Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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PELA PORTA DOS FUNDOS<br />
No primeiro caso, trata-se de listar tantos funcionários<br />
dos órgãos <strong>da</strong> repressão e policiais “bonzinhos”,<br />
tantos gestos simpáticos que, aquilo que foi a<br />
exceção transforma-se em regra, uma vez mesmo que,<br />
comparativamente, poucos elementos truculentos são<br />
descritos.<br />
No segundo caso — que está imbricado com o<br />
primeiro —, a tortura vira exclusivamente uma prática<br />
racional. Ora, a face racional <strong>da</strong> tortura é sua face de<br />
política de Estado, decidi<strong>da</strong> na mais alta cúpula do governo<br />
que a dirige e a coloca a seu serviço. Mas, como<br />
os coman<strong>da</strong>ntes civis e militares estão invisíveis no livro<br />
e a natureza do regime não é seu objeto, dirigentes e<br />
regime ficam absolvidos. A racionali<strong>da</strong>de, por sua vez,<br />
é transferi<strong>da</strong> pelo autor para os porões do regime que,<br />
todos sabemos, viviam infestados de psicopatas cujas<br />
taras sempre foram coloca<strong>da</strong>s a serviço <strong>da</strong>quela razão<br />
que as estimulou e orientou.<br />
Para ser fiel ao espírito do argumento e obedecer ao<br />
espaço/tempo de um filme comercial, a dupla Barreto/<br />
Serran abandona a técnica cumulativa, substituindo-a<br />
pelas caricaturas dos dois policiais jovens (Marco Ricca<br />
e Maurício Gonçalves), coisa tão óbvia que não nos deteremos<br />
sobre ela. Quanto à racionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> tortura, o<br />
filme acompanha o livro ao pé <strong>da</strong> letra e ain<strong>da</strong> fabula<br />
com a criação do personagem militar moderado, interpretado<br />
por Othon Bastos — outra “licença poética”.<br />
Depois <strong>da</strong> cena que legitima o filme enquanto depoimento,<br />
e à qual já nos referimos, quando o público<br />
já identificou e se identificou com o re<strong>da</strong>tor-ficcional-<br />
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