Untitled - FALE - UFMG
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Campos, o monstro é nomeado como bicho-homem. Nessa história, o mons-<br />
tro não aparece com uma abertura nas costas por onde engole crianças, mas<br />
é descrito com uma boca muito grande que cumpre a função de devorar.<br />
Histórias envolvendo o bicho-homem são encontradas em diferentes<br />
regiões do Brasil. No livro Brasil interior: palestras populares – Folk-lore<br />
das margens do S. Francisco, de Manuel Ambrósio, publicado em 1934,<br />
há o registro de uma história do bicho-homem. Nessa narrativa, o personagem,<br />
além de ter o atributo de devorar suas vítimas, é descrito com<br />
apenas um olho e é dotado de grande tamanho, ao modo de um ciclope.<br />
No fundo das mattas virgens e encostas das escarpadas serras de<br />
S. João das Missões de Januaria, segundo lendas antigas, morava<br />
o Bicho-homem. Rezavam ellas que em tempos primitivos, dezenas<br />
de indios caçadores e melladores d’aquella aldeia foram por<br />
elle devoradas.<br />
Diziam-no um gigante tão alto, que sua cabeça tocava às frondes<br />
das mais altas árvores, tendo um olho só, um pé só, pé enorme,<br />
redondo denominado por isto de pé de garrafa. 10<br />
Outro registro de narrativa com o personagem bicho-homem foi<br />
feito no município de Minas Novas, em Minas Gerais. Na década de 90 do<br />
século XX, a pesquisadora Sônia Queiroz registrou “O caso do bicho-home”,<br />
narrada pelo contador Joaquim Soares Ramos.<br />
Era uma famia de gente aonde tinha um rapazin que via sempre<br />
falá no Bicho-home. Falô:<br />
– Ô, gente, mais eu tinha uma vontade de cunhecê o Bicho-home!<br />
Foi cresceno naquilo. Quando foi que ele virô um rapaz mesmo, falô:<br />
– É moço, só ieu saíno pa vê se eu encontro mais o Bicho-home.<br />
Eu tenho muita vontade de cunhecê ele.<br />
Antão saiu. 11<br />
As metamorfoses que permeiam a tradição oral acabam também<br />
por permitir a identificação de ressonâncias das histórias do quibungo em<br />
outro conto oral transmitido em terras brasileiras e também registrado na<br />
Europa: a história do homem do surrão. Nessa narrativa, o personagem<br />
10 Acervo do projeto Quem conta um conto aumenta um ponto, da Faculdade de Letras da <strong>UFMG</strong>.<br />
Transcrição de Ana Elisa Ferreira Ribeiro, a partir de gravação feita com Joaquim Soares Ramos, em<br />
Minas Novas, agosto de 1997, por Sônia Queiroz.<br />
11 CASCUDO. Geografia dos mitos brasileiros, p. 238.<br />
98 Escritos sobre quibungos<br />
“engole” suas vítimas por intermédio de um saco de couro que leva às<br />
costas. Luís da Câmara Cascudo, em Geografia dos mitos brasileiros, sugeriu<br />
analogia do homem do surrão com o quibungo.<br />
O Homem do Surrão faz parte de estórias portuguesas e está em<br />
quase toda a Europa. É um homem velho, esfarrapado, sujo e muito<br />
feio, que procura agarrar as crianças vadias ou descuidadas, e<br />
metê-las num grande saco de couro, de abertura larga. Não se sabe<br />
como morrem as crianças. Se o homem as come ou mata-as pelo<br />
prazer de matá-las. Cada criança que o homem segura é sacudida<br />
no surrão que se fecha. Para este movimento é preciso que o homem<br />
baixe a cabeça. O surrão abre-se. Presa a criança, fechado o saco,<br />
o homem ergue a cabeça. São as atitudes do Quibungo com sua<br />
imensa bocarra. Pela descrição, a boca do Quibungo é um saco. 12<br />
Nesse conto, o homem do surrão prende uma criança dentro do seu<br />
saco de couro e a obriga a cantar. Várias pessoas, ao ouvirem o canto,<br />
desconhecendo que dentro do saco o homem leva uma criança, acabam<br />
por acreditar na magia do surrão. Em uma das histórias, registradas por<br />
João da Silva Campos, o homem do surrão é um negro velho.<br />
12 CAMPOS. O surrão que cantava.<br />
Uma menina foi tomar banho na fonte e esqueceu-se dos seus<br />
brinquinhos de ouro em cima de uma pedra. Quando chegou em<br />
casa, que deu por falta deles, voltou para procurá-los. Um negro<br />
velho, que estava escondido dentro do mato, assim que ela acabou<br />
de tomar banho e foi-se embora, saiu, apanhou os brincos e<br />
botou-os dentro do seu surrão. Quando a menina tornou à fonte,<br />
não encontrando os brinquinhos, perguntou ao negro velho, que<br />
estava ali sentado, fumando o seu cachimbo:<br />
– Meu tio, você viu uns brinquinhos de ouro que eu deixei aqui em<br />
cima desta pedra?<br />
– Ah! ah! ah! sinhazinha, respondeu o negro. Tá qui dentro di minha<br />
surão. Enta, sinhazinha, pa tirá.<br />
E abriu a boca do surrão. Assim que a boba entrou, ele fechou a<br />
boca do surrão, amarrou bem, botou o surrão nas costas e saiu por<br />
ali afora. A menina, coitadinha, chorava para se acabar. Chegando<br />
a uma casa, disse o negro:<br />
– Assuncê qué vê minha surão cantá?<br />
– Quero, respondeu o dono da casa.<br />
Uma vez um quibungo 99