Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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CONTRAPONTO<br />
No filme de Bruno Barreto não é assim. Ali, a decisão<br />
pela entra<strong>da</strong> na luta arma<strong>da</strong> não vem de uma afetação melodramática.<br />
Apenas uma <strong>da</strong>s guerrilheiras, a que é interpreta<strong>da</strong><br />
pela mesma Cláudia Abreu de Anos Rebeldes, manifesta<br />
uma crise com o pai. Ela está angustia<strong>da</strong> e, num telefonema<br />
rápido, tenta falar com o pai. Este não lhe dá atenção.<br />
Assim, insinua-se que a moça pega em armas por lhe faltar o<br />
carinho paterno. Mas é uma cena isola<strong>da</strong>, desnecessária, destoante<br />
e intrusa. Durante quase todo o filme, o curso principal<br />
<strong>da</strong> narrativa soube guar<strong>da</strong>r boa distância <strong>da</strong>s motivações<br />
melodramáticas. Quanto aos outros seqüestradores, são<br />
puros seres políticos. Podem ser superficiais, podem ser até<br />
caricatos, mas sua motivação é política. As razões que o jornalista<br />
Fernando apresenta para cair na clandestini<strong>da</strong>de e se<br />
tornar guerrilheiro são razões claramente fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s<br />
em um debate político. Rapi<strong>da</strong>mente, ele refaz o raciocínio<br />
que acabou ficando um lugar comum <strong>da</strong>queles tempos: sem<br />
liber<strong>da</strong>de de imprensa, sem democracia, só a força <strong>da</strong>s armas<br />
derruba a ditadura. As relações pessoais (sentimentais)<br />
que os militantes vão desenvolver entre si acontecerão como<br />
decorrência <strong>da</strong> opção política — e não o contrário.<br />
Só por isso a memória <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> brasileira sai mais<br />
respeita<strong>da</strong> de O que é isso, companheiro? do que de Anos<br />
Rebeldes. É natural que, sendo apenas políticos, pouco<br />
“humanos” segundo uma certa expectativa, os personagens<br />
do filme acabem se estreitando e passando ao espectador<br />
uma imagem que é necessariamente uma versão<br />
metonímica de si mesmos. Ficam panfletários demais.<br />
Mas essa estreiteza não é invenção do filme de Bruno<br />
Barreto — ela vem meio de contrabando <strong>da</strong> própria crí-<br />
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