Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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EUGÊNIO BUCCI<br />
dizer (não se pode falar de uma finali<strong>da</strong>de nesses termos), a<br />
sua vocação é absolver o centro — apenas o centro. De to<strong>da</strong><br />
essa sujeira, só quem sai sem manchas é a bandeira americana.<br />
O sujeito narrador a leva embora consigo, limpa, depois<br />
que seu martírio termina. E mesmo o martírio acaba sendo<br />
um modo de purgar a culpa inconfessa que ele há de ter; é<br />
um martírio justo, ain<strong>da</strong> que confuso. Mas, uma vez liberto,<br />
ele volta para casa, leve e livre, como sempre faz o sujeito<br />
do cinema americano. Do meio do fogo entre os dois<br />
extremos, ele sai ferido na cabeça (na consciência), o que<br />
seria devido, mas sai ileso, moralmente ileso.<br />
Por tudo isso, O que é isso, companheiro? é candi<strong>da</strong>to ao<br />
Oscar. A algum Oscar. A menos que haja um acidente grave<br />
de percurso, ele corre o risco de levar uma premiação.<br />
Estava faltando um filme para expiar a culpa americana pelos<br />
crimes praticados no Brasil contra os direitos humanos.<br />
O que é isso, companheiro? faz isso — e faz isso sem ter que<br />
defender a luta arma<strong>da</strong>, embora seja até simpático em relação<br />
a alguns de seus personagens, e sem defender a tortura,<br />
ain<strong>da</strong> que incorporando o fictício drama de consciência de<br />
um torturador. Há nesse detalhe, como em todos os outros,<br />
uma sóli<strong>da</strong> justificativa de natureza narrativa, ou dramática.<br />
Para que as tensões funcionassem, um dos torturadores<br />
precisava ter alguma complexi<strong>da</strong>de, alguma hesitação ética,<br />
do mesmo modo que o jornalista Fernando sofria com seus<br />
dilemas antimilitaristas. Por isso, um dos torturadores, o<br />
branco, vira um híbrido quase inconsistente, mas um híbrido<br />
tão necessário que sua inconsistência evapora: comete<br />
baixezas de que só alguém irremediavelmente degra<strong>da</strong>do seria<br />
capaz, e analisa as tendências com o toque visionário digno<br />
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