Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
JONAS, UM BRASILEIRO<br />
pirar novamente, pensar — se é possível pensar — nas<br />
informações que a repressão tinha a meu respeito e que<br />
eu insistia em negar.<br />
A porta <strong>da</strong> sala fora deixa<strong>da</strong> aberta e um “reco” me<br />
vigiava <strong>da</strong> soleira. Me lembro <strong>da</strong> far<strong>da</strong> verde, do fuzil<br />
nas mãos e <strong>da</strong>quele rosto imberbe me olhando curioso<br />
e parecendo que ia desmanchar num choro de criança.<br />
O tempo passava, interminável. A dor vinha por ponta<strong>da</strong>s<br />
e os músculos <strong>da</strong> perna pareciam irremediavelmente<br />
rompidos. Me lembro que eu conseguia enxergar os três<br />
ou quatro metros de corredor ao levantar a cabeça e<br />
olhar por sobre a barra de ferro do pau-de-arara.<br />
De repente o alvoroço. Corre-corre, empurra-empurra,<br />
gritos, palavrões. Uma pequena multidão, com dificul<strong>da</strong>de,<br />
acabou vencendo o corredor. “Estão matando<br />
um brasileiro!”, você protestava aos urros, enquanto tentava<br />
se defender <strong>da</strong>s botinas dos homens <strong>da</strong> Operação Bandeirantes<br />
que o arrastavam, mãos e pés algemados.<br />
Acho que percebi que se tratava de você, antes mesmo<br />
de vê-lo. Os torturadores já o tratavam pelo nome<br />
de guerra. Eles o chutavam em to<strong>da</strong>s as partes do corpo,<br />
cuspiam em seu rosto, esmurravam-no. “A guerra<br />
acabou, filho <strong>da</strong> puta”, vituperavam seus carrascos enquanto<br />
o espancavam. O corredor polonês não foi capaz<br />
de vencer o orgulho que você trazia no peito: um<br />
esforço sobrenatural do corpo experimentado na luta<br />
de boxe faria você devolver pontapés e cuspara<strong>da</strong>s sobre<br />
seus torturadores.<br />
Não sei quantos segundos, minutos. Até que conseguiram<br />
jogá-lo num dos cantos <strong>da</strong> sala do pau-de-arara.<br />
126