Versões e Ficções: O seqüestro da História - DHnet
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DANIEL AARÃO REIS Fº<br />
No contexto <strong>da</strong> mal chama<strong>da</strong> anistia recíproca, não seria<br />
possível avivar a memória sem despertar os demônios<br />
do ressentimento?<br />
Gabeira foi um mestre neste exercício. Amadurecido,<br />
irônico, condescendente, onisciente, por fora do fluxo<br />
dos acontecimentos, leva pela mão seus personagens,<br />
simpáticos incompetentes, em busca <strong>da</strong> utopia<br />
inalcançável. A visão crítica do período, amadureci<strong>da</strong><br />
coletivamente no longo exílio, é retrospectivamente<br />
localiza<strong>da</strong> no fogo mesmo dos acontecimentos, concentrando-se<br />
no personagem principal. E, assim, Gabeira/<br />
guerrilheiro ressurge descolado <strong>da</strong> ingenui<strong>da</strong>de ambiente,<br />
reescrito pelo autor com uma superconsciência <strong>da</strong>s<br />
tragédias que haveriam de vir. Esta atitude distancia<strong>da</strong>,<br />
crítica, irônica, a maioria dos leitores a desejava, e assim<br />
foi possível reconstruir o passado sem se atormentar<br />
com ele.<br />
Gabeira e seu livro foram a expressão mais acaba<strong>da</strong><br />
de seu tempo. Que importa o autor ter cometido deslizes<br />
na narração <strong>da</strong>s histórias? Confundido acontecimentos,<br />
trocado diálogos, atribuido-se papéis? Detalhes... Os<br />
militares haviam se retirado e seria talvez incômodo refletir<br />
sobre por que a ditadura fora tolera<strong>da</strong> tanto tempo<br />
num país tão democrático. Avivar a memória, mantendo<br />
uma visão crítica, mas para conciliar, todo um<br />
programa.<br />
O filme de Bruno Barreto, recentemente lançado,<br />
radicaliza este programa, vai além. Já não se trata de<br />
propor a conciliação crítica, ou a crítica conciliatória,<br />
trata-se, agora, de absolver a ditadura. Claro, a proposta<br />
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