chegou assim a juntar um saco de penas. Seu pai e sua mãe<br />

perguntavam:<br />

– Meu filho, para que é que você junta esta porção de penas?<br />

– Deixe estar, que elas hão de servir! – respondia o menino.<br />

De uma feita, toda a família do menino reuniu-se para ir fazer uma<br />

pescaria num rio muito longe. Desde a véspera começaram a se aprontar<br />

para a viagem: uns fazendo comida para levar, outros consertando os seus<br />

anzóis, os seus puçás, os seus munzuás, as suas redes. O menino, porém,<br />

estava bem quieto. Quando foi na hora da partida, ele agarrou o seu saco<br />

de penas e botou-o nas costas. Perguntou-lhe o pai:<br />

– Meu filho, aonde vai você com esse saco de penas?<br />

– Eu preciso dele, meu pai. Deixe estar.<br />

Quando chegaram ao lugar da pescaria, cada qual foi arriando a sua<br />

trouxa. Porém o menino, com o seu saco agarrado. Prepararam-se todos,<br />

entraram no rio e começaram a pescaria. Uns diziam:<br />

– lh! Minha gente, aqui tem quibungo...<br />

– Qual o quê! Não tem... – respondiam os outros.<br />

Estavam nesta contenda, – tem, não tem, – quando ouviram aquele<br />

ronco medonho dentro do mato, lá muito longe. Fizeram uma alaúza<br />

terrível entre si.

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