Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
46 |<br />
Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Graeff<br />
bom desempenho de suas funções de legislador e fiscal do governo e cada vez mais do seu<br />
atendimento a clientelas locais ou setoriais. Isso faz do deputado típico um representante<br />
em busca de representados, isto é, de novas clientelas que tentará atender<br />
Se o sistema eleitoral é via emendas orçamentárias, favores do governo ou vantagens legais. Nes-<br />
efetivamente tão ruim sa busca permanente de possíveis apoios e moedas de troca – de chances<br />
para representantes de sobrevivência eleitoral, em última análise – a mudança de partido no<br />
e representados, por meio do mandato tem sido uma opção cada vez mais freqüente. Do ponto<br />
que eles não se mexem de vista dos representados, a percepção de um toma-lá-dá-cá generalizado<br />
mais para mudá-lo?<br />
entre parlamentares, governo, partidos e clientelas alimenta o sentimento<br />
antipolítica e joga o Congresso para os últimos lugares nas pesquisas que<br />
medem a confiança do público nas instituições. O uso da urna eletrônica nas eleições gerais<br />
desde 1998 talvez explique por que esse sentimento não se traduziu mais recentemente<br />
numa enxurrada de votos brancos e nulos para deputado, como aconteceu em 1990 e 1994,<br />
quando passaram de 40%. Mas essa proporção voltou a subir nas eleições de 2006, para<br />
10%, depois de baixar consistentemente em 1998 e 2002.<br />
Voltamos à pergunta do início deste artigo, em termos mais específicos: se o sistema<br />
eleitoral é efetivamente tão ruim para representantes e representados, por que eles não se<br />
mexem mais para mudá-lo?<br />
Por duas razões, possivelmente: tradição e falta de alternativa.<br />
O mesmo sistema proporcional, com poucas modificações, está em uso no Brasil desde<br />
1945 – tempo para sucessivas gerações de políticos aprenderem a operar dentro dele, com<br />
todos os seus truques. O peso da tradição explica termos atravessado duas mudanças de<br />
regime, três Constituições, dois plebiscitos sobre sistema de governo, sem que nenhuma<br />
liderança, partido ou corrente política erguesse realmente a bandeira da reforma eleitoral.<br />
O tema passou praticamente em branco na Constituinte de 1987-88, com todas as atenções<br />
voltadas para o embate sobre o sistema de governo e a duração do mandato presidencial. Os<br />
defensores do presidencialismo alegavam que o parlamentarismo precisaria de partidos mais<br />
fortes para funcionar sem sobressaltos. Nem isso trouxe à baila os efeitos desagregadores do<br />
sistema eleitoral sobre o sistema partidário.<br />
Por falta de alternativa entenda-se: alternativa atraente ou pelo menos aceitável para<br />
representantes e representados. As propostas de sistema misto proporcional-distrital e proporcional<br />
com lista preordenada apresentadas nos últimos anos esbarram numa grande dificuldade:<br />
a incerteza dos deputados sobre suas chances de reeleição. Estas são longe de brilhantes<br />
no atual sistema, mas não seriam piores em outro? Os distritos do sistema misto se<br />
encaixariam nas bases dos atuais deputados? Qual seria a influência dos caciques regionais e<br />
do poder econômico na colocação dos candidatos na lista preordenada? A isso se acrescenta<br />
a dificuldade de os eleitores e boa parte dos próprios deputados entenderem as complexidades<br />
dos sistemas alternativos, principalmente do sistema misto.