17.04.2013 Views

Untitled - FALE - UFMG

Untitled - FALE - UFMG

Untitled - FALE - UFMG

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O negro foi logo dando o preço: – é tanto. Arriou surrão no chão<br />

e disse:<br />

– Canta, canta, minha surão,<br />

Sinão eu ti dá<br />

Cum cachamora di minha brudão.<br />

A pobrezinha, com medo das pancadas, cantou:<br />

– Neste surrão eu estou,<br />

Neste surrão morrerei,<br />

Por causa de uns brinquinhos de ouro,<br />

Que lá na fonte deixei. 13<br />

Nessa narrativa, apesar de emergir um preconceito envolvendo a<br />

figura do negro, que é representado como um anti-herói, instaurando-se,<br />

a exemplo do que ocorre na Literatura Brasileira escrita, o estereótipo do<br />

negro vilão, 14 a presença desse personagem acaba também por estabelecer<br />

um diálogo da narrativa com a própria tradição oral africana. Nas narrativas<br />

do ciclo do quibungo, uma das explicações para a existência do monstro<br />

seria o fato de que negros velhos se transformariam em quibungo. Desse<br />

modo, o homem do surrão seria uma espécie de negro velho assumindo a<br />

forma de quibungo.<br />

Em outra narrativa que envolve o homem do surrão, publicada por<br />

Nair Starling, em Nossas lendas, cuja primeira edição é de 1946, a voz<br />

africana acaba por se fazer presente de maneira mais explícita. Nessa<br />

história, o próprio homem surrão recebe uma denominação africana:<br />

candombe serê.<br />

Menina levada como a Heleninha não existia! Desobediente, estava<br />

sempre obrigando a mãe a repreendê-la várias vezes ao dia.<br />

A mãe dizia-lhe com carinho e amor:<br />

– Filhinha, não saia sozinha, não fuja de casa, não ande pelos<br />

escuros e em lugares longe da mamãe.<br />

Entravam por um ouvido e saíam pelo outro os conselhos da mãe.<br />

Heleninha era mesmo incorrigível!<br />

Muita gente que a via na rua, suja e só, perguntava assombrada:<br />

– Cruzes, esta menina não tem mãe?<br />

Por várias vezes a mamãe de Heleninha soube disso e chorou de mágoa.<br />

13 A respeito da criação de estereótipos na representação do negro na literatura brasileira, ver, por<br />

exemplo, PROENÇA FILHO. O negro e a literatura brasileira.<br />

14 STARLING. Nossas lendas, p. 117.<br />

100 Escritos sobre quibungos<br />

Heleninha, entretanto, era incorrigível.<br />

Mas o castigo de Deus, quando tarda, já está a caminho…<br />

Aconteceu que, um belo dia, Heleninha saiu como de costume, e<br />

resolveu dar um giro à beira do rio.<br />

Beira de rio será lugar para uma menina andar sozinha?<br />

Não, não é! Heleninha sabia bem disto, mas teimosa, só fazia sua<br />

própria vontade e lá se foi satisfeita, saltitante pela estrada.<br />

O rio rolava e cantava:<br />

– Bom dia, menina Helena, que fazes aqui, sozinha?<br />

Heleninha, jogando pedrinhas dentro do rio, respondia:<br />

– Vim ver-te, rio. Como vão os peixinhos?<br />

Mas o diálogo não durou muito. Mão feia e cabeluda agarrou-a. A<br />

pobre menina nem tempo de gritar teve.<br />

Estava segura! Num minuto, estava dentro de um saco enorme,<br />

todo fechado, escuro como breu. Era o saco de Candombe Serê…<br />

Desse dia em diante, o destino da pobre Heleninha foi andar de<br />

porta em porta, dentro do saco escuro do Candombe e cantando<br />

à sua ordem brutal:<br />

Canta, canta, meu surrão,<br />

Senão te meto meu facão.<br />

Canta, canta, meu surrão,<br />

Senão te meto meu facão…<br />

Cabe observar que nessa história, o personagem candombe serê<br />

aproxima-se também da forma antropomórfica do quibungo, sob uma<br />

figura que o coloca entre o humano e o animal. É interessante destacar<br />

também que esse conto mantém um forte diálogo com “O bicho pondê”,<br />

uma das histórias que integram o ciclo do quibungo e que representaria<br />

a primeira publicação de histórias desse ciclo no Brasil, registrada por<br />

Lindolfo Gomes no município de Juiz de Fora e publicada pela primeira<br />

vez em 1918.<br />

Era uma vez uma menina que não parava em casa. Se sua avozinha<br />

a mandava a algum lugar, demorava-se pelas estradas,<br />

distraída a brincar.<br />

Um dia saiu a um mandado, e por lá ficou horas esquecidas.<br />

Mal se precatou, apareceu-lhe o Bicho Pondê que por força<br />

queria comê-la.<br />

A menina começou a chorar:<br />

– Não me mates, não. Deixa-me chegar à porta de minha madrinha.<br />

Uma vez um quibungo 101

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!