Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
FICÇÃO É JULGADA SOB AS LENTES DA HISTÓRIA<br />
REIS — Olha, o Gabeira foi um intelectual, como muitos<br />
naquela época, que quando veio para a luta arma<strong>da</strong> abdicou<br />
de to<strong>da</strong> uma visão crítica a respeito <strong>da</strong>s concepções<br />
e dos métodos <strong>da</strong> luta arma<strong>da</strong>. O Gabeira, nesse sentido,<br />
é muito representativo de um conjunto de intelectuais,<br />
não só do Brasil, mas <strong>da</strong> América Latina, <strong>da</strong> Europa<br />
e dos Estados Unidos, nos anos 60, às vezes muito<br />
sofisticados, que aderiram à luta arma<strong>da</strong>, abdicando de<br />
todo um aparelho conceitual e crítico que eles eventualmente<br />
tinham acumulado. No livro O que é isso,<br />
companheiro?, o Gabeira apresenta to<strong>da</strong> uma visão autocrítica<br />
que a esquer<strong>da</strong> foi acumulando no exílio, uma<br />
autocrítica que foi se elaborando progressivamente,<br />
depois <strong>da</strong> que<strong>da</strong> do Allende 2 , no Chile, e o Gabeira apresenta<br />
essa visão como sendo dele, indivíduo, e como se<br />
ele tivesse tido uma visão desde 1964. Ele não só individualiza<br />
a autocrítica como a coloca retrospectivamente,<br />
como se nunca tivesse sido diferente. E isso é<br />
uma falsi<strong>da</strong>de. Se o Gabeira tivesse essa crítica agu<strong>da</strong> do<br />
processo todo, ele nunca seria admitido numa<br />
organização de esquer<strong>da</strong>. Eu me lembro perfeitamente<br />
que ele, inclusive — e eu não digo que era uma<br />
característica dele não, mas nossa —, tinha uma propensão<br />
até a ver com uma certa repulsa o passado dele<br />
como intelectual. Eu me lembro que quando nós fomos<br />
trocados pelo embaixador alemão e chegamos em<br />
2. Salvador Allende, eleito presidente do Chile em 1970 pela coalizão<br />
de esquer<strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de Popular (UP). Em seu governo lutou para<br />
socializar a economia, realizar a reforma agrária e nacionalizar as<br />
indústrias. Foi derrubado em 11/09/73 por um violento golpe militar.<br />
82