17.04.2013 Views

Untitled - FALE - UFMG

Untitled - FALE - UFMG

Untitled - FALE - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Nesse processo transculturador, é fundamental considerar as rela-<br />

ções linguísticas interculturais nos contos do ciclo do quibungo. A palavra<br />

quibungo, por exemplo, de origem africana, passou a integrar a língua<br />

portuguesa, nomeando não só um personagem da tradição oral, mas<br />

sendo usada com frequência e com novas acepções pela população baiana<br />

– diabo, feiticeiro, indivíduo desasseado, maltrapilho, ser estranho ou<br />

animal selvagem –, conforme observou Nina Rodrigues na época de suas<br />

pesquisas. 22 Também Luís da Câmara Cascudo chama a atenção para outro<br />

significado possível de quibungo, da qual derivaria um novo vocábulo –<br />

chibungo – usado na Bahia para denominar homossexual. 23<br />

Além do nome do monstro, os contos acabaram por inscrever outras<br />

palavras e expressões de origem africana na língua portuguesa. Em<br />

algumas histórias, o canto do quibungo e de outros personagens são<br />

representados em língua africana. Na história “O quibungo e o homem”,<br />

registrada por Nina Rodrigues, o canto do quibungo afigura-se por intermédio<br />

de versos de construção linguística híbrida, compostos de palavras<br />

e expressões em língua africana e em língua portuguesa.<br />

De quem é esta casa,<br />

auê<br />

como gére, como gére,<br />

como éra?<br />

A mulher respondeu:<br />

A casa é de meu marido,<br />

aué,<br />

como géré, como gérê,<br />

como érá. 24<br />

Em outro conto, “Quibungo na festa da aranha”, registrado por<br />

Souza Carneiro, a língua africana mistura-se com a língua portuguesa<br />

para comporem uma narrativa em que o entrecruzamento de vocábulos<br />

africanos e portugueses é ainda mais intenso.<br />

Quiansi deu uma festa grande e convidou os bichos “encantados”,<br />

menos Quibungo. Ele soube porque Aquilão Grilo levava todas as<br />

noites cantando:<br />

Tiriri, tiriri<br />

22 RODRIGUES. Os africanos no Brasil, p. 204.<br />

23 CASCUDO. Geografia dos mitos brasileiros, p. 238-239.<br />

24 RODRIGUES. Os africanos no Brasil, p. 202.<br />

106 Escritos sobre quibungos<br />

Vamos pra fésta<br />

De Quiansi<br />

Ouviu, calou-se e foi seguindo seu caminho. Manhãsinha cêdo,<br />

saiu pelo mato e ouviu a Calanga conversando com o Quiajapá:<br />

Aiué, aiué, Quiapajá,<br />

Vamos pra fésta<br />

De Quiansi.<br />

Quibungo ouviu, calou-se e foi seguindo seu caminho. E assim ia<br />

se escondendo e sabendo de tudo, de quem ia, de quem não ia e<br />

até que não o queriam lá.<br />

No dia, o terreiro encheu-se. A fésta era mesmo d’aquelas. Quibungo<br />

veiu se mongando, pelas beiradas do lugar em que todos<br />

batiam com as cabeças apoiando o que a velha e sabidona Quiansi<br />

dizia. Estirava o pescoço e – paco! – um bicho pro “mastigo” da<br />

bóca das cóstas. Um casal de Quioá que estava falando mal dêle,<br />

foi a conta: entrou tambem no buráco.<br />

O estrago era grande. Pra não dar na vista, Quibungo entrou no<br />

mato, deu uma volta e apareceu do outro lado do terreiro, todo<br />

sambanga, fingindo alegria:<br />

Bungo Quibungo<br />

Vim pra fésta<br />

De Quiansi.<br />

Os bichos debandaram pra todos os lados, com medo. Isso mesmo<br />

que ele quiz. Numa ocasião dessas quando ele abriu a bôca das<br />

costas pra botar mais, os Quiocá saltaram de dentro e pernas no<br />

mundo. Ele viu. Deu nas canélas atraz. Sungou-os com as ventas<br />

que foi aquela belêsa. Grudou os dois pelas orêlhas e foi aquela<br />

belêsa. Grudou os dois pelas orêlhas e foi cantando de alegria:<br />

Ocalume, Ocacái<br />

Pra mala de Quibungo<br />

Vai, vai.<br />

Estava nisso quando deu um geito. A barriga das costas abriu-se e<br />

todos os bichos que ele tinha pegado arribaram. Quibungo aí soltou<br />

os Quiocá, que se largaram a correr, pula aqui, salta acolá. Quibungo<br />

ia atraz deles, mas se entreteve com a musica de Aquilão Grilo:<br />

Tiriri, tiriri<br />

Bungo, Quibungo<br />

Uma vez um quibungo 107

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!