Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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ALIPIO FREIRE<br />
tima<strong>da</strong>) no inconsciente coletivo e que sustenta invisivelmente<br />
o texto. É a coroação do herói e a descrição<br />
de suas aventuras, descobertas e proezas no caminho<br />
de volta ao lar. Mas, aqui, trata-se <strong>da</strong>quelas epopéias<br />
encomen<strong>da</strong><strong>da</strong>s por príncipes para louvar seus feitos,<br />
e nos quais ele (o príncipe) é o herói, e o poeta a quem<br />
se faz a encomen<strong>da</strong> não passa de um cortesão, geralmente<br />
ralo de talento literário, bem como de caráter.<br />
Para além disto é que Gabeira inova: o príncipe (que<br />
é a transição conservadora) está oculto, e o herói é o<br />
personagem de ficção que o leitor deverá supor real<br />
e que corresponde ao autor.<br />
Assim, depois do <strong>seqüestro</strong>, acompanhamos as<br />
peripécias do ficcional-Gabeira clandestino no apartamento<br />
<strong>da</strong> professora Ana (RJ), na casa de uma família<br />
operária (SP), no aparelho que aluga (SP), sua que<strong>da</strong> e<br />
passagem pelo hospital militar e organismos <strong>da</strong> repressão<br />
— onde se deslumbrará com o lúmpen, medi<strong>da</strong> de to<strong>da</strong>s<br />
as coisas — e, por fim, sua saí<strong>da</strong> em troca do embaixador<br />
alemão.<br />
Nesse trajeto, o personagem visita to<strong>da</strong>s as classes<br />
sociais domina<strong>da</strong>s e, uma a uma, passa a “humanizálas”,<br />
descaracterizando as suas situações, os interesses e<br />
papéis sociais e políticos dessas classes. Para tanto, lança<br />
mão de uma subliteratura melosa, cuja matriz varia caso<br />
a caso. “Humaniza<strong>da</strong>s” as classes, “humaniza-se”<br />
também a repressão. Aqui a estratégia segue dois caminhos:<br />
primeiro (e outra vez) a técnica cumulativa; segundo,<br />
a apresentação <strong>da</strong> tortura enquanto fruto <strong>da</strong><br />
razão.<br />
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