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MECANISMOS DE INVASÃO E METÁSTASES

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<strong>MECANISMOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>INVASÃO</strong> E <strong>METÁSTASES</strong><br />

Fabiana Henriques Machado de Melo, Mara de Souza Junqueira<br />

e Roger Chammas<br />

Cânceres são doenças genéticas, resultantes de mutações acumuladas no<br />

genoma. Estas mutações estão associadas ao descontrole de programas<br />

essenciais como proliferação, morte e diferenciação celular. Acredita-se que o<br />

genoma das células transformadas seja instável e desta instabilidade resulte a<br />

aquisição acumulativa de mutações que podem converter uma célula normal em<br />

uma célula cancerosa. Hanahan e Weinberg agruparam as capacidades<br />

adquiridas por uma célula cancerosa em 6 classes de alterações que interferem<br />

com a fisiologia normal de células e tecidos : (1) auto-suficiência quanto a fatores<br />

de crescimento; (2) insensibilidade a fatores inibitórios de proliferação; (3) evasão<br />

da apoptose ou morte celular programada; (4) potencial replicativo infinito; (5)<br />

angiogênese sustentada; e, (6) invasão tecidual e metástase.<br />

No processo de carcinogênese, como classicamente definido e discutido<br />

em outros capítulos deste livro, é frequentemente ao longo da fase de progressão<br />

tumoral, que algumas células adquirem um fenótipo mais agressivo, invadindo<br />

tecidos adjacentes e formando metástases à distância. Na tentativa de se definir<br />

melhor o fenótipo metastático, comparam-se as células metastáticas e as células<br />

não-metastáticas. As células metastáticas frequentemente apresentam moléculas<br />

diferentemente expressas qualitativa e/ou quantitativamente. Estas moléculas têm<br />

sido identificadas como possíveis marcadores de progressão tumoral, e são<br />

1


utilizadas para exploração da fisiopatologia da disseminação metastática dos<br />

tumores. Algumas moléculas têm sua expressão diminuída ou mesmo abolida nas<br />

células metastáticas. A identificação destes genes supressores de metástases e a<br />

caracterização de seu mecanismo de ação também têm recebido a atenção de<br />

diferentes grupos de pesquisa.<br />

A metástase é um processo complexo, constituído de várias etapas, e que<br />

resulta das interações entre as células tumorais e o microambiente tecidual onde<br />

estas células se encontram. Durante a disseminação de um tumor, as células<br />

tumorais devem ser capazes de se soltar do tumor primário (perda da interação<br />

célula-célula) e escapar do tecido de origem; invadir a matriz extracelular, migrar<br />

ativamente pelo estroma intersticial; induzir a formação de novos vasos<br />

sanguíneos e/ou linfáticos (angiogênese), essenciais para a expansão da massa<br />

tumoral; por estes mesmos vasos, as células tumorais podem alcançar a corrente<br />

sanguínea ou linfática, após atravessar a membrana basal e o endotélio dos vasos<br />

(intravasão), sobreviver na circulação, interagir com o endotélio vascular,<br />

extravasar e, ainda, proliferar no parênquima do órgão-alvo (Figura 1). O processo<br />

de angiogênese é crítico para a expansão das células do tumor primário e dos<br />

focos metastáticos. Ao longo deste processo, as células tumorais interagem com<br />

diversos elementos do hospedeiro, que ora atuam facilitando o processo de<br />

metastatização, ora atuam impedindo-o. A identificação de moléculas e genes que<br />

estão associados ao processo metastático e a elucidação de seu papel neste<br />

processo são importantes para a exploração de novos métodos para o diagnóstico<br />

precoce, avaliação prognóstica e padronização de novas estratégias terapêuticas.<br />

2


Em tese, estas informações serão úteis para o controle clínico da ocorrência de<br />

metástases, que é a causa da morte de 2 a cada 3 pacientes com câncer.<br />

Neste capítulo, discutiremos as bases moleculares das principais etapas do<br />

processo de disseminação tumoral, dando ênfase às perspectivas de intervenção,<br />

ainda em fase de avaliação nos diversos centros de pesquisa sobre câncer. A<br />

maior parte das informações sobre os mecanismos fisiopatológicos da<br />

disseminação tumoral vem de estudos em carcinomas, que correspondem a cerca<br />

de 80% dos tumores em adultos. De maneira geral, a disseminação de outros<br />

tipos de tumores envolvem as mesmas grandes famílias de moléculas, como<br />

discutido a seguir; embora os membros destas famílias possam variar entre<br />

tumores de diferentes origens.<br />

Desorganização tecidual e microinvasão: o papel de E-caderina na<br />

organização de tecidos epiteliais<br />

As moléculas efetoras e reguladoras do processo de invasão tumoral são<br />

moléculas que têm papel importante em eventos fisiológicos, como a<br />

morfogênese, embriogênese e angiogênese. Porém, em contraste à invasão de<br />

células tumorais, a invasão de células normais é finamente regulada e cessa<br />

quando o estímulo é retirado.<br />

Para as células tumorais invadirem os tecidos adjacentes e formarem<br />

metástases à distância, elas devem ter a habilidade de formar interações<br />

transientes ora com as proteínas da matriz extracelular, ora com as outras células,<br />

como células do estroma, células endoteliais e plaquetas. Entre as moléculas de<br />

adesão célula-célula alteradas estão as caderinas e as CAMs (cell adhesion<br />

3


molecules), proteínas pertencentes à superfamília das imunoglobulinas; entre as<br />

moléculas que regulam as interações entre células e a matriz extracelular estão as<br />

integrinas.<br />

As caderinas são moléculas de adesão dependentes de Ca 2+ que medeiam<br />

a interação homotípica célula-célula, inicialmente identificadas nas junções<br />

aderentes (adherens junctions). As caderinas são uma superfamília de pelo menos<br />

30 diferentes moléculas, cuja expressão é controlada têmporo-espacialmente.<br />

A molécula de E-caderina, que é expressa por células epiteliais, é a que se<br />

encontra mais freqüentemente alterada em tumores. Diferentes estudos revelaram<br />

que a E-caderina é freqüentemente inativada durante o desenvolvimento de<br />

carcinomas humanos, incluindo carcinomas de mama, cólon, próstata, estômago,<br />

fígado, esôfago, pele, rim e pulmão e está associada à invasão e a formação de<br />

metástases em linfonodos e à distância. A inibição da função de E-caderina pode<br />

ocorrer por diversos mecanismos, entre eles mutação ou deleç ão do gene CDH1,<br />

rearranjo cromossômico ou hipermetilação. De fato, deleções ou hipermetilação da<br />

região 16q22, onde o gene da E-caderina se localiza, são freqüentes em<br />

carcinomas do trato gastro-intestinal humano. Alternativamente, descreve-se a<br />

perda da expressão de fatores de transcrição que freqüentemente coincidem com<br />

a supressão da atividade do promotor de E-caderina em carcinomas invasivos. Em<br />

modelos experimentais, a inibição da expressão de E-caderina em células de<br />

carcinoma, facilita a invasão tumoral, enquanto o reestabelecimento da expressão<br />

de E-caderina resulta em diminuição de proliferação e inibição de invasão e<br />

metástases. E-caderina é em parte responsável pelo fenômeno de inibição por<br />

contato, uma característica de células epiteliais normais, associadas ao bloqueio<br />

4


de proliferação quando células entram em contato umas com as outras. Esta<br />

característica é fundamental para a manutenção da arquitetura dos epitélios. Em<br />

modelos animais, a perda funcional de E-caderina está associada à aceleração da<br />

progressão tumoral, adenocarcinomas e lesões metastáticas aparecem mais<br />

precocemente em animais que não expressam E-caderinas funcionais. Estas<br />

propriedades de E-caderinas permitiram classificá-la como uma molécula<br />

supressora de metástases.<br />

A perda funcional de E-caderina também está associada ao<br />

desenvolvimento de melanomas, neoplasias malignas de melanócitos.<br />

Melanócitos encontram-se frequentemente na camada basal da epiderme, onde<br />

interagem com queratinócitos, formando a chamada unidade de pigmentaç ão da<br />

pele. A perda de expressão de E-caderina parece ser um passo crítico na<br />

progressão de melanomas, permitindo que as células tumorais sejam liberadas da<br />

epiderme e invadam a derme. Ao deixar de expressar E-caderina, as células de<br />

melanoma passam a expressar altos níveis de N-caderina, potencializando as<br />

interações com fibroblastos e células endoteliais que também expressam N-<br />

caderina. Esta mudança no padrão de expressão de caderinas ocorre durante a<br />

progressão tumoral e já foi documentada in vitro e in vivo. Este fenômeno tem sido<br />

observado em outros tipos de cânceres humanos, como carcinoma de próstata,<br />

carcinoma de tireóide e linfomas de células T. Resultados experimentais<br />

mostraram que essa alteração no padrão de expressão das caderinas pode ter<br />

papel importante nas interações entre células tumorais e células do hospedeiro, na<br />

migração, invasão tecidual e regulação da expressão gênica. A expressão de N-<br />

caderina em células de carcinoma de mama está correlacionada com aumento da<br />

5


motilidade e invasão, sugerindo que a N-caderina potencialize a interação entre as<br />

células tumorais e as células do estroma.<br />

Inicialmente, pensava-se que a E-caderina poderia ter um papel na<br />

supressão da progressão tumoral por inibir a invasão e metástase, conferindo às<br />

células uma maior capacidade de interação com as células adjacentes. Porém,<br />

mais recentemente foi mostrado que, além de seu papel como supressor de<br />

metástases, a perda de E-caderina também pode contribuir para a ocorrência de<br />

eventos da carcinogênese, como a perda do controle sobre o crescimento e<br />

proliferação celular. A porção citoplasmática da E-caderina interage com as<br />

moléculas de α e β-catenina, este último produto de um conhecido protooncogene.<br />

Além da β-catenina fazer parte do complexo de adesão de E-caderina, ela tem<br />

papel essencial como mediador da via de transdução de sinal de Wnt/Wingless<br />

(glicoproteína que exerce papel na embriogênese), que ativa os fatores de<br />

transcrição LEF/Tcf, que por sua vez controlam a transcrição de genes que<br />

codificam, por exemplo, ciclina D1, Myc e metaloproteinases.<br />

De maneira simplificada, o pool de β−catenina citoplasmática pode ser<br />

considerado um dos elementos reguladores da proliferação e invasão de células<br />

epiteliais. Quando há β−catenina livre no citoplasma, esta molécula transloca para<br />

o núcleo, onde ativa os fatores de transcrição da família de LEF/Tcf, induzindo a<br />

transcrição de genes que controlam o ciclo celular (Myc e ciclina D1), ou ainda, a<br />

transcrição de enzimas proteolíticas como as metaloproteinases (vide abaixo). Nos<br />

tecidos, quando há interação entre células e formação das junções aderentes,<br />

mediadas por E-caderinas, as moléculas de β−catenina são recrutadas para a<br />

6


egião submembranar. Direciona-se assim o pool citoplasmático de β−catenina<br />

para uma função associada à organização do citoesqueleto. As células então<br />

parariam de proliferar. Há formas alternativas de controlar-se o pool citoplasmático<br />

de β−catenina, como por exemplo, estimulando-se sua degradação. Esta função<br />

depende de moléculas como o produto do gene APC, frequentemente alterado em<br />

pacientes com polipose adenomatosa colônica familial. A falta deste mecanismo<br />

de degradação ou a perda funcional de E-caderina levam ao acúmulo do pool<br />

citoplasmático de β−catenina e sua ulterior translocação para o núcleo. A β-<br />

catenina também exerce papel no controle da proliferação e apoptose e também<br />

está aumentada em alguns tipos de câncer. Dados recentes mostraram que a E-<br />

caderina suprime o crescimento de células de carcinoma de cólon por inibir a via<br />

de sinalização β-catenina/Wnt.<br />

A transição epitélio-mesenquimal<br />

Ao mesmo tempo que a células tumorais se soltam do tumor primário por<br />

diminuição da interação célula-célula, elas devem ter a capacidade de migrar e<br />

invadir o estroma adjacente. Células de carcinomas passam por um processo<br />

denominado de transição epitélio-mesenquimal: a célula tumoral, de origem<br />

epitelial passa a expressar um conjunto de genes tipicamente expressos em<br />

células do tecido conjuntivo. Segundo Thierry, do ponto de vista celular, a<br />

transição se dá entre um morfotipo epitelióide, menos migratório, para um<br />

morfotipo fibroblastóide, mais migratório. Por muito tempo, este fenômeno foi<br />

chamado de desdiferenciação, e definido por parâmetros morfológicos, e não<br />

7


moleculares. De maneira geral, tem-se evitado o uso do termo desdiferenciação.<br />

Sabemos atualmente que este comportamento das células neoplásicas é bastante<br />

influenciado pela interação com a matriz extracelular, que tem capacidade<br />

instrucional, modulando a expressão de diferentes genes. A transição epitélio-<br />

mesenquimal é controlada por fatores peptídicos (fatores de motilidade ou<br />

dispersão) que interagem com receptores específicos, muitos deles com atividade<br />

tirosino-quinase, que além de atuar nesta transição de fenótipos, também podem<br />

atuar como fatores de crescimento. São exemplos destas moléculas: HGF<br />

(hepatocyte growth factor), membros da família de EGF (epidermal growth<br />

factors), e seus receptores, respectivamente c-met e membros da família dos<br />

receptores de EGF (EGFR e p185 neu /Her2 ou erbB-2, como discutido em outros<br />

capítulos deste livro). Estas moléculas parecem controlar diretamente os efetores<br />

da resposta de migração celular, sendo assim responsáveis pela sinalização da<br />

dispersão ou desagregação de células de um tecido.<br />

Integrinas: sensores do microambiente<br />

A capacidade de migração pela matriz extracelular é mediada por<br />

moléculas da superfamília das integrinas, glicoproteínas heterodiméricas integrais<br />

de membrana que integram os meios intra- e extracelulares; e, depende da ação<br />

de metaloproteases. As integrinas são compostas de uma cadeia α (α1-10, αv, αIIb,<br />

αL, αM, αX, por exemplo) e uma cadeia β (β1-6, por exemplo). Há uma grande<br />

variedade destes receptores de superfície celular: pelo menos 25 moléculas<br />

diferentes que atuam na adesão das células a outras células (por exemplo,<br />

8


membros da sub-família das β2 integrinas) e de células à matriz extracelular (por<br />

exemplo, membros da sub-família das β1 e β3 integrinas). A função das integrinas<br />

é controlada em parte pela ação dos fatores de motilidade ou dispersão<br />

mencionados acima.<br />

À medida que as células tumorais se locomovem por matrizes<br />

extracelulares diferentes daquela encontrada em seu extrato tecidual de origem,<br />

os sinais externos de proliferação e sobrevivência vão sendo também<br />

progressivamente alterados. De fato, quando células epiteliais e endoteliais<br />

normais são desalojadas de seus extratos de origem, estas células iniciam o<br />

processo de morte celular programada. Este processo de morte é conhecido como<br />

anoikis (do grego, sem casa). Há evidências de que as integrinas sejam também<br />

moléculas sinalizadoras do desalojamento. Ao mesmo tempo, integrinas regulam<br />

as vias de sobrevivência celular. O modelo proposto para integração destas vias<br />

de sinalização é o de que a ocupação das integrinas na superfície celular<br />

sinalizaria adequação do meio externo e portanto sobrevivência celular. Em<br />

diferentes microambientes, identificados pela célula através da relativa<br />

desocupação de suas integrinas, a ausência ou diminuição relativa dos sinais de<br />

sobrevivência culminaria então na morte celular por apoptose. Este modelo, ainda<br />

alvo de testes de validação, tem implicações interessantes. A observação mais<br />

relevante, é que ao longo do processo de transformação as células cancerosas<br />

evadem estes mecanismos e são capazes de sobreviver em diferentes<br />

microambientes.<br />

9


Várias alterações na padrão de expressão e/ou função de integrinas ao<br />

longo da progressão tumoral foram identificadas. Mais frequentemente as<br />

integrinas são responsáveis por um processo de migração disfuncional. Assim, por<br />

exemplo, fibroblastos são células migratórias, mas, de maneira geral migram<br />

pouco ou quase nada sobre membranas basais (matriz extracelular especializada<br />

que separa por exemplo os epitélios do tecido conjuntivo subjacente). No processo<br />

de transformação maligna de fibroblastos, há aumento da capacidade de migração<br />

do fibroblasto transformado sobre laminina, glicoproteína específica das<br />

membranas basais. Esta migração disfuncional depende do acúmulo de uma<br />

integrina específica, α6β1 integrina, que é responsável pela resposta migratória<br />

das células transformadas.<br />

As células tumorais apresentam pelo menos dois mecanismos de migração<br />

pela matriz extracelular: (1) um movimento celular individual, semelhante ao<br />

movimento de leucócitos pelos tecidos inflamados, chamado de migração<br />

amebóide; (2) um movimento celular coletivo, caracterizado pela migração de<br />

agregados celulares. O movimento celular coletivo requer que as células,<br />

agrupadas através de interações célula-célula, formem uma unidade assimétrica.<br />

Na frente de migração, estão as células com características mais migratórias,<br />

onde é gerada a força motriz; as células localizadas posteriormente são<br />

virtualmente puxadas pelas células localizadas anteriormente. O mecanismo de<br />

comunicação e transmissão de força utilizado pelas células em movimento não é<br />

conhecido. Resultados recentes mostraram que o movimento coletivo de células<br />

de melanoma é bloqueado com anticorpos anti-β1 integrinas; curiosamente, o<br />

10


movimento amebóide não é sensível à inibição por anti-β1 integrinas. Pode-se<br />

concluir que ao alterar as interações célula-célula e/ou célula-matriz, células<br />

tumorais sofrem transição de um programa de migração para outro. Esses<br />

resultados ilustram o conceito de plasticidade da migração de células tumorais. O<br />

movimento coletivo de células de melanoma representa uma estratégia de<br />

migração eficiente, que permite a translocação ativa e passiva de células<br />

heterogêneas (nem todas as células precisariam ser igualmente migratórias),<br />

potencializando a disseminação de células que apresentem diferentes<br />

características dentro da massa tumoral. Existiria assim um efeito de comunidade,<br />

onde o fenótipo metastático poderia ser a resultante de fenótipos compartilhados<br />

por uma população de células tumorais heterogêneas entre si. Essa é uma<br />

característica das células tumorais que deverá ser levada em consideração na<br />

geração de futuras estratégias terapêuticas.<br />

A distribuição polarizada das integrinas observada em células epiteliais<br />

normais é perdida em células de carcinoma. As integrinas α6β1 e α6β4, que são<br />

ligantes de laminina-1, concentradas normalmente na membrana basolateral,<br />

passam a ter uma distribuição mais uniforme. A integrina α5β1, que se liga a<br />

fibronectina, também tem alteração na sua distribuição em fibroblastos<br />

transformados. Estes, antes agrupados nas placas de adesão focal, são<br />

encontrados em toda a superfície celular de maneira difusa após a transformação.<br />

Resultados indicam que há uma correlação inversa entre a deposição de<br />

fibronectina na matriz e a migração celular, sugerindo que a diminuição de<br />

fibronectina na matriz e o aumento da capacidade invasiva de fibroblastos<br />

11


transformados pode ser causado pela redução da expressão ou da função da α5β1<br />

integrina. Por outro lado, o aumento da expressão da integrina αvβ3 parece<br />

contribuir para a aquisição do fenótipo maligno de células de melanoma. A<br />

transição do melanoma de crescimento radial para o de crescimento vertical, é<br />

acompanhado do aumento da expressão dessa integrina.<br />

As vias de sinalização de integrinas são controladas por diferentes<br />

moléculas, que têm sido identificadas como supressoras de metástases. Incluem -<br />

se aí CD82, membro da família das tetraspaninas e RHOGDI2, um regulador da<br />

função de RHO e RAC, que controlam a organização do citoesqueleto em<br />

processos de movimento celular. Algumas tetraspaninas colocalizam com<br />

integrinas na membrana plasmática das células em microdomínios especializados.<br />

Nestes microdomínios encontram-se diferentes lipídios e glicolipídios, como os<br />

gangliosídeos, por exemplo. Diferentes marcadores associados a progressão<br />

tumoral pertencem à família dos gangliosídeos. Mais recentemente, evidências<br />

experimentais indicam que os gangliosídeos podem modular a migração celular<br />

dependente de integrinas, provavelmente interferindo com a interação integrina-<br />

tetraspanina.<br />

Além da família das integrinas αv estar relacionada com a aquisição da<br />

capacidade migratória, ela também tem papel importante na angiogênese (ver<br />

abaixo). A αvβ3 integrina é expressa em vasos neoformados durante processos<br />

fisiológicos e patogênicos, como a progressão tumoral. A análise da expressão da<br />

αvβ3 integrina em tumores de pacientes com carcinoma de cólon mostrou uma<br />

relação inversa entre o intervalo de sobrevida livre de doença dos pacientes e os<br />

12


níveis intratumorais desta integrina. Esta variável parece dependente da<br />

densidade microvascular analisada para cada caso.<br />

As integrinas da família αv também estão envolvidas na regulação da<br />

atividade das enzimas proteolíticas que degradam a membrana basal, a primeira<br />

barreira que as células tumorais devem ultrapassar. Na verdade, a interrupção da<br />

organização ou integridade da membrana basal é um marcador histológico chave<br />

na transição de um tumor para carcinoma invasivo. As enzimas que degradam a<br />

matriz extracelular pertencem à família das metaloproteinases, que será discutida<br />

a seguir.<br />

A degradação da matriz extracelular<br />

Para que haja a migração de células tumorais pelas diferentes matrizes<br />

extracelulares do organismo (através das membranas basais, pelo estroma<br />

intersticial e pelas matrizes ósseas), é necessário que haja degradação da matriz<br />

extracelular. A degradação da matriz ocorre em condições fisiológicas e<br />

patológicas, sendo finamente regulada em diversos níveis, como será discutido a<br />

seguir. Entre as moléculas efetoras desta degradação encontra-se uma família de<br />

enzimas, as metaloproteinases de matriz extracelular (MMP), proteinases<br />

dependentes de zinco para sua atividade. A família das MMP conta com mais de<br />

25 diferentes membros, subdividida em 4 grupos, de acordo com a sua estrutura<br />

primária e a especificidade ao substrato: colagenases, gelatinases, estromelisinas<br />

e metaloproteínases-tipo membrana (Tabela 1). A degradação da matriz<br />

extracelular também depende de enzimas que degradam polissacarídeos<br />

13


complexos, como os glicosaminoglicanos (por exemplo, hialuronidases,<br />

heparanases e condroitinases).<br />

Atividade aumentada de MMPs está associada às fases de crescimento do<br />

tumor, invasão e metástases, sendo freqüentemente superexpressas em<br />

diferentes cânceres. A maioria das MMPs é secretada em forma latente<br />

(zimogênio). As pró-MMPs são ativadas por proteólise no espaço extracelular. A<br />

ativação de pró-MMPs depende da ação de uma serino-protease, a plasmina; que,<br />

por sua vez também existe numa forma latente, o plasminogênio. A conversão de<br />

plasminogênio em plasmina depende de um outro sistema de serino-proteases: os<br />

ativadores do plasminogênio (tipos tecidual e uroquinase, tPA e uPA,<br />

respectivamente). A ativação dos ativadores do plasminogênio depende de sua<br />

interação com receptores específicos de membrana e depende, pelo menos em<br />

parte, de αv integrinas. Ainda, a expressão de MMPs também é controlada<br />

transcricionalmente. Citocinas e fatores peptídicos como interleucina (IL)-4 e IL-10,<br />

fatores de crescimento (EGF, fator de crescimento transfomante α (TGF-α), fator<br />

de crescimento fibroblasto básico (bFGF), e TGF-β-1 induzem a expressão de<br />

diferentes membros da família das MMPs.<br />

Ao lado das cascatas de ativação, o processo de degradação da matriz<br />

extracelular também é regulado por diferentes inibidores encontrados no plasma e<br />

nos tecidos. Entre os inibidores plasmáticos, por exemplo, encontram -se inibidores<br />

de proteases não específicos como a α2-macroglobulina e α1-antiprotease; entre<br />

os inibidores teciduais destaca-se a família das TIMPs (tissue inhibitors of<br />

metalloproteinases ). As TIMPs, uma família de 4 proteínas (TIMP-1, TIMP-2,<br />

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TIMP -3 e TIMP -4), exercem um duplo controle sobre as MMPs inibindo tanto sua<br />

forma ativa como no seu processo de ativação (Figura 2). Além da função de<br />

inibidores da atividade das MMPs, as TIMPs também induzem mudança na<br />

morfologia da célula, estimulam o crescimento de vários tipos celulares e modulam<br />

negativamente o processo de angiogênese.<br />

MMPs na disseminação de tumores<br />

As MMPs medeiam a degradação da matriz extracelular e da membrana<br />

basal durante fases precoces do processo de tumorigênese, contribuindo para a<br />

formação do microambiente que promove o crescimento do tumor. As MMPs<br />

também participam em estágios mais tardios do desenvolvimento do câncer,<br />

promovendo o crescimento sustentado tanto de tumores primários como<br />

metastáticos pela ativação de fatores de crescimento, inativação de proteínas de<br />

ligação a fatores de crescimento ou pela liberação de moléculas mitogênicas<br />

residentes na matriz extracelular. MMPs atuam assim modulando a<br />

biodisponibilidade de fatores de crescimento, favorecendo a expansão das células<br />

tumorais; quer diretamente, induzindo a proliferação de células tumorais; quer<br />

indiretamente, regulando o comportamento das células endoteliais (vide abaixo) e<br />

fibroblastos que suportam o crescimento do tumor.<br />

Um dos primeiros passos na invasão de carcinomas é a disrupção da<br />

membrana basal e subsequente migração por esta matriz extracelular<br />

proteolisada. A membrana basal é constituída de moléculas como laminina,<br />

colágeno tipo IV e proteoglicanos contendo heparam-sulfato. Mais recentemente,<br />

mostrou-se que a molécula de laminina-5, presente em membranas basais de<br />

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epitélios, por exemplo, está associada ao controle do fenótipo migratório.<br />

Laminina-5 íntegra sinaliza o estado estacionário. A clivagem de laminina-5 por<br />

MMP-2 ou MMP-14 revelam um sítio críptico da molécula de laminina que<br />

desencadeia a motilidade celular. Esta forma clivada é encontrada em tumores<br />

experimentais; em cânceres humanos, MMP-14 co-localiza com laminina-5, o que<br />

sugere que este seja um mecanismo operante associado a cânceres<br />

microinvasivos.<br />

A transição epitélio-mesenquimal é um processo finamente regulado.<br />

Discutimos acima o papel das junções aderentes e E-caderina na manutenção da<br />

arquitetura dos epitélios, e na regulação de vias de sinalização associadas a via<br />

Wnt/wingless. E-caderina é clivada pela MMP -3 ou 7 e a liberação do fragmento<br />

de E-caderina promove a invasão das células do tumor de maneira parácrina in<br />

vitro , possivelmente atuando como inibidor competitivo de outras moléculas de E-<br />

caderina intactas. A clivagem de E-caderina também desencadeia a transição<br />

epitélio-mesenquimal, associada ao comportamento invasivo de tumores. Outras<br />

moléculas, como CD44, também regulam este processo.<br />

A ativação de MMPs também figura entre os mecanismos que as células<br />

tumorais utilizam para escapar da "vigilância" do sistema imune. A proliferação de<br />

linfócitos T, que é regulada pela sinalização de citocinas pelo receptor α da<br />

interleucina 2 (IL-2Rα), pode ser inibida pela clivagem deste receptor por MMP-9.<br />

MMPs também ativam TGF-β, um fator supressor de linfócitos T na resposta<br />

contra os tumores. A clivagem do inibidor de proteinase α1, gerado por MMP-11,<br />

diminui a sensibilidade das células do tumor a células natural killer.<br />

16


A expressão de MMPs, embora baixa ou não detectável na maioria dos<br />

tecidos normais, encontra-se aumentada na maioria dos tumores. Animais<br />

modificados geneticamente e que não expressam algumas das MMPs apresentam<br />

tumores menores que os animais normais, ou ainda apresentam tumores mais<br />

tardiamente. Estas moléculas, que têm sido consideradas moléculas associadas a<br />

tumor, no entanto não são produzidas somente pelas células tumorais<br />

propriamente ditas. Estudos usando a técnica de hibridação in situ , permitiram<br />

mostrar que o mRNA de diversas MMPs é produzido também por fibroblastos do<br />

estroma e células inflamatórias presentes no microambiente onde se encontram<br />

as células tumorais. Assim, postula-se que as células tumorais paracrinamente<br />

modulem a expressão de MMPs por células normais. As células inflamatórias,<br />

como mastócitos, macrófagos e neutrófilos, além de produzir MMPs também<br />

produzem citocinas que podem atuar como moduladores positivos deste processo.<br />

Cria-se assim uma rede tecidual de ativação transcricional , síntese, secreção e<br />

ativação de MMPs, como aquela ativada no processo de remodelação tecidual<br />

normal; embora sem os mecanismos de controle normal operantes. O fenômeno<br />

discutido acima ilustra claramente o conceito de que o comportamento dos<br />

tumores não depende somente da célula tumoral, mas também de suas interações<br />

com elementos do hospedeiro, que ocorrem no contexto do microambiente<br />

tumoral.<br />

Da mesma forma que as células tumorais invadem os tecidos do<br />

hospedeiro, células do hospedeiro, como células endoteliais e pericitos, são<br />

recrutadas pelo tumor, invadem-no e formam estruturas vasculares (vasos<br />

sanguíneos e linfáticos), que compõem um elemento importante do microambiente<br />

17


tumoral (Figura 3). A vascularização do tumor se dá por angiogênese. Ao mesmo<br />

tempo que se criam rotas vasculares de influxo de nutrientes, necessários para a<br />

expansão da massa tumoral; os vasos neoformados podem dar vazão ao efluxo<br />

de células tumorais para a circulação hematogênica ou linfática, resultando assim<br />

na disseminação sistêmica do tumor.<br />

Angiogênese<br />

A angiogênese é um processo fisiológico definido como a formação de<br />

novos vasos a partir de vasos pré-existentes que ocorre durante a formação de<br />

novos tecidos, onde são requeridos oxigênio e nutrientes para o crescimento das<br />

células.<br />

As células de um tumor conseguem obter nutrientes e oxigênio por difusão<br />

passiva a uma distância de ~0.2 a 0.5 mm. Portanto, tumores sólidos só podem<br />

apresentar tamanho superior a 0.5 a 1 mm 3 (~10 6 células) quando são<br />

vascularizados, o que nos permite concluir que o crescimento tumoral depende da<br />

angiogênese. No entanto, a angiogênese em tumores é bastante diferente daquela<br />

vista em tecidos normais, apresentando vasos vazantes, com diâmetro irregular e<br />

paredes finas, com fluxo sanguíneo aberrante e áreas de necrose. Além de<br />

diferenças morfológicas, muitas moléculas de superfície são diferencialmente<br />

expressas entre as células endoteliais da vasculatura tumoral e do tecido normal,<br />

como descrito a seguir.<br />

As células tumorais começam a promover a angiogênese já nas fases<br />

iniciais da tumorigênese. O processo de angiogênese é resultado do balanço entre<br />

fatores estimulatórios, como o VEGF (fator de crescimento de célula endotelial<br />

18


vascular), PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas), TGF-α e -β, FGF-2<br />

(fator de crescimento de fibroblastos tipo 2 ou básico) e citocinas pró-inflamatórias<br />

como TNF-α (fator de necrose tumoral α); e entre fatores inibitórios como<br />

interferons, angiostatina, endostatina, trombospondina e inibidores de<br />

metaloproteinases. Ao longo da transformação maligna, há aumento da expressão<br />

das proteínas pró-angiogênicas e diminuição das proteínas supressoras da<br />

angiogênese, algumas delas controladas por TP53, como trombospondina, por<br />

exemplo.<br />

O primeiro passo da neovascularização é a ativação de células endoteliais<br />

quiescentes pelos fatores liberados pelas células tumorais ou pelas células do<br />

estroma adjacente. Esta ativação ocorre em resposta a estímulos estressantes<br />

como a hipóxia, privação de nutrientes ou compressão. Em condições de<br />

normoxia, o O2 difunde livremente pelas células, levando a modificações pós -<br />

traducionais de diferentes proteínas, entre elas o fator transcricional HIF-1α. a<br />

forma oxigenada de HIF-1α é ubiquitinada e degradada pelo proteasoma, num<br />

mecanismo que depende da proteína VHL, mutada em alguns tumores, como na<br />

síndrome de von Hippel Lindau. Em condições de hipóxia, os níveis de HIF-1α<br />

aumentam, a molécula então transloca para o núcleo, onde associada a HIF-1β<br />

atua como fator de transcrição regulando por exemplo a expressão gênica de<br />

VEGF, que atua sobre as células endoteliais.<br />

Nestas condições, as células endoteliais são estimuladas a produzir<br />

metaloproteinases, a degradar a matriz extracelular e a proliferar. A degradação e<br />

remodelação da matriz permitem que as células endoteliais em proliferação<br />

19


migrem através do tecido e formem estruturas tubulares. Enquanto ocorre a<br />

remodelação da matriz pelas metaloproteinases, as células endoteliais em<br />

resposta a ativação de fatores de crescimento alteram a expressão de seus<br />

receptores de superfície. Por exemplo, têm -se o aumento da expressão do<br />

receptores de fatores de crescimento, como o receptor para VEGF. Também<br />

ocorre diminuição da expressão de caderinas. Por outro lado, têm-se aumento da<br />

expressão de integrinas, entre elas α2β1, α3β1, α5β1 e αvβ3. Essas alterações<br />

determinam o comportamento das células endoteliais, que perdem a interação<br />

célula-célula e aumentam a habilidade de interagir e de migrar pela matriz<br />

extracelular.<br />

Entre as integrinas com a expressão alterada, o aumento da expressão da<br />

αvβ3.é o mais notável. Ao contrário das outras integrinas, αvβ3 não é encontrada<br />

em células endotelias quiescentes. Devido a esse padrão de expressão seletiva<br />

em células endoteliais de vasos tumorais, esta integrina tem sido alvo de<br />

abordagens terapêuticas experimentais e em estudos clínicos de fase 1 e 2, até o<br />

momento.<br />

No processo de angiogênese, MMPs tem função pró-angiogênica pela<br />

liberação de fatores como FGF básico e TGF-β, residentes na matriz; mas<br />

também anti-angiogênica, associada à clivagem de componentes da matriz<br />

extracelular e geração de peptídeos com ação anti-angiogênica. Assim por<br />

exemplo, a degradação de colágeno tipo I é necessária para a invasão das células<br />

endoteliais e a ulterior formação de vasos (estruturas tubulares). MMP-2, 9 e 14<br />

regulam diretamente a angiogênese. Há evidências de que a inibição da<br />

20


expressão de MMP-2 em células tumorais está associada a angiogênese<br />

deficiente. Por outro lado, uma série de fatores anti-angiogênicos foi recentemente<br />

caracterizada, como por exemplo a angiostatina, a endostatina e tumstatina. Estas<br />

moléculas são derivadas de plasminogênio, colágeno XVIII e colágeno tipo IV,<br />

respectivamente. É importante ressaltar que as moléculas parentais não tem<br />

nenhum efeito anti-angiogênico, que só é observado após o processamento por<br />

proteólise limitada (clivagem) do plasminogênio e dos colágenos. A clivagem de<br />

plasminogênio pelas MMP-2, 3, 7, 9 e 12 (metaloelastase de macrófago) dá<br />

origem a angiostatina; MMP-3, 9, 12, 13 e 20 estão envolvidas na geração de<br />

endostatina, um fragmento C-terminal da clivagem do colágeno tipo XVIII. Tanto<br />

angiostatina como endostatina reduzem a proliferação de células endoteliais e<br />

endostatina pode inibir a invasão das células endoteliais por agir como um inibidor<br />

das MMP-14 e 2. Embora os dados em animais de experimentação quanto ao uso<br />

de angiostatina e endostatina sejam bastante promissores, o uso clínico destas<br />

moléculas tem encontrado uma série de barreiras; não sendo ainda eficiente. De<br />

qualquer maneira, o princípio de sua utilização tem motivado a geração de<br />

compostos modificados que atuem de maneira similar a estes angiostáticos.<br />

MMP-12 pode também inibir a angiogênese do tumor por clivagem e<br />

inativação do receptor de uPA (uPAR), que é necessário para a invasão das<br />

células endoteliais pela matriz provisória de fibrina. Tanto inibidores sintéticos de<br />

MMPs como por exemplo marimastate, batimastate e inibidores endógenos, como<br />

as TIMPs são capazes de inibir a formação de tubos capilares in vitro e in vivo.<br />

Vários inibidores de angiogênese têm sido desenvolvidos, tendo como alvo as<br />

células endoteliais presentes no microambiente tumoral, ao invés das células<br />

21


tumorais (Tabela 2). Esta nova abordagem terapêutica é promissora porque ao<br />

contrário das células tumorais, as células endoteliais são geneticamente estáveis<br />

e conseqüentemente não acumulam mutações que permitiriam o desenvolvimento<br />

de resistência a drogas. Além disso, a expressão de moléculas específicas à<br />

vasculatura do tumor sugere que estes vasos poderiam ser seletivamente<br />

destruídos sem afetar a integridade dos vasos normais.<br />

Os vasos não são formados somente pelas células endoteliais. Células<br />

estromais de suporte, os pericitos, interagem com as células endoteliais. As<br />

células endoteliais modulam a função do pericito, secretando PDGF, que atua de<br />

maneira parácrina nos pericitos que expressam o receptor para este fator de<br />

crescimento. O receptor de PDGF é uma tirosino-quinase e sua atividade regula,<br />

entre outros processos, a pressão intersticial intratumoral, frequentemente<br />

elevada. Inibidores da atividade de receptores de PDGF, como o STI571 (Glivec),<br />

têm sido avaliados como redutores da pressão intersticial intratumoral. Os<br />

resultados são bastante promissores: a administração conjunta de quimioterápicos<br />

e STI571 está associado a uma maior captação de quimioterápicos pela célula<br />

tumoral em modelos experimentais. Este conceito, uma vez confirmado mais<br />

amplamente, como demonstrado para drogas como taxol e 5-fluorouracil (em<br />

estudo clínico), permitiria administrar doses progressivamente menores, porém<br />

igualmente eficazes de quimioterápicos, otimizando seu índice terapêutico.<br />

A expressão alterada de moléculas de superfície e de matriz pelas células<br />

endoteliais do tumor também podem ser exploradas para a geração de novas<br />

técnicas de diagnóstico e prognóstico. Análises de expressão gênica através da<br />

técnica de SAGE (serial analysis of gene expression) revelaram que células<br />

22


endoteliais da vasculatura de tumores de cólon humano apresentam níveis de<br />

colagenases, bem como de outras proteínas da matriz e metaloproteinases, de 10<br />

a 30 vezes maior quando comparado aos níveis das células do tecido adjacente<br />

normal. Bibliotecas de fagos têm sido desenvolvidas para identificar peptídeos que<br />

se ligam especificamente a proteínas presentes nas células endoteliais dos vasos<br />

tumorais. Um dos peptídeos identificados reconhece as integrinas α5β1 e αvβ3.<br />

Outro peptídio que foi identificado se liga a um novo marcador do endotélio, o<br />

aminopeptidase-N. Anticorpos anti-aminopeptidade-N, bem como seus inibidores<br />

enzimáticos, inibem a angiogênese, indicando que esta peptidase pode também<br />

estar envolvida na migração de células endoteliais.<br />

Em modelos experimentais, tumores de crescimento lento, que são mais<br />

difíceis de serem tratados com quimioterapia, são responsivos a terapia anti-<br />

angiogênica. Deve-se levar em consideração, que os inibidores de angiogênese<br />

são mais efetivos quando administrados num esquema que mantenha a<br />

concentração da droga na circulação constante, ao invés de uma terapia que seja<br />

periodicamente descontinuada. A terapia anti-angiogênica, baseada em anticorpos<br />

como por exemplo anti-αvβ3 integrinas, angiostáticos endógenos (angiostatina e<br />

similares) ou exógenos; ou ainda, inibidores de MMPs que atuam também na<br />

inibição da angiogênese guarda um grande potencial, que precisa ser<br />

sistematicamente avaliado. Problemas antecipados a esta terapia recaem sobre<br />

um fenômeno ainda pouco estudado, denominado mimetismo vasculogênico.<br />

Observado em melanomas, este processo se caracteriza pela formação de<br />

estruturas vasculares revestidas por células tumorais, e não somente células<br />

23


endoteliais. Acredita-se que neste caso as células tumorais mimetizem as células<br />

endoteliais, formando estruturas que se anastomosam com vasos já formados,<br />

garantindo assim o aporte de nutrientes e oxigênio ao interior do tumor. Não se<br />

sabe ainda quão geral é este fenômeno.<br />

Linfangiogênese<br />

Apesar do amplo conhecimento sobre o papel da angiogênese na<br />

progressão tumoral, relativamente pouco se sabe a respeito da linfangiogênese,<br />

isto é, geração de novos vasos linfáticos.<br />

Até há pouco tempo, sugeria-se que não existiam vasos linfáticos dentro de<br />

massas tumorais. Esta seria uma das causas para a alta pressão intersticial<br />

observada em tumores sólidos, discutida acima. Com a geração de marcadores<br />

mais específicos para os vasos linfáticos, contudo, muitos grupos identificaram a<br />

presença de vasos linfáticos colabados no microambiente tumoral. O colapso<br />

destes vasos dentro do tumor parece ser devido ao estresse mecânico gerado<br />

pelas células tumorais em proliferação; o que, por sua vez, contribui para o<br />

aumento da pressão dentro do interstício tumoral.<br />

Mais recentemente, identificaram-se dois fatores linfangiogênicos. O<br />

primeiro fator de crescimento linfangiogênico descoberto foi o fator de crescimento<br />

vascular endotelial do tipo C (VEGF C). O VEGF C é sintetizado como uma pré-<br />

pró-proteína e muitas formas são geradas através de um processo proteolítico. O<br />

VEGFC tem afinidade por dois receptores de superfície do tipo tirosina quinase,<br />

VEGFR2 e VEGFR3, que são predominantemente expressos nas células<br />

endoteliais dos vasos sangüíneos e linfáticos, respectivamente. Como o VEGF, o<br />

24


VEGF C estimula a migração e proliferação de células endoteliais e induz aumento<br />

na permeabilidade vascular, porém doses maiores de VEGF C são necessárias<br />

para se observarem estes efeitos. Diferentemente do VEGF, a expressão de<br />

VEGF C não é estimulada pela hipóxia, e sim por citocinas pró-inflamatórias.<br />

Evidências experimentais indicam que o VEGF C regula o crescimento de vasos<br />

linfáticos em vários modelos animais. Em animais geneticamente modificados, a<br />

super-expressão de VEGF C acelera o aparecimento de metástases. O aumento<br />

da expressão de VEGF C em queratinócitos da pele leva a hiperplasia dos vasos<br />

linfáticos da derme. As respostas angiogênica e linfoangiogência de VEGF C<br />

dependem do grau de processamento proteolítico do seu precursor e do padrão<br />

de expressão dos seus receptores nas células endoteliais dos vasos sangüíneos e<br />

linfáticos no tecido alvo.<br />

O segundo fator de crescimento identificado foi o VEGF D (também<br />

conhecido como fator de crescimento induzido por c-FOS ou FIGF). O VEGF D é<br />

processado da mesma maneira que o VEGF C e tem afinidade pelos mesmos<br />

receptores nas células endoteliais. Como o VEGF C o VEGF D é linfoangiogênico<br />

quando tem sua expressão aumentada em queratinócitos da pele.<br />

Estudos recentes demonstraram que a expressão de VEGF C é detectável<br />

em metade dos cânceres humanos analisados e que há uma correlação entre a<br />

expressão de VEGF C e a formação de metastáses em linfonodos regionais em<br />

cânceres coloretal, de tireóide, próstata, estômago, pulmão e carcinoma<br />

esofágico. A expressão aumentada de VEGF D foi observada em melanomas<br />

quando comparados com melanócitos. Apesar dos avanços nessa área, ainda não<br />

25


foi determinado se a inibição da linfoangiogênese seria uma estratégia terapêutica<br />

eficaz na inibição da disseminação de células tumorais e formação de metástases.<br />

Um conceito importante de se discutir é o da disseminação de células<br />

tumorais para linfonodos. Dado o grande número de anastomoses linfático-<br />

venosas, as células que saem dos tumores podem chegar aos linfonodos de<br />

drenagem quer por vasos linfáticos, quer por vasos sanguíneos. A via de saída da<br />

célula tumoral parece ser menos crítica do que a real capacidade da célula<br />

tumoral colonizar o linfonodo. De qualquer forma, estudos experimentais<br />

mostraram que a linfangiogênese acelera o aparecimento de metástases. Não se<br />

sabe, no entanto, se os vasos linfáticos pré-existentes já seriam suficientes para<br />

dar vazão à disseminação das células metastáticas; ou se haveria a formação de<br />

novo de vasos linfáticos (linfangiogenêse) ou eventual hipertrofia/hiperplasia da<br />

rede linfática existente. Estes pontos deverão ser esclarecidos experimentalmente<br />

nos próximos anos.<br />

Fase Intravascular da disseminação tumoral<br />

O achado de células tumorais na circulação sanguínea e/ou linfática não é<br />

infrequente; embora em alguns estudos tenha-se mostrado uma correlação entre o<br />

número de células tumorais circulantes e o prognóstico de pacientes, o significado<br />

clínico deste achado ainda não foi firmemente estabelecido. Por ora, o achado de<br />

células tumorais na circulação serviria somente para identificação de doença<br />

residual. O processo de metástase é tido como ineficiente: estima-se que somente<br />

uma a cada 10.000 células tumorais presentes na circulação, em sistemas<br />

experimentais, tem a capacidade de gerar um nódulo metastático.<br />

26


O processo de entrada das células tumorais na circulação, contudo, não é<br />

um processo passivo. De fato, as células metastáticas têm maior capacidade de<br />

migrar de maneira polarizada para o interior dos vasos sanguíneos do que as<br />

células não metastáticas, que se fragmentam mais facilmente ao longo do<br />

processo de entrada na circulação, talvez por menor deformabilidade.<br />

Uma vez na circulação, a eficiência do processo depende da capacidade<br />

das células tumorais formarem êmbolos mistos com elementos figurados do<br />

sangue, principalmente plaquetas. A interação das células tumorais com plaquetas<br />

é mediada por um outro sistema de moléculas de adesão: as selectinas.<br />

Selectinas são glicoproteínas transmembranares que apresentam a<br />

capacidade de se ligar especificamente a carboidratos (o que as define como<br />

lectinas animais), presentes em diferentes moléculas como glicoproteínas,<br />

glicolipídios e glicosaminoglicanos/proteoglicanos. Existem três selectinas em<br />

mamíferos: a L- selectina, encontrada em leucócitos; a P-selectina, encontrada em<br />

plaquetas e células endoteliais e a E-selectina, encontrada em células endoteliais.<br />

A interação de selectinas com seus ligantes depende em parte de uma estrutura<br />

de carboidratos carregado negativamente. Mais frequentemente a ligação se dá<br />

entre a selectina e agregados de um antígeno carboidrato conhecido como<br />

sialosil-Lewis x/a .Este antígeno é encontrado em diferentes moléculas e tem sido<br />

considerado um marcador associado a tumores. De fato, sialosil-Lewis a é o<br />

antígeno reconhecido por CA19-9, que encontra aplicação no seguimento clínico<br />

de portadores de alguns tumores, como por exemplo, tumores de ovário. A<br />

expressão de antígenos sialosil-Lewis x/a em carcinomas de mama, cólon, próstata,<br />

vias biliares, estômago e pulmão é um fator de mau prognóstico. Estes antígenos<br />

27


geralmente se apresentam em glicoproteínas, classificadas como membros da<br />

família das mucinas. Estas mucinas aumentam a tendência de agregação<br />

plaquetária, e quando isto ocorre em torno da célula tumoral, aumenta-se a<br />

probabilidade da formação de um êmbolo misto, constituído de células tumorais e<br />

plaquetas, que serviriam como um envoltório para a célula tumoral circulante.<br />

Admite-se, embora faltem ainda evidências conclusivas, que o envoltório de<br />

plaquetas serviria como um escudo para o êmbolo tumoral, dificultando assim o<br />

acesso e portanto reconhecimento e destruição da célula tumoral por células de<br />

defesa (quer do sistema imune inato como do adaptativo). A formação do êm bolo<br />

misto depende da interação entre P-selectina e seus ligantes. Esta noção foi<br />

recentemente confirmada em sistemas experimentais, onde se avaliou a<br />

progressão de carcinomas de cólon em animais deficientes em P-selectina. A<br />

disfunção plaquetária esteve associada a uma menor propensão na formação de<br />

metástases. Estes dados sugerem que intervenções farmacológicas que diminuam<br />

a tendência de formação de trombos/êmbolos poderiam ser úteis no controle da<br />

doença metastática. Em sistemas experimentais, a fração de baixo peso molecular<br />

da heparina, que tem ação anti-trombótica, inibiu de maneira significativa o<br />

desenvolvimento de metástases. Estudos clínicos estão sendo propostos para se<br />

avaliar o impacto do uso desta estratégia em momentos críticos do tratamento de<br />

pacientes com câncer, como por exemplo no período pós-operatório, onde apesar<br />

de técnica cirúrgica adequada existe um aumento significativo de células tumorais<br />

circulantes. Pelo que discutimos acima, é necessário um estudo sistemático para<br />

se avaliar o real benefício clínico de estratégias como esta.<br />

28


De qualquer forma, na circulação o êmbolo metastático tende a ser retido<br />

em leitos vasculares dos diferentes órgãos. Esta retenção é física; e, também<br />

pode haver retenção em leitos vasculares específicos pelo reconhecimento de<br />

moléculas de adesão território-específicas. Este reconhecimento é um dos<br />

elementos que define o fenômeno de organotropismo das metástases, embora<br />

sua contribuição seja pequena neste processo.<br />

O extravasamento da célula tumoral<br />

Estudos usando microscopia intravital, identificaram duas formas de saída<br />

da célula tumoral para o interior dos órgãos sede de metástases. No primeiro,<br />

após a parada da célula no leito vascular, num processo semelhante ao fenômeno<br />

de rolamento de leucócitos pelo endotélio inflamado, as células tumorais<br />

isoladamente se despreendem do trombo, interagem com a célula endotelial e<br />

transmigram para o interior do órgão-alvo. No segundo, as células tumorais<br />

formam grandes trombos que induzem a destruição da parede do vaso, e<br />

subsequente infiltração da célula tumoral.<br />

Os mecanismos de transmigração e migração pelo estroma intersticial são<br />

semelhantes àqueles discutidos acima. O processo de transmigração de células<br />

tumorais, que define o eficiente extravasamento, depende de uma combinação de<br />

fatores, à semelhança do que ocorre com leucócitos. Mais recentemente, mostrou-<br />

se que células tumorais também expressam receptores de quimiocinas, e que o<br />

conjunto de receptores expressos está associado à capacidade da célula<br />

metastatizar para órgãos específicos, que produzam as quimiocinas cognatas.<br />

Parte do organotropismo depende então da expressão de receptores de<br />

29


quimiocinas. Curiosamente, entre os genes controlados por HIF (como discutido<br />

acima), encontram-se genes que codificam receptores de quimiocinas, como o<br />

CXCR4. A expressão deste receptor está associado à formação de metástases<br />

ósseas em pacientes com adenocarcinomas de mama; e, em sistemas<br />

experimentais, variantes metástaticas expressam níveis elevados deste receptor<br />

quando comparadas a variantes não metastáticas.<br />

Quando da formação do trombo, as células endoteliais sofrem um processo<br />

de morte celular por desalojamento (anoikis). O mecanismo deste processo de<br />

invasão não está completamente esclarecido. A análise do fenômeno indica que a<br />

célula endotelial perde sua capacidade de adesão à membrana basal<br />

subendotelial, o que é seguido do processo de apoptose. As células tumorais<br />

migrariam então para o interior do órgão-alvo, podendo gerar assim o implante<br />

metastático. Não está claro ainda qual o efetor da perda de adesão das células<br />

endoteliais, que é primariamente mediada por integrinas. Candidatos para esta<br />

função são membros da crescente família das disintegrinas, moléculas que<br />

possuem domínios semelhantes aos das moléculas de matriz extracelular que são<br />

reconhecidas pelas integrinas.<br />

A formação do nódulo metastático<br />

Podemos propor os seguintes cenários para o destino da célula<br />

metastática: (1) a célula metastática não produz seus próprios fatores de<br />

crescimento, nem responde a fatores produzidos no órgão-alvo ; (1a) se a célula<br />

for completamente resistente ao anoikis, será formado um depósito metastático<br />

onde as células estarão quiescentes; (1b) se a célula ainda for sensível a anoikis,<br />

30


o desalojamento estará associado à morte da célula metastática; (2) células<br />

resistentes a anoikis e que produzam ou respondam a fatores de crescimento<br />

presentes no órgão-alvo, haverá crescimento da metástase até o volume crítico de<br />

0.5 a 1 mm 3 , quando será fundamental o recrutamento de vasos para a expansão<br />

da metástase.<br />

A célula metastática pode ficar quiescente no seu novo ambiente até o<br />

momento em que passa a produzir seus próprios fatores de crescimento ou passe<br />

a responder a fatores externos. É possível ainda que no novo ambiente, as células<br />

passem a reconhecer sinais anti-proliferativos. A quiescência da massa tumoral<br />

também pode ser conseqüência da inadequada angiogênese, induzindo um<br />

estado de dormência nas células do depósito metastático. Esta observação foi<br />

feita quando se descreveu o angiostático angiostatina, e sugeriu uma base<br />

molecular para o fenômeno que era conhecido como imunidade concomitante em<br />

tumores. Este fenômeno se baseia na observação clínica e experimental que os<br />

depósitos metastáticos apresentavam uma taxa de crescimento muito acelerada<br />

após a retirada da massa tumoral primária. Em 1994, Folkman e colaboradores<br />

mostraram que este fenômeno era devido a um angiostático circulante presente no<br />

soro de animais com grandes massas tumorais; o angiostático seria destruído no<br />

tumor primário, mas não na circulação agindo sistemicamente bloqueando a<br />

angiogênese associada à inflamação ou a tumores. Quando há um desequilíbrio<br />

entre as substâncias angiogênicas e angiostáticas no sentido angiogênico, há<br />

remodelação do microambiente tumoral, com formação de vasos que suportam a<br />

expansão da massa tumoral metastática, que eventualmente poderia dar origem a<br />

novas metástases (Fig. 1).<br />

31


Estes cenários nos remetem às características adquiridas pela célula<br />

cancerosa, como proposto por Hanahan e Weinberg. A primeira noção que precisa<br />

ser reforçada é a de que estas capacidades não são absolutas, dependendo do<br />

ambiente tecidual em que as células se encontram. Isto é, os sinais de<br />

sobrevivência e proliferação/anti-proliferação provavelmente são qualitativa e<br />

quantitativamente diferentes nos diferentes tecidos ou microambientes. A segunda<br />

noção é a de que não existe uma ordem na aquisição das capacidades da célula<br />

cancerosa. A terceira noção é a de que nem todas as células da massa tumoral<br />

compartilham necessariamente todas as características necessárias para o<br />

desenvolvimento do câncer, como se imaginava a princípio. De fato, a célula que<br />

adquire a capacidade de invasão não é necessariamente a célula que sobrevive<br />

na circulação ou a que recruta plaquetas e interage com o endotélio. O processo<br />

de metastatização parece antes ser a conseqüência da complementação de<br />

fenótipos de uma comunidade de células heterogêneas. Finalmente, cânceres são<br />

microambientes compostos de células cujo genoma foi alterado e de células do<br />

hospedeiro, cujo genoma aparentemente não foi alterado. Estas noções devem<br />

ser a base para propostas de estratégias terapêuticas combinadas, que tenham<br />

como alvo não somente a célula tumoral propriamente dita, mas também<br />

elementos do hospedeiro, como por exemplo, células endoteliais, pericitos e<br />

plaquetas, que atuam promovendo a progressão tumoral.<br />

32


Leituras recomendadas<br />

Chammas, R. e R.R. Brentani (2002). Cell-matrix interactions. Encyclopedia<br />

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34


Grupo MMP Substrato(s)<br />

Colagenases<br />

Colagenase intersticial<br />

Colagenase 1<br />

MMP 8 Colageno tipo I,II,III,VII e X<br />

Colagenase neutrofila<br />

Colagenase 2<br />

MMP 1 Colageno tipo I,II,III,VII e X<br />

Colagenase 3 MMP 13 Colageno tipo I,II,III,IV,VII,X,XIV; tenascina; agrecan e<br />

fibronectina<br />

Colagenase 4<br />

MMP 18 Colageno tipo I; gelatinas<br />

Gelatinases<br />

Gelatinase A MMP 2 Gelatina tipo I,IV,V e X; laminina-5 e TGF-β-latente<br />

Gelatinase B<br />

MMP 9 Gelatina tipo I,IV,V e X; laminina-5 e TGF-β-latente<br />

Estromelisinas<br />

Estromelisina 1 MMP 3 Colageno tipo III,IV,IX e X; gelatina; pro-MMP1; laminina;<br />

proteoglicano; fibronectina; elastina; E-caderina; perlecan<br />

e pro-MMP13<br />

Estromelisina 2 MMP 10 Colageno tipo III,IV,IX e X; gelatina; pro-MMP1; laminina e<br />

proteoglicano<br />

Estromelisina 3 MMP 11 α-1-antiprotease<br />

Matrilisina MMP 7 Gelatina; fibronectina; pro-MMP1; laminina; colageno IV<br />

Metaloelastase<br />

MMP 12 Elastina e pro-MMP13<br />

MMPs-tipo Membrana<br />

MT1MMP MMP 14 Pro-MMP2; gelatina; colagenos; fibronectina e<br />

proteoglicanos<br />

MT2MMP MMP 15 Pro-MMP2; fibronectina; tenascina e laminina<br />

MT3MMP MMP 16 Pro-MMP2; gelatina; colageno III e fibronectina<br />

MT4MMP MMP 17 N.D<br />

MT5MMP MMP 24 N.D<br />

MT6MMP MMP 25 N.D<br />

RASI-1 MMP 19 N.D<br />

Enamelisina MMP 20 Amelogenina<br />

Femalisina MMP 23 N.D<br />

Endometase MMP 26 N.D<br />

Epilisina MMP 28 N.D<br />

CMMP MMP 22 N.D<br />

N.D.: não determinado<br />

Tabela 1. Família das Metaloproteinase de Matriz Extracelular (MMP). Agruparam-se os membros da família das<br />

metaloproteinases de matriz em quatro gurpos distintos. Colagenases, gelatinases e estromelisinas são secretados em<br />

forma latente ou inativa. As MMPs de membrana apresentam um domínio transmembranar. Os substratos já identificados<br />

das diversas MMP estão listados na coluna da direita.<br />

35


INIBIDORES DA ANGIOGÊNESE<br />

Agente angiostático Alvo e Mecanismo de<br />

ação na célula endotelial<br />

Angiostatina ATP-sintase, angiomotina<br />

e anexina II. Inibe a<br />

proliferação e migração<br />

Bevacizumab (Avastina) Anticorpo<br />

contra VEGF<br />

monoclonal<br />

Arresten Integrina α1β1. Inibe a<br />

proliferação e migração.<br />

Canstatina Integrina αvβ3. Inibe a<br />

proliferação e migração.<br />

Combretastana Microtúbulos. Induz a<br />

reorganização do<br />

citoesqueleto de actina<br />

Fase de Estudo Clínico<br />

(em 2002)<br />

Fase 1<br />

Fases 2 e 3<br />

Não<br />

Endostatina Integrina α1β1. Inibe a Fases 1 e 2.<br />

proliferação e migração e<br />

induz a apoptose.<br />

NM-3 Inibidor de VEGF. Inibe a Fase 1<br />

proliferação<br />

Tumstatina Integrina αvβ3. Inibe a Não<br />

2-metoxiestradiol<br />

proliferação<br />

Inibe a proliferação Fases 1 e 2<br />

Vitaxina Anticorpo monoclonal Fases 1 e 2<br />

contra Integrina αvβ3.<br />

36<br />

Aprovado para início em<br />

2003<br />

Fase 1 completa<br />

Tabela 2. Exemplos de angiostáticos, seu mecanismo possível de ação e<br />

fase de estudos clínicos em que se encontram. Várias estratégias baseadas na<br />

inibição do processo de angiogênese encontram-se em fase de estudos em<br />

diferentes centros de pesquisa e tratamento (adaptado de Kerbel e Folkman<br />

(2002) Nature Rev.Cancer 2: 727-739).


Legendas das Figuras<br />

Figura 1. Esquema das etapas do processo de disseminação tumoral.<br />

Alterações genéticas se acumulam nas células em processo de transformação. O<br />

processo microinvasivo se caracteriza pela aquisição das capacidades de<br />

migração disfuncional e de sobrevivência em microambientes distintos do original<br />

da célula transformada. A expansão da massa tumoral só se dá quando ocorre<br />

indução sustentada de angiogênese, que permite o influxo de nutrientes e O2 para<br />

a massa tumoral. Da mesma forma que a vascularização neoformada permite<br />

influxo de nutrientes, pode haver por estes mesmos vasos a saída da célula<br />

tumoral do tumor para a circulação sistêmica. Uma vez na circulação, a viabilidade<br />

da célula tumoral depende de sua interação com elementos como as plaquetas. A<br />

formação de microêmbolos facilita, em parte, o processo de disseminação à<br />

distância. No órgão-alvo, se as células tumorais sobreviverem, o foco metastático<br />

pode ficar em estado de dormência ou sofrer expansão, dependente de<br />

vascularização. O processo pode ser cíclico, e metátases podem ser originadas de<br />

outras metástases. A expressão de genes associados à progressão tumoral está<br />

associada a alterações físicas no genoma da célula transformada (mutações);<br />

porém, há também evidências de que traços do fenótipo metastático sejam<br />

atribuíveis a alterações epigenéticas da célula tumoral, como por exemplo<br />

expressão descontrolada ou silenciamento de genes -chave para o processo de<br />

metastatização.<br />

Figura 2. Esquema do contole da degradação da matriz extracelular, um<br />

processo regulado em vários níveis: (1) a ativação de metaloproteinases de<br />

matriz (MMPs, como colagenase, gelatinase e estromelisina), secretadas como<br />

pró-enzimas, depende da serino-protease, plasmina; (2) plasmina precisa ser<br />

ativada a partir do plasminogênio pelos ativadores de plasminogênio; (3) que, por<br />

sua vez, também são secretados em formas latentes. Ao lado desta hierarquia de<br />

ativação, há uma série de inibidores mais ou menos específicos. Entre os menos<br />

específicos estão os inibidores plasmáticos, entre os mais específicos estão os<br />

inibidores teciduais, como TIMPs. Os ativadores de plasminogênio também são<br />

inibíveis por inibidores como PAI-1 e PAI-2. A degradação da matriz está<br />

associada à liberação (aumento de biodisponibilidade) de uma série de fatores<br />

peptídicos residentes na matriz extracelular, como FGF-2 e TGF-β ; além do fato<br />

de muitas das atividades de proteínas de matriz extracelular serem próprias de<br />

seus fragmentos, e não das moléculas intactas (sítios ou domínios funcionais<br />

crípticos). Exemplos incluem os fragmentos motogênicos de laminina-5 ou os<br />

peptídeos angiostáticos derivados do plasminogênio, colágenos IV e XVIII<br />

(respectivamente, angiostatina, tumstatina e endostatina).<br />

Figura 3. Angiogênese em melanomas experimentais. Células tumorais foram<br />

transplantadas em animais singênicos. O desenvolvimento de massas tumorais<br />

(M) depende da formação de uma adequada rede de vasos sanguíneos (V),<br />

formada a partir de vasos do próprio hospedeiro e que invadem a massa tumoral,<br />

permitindo assim o influxo de nutrientes e oxigênio. Áreas necróticas (N), refletem<br />

37


o desbalanço entre o aporte de nutrientes e a proliferação das células tumorais<br />

(Coloração: hematoxilina e eosina; barra equivale a 100 micrômetros. Em<br />

colaboração com Dra. Estela Novak, Fundação Hemocentro de São Paulo).<br />

38

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