O cOrtiçO - Dom Bosco
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O <strong>cOrtiçO</strong><br />
Aluísio Azevedo
o Realismo/natuRalismo<br />
ol1b - 08 1. Contexto soCial e HistÓRiCo<br />
3<br />
O cortiço<br />
Realismo é a denominação genérica da reação ao estilo romântico que tentou<br />
superar o sentimentalismo através da busca da objetividade e da racionalidade.<br />
Não se enaltecem mais as personagens heroicas, a pátria idealizada, a mulher<br />
inatingível, o passado histórico. o momento presente é o que conta agora. As<br />
personagens retratarão pessoas comuns, portadoras de fraquezas, defeitos, imperfeições<br />
etc. A busca da verdade contemporânea e a dissecação da sociedade<br />
burguesa consistiam as grandes metas dessa nova estética. Temas como a traição,<br />
o adultério, a dissimulação, a falta de ética, os jogos de interesses, enfim, a hipocrisia<br />
humana, sempre aparecerão como pano de fundo das obras realistas.<br />
os escritores realistas/naturalistas defendiam uma literatura antiburguesa,<br />
antimonáquica e anticlerical por meio do predomínio da razão. Adotaram uma<br />
postura de análise crítica diante dos fatos para a partir destes extraírem um<br />
retrato fiel, objetivo e imparcial da sociedade da época.<br />
Como marcos iniciais dessa estética na europa, tivemos, em 1857, a publicação,<br />
na França, da obra Madame Bovary, de Gustave Flaubert, considerado<br />
o primeiro romance realista da literatura universal. só 10 anos depois, teríamos<br />
a publicação daquela que seria considerada a primeira obra naturalista: thérèse<br />
raquin, de Émile zola.<br />
o natuRalismo no BRasil<br />
Considera-se o ano de 1881 como marco literário do Realismo/Naturalismo<br />
no Brasil, com a publicação da obra realista Memórias póstumas de Brás cubas, de<br />
Machado de Assis, e com a obra naturalista O mulato, de Aluísio Azevedo.
Aluísio Azevedo<br />
Como se percebe, dentre o grupo de autores dessa estética, alguns optaram<br />
por inclinar suas obras para o cientificismo naturalista e para a análise social a<br />
partir de grupos humanos marginalizados.<br />
defendendo a tese determinista de que “o homem é fruto do meio”, essas<br />
narrativas privilegiam os ambientes coletivos (cortiços, pensões etc.), apresentam<br />
a visão biológica da vida e dos homens, os desvios de conduta, a degradação das<br />
pessoas e o zoomorfismo (aproximação do humano com o animal).<br />
Autores como Raul Pompeia, Adolfo Caminha, inglês de souza, entre<br />
outros, produziram obras de caráter nitidamente naturalista (atitude não assumida<br />
por Machado de Assis), porém nenhum deles alcançou o valor estético de<br />
Aluísio Azevedo.<br />
4
ol1b - 08 2. estilo liteRáRio da époCa<br />
5<br />
O cortiço
Aluísio Azevedo<br />
3. o autoR<br />
aluísio Tancredo Gonçalves azevedo<br />
nasceu em 14 de abril de 1857, na<br />
cidade de são luís, no Maranhão.<br />
Após cursar as primeiras letras<br />
no liceu Maranhense, foi para o Rio de<br />
Janeiro para estudar pintura e desenho e<br />
começou a trabalhar como caricaturista<br />
em alguns jornais. em 1878, retornou a<br />
são luís por motivo pessoal: morrera<br />
seu pai e ele deveria assumir seu papel<br />
na família.<br />
de volta à terra natal, o escritor<br />
acabou criando inúmeras inimizades por<br />
conta de seus artigos de caráter político,<br />
no jornal O Pensador, em que atacava tanto a sociedade maranhense como o<br />
clero.<br />
decidido a viver de suas produções literárias, o autor revezava publicações<br />
de obras românticas, que denominava “comerciais”, e obras naturalistas,<br />
consideradas “artísticas”.<br />
Com a publicação de seu primeiro romance naturalista, O mulato, em<br />
1881, Aluísio Azevedo atraiu para si a ira tanto dos poderosos da cidade como<br />
da sociedade em geral. Perseguido e criticado incessantemente, o autor decidiu<br />
voltar ao Rio de Janeiro, onde pretendia seguir sua carreira literária. Porém, a<br />
escassez de rendimentos o fez ingressar na carreira diplomática. em 1895, foi<br />
nomeado vice-cônsul. dedicando-se exclusivamente a essa nova função, o autor<br />
viajou por diferentes países e abandonou, de vez, a literatura.<br />
Aluísio Azevedo faleceu a 21 de janeiro de 1913, em Buenos Aires, aos 55<br />
anos.<br />
oBRas do autoR<br />
Como já dissemos anteriormente, o autor, com objetivo único de ganhar<br />
dinheiro, produziu incessantemente. Fica claro que a quantidade dessa produção<br />
interferiu em sua qualidade. em geral, podemos perceber que as obras<br />
denominadas por ele como “artísticas” apresentam um trabalho literário mais<br />
elaborado, enquanto os romances “comerciais” apresentam as velhas e já gastas<br />
tramas folhetinescas.<br />
Sendo assim, podemos classificar suas obras em duas categorias: romances<br />
românticos e romances naturalistas.<br />
6
ol1b - 08<br />
• Romances românticos<br />
– 1879: Uma lágrima de mulher<br />
7<br />
O cortiço<br />
– 1882: Memórias de um condenado (ou A condessa Vésper) e Mistérios da<br />
Tijuca (ou Girândola de amores)<br />
– 1884: Filomena Borges<br />
– 1894: A mortalha de Alzira<br />
• Romances naturalistas<br />
– 1881: O mulato<br />
– 1884: casa de pensão<br />
– 1887: O homem<br />
– 1890: O cortiço e O coruja
Aluísio Azevedo<br />
4. a oBRa<br />
8
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9<br />
O cortiço<br />
Marco do Naturalismo brasileiro, a obra O cortiço, publicada em 1890,<br />
apresenta a perfeita união entre o homem e seu ambicioso projeto, ou seja, João<br />
Romão e seu cortiço. Ambos nascem, desenvolvem-se, crescem, progridem e, já<br />
no topo, negam suas origens humildes e se reinventam de maneira mais nobre<br />
e sofisticada, desprezando a “raia miúda” e almejando voos maiores.<br />
explorando seu talento para a caricatura e sua facilidade para descrever<br />
personagens e situações de maneira dinâmica e expressiva, o autor optou, nessa<br />
obra, em privilegiar as cenas coletivas, tendo sempre como pano de fundo o<br />
próprio cortiço: o grande responsável pelas transformações das pessoas que lá<br />
vivem e convivem.<br />
Como fiel discípulo de Émile Zola, o autor empreendeu a técnica naturalista<br />
para a elaboração da obra. visitou inúmeros cortiços do Rio de Janeiro, estudou-<br />
-lhes o aspecto, a movimentação, os sons, os cheiros, a rotina, os hábitos e os<br />
costumes ali desenvolvidos. depois, aproximou-se dos moradores, conversou<br />
com eles, obteve informações de lavadeiras, cavouqueiros, trabalhadores em<br />
geral. observou a maneira de falar dessas pessoas, seus desejos, seus problemas,<br />
suas intimidades e suas promiscuidades.<br />
só depois dessa pesquisa e em posse de toda essa documentação é que o<br />
autor se sentiu preparado para escrever a obra que acabou se tornando o paradigma<br />
do romance naturalista no Brasil.<br />
Costuma-se salientar dois aspectos relevantes na obra O cortiço:<br />
– o processo de personificação do cortiço;<br />
– a presença marcante do zoomorfismo.<br />
o pRoCesso de peRsonifiCação do Cortiço<br />
Muitos críticos defendem a ideia de que o protagonista dessa obra não<br />
seria João Romão, mas sim o próprio cortiço. É ele que molda e define os comportamentos<br />
do grupo, é ele que transforma o caráter de seus moradores, é ele<br />
que faz com que os instintos mais primários venham à tona e aniquilem com a<br />
moral e a ética.<br />
São famosas as passagens em que podemos verificar essa personificação<br />
do cortiço: Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos,<br />
mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. (Capítulo iii)<br />
Mas naquele domingo o cortiço estava banzeiro. (Capítulo XX)<br />
o cortiço dormia já e só se ouviam, no silêncio da noite, cães que ladravam lá<br />
fora... (Capítulo XX)<br />
o cortiço aristocratizava-se. (Capítulo XXii)<br />
outro indício da superioridade do cortiço sobre as personagens pode ser<br />
notado na passagem em que se narra o surgimento de um novo cortiço ao lado<br />
do de João Romão. imediatamente, instalou-se uma rivalidade entre seus mora-
Aluísio Azevedo<br />
dores que, a partir daí, começaram a ser designados pelos nomes das estalagens,<br />
“Cabeça-de-gato”, os da nova estalagem e “Carapicus”, os inquilinos de João<br />
Romão os quais perderam, dessa forma, sua identidade pessoal e ganharam<br />
uma identidade coletiva.<br />
Quem se desse com um carapicu não podia entreter a mais ligeira amizade com<br />
um cabeça-de-gato; mudar-se alguém de uma estalagem para outra era renegar ideias<br />
e princípios e ficava apontado a dedo... (Capítulo Xiii)<br />
o empRego do zoomoRfismo na oBRa<br />
A zoomorfização, ou animalização, é uma figura de linguagem que compara,<br />
aproxima ou identifica o comportamento humano com o do animal, quando<br />
este age motivado apenas por seus instintos.<br />
o autor abusa desse recurso em diferentes situações. observe:<br />
Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia-légua, puxando uma carga<br />
superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma<br />
besta. (Capítulo i)<br />
E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio, com verdadeira satisfação de animal<br />
no cio. (Capítulo i)<br />
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração<br />
tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente,<br />
debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se.<br />
As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes<br />
a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo<br />
para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao<br />
contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as<br />
barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. (Capítulo iii)<br />
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras<br />
que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer<br />
animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.<br />
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como formigas; fazendo<br />
compras. (Capítulo iii)<br />
A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a “Machona”, portuguesa<br />
feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo. (Capítulo iii)<br />
estRutuRa da oBRa<br />
A obra apresenta 23 capítulos não intitulados e não muito curtos. A presença<br />
dos diálogos é constante, imprimindo grande dinamicidade à obra.<br />
10
ol1b - 08<br />
11<br />
O cortiço<br />
Como o narrador exerce a onisciência, por vezes, suas falas se confundem<br />
com a dos personagens, principalmente com as de João Romão, por meio do<br />
discurso indireto livre. observe:<br />
Diabo! E não poder arredar logo da vida aquele ponto negro; apagá-lo rapidamente,<br />
como quem tira da pele uma nódoa de lama! Que raiva ter de reunir aos voos mais fulgurosos<br />
da sua ambição a ideia mesquinha e ridícula daquela inconfessável concubinagem!<br />
E não podia deixar de pensar no demônio da negra, porque a maldita ali estava perto, a<br />
rondá-lo ameaçadora e sombria; ali estava como o documento vivo das suas misérias, já<br />
passadas mas ainda palpitantes. Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque<br />
era tudo que havia de mau na vida dele! Seria um crime conservá-la a seu lado!<br />
[..]<br />
Mas, e a Bertoleza?...<br />
Sim! era preciso acabar com ela! despachá-la! sumi-la por uma vez!<br />
[...]<br />
A crioula estava imóvel sobre o enxergão, deitada de lado, com a cara escondida no braço<br />
direito, que ela dobrara por debaixo da cabeça. Aparecia-lhe uma parte do corpo nua.<br />
João Romão contemplou-a por algum tempo, com asco.<br />
E era aquilo, aquela miserável preta que ali dormia indiferentemente, o grande<br />
estorvo da sua ventura!... Parecia impossível! (Capítulo XXi)<br />
foCo naRRatiVo<br />
A obra faz uso de uma 3ª pessoa onisciente, que desloca sua narração<br />
como lhe convém. Por vezes, detendo-se no cortiço de João Romão, por vezes<br />
privilegiando os acontecimentos ocorridos no sobrado de Miranda.<br />
em suas descrições, é rude e implacável, evidencia as deformações físicas,<br />
denuncia os atos vis e inescrupulosos cometidos, assinala, com ironia e, por<br />
vezes, com desprezo, as tragédias sofridas por toda (a seu ver) aquela gentalha<br />
que insistia em viver.<br />
espaço<br />
A narrativa transcorre em alguns bairros do Rio de Janeiro, mas seu foco<br />
de atenção se atém ao cortiço de João Romão, situado em Botafogo.<br />
tempo<br />
A narrativa apresenta tempo cronológico bem marcado, com inúmeras<br />
citações de horas, dias da semana etc. Porém, em alguns capítulos, o narrador<br />
conta em flashback acontecimentos passados que orientam a narrativa presente.<br />
A obra descreve o Rio de Janeiro do segundo Reinado, período em que as<br />
estalagens coletivas proliferavam.
Aluísio Azevedo<br />
A narrativa acompanha a ascensão vitoriosa de João Romão por vários<br />
anos não explicitados na obra, mas que podemos aproximar, de cinco a seis anos<br />
em média (levando-se em consideração que o personagem Henrique chega ao<br />
Rio de Janeiro, no início da narrativa, para fazer os exames preparatórios para a<br />
faculdade e termina a narrativa quando está no quarto ano de medicina).<br />
linguagem<br />
Como já dissemos no item “A obra”, Aluísio Azevedo entrevistou, conversou<br />
com os moradores de diferentes cortiços do Rio de Janeiro para, entre outros<br />
objetivos, conhecer-lhes a linguagem, as expressões, a sonoridade, as construções<br />
frasais etc., de modo a representá-los da maneira mais fiel possível.<br />
o tom de coloquialidade é constante, variando de personagem para personagem.<br />
importante salientar que até o narrador assume uma linguagem sem<br />
artifícios de delicadeza, apresentando-se, muitas vezes, até mais dura e grosseira<br />
do que a dos moradores do cortiço. observe:<br />
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou<br />
a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que<br />
parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no<br />
esterco. (Capítulo i)<br />
A Machona altercava com uma preta que fora reclamar um par de meias e destrocar<br />
uma camisa; a Augusta, muito mole sobre a sua tábua de lavar, parecia derreter-se como<br />
sebo; a Leocádia largava de vez em quando a roupa e o sabão para coçar as comichões do<br />
quadril e das virilhas, assanhadas pelo mormaço; a Bruxa monologava, resmungando<br />
numa insistência de idiota, ao lado da Marciana que, com o seu tipo de mulata velha, um<br />
cachimbo ao canto da boca, cantava toadas monótonas do sertão:<br />
Maricas tá marimbando,<br />
Maricas tá marimbando,<br />
Na passage do riacho<br />
Maricas tá marimbando. (Capítulo iv)<br />
Agora, espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações<br />
de espasmo; ao passo que a outra, por cima, doida de luxúria, irracional, feroz, revoluteava,<br />
em corcovos de égua, bufando e relinchando.<br />
E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo<br />
dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe<br />
convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados. Até que, com um<br />
assomo mais forte, devorou-a num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos,<br />
curtos, muito agudos, e afinal desabou para o lado, exânime, inerte, os membros atirados<br />
num abandono de bêbedo, soltando de instante a instante um soluço estrangulado. (Capítulo<br />
Xi)<br />
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13<br />
O cortiço<br />
A Machona lavava à sua tina, ralhando e discutindo como sempre, quando dois<br />
trabalhadores, acompanhados de um ruidoso grupo de curiosos, trouxeram-lhe sobre uma<br />
tábua o cadáver ensanguentado do filho. [...]<br />
todo ele, coitadinho, era uma só massa vermelha; as canelas, quebradas no joelho,<br />
dobravam moles para debaixo das coxas; a cabeça, desarticulada, abrira no casco e despejava<br />
o pirão dos miolos; numa das mãos faltavam-lhe todos os dedos e no quadril esquerdo<br />
via-se-lhe sair uma ponta de osso ralado pela pedra. (Capítulo XXi)<br />
peRsonagens<br />
As personagens do cortiço são todas caracterizadas de maneira caricata, sem<br />
dó nem piedade, por um narrador onisciente duro, irônico e, por vezes, cruel.<br />
João Romão: português trabalhador, “... tipo baixote, socado, de cabelos à<br />
escovinha, a barba sempre por fazer”, desonesto, explorador dos mais pobres,<br />
oportunista. Conforme obteve sucesso financeiro, almejou mudar de status e foi<br />
em busca de uma nova posição social e um título de nobreza .<br />
– Início de sua ascensão: “João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos,<br />
empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma<br />
suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou<br />
do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão<br />
para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a<br />
venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em<br />
dinheiro”.<br />
– Projeto: “... não perdia a esperança de apanhar-lhe ainda, pelo menos, duas<br />
ou três braças aos fundos da casa; parte esta que, conforme os seus cálculos,<br />
valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto que ultimamente o trazia<br />
preocupado – a criação de uma estalagem em ponto enorme, uma estalagem<br />
monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela miuçalha de cortiços<br />
que alastravam por Botafogo. era este o seu ideal”.<br />
“desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus<br />
atos, todos, fosse o mais simples, visavam a um interesse pecuniário. só tinha<br />
uma preocupação: aumentar os bens.”<br />
“Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem”.<br />
“durante dois anos, o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças,<br />
socando-se de gente.”<br />
Bertoleza: quitandeira, escrava que, enganada por João Romão, crê que<br />
está alforriada. Trabalhadora, humilde e servil. Foi explorada por João Romão<br />
até quando necessária. “Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o<br />
papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante”.
Aluísio Azevedo<br />
Rita Baiana: mulata muito sensual, amiga de todos no cortiço. “e toda ela<br />
respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas.<br />
Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para<br />
a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes<br />
que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador”.<br />
Mulher independente, causadora da transformação de Jerônimo que fica<br />
fascinado por ela.<br />
Firmo: capoeira, amante de Rita Baiana. “... era um mulato pachola, delgado<br />
de corpo e ágil como um cabrito; capadócio de marca, pernóstico, só de<br />
maçadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira. Teria seus<br />
trinta e tantos anos, mas não parecia ter mais de vinte e poucos. Pernas e braços<br />
finos, pescoço estreito, porém forte; não tinha músculos, tinha nervos. A respeito<br />
de barba, nada mais que um bigodinho crespo, petulante, onde reluzia cheirosa<br />
a brilhantina do barbeiro; grande cabeleira encaracolada, negra, e bem negra,<br />
dividida ao meio da cabeça, escondendo parte da testa e estufando em grande<br />
gaforina por debaixo da aba do chapéu de palha, que ele punha de banda, derreado<br />
sobre a orelha esquerda”.<br />
Jerônimo: “era um português de seus trinta e cinco a quarenta anos, alto,<br />
espadaúdo, barbas ásperas, cabelos pretos e maltratados caindo-lhe sobre a<br />
testa, por debaixo de um chapéu de feltro ordinário: pescoço de touro e cara de<br />
Hércules, na qual os olhos, todavia, humildes como os olhos de um boi de canga,<br />
exprimiam tranquila bondade”.<br />
A princípio, mostra-se extremamente trabalhador, honesto, bom pai e<br />
marido dedicado. Ao se apaixonar por Rita Baiana, passa por uma completa<br />
transformação degradante. No final da narrativa, revê sua trajetória, busca sua<br />
mulher e filha e abandona o cortiço na esperança de voltar a ser o que era.<br />
Piedade: esposa de Jerônimo, não se adapta aos costumes do cortiço;<br />
mantém seus hábitos portugueses tanto na alimentação como em não tomar banho<br />
todos os dias. “Piedade merecia bem o seu homem, muito diligente, sadia,<br />
honesta, forte, bem acomodada com tudo e com todos, trabalhando de sol a sol<br />
e dando sempre tão boas contas da obrigação, que os seus fregueses de roupa,<br />
apesar daquela mudança para Botafogo, não a deixaram quase todos”.<br />
Abandonada pelo marido, vai-se degradando pouco a pouco, a ponto de<br />
ser expulsa do cortiço.<br />
Pombinha: considerada a “flor do cortiço”. Bonita, loira, muito pálida,<br />
modos finos e educados, recebeu instrução até em francês. Ajudava a todos no<br />
cortiço. depois de violentada por léonie, casa-se, mas insatisfeita, separa-se e,<br />
juntamente com léonie, dominam o meretrício da região.<br />
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ol1b - 08<br />
15<br />
O cortiço<br />
João da Costa: noivo e depois marido de Pombinha. “... moço do comércio,<br />
estimado do patrão e dos colegas”. Traído pela mulher, abandona-a.<br />
Léonie: cocote de procedência francesa. Prostituta e lésbica era muito querida<br />
por todos no cortiço. Gosta de Pombinha e a força numa experiência homossexual.<br />
Ao final da narrativa, ela e Pombinha dominam o meretrício da cidade.<br />
Albino: “... um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um<br />
cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pescocinho<br />
mole e fino. Era lavadeiro e vivia sempre entre as mulheres, com quem<br />
já estava tão familiarizado que elas o tratavam como a uma pessoa do mesmo<br />
sexo; em presença dele, falavam de coisas que não exporiam em presença de<br />
outro homem”.<br />
As lavadeiras: leandra (a machona), Augusta Carne-Mole (esposa de Alexandre,<br />
mãe de Juju), leocádia (esposa de Bruno), Paula (a bruxa), Marciana e<br />
sua filha Florinda, dona Isabel (mãe de Pombinha).<br />
Sobrado<br />
Miranda: também português, 35 anos, negociante de tecidos. Muda-se para<br />
um sobrado ao lado do cortiço de João Romão. Casa-se, por interesse, com estela<br />
que não o ama, sente-se humilhado e aos poucos irá invejar João Romão, que<br />
ascendeu sozinho sem ter que se submeter a um casamento de conveniência.<br />
logo que se mudou, tentou comprar um pedaço de terra de seu vizinho<br />
para aumentar seu quintal. João Romão não só não vendeu como se propôs a<br />
comprar-lhe um tanto do seu quintal. “Travou-se então uma luta renhida e surda<br />
entre o português, negociante de fazendas por atacado, e o português, negociante<br />
de secos e molhados”.<br />
Estela: esposa de Miranda. “... senhora pretensiosa e com fumaças de<br />
nobreza”.<br />
“dona estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada<br />
havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos.<br />
Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em<br />
flagrante delito de adultério.”<br />
Zulmira: suposta filha de Miranda e Estela. “... tinha então doze para treze<br />
anos e era o tipo acabado da fluminense; pálida, magrinha, com pequeninas<br />
manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces levemente<br />
pintalgadas de sardas. Respirava o tom úmido das flores noturnas, uma brancura<br />
fria de magnólia; cabelos castanho-claros, mãos quase transparentes, unhas moles<br />
e curtas, como as da mãe, dentes pouco mais claros do que a cútis do rosto, pés<br />
pequeninos, quadril estreito mas os olhos grandes, negros, vivos e maliciosos”.<br />
Ao final da narrativa, ela será alvo da ambição de João Romão.
Aluísio Azevedo<br />
Henrique: filho de um fazendeiro, era cliente importante de Miranda e veio<br />
de Minas. “... tinha quinze anos e vinha terminar na Corte alguns preparatórios<br />
que lhe faltavam para entrar na Academia de Medicina. [...]<br />
Henrique era bonitinho, cheio de acanhamentos, com umas delicadezas<br />
de menina”.<br />
Botelho: hóspede na casa de Miranda “na qualidade de parasita”.<br />
“era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo<br />
branco, curto e duro, como escova, barba e bigode do mesmo teor; muito macilento,<br />
com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e<br />
davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu<br />
nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-se-lhe ainda todos os dentes,<br />
mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio. Andava sempre de preto,<br />
com um guarda-chuva debaixo do braço e um chapéu de Braga enterrado nas<br />
orelhas.”<br />
“... já velho, comido de desilusões, cheio de hemorroidas, via-se totalmente<br />
sem recursos e vegetava à sombra do Miranda, com quem por muitos anos<br />
trabalhou em rapaz, sob as ordens do mesmo patrão, e de quem se conservara<br />
amigo, a princípio por acaso e mais tarde por necessidade.“<br />
Resumo<br />
Capítulo I<br />
Capítulo introdutório que apresenta a trajetória pregressa do português<br />
João Romão e sua determinação em enriquecer. É já nesse capítulo que ele se<br />
junta à Bertoleza, escrava fugida, e usa-a como empregada e amante.<br />
Ao lado de sua venda, foi vendido um sobrado para a família de outro<br />
português, Miranda. desde então, estabelece-se um paralelo entre a vida desses<br />
dois portugueses: um que optou em enriquecer através de muito trabalho (nem<br />
sempre honesto) e outro que optou pela ascensão social através de um casamento<br />
de conveniência. Ações centrais do capítulo:<br />
• Ascensão de João Romão<br />
Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção que se atamancavam, enchiam-se<br />
logo, sem mesmo dar tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em alugá-las;<br />
aquele era o melhor ponto do bairro para a gente do trabalho. Os empregados da pedreira<br />
preferiam todos morar lá, porque ficavam a dois passos da obrigação<br />
[...] Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem.<br />
• O relacionamento doente entre Miranda e sua esposa Estela<br />
E ela também, ela também gozou, estimulada por aquela circunstância picante<br />
do ressentimento que os desunia; gozou a desonestidade daquele ato que a ambos<br />
acanalhava aos olhos um do outro; estorceu-se toda, rangendo os dentes, grunhindo,<br />
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17<br />
O cortiço<br />
debaixo daquele seu inimigo odiado, achando-o também agora, como homem, melhor<br />
que nunca, sufocando-o nos seus braços nus, metendo-lhe pela boca a língua úmida e<br />
em brasa. Depois, um arranco de corpo inteiro, com um soluço gutural e estrangulado,<br />
arquejante e convulsa, estatelou-se num abandono de pernas e braços abertos, a cabeça<br />
para o lado, os olhos moribundos e chorosos, toda ela agonizante, como se a tivessem<br />
crucificado na cama.<br />
Capítulo II<br />
Capítulo mais centrado na família de Miranda. Apresenta a safadeza de<br />
estela e o jogo de interesse que mantém o velho Botelho como hóspede permanente<br />
da casa. Conhecia todas as faltas de estela e, naquele dia, surpreendeu-a<br />
“entalada entre o muro e o Henrique”.<br />
Se vi, creia, foi como se nada visse, porque nada tenho a cheirar com a vida de cada<br />
um!... A senhora está moça, está na força dos anos; seu marido não a satisfaz, é justo<br />
que o substitua por outro! Ah! isto é o mundo, e, se é torto, não fomos nós que o fizemos<br />
torto!... Até certa idade todos temos dentro um bichinho-carpinteiro, que é preciso matar,<br />
antes que ele nos mate! Não lhes doam as mãos!... apenas acho que, para outra vez, devem<br />
ter um pouquinho mais de cuidado e...<br />
Capítulo III<br />
um dos mais conhecidos da obra. descreve, com detalhes, o acordar do<br />
cortiço, em que toda a cena é rica em detalhes, sons e movimentações.<br />
são apresentados todos os moradores do cortiço: as lavadeiras, seus maridos<br />
e filhos. Destaque para a personagem Pombinha. Menina prendada que destoa<br />
da gentalha que mora por ali. está prometida a casamento com João da Costa,<br />
mas, como ainda não menstruou, deve aguardar.<br />
Capítulo IV<br />
Jerônimo chega ao cortiço e se oferece para trabalhar na pedreira de João<br />
Romão. desde o início, mostra seu valor e determinação:<br />
– Duvido que prestem! Aposto a mão direita em como o senhor não encontra por<br />
cinquenta mil-réis quem dirija a broca, pese a pólvora e lasque fogo, sem lhe estragar a<br />
pedra e sem fazer desastres!<br />
– Sim, mas setenta mil-réis é um ordenado impossível!<br />
– Nesse caso vou como vim... Fica o dito por não dito!<br />
– Setenta mil-réis é muito dinheiro!...<br />
– cá por mim, entendo que vale a pena pagar mais um pouco a um trabalhador<br />
bom do que estar a sofrer desastres, como o que sofreu sua pedreira a semana passada!<br />
Não falando na vida do pobre de Cristo que ficou debaixo da pedra!
Aluísio Azevedo<br />
Capítulo V<br />
Jerônimo com sua esposa Piedade e com a filha Zulmira se mudam para<br />
o cortiço. Mostra-se um trabalhador obstinado:<br />
Jerônimo acordava todos os dias às quatro horas da manhã, fazia antes dos outros<br />
a sua lavagem à bica do pátio [...]<br />
A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir. Aquela ferramenta movida<br />
por um pulso de Hércules valia bem os clarins de um regimento tocando alvorada.<br />
Capítulo VI<br />
volta de Rita Baiana para o cortiço, o que se transforma em motivo de<br />
festa e alegria para todos. estivera fora (em Jacarepaguá) por alguns anos com<br />
seu homem, Firmo.<br />
rita carregou para dentro do seu cômodo as provisões que trouxera; abriu logo a<br />
janela e pôs-se a cantar. Sua presença enchia de alegria a estalagem toda.<br />
Capítulo VII<br />
Tarde de domingo muito animada no cortiço. Miranda vocifera contra o barulho,<br />
mas só ouve gargalhadas como resposta. À noite, arma-se uma roda de samba<br />
animadíssima. Rita dançando, encanta a todos, principalmente a Jerônimo:<br />
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando<br />
aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda;<br />
era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a<br />
palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o<br />
açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas<br />
com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca<br />
doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos,<br />
acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para<br />
lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela<br />
música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam<br />
em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.<br />
Capítulo VIII<br />
Jerônimo cai doente, não aceita os cuidados da esposa, mas, quando Rita chega<br />
para ajudar, anima-se imediatamente. despreza o chá de Piedade e aceita o forte café<br />
de Rita e depois a cachaça parati. Nessa altura, já está perdido pela mulata sensual.<br />
Henrique, do sobrado, olha para leocádia e mostra-lhe um lindo coelhinho e dá<br />
a entender que em troca de favores sexuais poderia dar o coelhinho para ela. vão ter a<br />
relação sexual atrás do cortiço. A cena é grotesca: Leocádia gritando que queria um filho<br />
para poder ganhar dinheiro como ama de leite, e Henrique, sôfrego e louco de desejo,<br />
apertando o coelhinho pelas orelhas. Ao final, são surpreendidos por Bruno, marido<br />
de leocádia, que arma um escândalo. Tanto Henrique como o coelhinho fogem.<br />
expulsa de casa, leocádia recebe o apoio de Rita Baiana.<br />
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Capítulo IX<br />
19<br />
O cortiço<br />
início da transformação lenta mas gradativa de Jerônimo: de excelente<br />
trabalhador passa a ser preguiçoso, indolente e sem responsabilidades. Cada<br />
vez mais se distancia de seus hábitos e paladares portugueses, e também de sua<br />
esposa, que, desesperada, pede auxílio à Bruxa.<br />
Nova confusão no cortiço: Marciana descobre que sua filha, Florinda, está<br />
grávida de seu domingos, o caixeiro da venda de João Romão. As lavadeiras todas<br />
se solidarizam e se colocam contra o caixeiro, armando um escândalo. Marciana<br />
ameaça ir à polícia, mas João Romão diz que irá acertar tudo.<br />
Chegada de Léonie, prostituta e lésbica, com sua afilhada Juju, filha de<br />
Augusta e Alexandre. Admirada por todos, léonie pergunta por Pombinha que,<br />
ao chegar, vai ao seu encontro. “Gostavam-se muito uma da outra”.<br />
Capítulo X<br />
Preparos da festa na casa de Miranda: ele recebera o título de Barão do<br />
Freixal.<br />
No cortiço, descobre-se que o caixeiro fugira. João Romão fingiu que não<br />
sabia de nada e que também havia sido prejudicado. de tanto Marciana bater em<br />
sua filha, esta foge do cortiço. João Romão, nervoso, expulsa Marciana por não<br />
querer mais escândalo por lá. Na verdade, ele estava corroído de inveja pelo título<br />
de Barão que Miranda acabara de receber e descontava em todos sua frustração.<br />
enquanto acontecia a festa chique no sobrado, uma nova e animada roda<br />
de samba acontecia no cortiço, porém Jerônimo, enfeitiçado por Rita Baiana, faz<br />
crescer o ciúmes em Firmo, e principia uma luta de morte: a flexibilidade do<br />
capoeira contra a força do português.<br />
Jerônimo era alto, espadaúdo, construção de touro, pescoço de Hércules, punho<br />
de quebrar um coco com um murro: era a força tranquila, o pulso de chumbo. O outro,<br />
franzino, um palmo mais baixo que o português, pernas e braços secos, agilidade de<br />
maracajá: era a força nervosa; era o arrebatamento que tudo desbarata no sobressalto<br />
do primeiro instante. Um, sólido e resistente; o outro, ligeiro e destemido, mas ambos<br />
corajosos. [...]<br />
A vitória pendia para o lado do português. Os espectadores aclamavam-no já com<br />
entusiasmo; mas, de súbito, o capoeira mergulhou, num relance, até as canelas do adversário<br />
e surgiu-lhe rente dos pés, grupado nele, rasgando-lhe o ventre com uma navalhada.<br />
Jerônimo soltou um mugido e caiu de borco, segurando os intestinos.<br />
Firmo foge. A polícia chega e quer entrar no cortiço, mas João Romão não<br />
permite. Todos se armam para o combate:<br />
Afinal o portão lascou; um grande rombo abriu-se logo; caíram tábuas; e os quatro<br />
primeiros urbanos que se precipitaram dentro foram recebidos a pedradas e garrafas<br />
vazias. Seguiram-se outros. Havia uns vinte. Um saco de cal, despejado sobre eles,<br />
desnorteou-os.
Aluísio Azevedo<br />
Principiou então o salseiro grosso. Os sabres não podiam alcançar ninguém por<br />
entre a trincheira; ao passo que os projetis, arremessados lá de dentro, desbaratavam o<br />
inimigo. Já o sargento tinha a cabeça partida e duas praças abandonavam o campo, à<br />
falta de ar.<br />
A batalha só terminou quando se percebeu que havia se iniciado um incêndio<br />
na casa número 12, logo depois caiu um violento temporal.<br />
Capítulo XI<br />
o narrador conta ao leitor que quem armou o incêndio fora a Bruxa, mas,<br />
no cortiço, ninguém descobre o autor daquela maldade.<br />
João Romão é chamado na polícia para prestar esclarecimentos, muito<br />
moradores o acompanham.<br />
Jerônimo é levado por Piedade e Rita para um hospital: “Rita afagava-o, já<br />
sem a menor sombra de escrúpulo, tratando-o por tu, ameigando-lhe os cabelos<br />
sujos de sangue com a polpa macia da sua mão feminil. e ali mesmo em presença<br />
da mulher dele, só faltava beijá-lo com a boca, que com os olhos o devorava de<br />
beijos ardentes e sequiosos.”<br />
Pombinha amanhece abatida e nervosa, no dia anterior havia sido “abusada”<br />
por léonie, durante sua visita.<br />
E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo<br />
dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe<br />
convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados. Até que, com um<br />
assomo mais forte, devorou-a num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos,<br />
curtos, muito agudos, e afinal desabou para o lado, exânime, inerte, os membros atirados<br />
num abandono de bêbedo, soltando de instante a instante um soluço estrangulado.<br />
À tarde, ao tirar uma soneca, no capinzal atrás do cortiço, tem um sonho<br />
todo róseo, ao despertar percebe que, enfim, menstruara.<br />
Capítulo XII<br />
Dona Isabel, louca de alegria, sai pelo cortiço a gritar; “– Minha filha é<br />
mulher! Minha filha é mulher!” A alegria foi geral.<br />
Às vésperas da cerimônia, Pombinha percebia que nunca amaria o marido,<br />
que todos os homens eram seres fracos e resignados:<br />
E não obstante, até então, aquele matrimônio era o seu sonho dourado. Pois agora,<br />
nas vésperas de obtê-lo, sentia repugnância em dar-se ao noivo, e, se não fora a mãe, seria<br />
muito capaz de dissolver o ajuste.<br />
Capítulo XIII<br />
surgimento de um outro cortiço (o Cabeça-de-gato), ao lado do de João<br />
Romão (Carapicus). A princípio, João Romão se preocupou com a concorrência.<br />
“Mas ao cabo de três meses, João Romão, notando que os seus interesses nada<br />
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21<br />
O cortiço<br />
sofriam com a existência da nova estalagem e, até pelo contrário, lucravam com<br />
o progressivo movimento de povo que se ia fazendo no bairro, retornou à sua<br />
primitiva preocupação com o Miranda, única rivalidade que verdadeiramente<br />
o estimulava.”<br />
Todo ele mudou: “Mandou fazer boas roupas e aos domingos refestelava-se<br />
de casaco branco e de meias, assentado defronte da venda a ler jornais. depois<br />
deu para sair a passeio, vestido de casimira, calçado e de gravata”.<br />
Botelho, vendo a transformação de João Romão e almejando lucrar com isso,<br />
incute-lhe na cabeça a ideia de casamento com a filha de Miranda. Para tanto,<br />
exige vinte contos de réis. João Romão, a princípio, nega, mas percebendo que o<br />
velho Botelho poderia ser útil nessa empreitada aceita a proposta.<br />
João Romão aceita um convite para jantar na casa de Miranda. em frente ao<br />
luxo desconhecido, atrapalha-se um pouco, mas já é um modo de se aproximar<br />
de zulmira. Ao chegar em casa e ver Bertoleza, encontra na negra um empecilho<br />
para sua ascensão social. É necessário sumir com ela.<br />
Capítulo XIV<br />
depois do incidente com Jerônimo, o relacionamento entre Rita e Firmo foi<br />
esfriando a ponto de ela faltar aos encontros com ele. Jerônimo se restabelece e<br />
volta ao cortiço, com dois objetivos em mente: matar Firmo e ir viver com Rita<br />
Baiana.<br />
Pataca e zé Carlos o convencem de que o “serviço” seja feito naquela mesma<br />
noite, pois Firmo está bêbado e é presa fácil.<br />
Capítulo XV<br />
Pataca, fingindo-se bêbado, vai ao encontro de Firmo e lhe conta que vira<br />
Rita na praia da saudade. Firmo, muito bêbado, vai para lá. Forma-se a emboscada,<br />
e Jerônimo e os dois colegas matam Firmo a pauladas e o jogam, de uma<br />
ribanceira, ao mar.<br />
Capítulo XVI<br />
Jerônimo dirige-se à casa de Rita Baiana e conta que matou Firmo. Amam-<br />
-se e resolvem fugir juntos.<br />
Capítulo XVII<br />
Piedade procura pelo marido por todo o cortiço. Ao saber da morte de<br />
Firmo, entende tudo: foi Jerônimo, e ele a abandonaria por causa daquela maldita<br />
mulata.<br />
Provoca Rita Baiana para uma briga e elas rolam pelo pátio do cortiço.<br />
Há torcidas de portugueses e de brasileiros, mas, no melhor da luta, o cortiço é<br />
invadido pelos capoeiras do Cabeça-de-gato que vinham vingar Firmo, o chefe<br />
da malta.
Aluísio Azevedo<br />
Capítulo XVII<br />
os carapicus se armaram e a batalha começou: “desferiram-se navalhas<br />
contra navalhas, jogaram-se as cabeçadas e os voa-pés. Par a par, todos os capoeiras<br />
tinham pela frente um adversário de igual destreza que respondia a cada investida<br />
com um salto de gato ou uma queda repentina que anulava o golpe.” o combate<br />
só cessou porque um grande incêndio se precipitou a partir da casa 88.<br />
Carapicus e Cabeças-de-gato uniram-se contra o fogo, mas a Bruxa, dessa<br />
vez, conseguira seu intento: o cortiço incendiou-se todo.<br />
o fogo só foi vencido com a chegada dos bombeiros, que foram aplaudidos<br />
como verdadeiros heróis.<br />
Capítulo XVIII<br />
Rita aproveitou para sumir de lá durante o incêndio, pois Jerônimo já a<br />
esperava numa casinha que arranjara.<br />
Miranda vai cumprimentar João Romão e felicitá-lo pelo seguro do cortiço,<br />
ou seja, mais uma vez João Romão nada perdeu, ao contrário, saiu ganhando<br />
com esse incêndio.<br />
Capítulo XIX<br />
As obras se iniciam a todo vapor. Miranda e Botelho admiravam a prosperidade<br />
de João Romão e sempre estavam por lá. Aos domingos, João Romão<br />
jantava com o Barão e sua família, iam ao teatro etc. o único empecilho era<br />
Bertoleza. Como se livrar dela?<br />
Jerônimo e Rita construíram uma nova vida, pouco trabalhavam e viviam<br />
na cama ou tocando violão e dançando. Piedade, abandonada, entrega-se aos<br />
poucos à bebida, perde a freguesia e seu único alento é a filha.<br />
Jerônimo não pagou, durante 6 meses, o colégio da filha e a diretora enviou<br />
uma carta com a conta, que se não fosse paga, vetaria a entrada da criança na escola.<br />
Piedade, desesperada, vai atrás de Jerônimo em sua nova moradia. encontra-o<br />
abatido e choram abraçados. Jerônimo promete pagar o colégio, mas não o faz.<br />
Piedade retorna à sua casa, agora com a filha. Jerônimo, já embriagado, recebe-as<br />
muito bem e as convida para jantar. Piedade, insuflada pela bebida, cobra mais<br />
uma vez a dívida do colégio, Jerônimo irritado expulsa-as de sua casa.<br />
Capítulo XX<br />
o novo cortiço em nada lembrava o anterior. Muito melhor e mais cuidado,<br />
oferecia 400 cômodos, quase todos já ocupados. Nessa noite, Piedade bebeu<br />
em excesso: “era a boba da roda. Batiam-lhe palmadas no traseiro e com o pé<br />
embaraçavam-lhe as pernas, para a ver cair e rebolar-se no chão.”<br />
João Romão chega e dispersa a barulheira, Piedade e Pataca, embriagados,<br />
dirigem-se à casa dela. Lá, Pataca a ataca e rolam pelo chão. A filha, que tudo<br />
viu, acode a mãe, quando esta, ao final, vomita e desmaia.<br />
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Capítulo XXI<br />
23<br />
O cortiço<br />
João Romão está com a ideia fixa de despachar Bertoleza para longe de si.<br />
Não sabe como fazê-lo, mas entende que, enquanto ela estiver ali, seu casamento<br />
com zulmira está ameaçado.<br />
Junto com Botelho tem a ideia de devolvê-la ao seu antigo dono:<br />
– Ah! Ela é escrava? De quem?<br />
– De um tal Freitas de Melo. O primeiro nome não sei. Gente de fora. Em casa<br />
tenho as notas.<br />
– Ora! então a coisa é simples!... Mande-a p’ro dono!<br />
– E se ela não quiser ir?...<br />
– como não?! A polícia a obrigará! É boa!<br />
Botelho receberia a quantia de duzentos mil-réis para resolver o caso.<br />
Capítulo XXII<br />
Tanto a casa comercial como a “Avenida são Romão” prosperavam incessantemente.<br />
Só Bertoleza, desconfiada de tudo, sofria temerosa e mal conseguia<br />
dormir; tinha medo de ser assassinada a qualquer momento.<br />
Nesse capítulo, ficamos sabendo o destino de Pombinha: desencantada com<br />
o casamento, abandona o marido e se entrega a outros homens. Procura léonie<br />
e juntas dominam o meretrício da cidade. Há clientes de todos os bairros, todos<br />
dispostos a pagarem alto pelos favores das duas cocotes que desfilam sua riqueza<br />
e prosperidade pelas ruas da cidade.<br />
Pombinha abria muito a bolsa, principalmente com a mulher de Jerônimo, a cuja<br />
filha, sua protegida predileta, votava agora, por sua vez, uma simpatia toda especial,<br />
idêntica à que noutro tempo inspirara ela própria à Léonie. A cadeia continuava e continuaria<br />
interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela<br />
pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria.<br />
Capítulo XXIII<br />
Nesse capítulo final, João Romão consegue atingir seu último intento:<br />
retirar, para sempre, Bertoleza de sua vida e casar-se com Zulmira, filha de<br />
Miranda, para então ascender, finalmente, à classe “nobre” de imigrantes do<br />
Rio de Janeiro.<br />
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreulhe<br />
o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com<br />
a lucidez de quem se vê perdido para sempre: adivinhou que tinha sido enganada; que<br />
a sua carta de alforria era uma mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para<br />
matá-la, restituía-a ao cativeiro.<br />
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno de<br />
si, procurando escapula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro.
Aluísio Azevedo<br />
– É esta! disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-<br />
-los. – Prendam-na! É escrava minha!<br />
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no<br />
chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.<br />
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza<br />
então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que<br />
alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de<br />
lado a lado.<br />
E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira<br />
de sangue.<br />
João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.<br />
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas<br />
que vinha, de casaca! trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.<br />
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.<br />
5. exeRCíCios<br />
1. ufpel-Rs<br />
Na obra-prima de Aluísio Azevedo, O cortiço:<br />
a) podem-se perceber as características básicas<br />
da prosa romântica: narrativa passional, tipos<br />
humanos idealizados, disputa entre o interesse<br />
material e os sentimentos mais nobres.<br />
b) transporta-se o leitor ao doloroso universo<br />
dos miseráveis e oprimidos migrantes que,<br />
fugindo da seca, abrigam-se em acomodações coletivas.<br />
c) consagra-se, na literatura brasileira, a prosa naturalista, marcada tanto pela<br />
associação direta entre meio e personagens quanto pelo estilo agressivo.<br />
d) vê-se renascer uma prosa forte, de cunho regionalista, característico da década<br />
de 30, que retrata nossas mazelas, em estilo seco.<br />
e) verifica-se uma forte relação entre o meio em que vivem os personagens e sua<br />
vida pessoal, relação essa baseada no sentimentalismo romântico.<br />
2. puC-Rs<br />
Para responder à questão, leia o fragmento do romance O cortiço, de Aluísio<br />
Azevedo, e as afirmativas que seguem.<br />
E maldizia soluçando a hora em que saíra da sua terra; essa boa terra 1 cansada,<br />
velha como que 2 enferma; essa boa terra tranquila, sem sobressaltos nem desvarios de<br />
juventude. Sim, lá os campos eram 3 frios e melancólicos, de um verde alourado e quieto,<br />
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25<br />
O cortiço<br />
e não ardentes e esmeraldinos e afogados em tanto sol e em tanto perfume como o deste<br />
inferno, onde em cada folha que se pisa há debaixo um réptil venenoso, como em cada flor<br />
que desabotoa e em cada moscardo que adeja há um vírus de lascívia. Lá, nos saudosos<br />
campos da sua terra, não se ouvia em noites de lua clara roncar a onça e o maracajá, nem<br />
pela manhã ao romper do dia, rilhava o bando truculento das queixadas, lá não varava<br />
pelas florestas a anta feia e terrível, quebrando árvores; lá a sucuruju não chocalhava a<br />
sua campainha fúnebre, anunciando a morte, nem a coral esperava traidora o viajante<br />
descuidado para lhe dar o bote certeiro e decisivo; 4 lá o seu homem não seria anavalhado<br />
pelo ciúme de um capoeira; 5 lá Jerônimo seria ainda o mesmo esposo casto, silencioso e<br />
meigo; seria o mesmo lavrador triste e contemplativo como o gado que à tarde levanta<br />
para o céu de opala o seu olhar humilde, compungido e bíblico.<br />
i. A diferença entre a velha e a nova terra é marcada pela força da natureza que<br />
transforma a vida e o comportamento do homem.<br />
ii. expressões como “cansada”, “enferma”, “frios e melancólicos”, nas referências<br />
1, 2 e 3, respectivamente, assumem uma conotação positiva para a mulher de<br />
Jerônimo, ao definirem o espaço da felicidade perdida na velha terra.<br />
iii. As ações dos animais, pintadas com os tons fortes do Naturalismo, narram<br />
os perigos que Jerônimo e sua mulher vivem na selva.<br />
iv. A expressão “lá”, nas referências 4 e 5, indica o espaço das virtudes do marido,<br />
da paz doméstica e de uma vida simples e tranquila.<br />
Pela análise das afirmativas, conclui-se que estão corretas apenas:<br />
a) i e iii. d) i, ii e iv.<br />
b) ii e iii. e) ii, iii e iv.<br />
c) iii e iv.<br />
3. puC-pR<br />
Assinale a alternativa que contém a afirmação correta sobre o Naturalismo no<br />
Brasil.<br />
a) o Naturalismo usou elementos da natureza selvagem do Brasil do século XiX<br />
para defender teses sobre os defeitos da cultura primitiva.<br />
b) A valorização da natureza rude verificada nos poetas árcades se prolonga na<br />
visão naturalista do século XiX, que toma a natureza decadente dos cortiços<br />
para provar os malefícios da mestiçagem.<br />
c) o Naturalismo no Brasil esteve sempre ligado à beleza das paisagens das<br />
cidades e do interior do Brasil.<br />
d) O Naturalismo, por seus princípios científicos, considerava as narrativas literárias<br />
exemplos de demonstração de teses e ideias sobre a sociedade e o homem.<br />
e) o Naturalismo do século XiX no Brasil difundiu, na literatura, uma linguagem<br />
científica e hermética, fazendo com que os textos literários fossem lidos<br />
apenas por intelectuais.
Aluísio Azevedo<br />
4. puC-pR<br />
sobre o Realismo, assinale a alternativa incorreta.<br />
a) o Realismo e o Naturalismo têm as mesmas bases, embora sejam movimentos<br />
diferentes.<br />
b) O Realismo surgiu como consequência do cientificismo do século XIX.<br />
c) o Realismo surgiu na europa, como reação ao Naturalismo.<br />
d) Gustave Flaubert foi um dos precursores do Realismo. escreveu Madame Bovary.<br />
e) Emile Zola escreveu romances de tese e influenciou escritores brasileiros.<br />
Para responder às questões de 5 a 8, leia o trecho a seguir de O cortiço, de<br />
Aluísio Azevedo.<br />
Jerônimo bebeu um bom trago de parati, mudou de roupa e deitou-se na cama de Rita.<br />
– Vem pra cá... disse, um pouco rouco.<br />
– Espera! espera! O café está quase pronto!<br />
E ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena fumegante da perfumosa bebida que<br />
tinha sido a mensageira dos seus amores (...)<br />
Depois, atirou fora a saia e, só de camisa, lançou-se contra o seu amado, num<br />
frenesi de desejo doído.<br />
Jerônimo, ao senti-la inteira nos seus braços; ao sentir na sua pele a carne quente<br />
daquela brasileira; ao sentir inundar-se o rosto e as espáduas, num eflúvio de baunilha e<br />
cumaru, a onda negra e fria da cabeleira da mulata; ao sentir esmagarem-se no seu largo<br />
e peludo colo de cavouqueiro os dois globos túmidos e macios, e nas suas coxas as coxas<br />
dela; sua alma derreteu-se, fervendo e borbulhando como um metal ao fogo, e saiu-lhe pela<br />
boca, pelos olhos, por todos os poros do corpo, escandescente, em brasa, queimando-lhe as<br />
próprias carnes e arrancando-lhe gemidos surdos, soluços irreprimíveis, que lhe sacudiam<br />
os membros, fibra por fibra, numa agonia extrema, sobrenatural, uma agonia de anjos<br />
violentados por diabos, entre a vermelhidão cruenta das labaredas do inferno.<br />
5. Unifesp<br />
O cortiço, obra naturalista:<br />
a) traduziu a sensualidade humana na ótica do objetivismo científico, o que se<br />
alinha à grande preocupação espiritual.<br />
b) fez análises muito subjetivas da realidade, pouco alinhadas ao cientificismo<br />
predominante na época.<br />
c) explorou as mazelas humanas de forma a incitar a busca por valores éticos e<br />
morais.<br />
d) não pôde ser considerado um romance engajado, pois deixou de lado a análise<br />
da realidade.<br />
e) tratou de temas de patologia social, pouco explorados nas escolas literárias<br />
que o precederam.<br />
26
ol1b - 08<br />
27<br />
O cortiço<br />
6. Unifesp<br />
A atração inicial entre Rita e Jerônimo não acontece na cena descrita. segundo o<br />
texto, pode-se inferir que ela se relaciona com:<br />
a) uma dose de parati. d) o perfume de Rita.<br />
b) a cama de Rita. e) o olhar de Rita.<br />
c) uma xícara de café.<br />
7. Unifesp<br />
o enlace amoroso, seja na perspectiva de Rita, seja na de Jerônimo:<br />
a) é sublimado, o que lhe confere caráter grotesco na obra.<br />
b) é desejado com intensidade e lhes aguça os ânimos.<br />
c) reproduz certo incômodo pelo tom de ritual que impõe.<br />
d) representa-lhes o pecado e a degradação como pessoa.<br />
e) é de sensualidade suave, pela não explicitação do ato.<br />
8. Unifesp<br />
Pode-se afirmar que o enlace amoroso entre Jerônimo e Rita, próprio à visão<br />
naturalista, consiste:<br />
a) na condenação do sexo e consequente reafirmação dos preceitos morais.<br />
b) na apresentação dos instintos contidos, sem exploração da plena sexualidade.<br />
c) na apresentação do amor idealizado e revestido de certo erotismo.<br />
d) na descrição do ser humano sob a ótica do erótico e animalesco.<br />
e) na concepção de sexo como prática humana nobre e sublime.<br />
9. ufR-RJ<br />
O despertar do cortiço<br />
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente, uma aglomeração tumultuosa<br />
de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do<br />
fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres<br />
precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada<br />
nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do<br />
casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam<br />
a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e<br />
fungando contra as palmas das mãos. As portas das latrinas não descansavam...<br />
Azevedo, Aluísio. O cortiço, são Paulo: Martins, 1968, p. 43.<br />
são características desse texto, consideradas típicas do Naturalismo, entre outras:<br />
a) o idealismo, o comportamento determinista.<br />
b) a ênfase no aspecto material da vida, o comportamento sofisticado.<br />
c) as comparações dos seres humanos com animais, a promiscuidade.<br />
d) a representação objetiva da vida, o endeusamento do ser humano.<br />
e) a fuga à realidade, o positivismo exacerbado.
Aluísio Azevedo<br />
10. UFSCar-SP<br />
O despertar do cortiço<br />
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente, uma aglomeração<br />
tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente,<br />
debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se.<br />
As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-selhes<br />
a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo<br />
todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo,<br />
ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e<br />
as barbas, fossando e fungando contra as palmas das mãos. As portas das latrinas não<br />
descansavam...<br />
Azevedo, Aluísio. O cortiço, são Paulo: Martins, 1968, p. 43.<br />
Aluísio Azevedo pertence ao Naturalismo.<br />
a) Cite duas características desse estilo de época.<br />
b) Exemplifique, no texto acima, essas duas características.<br />
11. espm-sp<br />
dos segmentos a seguir, extraídos de O cortiço, de Aluísio Azevedo, marque o<br />
que não traduz exemplo de zoomorfismo.<br />
a) Zulmira tinha então doze para treze anos e era o tipo acabado de fluminense; pálida,<br />
magrinha, com pequeninas manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos<br />
lábios, faces levemente pintalgadas de sardas.<br />
b) Leandra...a Machona, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca<br />
de animal do campo.<br />
c) Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa<br />
de machos e fêmeas.<br />
d) E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa começou<br />
a minhocar,... e multiplicar-se como larvas no esterco.<br />
e) Firmo, o atual amante de rita Baiana, era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil<br />
como um cabrito...<br />
12. puC-Rs<br />
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração<br />
tumultuosa de machos e fêmeas. (...) O chão inundava-se. As mulheres precisavam já<br />
prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços<br />
e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os<br />
homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça<br />
bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando<br />
contra as palmas da mão.<br />
(...)<br />
28
ol1b - 08<br />
29<br />
O cortiço<br />
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não<br />
destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto (...). Começavam a fazer compras<br />
na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se<br />
não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de<br />
plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o<br />
prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.<br />
expressões tais como “machos e fêmeas”, “cabelo para o alto do casco”, “molhar<br />
o pelo” constroem imagens que remetem a uma entre homens<br />
e animais, típica do , que se constitui num prolongamento<br />
do .<br />
a) dissociação – Realismo – Naturalismo<br />
b) contemporização – Modernismo – Realismo<br />
c) dissociação – Romantismo – Naturalismo<br />
d) associação – Naturalismo – Realismo<br />
e) contemporização – Realismo – Romantismo<br />
13. puC-Rs<br />
A obra a que pertence o texto em questão:<br />
a) recupera a tradição oral dos contos populares.<br />
b) retrata a realidade socioeconômica brasileira no limiar dos séculos XiX e<br />
XX.<br />
c) vincula-se ao chamado Romance de 30.<br />
d) organiza-se em torno da representação do anti-herói.<br />
e) apresenta uma relativização da verossimilhança.<br />
gaBaRito<br />
1. C<br />
2. d<br />
3. d<br />
4. C<br />
5. e<br />
6. C<br />
7. B<br />
8. d<br />
10. a) O zoomorfismo e o descritivismo objetivo, que fixa elementos sensoriais.<br />
9. C<br />
b) O zoomorfismo aparece em “aglomeração de machos e fêmeas”, “não molhar o pelo”,<br />
“fossando”. A análise objetiva, voltada para elementos sensoriais, aparece em “fio de água<br />
que escorria da altura de uns cinco palmos”, “chão inundava-se”, “metiam bem debaixo<br />
da água e esfregavam com força”, dentre outras.<br />
11. A 12. d 13. B