Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?: A FICÇÃO RESISTE SEM A HISTÓRIA?<br />
acontecido e se não estivesse absolutamente enraizado<br />
em um momento específico <strong>da</strong> história do nosso país.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, o filme estabelece uma estranha relação<br />
com os acontecimentos ligados ao <strong>seqüestro</strong> do embaixador<br />
norte-americano nos anos 60: por um lado, a história<br />
serve apenas como referencial para a ficção — “um ponto<br />
de parti<strong>da</strong>”, como insiste em dizer o diretor Bruno Barreto;<br />
por outro, o filme não se sustentaria e não teria esse<br />
impacto sem ter a história como pano de fundo.<br />
A multiplici<strong>da</strong>de de acontecimentos que produziram<br />
os anos 60 — seja no Brasil, na França, na Itália ou nos<br />
Estados Unidos — possui cintilâncias, fulgurações que estão<br />
longe de se verem esgota<strong>da</strong>s. A luta por um “mundo<br />
melhor”, a possibili<strong>da</strong>de de se acreditar em uma mu<strong>da</strong>nça,<br />
a crença revolucionária são o que há de mais belo e fascinante<br />
nessa déca<strong>da</strong> de inquietação existencial e perturbação<br />
política e o que nos parece mais distante e quase<br />
incompreensível nesses tempos de normatização política,<br />
estética, ética. Se o ato de seqüestrar um embaixador pode<br />
ser questionável, a aura desses anos se mantém. E é esta<br />
aura que faz, paradoxalmente, O que é isso, companheiro?<br />
funcionar, apesar de suas imagens, sua narrativa e seus personagens.<br />
No filme, o líder do <strong>seqüestro</strong> é mostrado como<br />
um stalinista fascistóide (ele é efetivamente o torturador<br />
mental <strong>da</strong> narrativa, ameaçando incessantemente o embaixador<br />
e seus companheiros — “serão dois tiros...”) e os<br />
demais guerrilheiros — à exceção de Toledo e Fernando<br />
— não passam de jovens tolos e vazios, mas a vitali<strong>da</strong>de<br />
dos anos 60 e a ousadia do <strong>seqüestro</strong> fazem com que “montemos”<br />
esses personagens de outra maneira.<br />
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