Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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DANIEL AARÃO REIS Fº<br />
Ou seja, os autores do filme sabem apresentar como ricos<br />
e complexos alguns personagens, e não outros. Trata-se<br />
de uma opção.<br />
E de uma proposta. O que pensar, por exemplo, de<br />
uma guerrilheira com um quepe do exército, transforma<strong>da</strong><br />
num ver<strong>da</strong>deiro sargentão, totalmente ridícula, e<br />
ridiculariza<strong>da</strong>? Ou de um grupo de militantes passando<br />
por um exame iniciático, em pé, de rosto para a parede,<br />
exatamente como fazia a polícia política com os guerrilheiros?<br />
Exatamente como a PM faz ain<strong>da</strong> hoje com favelados<br />
e vítimas de suas arbitrarie<strong>da</strong>des? O que pensar <strong>da</strong><br />
cena em que uma guerrilheira transa com o chefe <strong>da</strong><br />
segurança <strong>da</strong> embaixa<strong>da</strong> para obter informações, numa<br />
reprodução fiel e exata <strong>da</strong> versão simplória e pouco<br />
lisonjeira que os homens <strong>da</strong> ditadura tinham <strong>da</strong>s mulheres<br />
que lutavam contra o regime que eles representavam.<br />
Não se trata apenas de preguiça intelectual na pesquisa<br />
de época, trata-se de uma proposta que se esmera<br />
em confundir papéis, e propõe equivalências, dilui<br />
fronteiras...<br />
Por outro lado, e mais expressivo, a tortura aparece<br />
no filme como um acidente, um excesso. E as autori<strong>da</strong>des<br />
mais altas, na única vez em que aparecem, é para<br />
controlar e apaziguar os torturadores sinceros, mas radicais.<br />
Ora, não se pode ignorar que a tortura era uma política<br />
de Estado, sistemática, terrivelmente eficaz. Foi ela, e não<br />
o suposto profissionalismo <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, que destruiu<br />
o movimento revolucionário, de resto condenado<br />
historicamente pelo seu isolamento social e político.<br />
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