Cobrança de tributos inconstitucionais Tércio Chiavassa, Saul T ...
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<strong>Cobrança</strong> <strong>de</strong> <strong>tributos</strong> <strong>inconstitucionais</strong><br />
<strong>Tércio</strong> <strong>Chiavassa</strong>, <strong>Saul</strong> T. Leal e Gabriela J. Franco<br />
01/08/2011<br />
Fonte: Valor Econômico<br />
O parecer PGFN/CRJ nº 492, <strong>de</strong> 2011, aprovado pelo ministro da Fazenda e que vincula<br />
os órgãos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), preten<strong>de</strong> legitimar a<br />
cobrança automática <strong>de</strong> <strong>tributos</strong> que foram <strong>de</strong>clarados <strong>inconstitucionais</strong> em processos<br />
judiciais, mas que, posteriormente, em outra ação específica, o Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral (STF) <strong>de</strong>clarou aquela mesma lei constitucional.<br />
A situação <strong>de</strong>scrita é comum. Há situações em que alguns contribuintes obtiveram<br />
<strong>de</strong>cisão final favorável que <strong>de</strong>clarou um <strong>de</strong>terminado tributo inconstitucional mas,<br />
posteriormente, o plenário do Supremo <strong>de</strong>cidiu que aquele mesmo tributo é<br />
constitucional (ações específicas - controle concentrado -- em que o STF <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> se a lei<br />
que criou o tributo é constitucional ou não, com efeitos para todos).<br />
Referido parecer enten<strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões posteriores do STF alterariam o sistema<br />
jurídico, inclusive para as <strong>de</strong>cisões anteriores que são irrecorríveis, individuais e finais<br />
<strong>de</strong> contribuintes (a <strong>de</strong>nominada coisa julgada), legitimando assim a cobrança imediata<br />
do tributo, mesmo em relação às <strong>de</strong>cisões imutáveis obtidas pelos contribuintes.<br />
Preten<strong>de</strong>-se, ainda que um contribuinte tenha obtido uma <strong>de</strong>cisão final imutável, que<br />
seja viável a cobrança do tributo que posteriormente o STF <strong>de</strong>cidiu ser constitucional.<br />
Cumpre ressaltar que o parecer apenas permite a cobrança <strong>de</strong> <strong>tributos</strong> cujos fatos<br />
geradores sejam posteriores ao prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>finitivo do STF ou à data <strong>de</strong> sua<br />
publicação. Com isso, afirma que não se preten<strong>de</strong> relativizar a coisa julgada (<strong>de</strong>cisão<br />
irrecorrível, final e imutável), mas limitá-lo objetivamente frente aos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> justiça.<br />
Só o Judiciário, e ninguém mais, po<strong>de</strong> anular a sua própria <strong>de</strong>cisão<br />
Em que pesem os motivos expostos no parecer, a sua interpretação equivocada po<strong>de</strong><br />
torná-lo contrário à coisa julgada e à segurança jurídica. Explica-se.<br />
As <strong>de</strong>cisões judiciais irrecorríveis e finais são indiscutíveis e imutáveis (assim diz a lei -<br />
artigos 467 a 475 do Código <strong>de</strong> Processo Civil). Admite-se apenas a sua anulação após<br />
<strong>de</strong>cisão nesse sentido proferida em ação rescisória. Ou seja, só o Judiciário - e ninguém<br />
mais - po<strong>de</strong> anular a sua própria <strong>de</strong>cisão!<br />
Em situações que tais, enquanto houver um tributo que tenha por materialida<strong>de</strong> uma<br />
situação <strong>de</strong>finida pela lei que foi julgada inconstitucional no caso concreto, o tributo não<br />
po<strong>de</strong>rá ser cobrado do contribuinte que propôs tal ação. É a regra individual, concreta e<br />
imutável. Nada mais simples e óbvio.<br />
Parece-nos que o parecer preten<strong>de</strong> aplicar um sistema já rejeitado pela nossa<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões proferidas em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle difuso (entre<br />
as partes) teriam efeitos gerais e vinculantes. Mesmo com o advento da repercussão<br />
geral, é sabido que os efeitos do julgamento do recurso extraordinário são meramente<br />
persuasivos, salvo hipótese <strong>de</strong> súmula vinculante.
No exercício da jurisdição constitucional, só possuem efeitos gerais e vinculantes as<br />
<strong>de</strong>cisões proferidas em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado ou aquelas proferidas em controle<br />
difuso, seguido, no mo<strong>de</strong>lo anterior, <strong>de</strong> aprovação <strong>de</strong> resolução do Senado e, ainda no<br />
caso da repercussão geral, <strong>de</strong> súmula vinculante. Impor conduta diversa é violar a<br />
Constituição Fe<strong>de</strong>ral. E, mesmo nesse caso, não há que se falar em relativizar a coisa<br />
julgada, termo que é uma contradição; a coisa julgada existe ou não existe. Jamais<br />
existirá mais ou menos.<br />
O respeito à coisa julgada constitui a essência do próprio estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito.<br />
A estabilida<strong>de</strong> das relações jurídicas e a pacificação social em um caso concreto não<br />
po<strong>de</strong>m ser anuladas pela superveniência <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte contrário do Supremo. Essa<br />
premissa também é observada no direito estrangeiro, a exemplo do que ocorre na<br />
Espanha que, por meio dos princípios da segurança jurídica e da tutela jurisdicional<br />
efetiva, insere a inviolabilida<strong>de</strong> da coisa julgada no rol dos direitos fundamentais.<br />
Recentemente, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STJ), em julgamento do Recurso<br />
Especial nº 1118893/MG, reafirmou a imutabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial transitada em<br />
julgado, ainda que posteriormente o STF tenha consolidado entendimento em sentido<br />
contrário, por "merecer o princípio da coisa julgada o maior prestígio possível, tendo em<br />
vista o seu <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ratum, que é, em última análise, a pacificação social com base na<br />
segurança jurídica que <strong>de</strong>la resulta".<br />
Essas linhas da <strong>de</strong>cisão do STJ bastam para <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong> uma forma clara a<br />
inconsistência que uma equivocada interpretação do parecer PGFN/CRJ nº 492, <strong>de</strong><br />
2011, po<strong>de</strong>ria acarretar e consistiria verda<strong>de</strong>ira tormenta ao bem maior caracterizado<br />
pela segurança jurídica ínsita às <strong>de</strong>cisões judiciais e que levam à pacificação social.<br />
Portanto, o inconformismo e a suposta injustiça citados no parecer da procuradoria<br />
encontram um remédio clássico na legislação processual: a ação rescisória no prazo <strong>de</strong><br />
dois anos! Ora, nada mais simples e eficaz contra esses supostos males.<br />
O que não se po<strong>de</strong> admitir - e o STJ corretamente assim <strong>de</strong>cidiu - são manobras para<br />
driblar o óbvio.<br />
<strong>Tércio</strong> <strong>Chiavassa</strong>, <strong>Saul</strong> Tourinho Leal e Gabriela Junqueira Franco são advogados do<br />
Pinheiro Neto Advogados