A VERACIDADE DA BÍBLIA

A VERACIDADE DA BÍBLIA A VERACIDADE DA BÍBLIA

17.04.2013 Views

Acompanhe o meu raciocínio – pediu ele. – Se Deus existe, não poderia existir sem ter criado este mundo que conhecemos. E neste mundo predomina o mal, ele está cheio do mal. Portanto ou – primeiro –, Deus criou o mundo e também o mal que nele vemos, e então não é um deus perfeito; ou, – segundo –, criou o mundo e não tem poder bastante para afastar o mal, logo não é infinitamente poderoso; ou – terceiro –, colocou propositadamente o mal no mundo para nos afligir e, nesse caso, não é sumamente bom e misericordioso. Ensaiei interrompê-lo para protestar, mas ele se me antecipou: Não me diga, como o seu filósofo Agostinho, que o mal não tem existência própria, e apenas significa a ausência do bem. Não concordo. Ele mesmo considerava como mal alguém agir contra as Tábuas da Lei. Portanto, o mal existe e pode ser praticado. Ora, se Deus criou o bem e o mal para ver qual dos dois vence na alma de uma pobre criatura, isto ainda é pior. Você falou de alma... Acredita que o homem seja corpo e espírito? Não acredito em almas, retrucou. – Apenas citava o seu filósofo. E posso dizer que, se existem almas e Deus perde uma delas, esta perda é um mal que atinge a Deus, e ser atingido pelo mal não vai bem com a idéia de perfeição e infinito poder. O que me diz? Posso facilmente responder-lhe, por partes, porque são duas as conseqüências de haver Deus dado ao homem a vontade livre. A alma somente é perdida quando exerce sua vontade para pecar. Seria uma contradição se Deus a impedisse de pecar, pois teria criado uma falsa vontade livre, e um falso livre arbítrio. Portanto, não é uma imperfeição de Deus que Ele perca uma alma. Mas, e o sofrimento? Um mundo que, como lembrou Voltaire, sofre tragédias como a de um grande terremoto, com perda de milhares de vidas, não é um mundo impregnado do mal? Ora! Você sabe que ele criticava o relativismo de Leibniz e de São Tomás, para os quais do mal podia resultar algum bem e neste caso o mal era bom. Mas eu vejo o mal por um ângulo muito diverso: ele em hipótese alguma é bom ou pode ser tolerado. Deixa-me dizer por quê: Deus criou as leis que regem o universo, as quais, seguidas à risca pela natureza, surpreendem os homens a todo instante e, quando as desconhecemos ou não podemos vencê-las, elas são a origem do sofrimento para nós. Porém, essas leis eram necessárias! Não seria possível a vontade livre se nada se movesse, se o mundo fosse rígido, imóvel; e também não seria possível exercê-la se, ao contrário, o mundo fosse completamente caótico. Dito isto, pensei: se não existissem as leis naturais, os milagres também não aconteceriam!... – mas prossegui: 102

Talvez o homem conhecesse perfeitamente essas leis naturais – esse conhecimento explicaria sua felicidade e sua pureza no Paraíso -, mas tenha perdido sua sabedoria devido a um primeiro pecado; não por praticar o mal, mas por orgulho... No paraíso?... – perguntou o ateu com polida ironia. Era evidente que a questão o interessava. Talvez não fosse um ateu tão convicto quanto acreditava ser. Sim – respondi-lhe –, e tem, na Terra, que lutar para redescobri-las, a fim de dominar a natureza, evitar o sofrimento, e reconquistar sua felicidade. Porém, quando descobre uma dessas leis, não a conhece completamente. Precisa procurar também os princípios dos quais ela deriva e chegar a princípios e leis anteriores, de modo que busca incessantemente as causas das causas. A ciência cada vez mais sente a necessidade de uma fórmula universal, um princípio que ela não possa desmontar e reduzir a outros princípios. Assim, a ciência, sem o saber, está procurando Deus, que é essa causa última. Aristóteles parece que foi o primeiro a falar de uma causa suficiente das coisas. Mas isto não é uma prova da existência de Deus – alegou o ateu. – Em todo efeito permanece alguma coisa do que foi a sua causa, e nas coisas do mundo não vemos nada que tenha pertencido a algo ou alguém senão ao mundo mesmo. Existem os princípios da física, os princípios da química, eles, sim, princípios perfeitos e eternos, leis imutáveis, indiferentes ao bem e ao mal. Não há nenhum vestígio de Deus no mundo por que Deus não se confunde nem é parte da coisa por Ele mesmo criada. Se você olha um quadro pintado a óleo, também não encontra nada do pintor, se ele não deixar seu nome escrito. Se você não quisesse acreditar na existência do pintor, você teria que supor que o pincel que deixou as marcas na tela seria a única razão do quadro existir. A ação do pincel estaria muito bem explicada pelos princípios da química e da física. Estes princípios lhe diriam, por exemplo, a força com que o pincel atingiu cada parte da tela. A disposição das linhas lhe permitiria descobrir as leis da estética aplicadas à pintura. Porém, a rigor, o quadro jamais lhe provaria a existência do pintor mais que as coisas do mundo provam que Deus existe. O velho ergueu-se da ponta do canhão, bateu alguma poeira de sua bermuda branca e veio apoiar-se na muralha, fitando o mar. De perto, deu-me outra impressão. Talvez seu rosto não tivesse tantas rugas quanto seria de esperar devido à aparência alquebrada e gasta de sua figura. Já não lhe daria mais que uns cinqüenta e poucos anos de idade. Parecia disposto a continuar a me ouvir. Retornando à questão do bem e do mal, é quando cremos em Deus e na palavra revelada – continuei –, que podemos distinguir o que pode ser o verdadeiro bem e o verdadeiro mal para nós. Então se torna importante o problema da conduta moral. É incerto o que esperar de quem não tem Deus como referência moral! 103

Talvez o homem conhecesse perfeitamente essas leis naturais – esse<br />

conhecimento explicaria sua felicidade e sua pureza no Paraíso -, mas tenha<br />

perdido sua sabedoria devido a um primeiro pecado; não por praticar o mal, mas<br />

por orgulho...<br />

No paraíso?... – perguntou o ateu com polida ironia. Era evidente que a<br />

questão o interessava. Talvez não fosse um ateu tão convicto quanto acreditava<br />

ser.<br />

Sim – respondi-lhe –, e tem, na Terra, que lutar para redescobri-las, a fim de<br />

dominar a natureza, evitar o sofrimento, e reconquistar sua felicidade. Porém,<br />

quando descobre uma dessas leis, não a conhece completamente. Precisa<br />

procurar também os princípios dos quais ela deriva e chegar a princípios e leis<br />

anteriores, de modo que busca incessantemente as causas das causas. A ciência<br />

cada vez mais sente a necessidade de uma fórmula universal, um princípio que<br />

ela não possa desmontar e reduzir a outros princípios. Assim, a ciência, sem o<br />

saber, está procurando Deus, que é essa causa última.<br />

Aristóteles parece que foi o primeiro a falar de uma causa suficiente das coisas.<br />

Mas isto não é uma prova da existência de Deus – alegou o ateu. – Em todo efeito<br />

permanece alguma coisa do que foi a sua causa, e nas coisas do mundo não<br />

vemos nada que tenha pertencido a algo ou alguém senão ao mundo mesmo.<br />

Existem os princípios da física, os princípios da química, eles, sim, princípios<br />

perfeitos e eternos, leis imutáveis, indiferentes ao bem e ao mal.<br />

Não há nenhum vestígio de Deus no mundo por que Deus não se confunde<br />

nem é parte da coisa por Ele mesmo criada. Se você olha um quadro pintado a<br />

óleo, também não encontra nada do pintor, se ele não deixar seu nome escrito. Se<br />

você não quisesse acreditar na existência do pintor, você teria que supor que o<br />

pincel que deixou as marcas na tela seria a única razão do quadro existir. A ação<br />

do pincel estaria muito bem explicada pelos princípios da química e da física.<br />

Estes princípios lhe diriam, por exemplo, a força com que o pincel atingiu cada<br />

parte da tela. A disposição das linhas lhe permitiria descobrir as leis da estética<br />

aplicadas à pintura. Porém, a rigor, o quadro jamais lhe provaria a existência do<br />

pintor mais que as coisas do mundo provam que Deus existe.<br />

O velho ergueu-se da ponta do canhão, bateu alguma poeira de sua bermuda<br />

branca e veio apoiar-se na muralha, fitando o mar. De perto, deu-me outra<br />

impressão. Talvez seu rosto não tivesse tantas rugas quanto seria de esperar<br />

devido à aparência alquebrada e gasta de sua figura. Já não lhe daria mais que<br />

uns cinqüenta e poucos anos de idade. Parecia disposto a continuar a me ouvir.<br />

Retornando à questão do bem e do mal, é quando cremos em Deus e na<br />

palavra revelada – continuei –, que podemos distinguir o que pode ser o<br />

verdadeiro bem e o verdadeiro mal para nós. Então se torna importante o<br />

problema da conduta moral. É incerto o que esperar de quem não tem Deus como<br />

referência moral!<br />

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