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A mulher, coitadinha, disse: E vosmincê, E vosmincê Pode tomar. Então o bicho - lapo!… - comeu o menino. Assim, comeu todos os outros. Quando estava comendo o último, a mulher, vendo que também ia ser comida, disse com voz de choro: Tomara o galo, Tomara o galo Já cantar. Perguntou o bicho: - Para quê? A mulher: Pro bicho-homem, Pro bicho-homem Não me comer. Quando foi acabando de falar, o bicho foi saltando em cima dela e engolindo-a inteirinha. Porém ficou com a barriga tão cheia, que não podia dar nem um passo. O homem, chegando em casa, meteu-lhe o pau até matá-lo. O pobre ficou muito desgostoso da vida, indo-se embora pelo mundo afora. 36 Fugas e ataques O bicho-homem No fundo das matas virgens e encostas das escarpadas serra de São João das Missões de Januária, segundo lendas antigas, morava o bicho-homem. Rezavam elas que em tempos primitivos, dezenas de índios caçadores e meladores daquela aldeia foram por ele devoradas. Diziam-no um gigante tão alto, que sua cabeça tocava as frondes das mais altas árvores, tendo um olho só, um pé só, pé enorme, redondo, denominado por isto de pé-de-garrafa. Afirmavam que em eras não mui remotas, um dia pela Estrada Real apareceram as pegadas extraordinárias jamais vistas, de uma criatura humana. Mais de vinte cavaleiros infrutiferamente seguiram-nas por muitos dias. A ideia e o perigo de encontrar-se com o bicho-homem os dissuadiram da empresa. Não poucos atestavam tê-lo visto, pintando-o com cores vivas e tão vivas, que nunca mais na aldeia essas se apagaram da imaginação aborígene. De tempos a tempos sucedia que lenhadores, caçadores e meladores, amedrontados e escarreirados das brenhas e carrascais aos gritos do bicho-homem, alarmavam a aldeia. Esses gritos eram horrorosos; e se um dia por desgraça, saísse o bicho dos seus esconderijos das montanhas, bastaria um só para arrasar o mundo. Sua existência estava povoada por sinais de seus dedos monstruosos e aguçadas unhas, lanhando as terras vermelhas e pedras das paredes dos
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A mulher, coitadinha, disse:<br />
E vosmincê,<br />
E vosmincê<br />
Pode tomar.<br />
Então o bicho - lapo!… - comeu o menino. Assim, comeu todos os<br />
outros. Quando estava comendo o último, a mulher, vendo que também<br />
ia ser comida, disse com voz de choro:<br />
Tomara o galo,<br />
Tomara o galo<br />
Já cantar.<br />
Perguntou o bicho:<br />
- Para quê?<br />
A mulher:<br />
Pro bicho-homem,<br />
Pro bicho-homem<br />
Não me comer.<br />
Quando foi acabando de falar, o bicho foi saltando em cima dela e<br />
engolindo-a inteirinha. Porém ficou com a barriga tão cheia, que não podia<br />
dar nem um passo. O homem, chegando em casa, meteu-lhe o pau até<br />
matá-lo. O pobre ficou muito desgostoso da vida, indo-se embora pelo<br />
mundo afora.<br />
36 Fugas e ataques<br />
O bicho-homem<br />
No fundo das matas virgens e encostas das escarpadas serra de São João<br />
das Missões de Januária, segundo lendas antigas, morava o bicho-homem.<br />
Rezavam elas que em tempos primitivos, dezenas de índios caçadores e<br />
meladores daquela aldeia foram por ele devoradas.<br />
Diziam-no um gigante tão alto, que sua cabeça tocava as frondes<br />
das mais altas árvores, tendo um olho só, um pé só, pé enorme, redondo,<br />
denominado por isto de pé-de-garrafa.<br />
Afirmavam que em eras não mui remotas, um dia pela Estrada<br />
Real apareceram as pegadas extraordinárias jamais vistas, de uma criatura<br />
humana. Mais de vinte cavaleiros infrutiferamente seguiram-nas por<br />
muitos dias.<br />
A ideia e o perigo de encontrar-se com o bicho-homem os dissuadiram<br />
da empresa. Não poucos atestavam tê-lo visto, pintando-o com<br />
cores vivas e tão vivas, que nunca mais na aldeia essas se apagaram da<br />
imaginação aborígene.<br />
De tempos a tempos sucedia que lenhadores, caçadores e meladores,<br />
amedrontados e escarreirados das brenhas e carrascais aos gritos do<br />
bicho-homem, alarmavam a aldeia.<br />
Esses gritos eram horrorosos; e se um dia por desgraça, saísse o<br />
bicho dos seus esconderijos das montanhas, bastaria um só para arrasar<br />
o mundo.<br />
Sua existência estava povoada por sinais de seus dedos monstruosos<br />
e aguçadas unhas, lanhando as terras vermelhas e pedras das paredes dos