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I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong><br />

<strong>Expositivas</strong><br />

Pr. Ary<br />

Queiroz Vieira<br />

Júnior<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

2012


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

Ary Queiroz Vieira Júnior é filho de Ary Queiroz Vieira<br />

e Maria Selma Cruz Queiroz (in memoriam) e nasceu<br />

em Juazeiro do Norte, cantão do Cariri cearense, em 3<br />

de novembro de 1971. É casado com Cíntia e pai de Ary<br />

Neto, Mila, Matheus e Alícia. Foi atraído ao Evangelho<br />

de Cristo entre os anos de 1992 e 1993. Iniciou seu<br />

ministério como pregador leigo, e, como tal, plantou a<br />

1 a. Igreja Congregacional de Juazeiro do Norte/CE, a<br />

partir de 1994, igreja que pastoreou por onze anos.<br />

Durante os primeiros anos desse ministério, conciliou as atividades pastorais e empresariais,<br />

quando, finalmente, em 1998, decidiu pela dedicação exclusiva à vocação divina, momento em<br />

que iniciou sua preparação teológica. Atualmente, é Bacharel em Direito, Servidor Público,<br />

professor de Teologia e de Direito, e pastor da 1 a. Igreja Congregacional de Caruaru.<br />

1


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

Sumário<br />

I João 1 .................................................................................................................................................................................... 3<br />

1. A mensagem apostólica ......................................................................................................................................... 3<br />

2. A Santidade de Deus e a Comunhão com Ele ................................................................................................ 5<br />

I João 2 .................................................................................................................................................................................... 7<br />

1. Cristo, o Advogado ................................................................................................................................................... 7<br />

2. O conhecimento de Deus e a observância dos seus mandamentos ..................................................... 8<br />

3. A luz e o amor ............................................................................................................................................................ 9<br />

4. Encorajamento aos diversos tipos de crentes ........................................................................................... 11<br />

5. O amor do mundo e o amor do pai ................................................................................................................. 12<br />

6. A apostasia dos anticristos ................................................................................................................................ 14<br />

7. A Mensagem do Anticristo: a negação de que Jesus é o Cristo ........................................................... 15<br />

8. A firmeza na verdade ........................................................................................................................................... 15<br />

9. Filhos do Deus justo vivendo a justiça .......................................................................................................... 17<br />

I João 3 ................................................................................................................................................................................. 18<br />

1. A luta pela santidade ............................................................................................................................................ 18<br />

2. A prática da justiça ............................................................................................................................................... 19<br />

3. O amor aos irmãos ................................................................................................................................................ 20<br />

4. A confiança perante Deus .................................................................................................................................. 22<br />

I João 4 ................................................................................................................................................................................. 24<br />

1. Discernindo os espíritos ..................................................................................................................................... 24<br />

2. Nova mensagem sobre o amor mútuo .......................................................................................................... 25<br />

3. A permanência mútua entre os crentes e Deus ........................................................................................ 27<br />

4. O perfeito amor ...................................................................................................................................................... 28<br />

I João 5 ................................................................................................................................................................................. 31<br />

1. A Fé Genuína em Cristo ....................................................................................................................................... 31<br />

2. O Testemunho de Deus acerca de Jesus ....................................................................................................... 32<br />

3. O conteúdo do testemunho de Deus e a confiança na oração ............................................................. 34<br />

4. A Segurança do Cristão e Uma Exortação Final ........................................................................................ 37<br />

2


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

I João 1<br />

A Mensagem Apostólica e a Comunhão com Deus<br />

1. A mensagem apostólica<br />

1Jo 1:1-4<br />

1 O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos<br />

olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da<br />

vida<br />

A carta de João é singular. Ela não começa como uma carta, tal como<br />

Hebreus. Não há identificação do autor, dos destinatários e nem a saudação<br />

costumeira.<br />

Não obstante, há evidência externa suficiente para afirmarmos a autoria<br />

joanina de I João. Papias (60-130 d.C.) e Policarpo (c.69-c.155 d.C), que conviveram<br />

com João, citam textos da nossa carta. No final do segundo século, Irineu (140-200<br />

d.C.) cita a epístola e a atribui a João. No terceiro século, I João é atribuída a João<br />

por Clemente de Alexandria (150-215 d.C.), Tertuliano (155-220 d.C., Orígenes (185-<br />

253 d.C.) e Dionísio (247-265 d. C.).<br />

Quanto à evidência interna, percebe-se que o autor estava bem<br />

familiarizado com os irmãos aos quais escreveu. Ademais, pode-se mesmo<br />

constatar que a similaridade entre a carta e o Evangelho de João é impressionante.<br />

Palavras como “Verbo” e “Parákleto”, além das ideias comuns de “amor”, “verdade”,<br />

“luz” etc., não deixam dúvidas de que ambos os escritos vieram do mesmo autor.<br />

Acresça-se ainda que o escritor de nossa Carta era certamente um apóstolo, o que<br />

se infere pelo modo como se declara testemunha da ressurreição do Senhor (cf. At<br />

1:21,22) e como estando por Ele autorizado a comunicar o Evangelho.<br />

Segundo a tradição, João escreveu I Jo na última década do primeiro<br />

século, quando ministrava à Igreja em Éfeso, onde foi pastor até a morte. Escreveu a<br />

um público gentio, não judeu, que muito o conhecia, residente nos arredores de<br />

Éfeso, na Ásia Menor.<br />

“O que era desde o princípio, o que ouvimos”, refere-se ao Senhor<br />

Jesus 1 . É a maneira joanina de ensinar a preexistência de Cristo, afirmando-O como<br />

1 O pronome relativo “‘O” é neutro, razão da tradução “O que era desde o princípio”, ao invés de<br />

“Aquele que era desde o princípio”, o que fez Simon Kistemaker entender a expressão como<br />

sinônima do Evangelho. Em sentido pouco diferente temos Augustus Nicodemos, a quem sigo nesse<br />

tocante e para quem, a despeito do pronome relativo ser neutro, “O que era desde o princípio” referese<br />

à Pessoa de Cristo, a quem João ouviu, viu e apalpou, anotando ainda que em João o uso do<br />

neutro como pessoal não é exclusividade de I Jo 1:1 (cf. 5:4; Jo 6:37, 39 e 17:2, 24).<br />

3


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

existente antes da fundação do mundo (cf. Jo 1:15, 6:62, 8:58, 12:41, 17:5,24). O<br />

termo “princípio” deve ser entendido como “princípio da criação”, vez que é nesse<br />

sentido que ocorre em Jo 1:1. Dessa maneira, João estabelece a plena igualdade de<br />

essência entre Cristo e Deus o Pai (cf. 2:13,14).<br />

“O que vimos ... e as nossas mãos tocaram” é a forma como nosso<br />

escritor comunica que o Cristo que vive desde a eternidade tornou-se homem e que<br />

foi ouvido, visto e tocado por João e pelos apóstolos, como uma pessoa real, tanto<br />

antes como depois da ressurreição. Os três sentidos – audição, visão e tato - não<br />

deixam dúvidas que Cristo verdadeiramente se encarnou. Por outro lado, a cena<br />

toda lembra-nos Lc 24:39 e Jo 20:20, 25, 27.<br />

O objeto desse conhecimento é o ‘Verbo da vida’, a ‘Palavra da vida’.<br />

‘Verbo’ é designação tipicamente joanina para Jesus, e O descreve como o agente<br />

de Deus o Pai na execução dos Seus planos, sendo Ele plenamente divino (Jo<br />

1:3,4). No Antigo Testamento, a “palavra de Deus” indica Deus em ação, em<br />

especial na criação, na revelação e na libertação, como se vê em Gn 1, onde se diz<br />

que “Disse Deus ... e assim se fez”, e em Sl 33:6 e 107:20 (F. F. Bruce, comentando<br />

Jo 1:1).<br />

2 (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos<br />

anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada);<br />

A vida que Ele proporciona é melhor explicada no versículo 2. Trata-se de<br />

uma vida eterna que, em verdade, confunde-se com o próprio Doador. A expressão<br />

“a vida eterna, que estava com o Pai” deixa-nos antevê que a vida eterna é o próprio<br />

Senhor. Ele é tudo para os crentes. Não apenas o Salvador, mas a própria<br />

Salvação.<br />

“A vida eterna ... nos foi manifestada” refere-se aos fatos históricos pelos<br />

quais o Senhor salvou o Seu povo: nascimento, morte, ressurreição e aparições<br />

após a ressurreição (I Co 15:3-8). “Aquele que era desde o princípio não ficou<br />

isolado na glória. João usa frequentemente o termo ‘manifestar-se’, entre outras<br />

coisas, para se referir à vinda de Jesus Cristo ao mundo, para salvar e resgatar os<br />

que crêem (3:5,8; 4:9; cf. Jo 1:31)” (Augustus Nicodemus).<br />

3 O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais<br />

comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus<br />

Cristo. 4 Estas coisas vos escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra.<br />

A razão da carta é descrita por João neste ponto (versos 3 e 4). Primeiro,<br />

o escritor deseja que os crentes compartilhem a comunhão dos apóstolos e dos<br />

discípulos de Cristo, o que só é possível mediante a crença comum no Evangelho<br />

genuíno. Segundo, que os crentes, ao lado de seus irmãos, gozem a comunhão com<br />

o Pai e com Jesus Cristo. Esta é a única forma de terem um gozo completo!<br />

4


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

2. A Santidade de Deus e a Comunhão com Ele<br />

1Jo 1:5-10<br />

5 E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e<br />

não há nele trevas nenhumas.<br />

João já comunicou sua mensagem: Jesus Cristo, o Verbo da Vida, se<br />

manifestou. E já disse que é por essa mensagem que se pode ter comunhão com o<br />

Pai e com o Filho, e, desse modo, experimentar verdadeira alegria. Agora, ele irá<br />

expandir o tema ‘comunhão’.<br />

Em síntese, a mensagem que João e os apóstolos ouviram do Senhor<br />

Jesus, e que estão a proclamar às igrejas, foi esta: “Deus é luz, e não há nele<br />

trevas nenhumas”. É dizer: a mensagem que os apóstolos ouviram de Cristo e<br />

transmitiram às igrejas é que Deus é luz, noção que evoca pelo menos duas ideias:<br />

primeiro, que Deus é inteiramente separado do pecado e é impossível que Ele seja<br />

tentado ao erro (Tg 1:17; I Tm 6:16); segundo, que pelo fato de Deus ser luz, Ele<br />

expõe os pecados ocultos, revelando a imundícia que as pessoas insistem em<br />

manter secreta (Jo 3:19-21).<br />

6 Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas,<br />

mentimos, e não praticamos a verdade. 7 Mas, se andarmos na luz, como ele<br />

na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo,<br />

seu Filho, nos purifica de todo o pecado.<br />

Pois bem, quais são as implicações dessa verdade? É que quem anda em<br />

pecado e diz que está na luz, está mentindo. Vez que Deus é luz, isto é, que o Ser<br />

de Deus é puro, límpido, perfeito, sem que nada haja às ocultas ou indigno de ser<br />

revelado, quem diz que tem comunhão com Deus e vive de modo a contradizer tal<br />

confissão, está mentindo. Quem anda na luz ama os que vivem na luz, e deseja<br />

ardentemente a comunhão com eles. Mais que isso, andar na luz é ser inculpável<br />

perante Deus mediante arrependimento sincero e abandono do erro. Noutras<br />

palavras, é ter comunhão com o povo de Deus e a experiência da purificação dos<br />

pecados.<br />

Por outro lado, andar na luz é o exato oposto de andar nas trevas, termos<br />

com conotação ética (Ef 5:8-13). Viver em trevas diz respeito a qualquer atitude que<br />

não suporte a plena perscrutação da verdade (Jo 3:19-21; cf. Jo 1:4-5), equivale a<br />

viver em pecado. Ódio pelos irmãos e obstinação na maldade é a absoluta antítese<br />

com o andar na luz. “Os atos de um cristão professo são mais eloquentes do que<br />

suas palavras, e revelam o estado real de seu relacionamento com Deus” (Augustus<br />

Nicodemus).<br />

8 Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não<br />

há verdade em nós. 9 Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo<br />

para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça. 10 Se<br />

dissermos que não pecamos, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está<br />

em nós.<br />

Nesse passo, nosso escritor abordará a maneira como devemos enfrentar<br />

a questão do pecado: nem podemos negá-lo nem, ao constatá-lo, chegar ao ponto<br />

do desespero. Se não, vejamos.<br />

5


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

Quem diz que não tem pecado e que não é pecador, mente, engana-se e<br />

faz Deus de mentiroso. Nesse ponto João vai além, para mencionar que mais<br />

grave que pecar é negar a existência de pecado. Há esperança para quem peca<br />

sabendo que está pecando, mas o que esperar de quem peca convicto de que vive<br />

sem pecado?<br />

Se admitimos franca, constante e prontamente nossos pecados, sem<br />

tentativas frustradas de auto justificação (Lc 16:15), Deus, porquanto “fiel e justo”,<br />

nos perdoa e purifica de toda a injustiça. “Confessar é alguém admitir que é culpado<br />

daquilo que é acusado, como resultado de uma convicção interna” (W. E. Vine,<br />

citado por Nicodemus). Nesse ponto, vale a leitura dos Salmos 32 e 51.<br />

Se confessarmos os nossos pecados, Deus é fiel e Justo. Dizer que Deus<br />

é fiel 2 é asseverar que Sua palavra é confiável, que Ele cumpre cabalmente tudo o<br />

que promete. É dizer, se Deus prometeu que perdoará o crente arrependido, não<br />

tenhamos dúvida que o fará!<br />

Além de “fiel”, Deus é “justo”. Ele perdoará nossos pecados – isto é, dos<br />

crentes arrependidos - sem negar Sua justiça. Ou seja, Deus perdoa pecados com<br />

base na obra salvífica do Salvador, pecados, portanto, que foram punidos em Cristo.<br />

Deus é um justo justificador (cf Rm 3:24-26).<br />

Pois bem, Ele é fiel e justo para nos perdoar ... e nos purificar. “O primeiro<br />

verbo, perdoar, descreve o ato de cancelar uma dívida e pagar pelo devedor. E o<br />

segundo verbo, purificar, refere-se ao fazer do pecador alguém santo, de modo que<br />

possa ter comunhão com Deus” (Simon Kistemaker).<br />

Do contrário, caso tentemos negar nossos pecados, mais pecaminosos<br />

seremos, visto que estamos, com efeito, descartando a necessidade de<br />

arrependimento e mesmo da obra salvadora de nosso Senhor.<br />

Como o pecado é uma realidade indisfarçável, mesmo na vida dos<br />

crentes genuínos, os quais por vezes alimentam sentimentos de rejeição de Deus<br />

pelos erros cometidos, nosso escritor esclarecerá que, em verdade, não terá o<br />

cristão peninente motivo de desespero.<br />

2 Quanto à fidelidade/veracidade de Deus, Heber Carlos de Campos afirma: “Quando a Bíblia diz que<br />

Deus é ‘fiel’, ela está afirmando que Ele é verdadeiro em todas as suas afirmações” (in O Ser de<br />

Deus e Os Seus Atributos).<br />

6


I João 2<br />

A Firmeza dos Crentes e a Apostasia dos Descrentes<br />

1. Cristo, o Advogado<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 2:1-2<br />

1 Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se<br />

alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo. 2 E<br />

ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas<br />

também pelos de todo o mundo.<br />

João dirige-se aos seus “filhinhos” 3 como um pai-pastor, para encorajá-los<br />

em sua luta contra o pecado. “Aprendemos da declaração de João que Deus nos<br />

deu a Bíblia para que aprendamos a não pecar. Ela nos revela a santidade de Deus,<br />

nos avisa dos castigos que sobrevirão aos transgressores, registra exemplos de<br />

destruição dos ímpios (como o dilúvio, Sodoma e Gomorra), revela o amor de Deus<br />

por nós, a ponto de mandar Jesus Cristo, e ainda registra as promessas de Deus<br />

aos que permanecerem fiéis e obedientes” (Augustus Nicodemus).<br />

Por outro lado, João consola seus ‘filhinhos’, certo de que não somos<br />

vencedores em todas as batalhas. Vale explicar: em caso de fracasso acidental e<br />

momentâneo na luta contra o pecado, somos intimados a comparecer diante do<br />

Tribunal de Deus. Mas o fazemos por meio de um advogado idôneo, “Jesus Cristo, o<br />

justo” (ver At 3:14; 7:52; 22:14), título que indica a perfeição moral do nosso<br />

Advogado 4 .<br />

João esclarece que Cristo é “a propiciação pelos nossos pecados”.<br />

‘Propiciação’ é tradução do termo grego ‘ilasmós’ (do verbo ‘ilaskomai’, ‘eu<br />

apaziguo’), e com ela nosso escritor assevera aos crentes que por meio do sacrifício<br />

de Cristo por eles, Deus reconcilia o pecador Consigo, removendo a culpa,<br />

satisfazendo Sua justiça, desviando Sua ira santa e abrindo a porta da graça para<br />

que o pecador arrependido confesse seu pecado, convicto da intercessão do Senhor<br />

Jesus em seu favor.<br />

Mas é certo que esta realidade maravilhosa não alcança somente os<br />

crentes leitores originais do apóstolo, mas, igualmente, a todos quantos viemos, ou<br />

viremos, a crer em Cristo, em todo o mundo.<br />

A interpretação corrente entre os arminianos é no sentido de ver neste<br />

texto a afirmação de uma expiação por cada homem do mundo, sem exceção. Esta<br />

leitura, além de ferir de morte ensino joanino de que Cristo morreu somente para e<br />

em favor dos seus (Jo 10:11, 15, 26-30; 15:13; Jo 17:9-10), parte basicamente de<br />

3 O termo grego ‘teknia’ (filhinhos; dimunutivo de ‘teknon’), ocorre sete vezes em I João (2:1,12,28;<br />

3:7,18; 4:4; 5:21). Em I João 2:13,18, João usa termo diferente (‘paidia’, ‘criancinhas’, dimunitivo de<br />

‘pais’), para expressar seu carinho pelos leitores.<br />

4 O termo joanino usado aqui para Jesus como ‘advogado’ é ‘parákletos’ (do verbo ‘parakaléo’, (‘eu<br />

conforto, ajudo, exorto’), o mesmo usado em seu Evangelho para referir-se ao Espírito Santo (Jo<br />

14:16,26; 15:26; 16:7).<br />

7


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

dois pressupostos equivocados: primeiro – o teológico, de que Cristo, em Sua morte,<br />

tencionou salvar a todos, correndo o risco de a ninguém salvar, chegando tão<br />

somente a salvar alguns. Nesse sentido, a obra salvadora de nosso Senhor teria<br />

padecido de um fracasso parcial. Segundo - o linguístico, que a expressão “mundo<br />

inteiro” significa todos da humanidade sem exceção. Definitivamente, a expressão<br />

frequentemente não ocorre com o sentido de ‘todos sem exceção’, como o que se<br />

dá em Lc 2:1, Rm 1:8, Cl 1:6, Ap 3:10 (cf. Ap 5:9). “A frase do mundo inteiro está<br />

relacionada não a cada criatura feita por Deus, pois então os anjos caídos<br />

compartilhariam da redenção de Cristo. A palavra inteiro descreve o mundo em sua<br />

totalidade e não em sua individualidade” (Simon Kistemaker).<br />

Augustus Nicodemus, em síntese suficiente, anota que se o texto significa<br />

que Cristo morreu por cada indivíduo da espécie humana, tal conclusão implicaria<br />

dizer: “(1) Que Cristo sofreu e morreu em vão por milhares de pecadores que irão<br />

sofrer eternamente no inferno; (2) Que a pena paga por Cristo no lugar deles não foi<br />

válida, pois os perdidos pagarão outra vez essa pena, sofrendo eternamente; (3) O<br />

sacrifício de Cristo apenas torna possível a toda e qualquer pessoa salvar-se pela fé,<br />

mas não assegura a salvação de ninguém”.<br />

Finalmente, se o alvo de João é realmente afirmar que Cristo fez<br />

propiciação por todos sem exceção, perguntamos com John Owen como isto pode<br />

servir de conforto aos crentes se muitos pelos quais Ele morreu perder-se-ão<br />

eternidade afora. “Este versículo não oferece nenhum conforto, a menos que seja<br />

entendido como significando que Cristo é o Salvador de todos os crentes em<br />

qualquer parte do mundo” (John Owen).<br />

2. O conhecimento de Deus e a observância dos seus mandamentos<br />

I Jo 2:3-6<br />

3 E nisto sabemos que o conhecemos: se guardarmos os seus mandamentos.<br />

4 Aquele que diz: Eu conheço-o, e não guarda os seus mandamentos, é<br />

mentiroso, e nele não está a verdade.<br />

Havendo tratado do tema “comunhão com Deus”, João volta-se à<br />

experiência correlata: do “conhecimento de Deus”. Conhecer a Deus implica saber<br />

Sua vontade, conforme expressa nos “seus mandamentos”, e prontificar-se a viver<br />

de acordo com ela. É dizer: conhecimento e vida prática são aspectos indissociáveis,<br />

no ensino do apóstolo. “Mandamentos” referem-se aos dez mandamentos dados por<br />

Moisés, onde estão sintetizados preceitos divinos relacionados a todas as áreas da<br />

existência humana.<br />

Se alguém, portanto, afirma ter conhecido a Deus (Passado), e não<br />

guarda seus mandamentos (presente), é mentiroso. Assim como nos dias de João,<br />

diversos movimentos têm surgido ao longo da história asseverando-se detentores de<br />

um conhecimento superior de Deus, apesar de sua flagrante crise moral. Na mesma<br />

senda, nem alegadas manifestações carismáticas nem ofegantes confissões<br />

ortodoxas podem subsistir à perscrutação joanina, caso não venham acompanhadas<br />

de vida coerente com a vontade revelada de Deus. Se não se guardam os<br />

mandamentos de Deus, qualquer afirmação de conhecê-lO é mero embuste.<br />

8


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

5 Mas qualquer que guarda a sua palavra, o amor de Deus está nele<br />

verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nele. 6 Aquele<br />

que diz que está nele, também deve andar como ele andou.<br />

Por outro lado, o amor de Deus tem sido aperfeiçoado naqueles que<br />

guardam a Sua palavra. “Amor de Deus” deve ser compreendido como o amor dos<br />

crentes por Deus, tido como aperfeiçoado somente na medida em que guardam a<br />

Sua palavra 5 . Não se pode afirmar amor a Deus sem a observância da Sua palavra<br />

(Jo 14:23). Com efeito, uma das marcas dos filhos de Deus é o prazer que têm em<br />

cumprir a vontade de Seu Pai (Rm 7; Jr 31:33,34).<br />

Por fim, eis o teste que devemos impor-nos a saber se “estamos nele”,<br />

expressão sinônima de ‘ter conhecimento de Deus’, de andar em comunhão com<br />

Ele: quem “nele está”, ou seja, quem tem conhecimento de Cristo, quem realmente<br />

tem comunhão com Ele (Jo 15:3-10), que ande “como ele andou”, isto é, em uma<br />

vida de inteira submissão a Deus (Jo 4:31-34; 5:30; 6:38; cf Fp 2:8).<br />

3. A luz e o amor<br />

I Jo 2:7-11<br />

7 Irmãos 6 , não vos escrevo mandamento novo, mas o mandamento antigo, que<br />

desde o princípio tivestes. Este mandamento antigo é a palavra que desde o<br />

princípio ouvistes. 8 Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é<br />

verdadeiro nele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz<br />

ilumina.<br />

Tendo falado sobre os mandamentos de Deus, teria sido natural que o<br />

apóstolo se voltasse ao tema do amor, embora isso não pareça tão lógico na<br />

presente era. Martyn Lloyd-Jones, em uma de suas pregações a partir de Isaías 5,<br />

observou que os homens em geral têm a lei como o oposto do amor. Asseverou que<br />

estão dispostos a crer no amor, mas somente enquanto noção que se contrapõe a<br />

qualquer forma de limite. Entendem amor em termos de “lascívia”, de “viver como<br />

um animal”, de “liberar-se”. Por outro lado, pregou o doutor com ousadia: “longe de<br />

ser a antítese da lei, o amor cumpre a lei e é forte, é nobre, é puro, é limpo e reto”<br />

(com grifo nosso).<br />

Pois bem, o apóstolo não está a prescrever mandamento novo, “mas o<br />

mandamento antigo”. O “mandamento antigo” é a lição sobre o amor recebida por<br />

Israel no Sinai (Lv 19:18), que, certamente, caracterizou a mensagem apostólica<br />

ouvida pelos ouvintes do nosso escritor.<br />

Todavia, o “mandamento antigo” foi, por assim dizer, redimensionado.<br />

Melhor, o amor foi reinterpretado, realçado, de modo que se pode falar dele como<br />

um “mandamento novo”. Sem dúvida, o “mandamento novo” faz remição ao<br />

Evangelho do nosso escritor: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns<br />

5 Em sentido contrário, Augustus Nicodemus, para quem o “amor de Deus” é o amor que Deus tem<br />

por nós.<br />

6 Alguns manuscritos trazem o texto “amados” (agapetoi).<br />

9


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo<br />

13:34).<br />

No Novo Testamento, pois, o amor é o maior dos mandamentos (Mt<br />

22:34-40), exatamente por ser-lhes a síntese e o cumprimento (Rm 13:8-10). Sua<br />

novidade consiste em que são salientadas suas dimensões qualitativas e<br />

quantitativas. Quantitativamente, devem ser amados todos quantos necessitarem de<br />

nosso amor, conforme lição da parábola do bom samaritano (Lc 10:25-37), inclusive<br />

os inimigos (Mt 5:43,44; Rm 12:20). Qualitativamente, o Novo Testamento destaca o<br />

caráter sacrificial do amor (3:16-18; Ef 5:1-2; 5:25; Gl 6:2).<br />

Nada diverso desse quadro poderia ser entendido sobre o amor, vez que<br />

os crentes do Novo Testamento estão de posse do modo como foram amados pelo<br />

seu Salvador. O novo mandamento é maravilhosa e perfeitamente “verdadeiro nEle”.<br />

Em Cristo, o amor manifestou tanto em Sua vida como em Sua morte. A Sua vida foi<br />

marcada pela compaixão pelos pecadores que dEle necessitaram, pela infinita<br />

paciência com os discípulos e pela forma pela qual atraiu e confortou os alijados da<br />

sociedade. Sua morte, a seu turno, foi a expressão mais vívida e contundente do<br />

amor de Deus (Rm 5:8).<br />

Tal mandamento, já evidenciado perfeitamente na vida do Senhor Jesus,<br />

podia, em parte, ser visto na vida dos crentes aos quais João escreve. É dizer, em<br />

Cristo o amor é uma realidade perfeita. Nos crentes, uma realidade parfectível. “Vão<br />

passando as trevas, e já a verdadeira luz ilumina” é frase que indica a realidade da<br />

presença e do crescimento do amor na vida dos irmãos. Obviamente, não são<br />

perfeitos, e jamais serão no presente estado. E isto é verdade quanto ao amor<br />

também. Mas as trevas da indiferença, do ódio e do egoísmo já começaram a<br />

retroceder e seguem cedendo espaço à luz do amor sacrificial por todos os homens,<br />

vez que agora têm o exemplo máximo deste amor na cruz do Calvário a iluminar sua<br />

conduta.<br />

9 Aquele que diz que está na luz, e odeia a seu irmão, até agora está em trevas.<br />

10 Aquele que ama a seu irmão está na luz, e nele não há escândalo. 11 Mas<br />

aquele que odeia a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe<br />

para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos.<br />

Nesse ponto, o apóstolo retoma a metáfora da luz já esposada em 1:5-7.<br />

Ele está realmente interessado na coerência entre a confissão e a vida prática dos<br />

irmãos. Nesse sentido, a bela confissão de “está na luz” nada significa se, em<br />

verdade, o confessor alimenta ódio pelo irmão. “Lembremos, mais uma vez, que<br />

amar, para João, é algo prático, que não se limita meramente a um discurso de<br />

palavras bonitas; é amor que se manifesta em socorro e ajuda aos irmãos carentes.<br />

Esse amor revela uma coisa importante: quem o possui realmente” (Augustus<br />

Nicodemus).<br />

João acrescenta que aquele que “está na luz”, “nele não há escândalo”. É<br />

dizer, aquele que ama a seu irmão, nele não há nada que lhe faça cair, tropeçar,<br />

como se estivesse tateando na escuridão enquanto caminha. É o exato oposto<br />

daquele que odeia a seu irmão, que está em trevas e não sabe para onde vai,<br />

porque o seu ódio lhe cegou. “João deixa implícito que qualquer um que odeia seu<br />

irmão é responsável por sua própria ruína” (Simon Kistemaker). À guisa de arremate:<br />

o ódio é motivo de tropeço, engano e incerteza.<br />

Propomos que um dos grandes problemas da igreja contemporânea é a<br />

confinação da expressão religiosa aos templos, aos encontros dominicais e das<br />

10


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

multidões. Não sei se as ênfases joaninas da comunhão e do amor, até aqui<br />

analisadas, podem ser vividas realmente no “cristianismo” como em geral<br />

concebemos hoje. Faltam outros encontros, mormente nos centros urbanos, que<br />

promovam conhecimento das necessidades e oportunidade de ajuda mútua.<br />

4. Encorajamento aos diversos tipos de crentes<br />

1Jo 2:12-14<br />

12 Filhinhos, escrevo-vos, porque pelo seu nome vos são perdoados os<br />

pecados. 13 Pais, escrevo-vos, porque conhecestes aquele que é desde o<br />

princípio. Jovens, escrevo-vos, porque vencestes o maligno. Eu vos escrevi,<br />

filhos, porque conhecestes o Pai. 14 Eu vos escrevi, pais, porque já<br />

conhecestes aquele que é desde o princípio. Eu vos escrevi, jovens, porque<br />

sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o maligno.<br />

Nesta seção, João dirige dois discursos de encorajamento aos<br />

“filhinhos/filhos” (teknian/Paidian), “pais” e “jovens”, ambos nesta sequência. O<br />

apóstolo, que já havia confrontado os crentes, testando-os com os critérios da<br />

palavra de Deus, agora, como sábio pastor de almas, pronuncia discursos de alento,<br />

revigorando sua alma com as preciosas promessas do Evangelho.<br />

Agrada-me a ideia destes termos referirem-se a estágios da vida<br />

espiritual, a níveis de maturidade. Se é assim, os filhinhos seriam os recém-nascidos<br />

na fé; os jovens, aqueles que ultrapassaram as primeiras provas da fé e<br />

demonstraram firmeza gerada pela Palavra de Deus; os pais seriam aqueles dos<br />

quais o apóstolo esperaria maior compromisso e responsabilidade, em face do maior<br />

conhecimento de Deus que possuíam. Nesse sentido, John Stott, para quem o<br />

apóstolo “está indicando, não as suas idades físicas, como pensam alguns, mas<br />

estágios de seu desenvolvimento espiritual”.<br />

Aos filhinhos/filhos, as mensagens são: “pelo seu nome vos são<br />

perdoados os pecados” e “conhecestes o pai”. Primeiro, os crentes mais novos<br />

precisam ser assegurados de que tiveram seus pecados perdoados através da obra<br />

salvadora do Senhor Jesus. Na segunda mensagem, que os neófitos também não<br />

nutram dúvidas de que conhecem o Pai. É notável que João mencione as<br />

maravilhosas bênçãos do novo pacto como estando na posse dos recém plantados<br />

na fé (Jr 31:34; cf Hb 8:11,12; Jo 6:45). Eis a sua sabedoria!<br />

As mensagens aos “pais” são idênticas: “conhecestes aquele que é desde<br />

o princípio” (versos 13,14). Eis o saber dos crentes mais avançados. Eles têm<br />

conhecimento muito mais intenso da revelação do Filho de Deus. João refere-se a<br />

Deus o Pai, nesse momento, como sendo “aquele que é desde o princípio”, ou seja,<br />

como o Deus eterno. Já vimos em 2:3-6 como João relaciona o conhecimento de<br />

Deus com amor a Deus expresso em termos de observância de Sua palavra.<br />

Aos jovens, as mensagens são semelhantes: “vencestes o maligno”<br />

(verso 13) e ”sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o<br />

maligno”. Os jovens na fé não são mais criancinhas em Cristo. Venceram as<br />

primeiras provas, abandonaram os velhos hábitos e mostraram-se capazes de<br />

perseverar diante dos inimigos de sua integridade. A razão da pujança espiritual dos<br />

jovens é que “a palavra de Deus está em vós”. É dizer, eles haviam permanecido<br />

fiéis à verdade do Evangelho.<br />

11


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

Como são tolos aqueles que abandonam o Evangelho em busca de<br />

“novidades doutrinárias”, imaginando que ele não é suficiente para suprir as<br />

necessidades da alma! João não tem nenhuma nova mensagem aos desanimados,<br />

senão as preciosas promessas do Evangelho (o perdão de pecados, o<br />

conhecimento de Deus e a vitória sobre o Maligno pelas Escrituras), que têm suprido<br />

sobejamente os anseios dos genuínos crentes (II Pe 1:3,4).<br />

5. O amor do mundo e o amor do pai<br />

1Jo 2:15-17<br />

15 Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o<br />

amor do Pai não está nele. 16 Porque tudo o que há no mundo, a<br />

concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não<br />

é do Pai, mas do mundo. 17 E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas<br />

aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.<br />

João, após afirmar aos crentes quanto à segurança que têm no<br />

evangelho, exorta seus irmãos em tom imperativo a não amarem o mundo nem o<br />

que há no mundo. É dizer, não pode haver segurança onde não há santidade, sem a<br />

qual ninguém verá o Senhor (Hb 12:14).<br />

“Amar” (verbo grego ‘agapao’) exprime lealdade e dedicação conscientes.<br />

“Mundo” (‘kosmos’) é palavra predominantemente joanina 7 , e, nesse contexto,<br />

refere-se aos conceitos e valores da humanidade alienada de Deus, àquela esfera<br />

de inimizade para com Deus e de escuridão moral que se opõe a Deus, noção que<br />

ficará mais clara à luz do que o apóstolo descreve sobre “tudo o que há no mundo”,<br />

no verso 16.<br />

O “mundo”, portanto, não pode significar “mundo habitável”, sob pena da<br />

ordem do apóstolo revestir-se de uma veia antiecológica, o que deve ser de todo<br />

descartado (Gn 1:1; Sl 24:1). Noutro giro, a par desta ideia, “não ameis o mundo”<br />

não pode ser uma proibição de amarmos as criaturas de Deus, às quais somos<br />

ensinados pelo Senhor a amá-las incondicionalmente, segundo Lc 10:25-37, e a<br />

desejar que sejam salvas, esforçando-nos para lhas apresentarmos o Evangelho de<br />

Cristo. Nesse sentido, Deus amou o mundo, e nós devemos amá-lo (Jo 3:16).<br />

Ressalte-se que ‘mundo’ deve ser entendido por valores, tendências,<br />

ensinos, conceitos e práticas contrárias à revelação divina, por isso que o “amor do<br />

mundo” não pode coexistir com o “amor do Pai”. Destarte, a ordem pastoral do<br />

nosso escritor é a seguinte: parem de flertar, consentir, admirar, transigir, desejar,<br />

participar daquilo ou praticar aquilo que é aprovado pelos homens não regenerados.<br />

O escritor inspirado dá-nos três razões de tão enfática proibição. Primeiro:<br />

“Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele”. “Amor do Pai” é amor pelo<br />

Pai, expressão semelhante a “amor de Deus” em 2:5. A mensagem joanina é esta:<br />

“se vocês amam o mundo, não amam a Deus”. Não é possível amar a dois senhores<br />

que exigem dedicação integral (cf. Mt 6:24) e que possuam valores morais tão<br />

radicalmente divergentes. Ante o exposto, “como podemos reconhecer um cristão de<br />

7 A palavra “kosmos” (geralmente traduzida por mundo, a exceção da ocorrência em I Pe 3:3, onde é<br />

traduzida por “enfeite”) aparece 185 vezes no NT, das quais 78 estão no Evangelho de João, 24 nas<br />

cartas de João, 47 nas cartas de Paulo, 14 nos sinópticos e 22 nos demais escritos.<br />

12


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

verdade? A resposta de João é que o verdadeiro filho de Deus se reconhece pelo<br />

amor que ele tem ao seu Pai” (Augustus Nicodemus).<br />

Segundo, eis mais uma razão pela qual os crentes devem cessar de amar<br />

o mundo: o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos<br />

olhos e a soberba da vida -, não provém do Pai 8 . Ou seja, tudo quanto é próprio<br />

deste ‘mundo’ decaído não nasce em Deus, d’Onde provém toda a boa dádiva e<br />

todo o dom perfeito (Tg 1:17).<br />

As coisas do mundo são descritas por João no verso 16, quais sejam:<br />

“concupiscência da carne” 9 , que referem-se a desejos intensos e incontroláveis<br />

pertencentes à natureza humana não regenerada, e incluem toda sorte de cobiça,<br />

inclusive, mas não só, a sexual (cf. Gl 5:19-21); “concupiscência dos olhos”, ou<br />

desejos intensos dos olhos, que levam-nos a pensar na visão como o canal que leva<br />

os homens a pecar. É, portanto, “a vontade de contemplar aquilo que agrada aos<br />

olhos, mesmo que seja proibido” (Augustus Nicodemus).<br />

Esses aspectos do mundo joanino (a concupiscência da carne e dos<br />

olhos) são intimamente ligados. A natureza humana e os olhos, ambos em sua<br />

cobiça, pactuam o plano de levar os homens às mais horrendas ações (cf Js 7:21; II<br />

Sm 11:2). Certamente, mortificá-los não será tarefa fácil. Paulo descreve a luta<br />

contra a cobiça da carne em termos os mais duros possíveis: “E os que são de<br />

Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” (Gl 5:24). O<br />

Senhor Jesus tratou da mortificação da cobiça dos olhos, por sua vez, desse modo:<br />

“Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti,<br />

pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja<br />

lançado no inferno” (Mt 5:29).<br />

Todavia, isso não é tudo. O mundo também consiste de “soberba da<br />

vida”, que denota o tolo orgulho humano em face das condições econômicas,<br />

sociais, étnicas e culturais que compõem o repertório dos bens que possuem,<br />

levando os homens à arrogância. Impossível não se lembrar dos “soberbos”<br />

descritos por Asafe no Salmo 73 (3-12) e de homens como Nabucodonosor (Dn<br />

4:30), Assuero (Et 1:3-7) e Herodes (At 12:21-23).<br />

Por fim, João ensina a sua igreja a terceira razão pela qual os crentes não<br />

devem amar o mundo: é que todas estas coisas que caracterizam o mundo –<br />

cobiças, deleites, prazeres, vanglórias – passam juntamente com ele (I Co 7:31),<br />

levando consigo os que lhe prestaram dedicação. Ao passo que “quando a vontade<br />

do homem está em harmonia com a vontade de Deus, o cristão tem com o Pai e<br />

com filho uma comunhão que dura para sempre” (Simon Kistemaker).<br />

8 Tanto a impossibilidade de convivência entre o amor do mundo e de Deus, quanto à diversidade de<br />

coisas entre o que provém do mundo e de Deus, encontra paralelo em Tiago (4:4; 3:13-18). Ver<br />

minhas <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong> de Tiago.<br />

9 A expressão original é “e epithumia tes sarchós”.<br />

13


6. A apostasia dos anticristos<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 2:18-19<br />

18 Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também<br />

agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última<br />

hora. 19 Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós,<br />

ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de<br />

nós.<br />

A igreja já havia sido informada sobre a aparição do Anticristo nos últimos<br />

dias que antecederem a vinda do Senhor. Daniel referiu-se a ele como o “pequeno<br />

chifre” (Dn 7:8,11,20-26) e como o “príncipe que há de vir” (Dn 9:26). Paulo o<br />

denominou “homem do pecado”, “filho da perdição” e “iníquo”, “a esse cuja vinda é<br />

segundo a eficácia de Satanás” (II Ts 2:3-10).<br />

Todavia, como Paulo percebeu que “já o mistério da injustiça opera” (II Ts<br />

2:7), João igualmente sabia que o espírito do Anticristo já estava em franca<br />

operação em seus dias, razão pela qual “muitos se têm feito anticristos”. É dizer, o<br />

Anticristo não veio ainda, mas a propagação do erro religioso através de falsos<br />

profetas demonstra cabalmente que o espírito do Anticristo já opera por meio destes<br />

anticristos.<br />

Este cenário, conforme claro ensino do Senhor no monte das Oliveiras (Mt<br />

24:5,11,24), fez João antevê que “é já a última hora” 10 , referindo-se ao período de<br />

tempo compreendido entre a primeira e a segunda vinda do Senhor Jesus. “Esse<br />

período presente é chamado de “último” porque depois dele não haverá mais dias,<br />

séculos, horas ou tempos para este mundo decaído e condenado” (Augustus<br />

Nicodemus).<br />

Vale ressaltar, o Anticristo está por vir, mas já há muitos anticristos. E, o<br />

que é pior, no seio da igreja. Talvez tais anticristos sejam uma alusão aos apóstatas,<br />

gente que, à luz do todo já exposto, dizia: que tinha comunhão com Deus, mas<br />

andava em trevas (1:5-7); que, quando confrontada sobre seus pecados, dizia-se<br />

não pecadora (1:8-9); afirmava conhecer a Deus, mas não observava seus<br />

mandamentos (2:3-5); que confessava “está nele”, mas não andava como ele andou<br />

(2:6); professava “está na luz”, enquanto nutria ódio por seus irmãos (2:9-11); e, por<br />

fim, demonstrava que amava o mundo e o que nele há (2:15).<br />

Outra possibilidade é que João estaria referindo-se tão somente aos<br />

falsos profetas, propagadores do erro religioso, possivelmente mestres da igreja que<br />

capitularam ante o erro do gnosticismo incipiente dos dias de João.<br />

Os anticristos, os apóstatas, aqueles que, finalmente, chegam a negar a<br />

Cristo, estavam no seio da igreja, mas não eram parte da igreja. Viviam entre os<br />

irmãos, mas não eram crentes. João não explicita na carta o que levou os apóstatas<br />

a, finalmente, abandonarem a igreja, vez que os crentes aos quais escreve<br />

conheciam perfeitamente as circunstâncias, mas deseja que os irmãos entendam<br />

10 O termo “última hora” (eschate ora) só ocorre nesta passagem. Todavia, expressões equivalentes,<br />

tais como “últimos dias” (At 2:17; Hb 1:2; Tg 5:3; II Tm 3:1), “último tempo” (I Pe 1:4) e “últimos<br />

tempos” (I Pe 1:20), ocorrem no NT com o mesmo sentido: uma referência ao período de tempo<br />

correspondente entre a primeira e a segunda vinda do Senhor.<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

que aqueles que lhes deixaram nunca, em verdade, fizeram parte da igreja, e que<br />

sua saída apenas tornou essa realidade manifesta.<br />

7. A Mensagem do Anticristo: a negação de que Jesus é o Cristo<br />

1Jo 2:20-23<br />

20 E vós tendes a unção do Santo, e sabeis tudo. 21 Não vos escrevi porque<br />

não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis, e porque nenhuma mentira<br />

vem da verdade.<br />

Os crentes genuínos, estes sim, permanecem na igreja porque são parte<br />

dela! Mais que isso, eles têm uma base sobre a qual podem resistir à apostasia, vez<br />

que possuem “a unção do Santo” (a habitação do Espírito Santo) e conhecem a<br />

verdade (o Evangelho).<br />

No Antigo Testamento, sacerdotes, reis e profetas eram ungidos como<br />

forma de consagração e habilitação para o serviço de sua vocação. No Novo<br />

Testamento, todos os crentes receberam a unção (II Co 1:21) do Santo Filho de<br />

Deus (At 3:14), uma alusão ao dom do Espírito Santo (At 2:38; cf. At 10:38), que<br />

capacita-os a discernir a verdade da mentira. Ou seja, a presença do Espírito Santo<br />

na vida dos crentes os capacita a resistirem ao erro religioso (Jo 15:26; 16:13), razão<br />

pela qual João está convicto que os seus irmãos estão firmes na verdade do<br />

Evangelho.<br />

22 Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? É o<br />

anticristo esse mesmo que nega o Pai e o Filho. 23 Qualquer que nega o Filho,<br />

também não tem o Pai; mas aquele que confessa o Filho, tem também o Pai.<br />

Em seguida, João aponta o “mentiroso” e “anticristo”, mencionando<br />

agora o seu erro primordial: negar que Jesus é o Cristo. Mais uma vez, “Anticristo”<br />

aqui não é o personagem esperado para os últimos dias que antecederem a vinda<br />

do Senhor, mas qualquer que negar que Jesus é o Cristo, mormente os que<br />

divulgavam tamanha inverdade.<br />

Tem sido apontado que João já estava combatendo uma espécie de<br />

gnosticismo, segundo a qual se cria que Jesus e Cristo não eram a mesma pessoa.<br />

Pregava-se que o Cristo havia descido sobre o Jesus no batismo e o abandonado ao<br />

tempo da cruz. João dispara contra os pregadores desta heresia, os chamando de<br />

‘mentirosos’ e ‘anticritos’, e afirma que, em última análise, negar o Filho de Deus<br />

desta forma é também negar o Pai.<br />

8. A firmeza na verdade<br />

I Jo 2:24-28<br />

24 Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós<br />

permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho<br />

e no Pai. 25 E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna.<br />

O evangelho ouvido pelos cristãos quando se converteram, “desde o<br />

princípio”, deve ser por eles guardado de tal modo que dele não se desviem para dar<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

ouvidos à mensagem dos anticristos. Se permanecer nos crentes a mensagem<br />

apostólica, sobretudo que Jesus Cristo é o Filho de Deus e o Filho do Homem, que é<br />

verdadeiro Deus e verdadeiro homem, então terão comunhão com o Filho e com o<br />

Pai. Vê-se que João não considera a possibilidade de alguém ter comunhão com<br />

Deus se rejeita a Sua revelação, mormente sobre a natureza de Cristo e sobre a<br />

relação entre o Pai e o Filho, ainda que esbanje aparência de piedade.<br />

Para João, o escritor inspirado, o que está aqui sendo tratado é de<br />

importância fundamental, é uma questão de vida eterna! O tema é de importância<br />

capital, tanto que guarda relação com a vida eterna prometida pelo Senhor aos que<br />

creem no Seu nome, promessa que João deve ter ouvido diversas vezes dEle<br />

mesmo (Jo 3:15,16,36; 4:14; 5:24; 6:27, 40, 47, 54). É dizer, a vida eterna foi<br />

prometida aos que creem no Seu nome, de modo que o abandono de uma doutrina<br />

fundamental sobre a natureza de Cristo apenas revela que os apóstatas nunca<br />

tiveram vida eterna.<br />

26 Estas coisas vos escrevi acerca dos que vos enganam.<br />

As palavras de João têm forte tom pastoral. Ele arrisca a sua ‘reputação’<br />

de ‘homem pacificador’, contanto que advirta seu rebanho contra aqueles que<br />

tentam o atrair a erros religiosos ofensivos.<br />

27 E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes necessidade<br />

de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas,<br />

e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele<br />

permanecereis. 28 E agora, filhinhos, permanecei nele; para que, quando ele se<br />

manifestar, tenhamos confiança, e não sejamos confundidos por ele na sua<br />

vinda.<br />

Por fim, João arremata a presente exortação retornando ao tema da<br />

“unção”. Os apóstatas cedem às seduções das novas revelações porque não têm o<br />

Espírito da verdade (Jo 14:17). Por outro lado, a presença do Espírito, em todos os<br />

crentes, desde sua conversão, é verdadeira garantia de que continuarão no caminho<br />

das verdades já recebidas, sem que haja necessidade de mestres de novas<br />

revelações.<br />

“Não tendes necessidade de que alguém vos ensine” não é uma investida<br />

contra a existência de mestres e pastores cristãos. Se assim fosse, a existência<br />

desta Carta, por si só, já contradiria tal assertiva. João simplesmente afirma que os<br />

crentes aos quais escreve não necessitam de novos mestres e novos ensinos, vez<br />

que a presença do Espírito confirma a veracidade da mensagem apostólica já<br />

recebida.<br />

Que os crentes, pois, permaneçam no evangelho que lhes salvou, o que<br />

significa permanecer em Cristo, conforme o ensino da “unção” (do Espírito Santo)!<br />

Em assim fazendo, os crentes terão confiança quando da segunda vinda do Senhor<br />

e nela não se afastarão envergonhados, como os pregadores dos erros perniciosos.<br />

Nesse momento, os falsos mestres terão “a maldade e a iniquidade dos atos, bem<br />

como o erro dos seus ensinamentos, (...) tornados públicos, para vergonha deles.<br />

Afastados de Cristo, a vergonha que experimentarão, sem possibilidade de perdão<br />

ou alívio, será parte dos seus sofrimentos eternos” (Augustus Nicodemus).<br />

As implicações desta mensagem ao evangelicalismo hodierno são<br />

inúmeras: a uma, todos os crentes são “ungidos”, visto que compartilham da Unção<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

de Cristo, a presença do Espírito Santo; a duas, tal verdade aniquila a distinção<br />

entre clero e leigos, entre os “ungidos do Senhor” e a gente comum, ainda que não<br />

torna dispensáveis os ministérios distribuídos por Cristo às igrejas; a três, todos os<br />

crentes podem/devem participar ativamente da edificação do corpo de Cristo; a<br />

quatro, a unção mencionada por João não refere-se a qualquer nova experiência<br />

pós-salvação, mas àquilo que o crente experimenta na conversão, vale dizer, é uma<br />

experiência passada na vida dos crentes verdadeiros, que permanece neles de uma<br />

vez por todas, em nada tendo a ver com ‘expediências sobrenaturais’.<br />

À luz do todo exposto, permaneçam os crentes em comunhão com Cristo,<br />

comunhão alicerçada na verdade. A única segurança que temos para sabermos se<br />

estamos firmados subjetivamente na comunhão com o Filho de Deus é a base sólida<br />

das verdades objetivas, quando observadas e cridas.<br />

Permanecendo nós ao lado do Filho de Deus, e crendo nas promessas da<br />

Sua Palavra, temos “confiança” de que nossos pecados estão cancelados e que, na<br />

alvorada da sua vinda, não seremos envergonhados como aqueles que “dirão<br />

naquele Dia: Senhor, Senhor (...)” e ouvirão em resposta: “Nunca vos conheci;<br />

apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7:21-23).<br />

9. Filhos do Deus justo vivendo a justiça<br />

1Jo 2:29<br />

29 Se sabeis que ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é<br />

nascido dele.<br />

Quanto ao verso 29, é certo que está ligado ao texto seguinte. Aqui, João<br />

introduz pela primeira vez na Carta a ideia de que os crentes são nascidos de Deus.<br />

Trata-se da grandiosa doutrina da regeneração, aquela obra soberana do Espírito,<br />

mediante a qual Deus implanta no coração do pecador um novo princípio de vida,<br />

uma nova disposição de alma, que o capacita a querer e fazer aquilo que agrada a<br />

Deus. É, em verdade, uma ressurreição espiritual (Jo 5:24-26; Ef 2:2-7), que dar vida<br />

a quem estava morto em delitos e pecados. É, noutro dizer, uma nova criação de<br />

Deus em Cristo (Ef 2:10, 4:24; II Co 5:17), pela qual os novamente criados são<br />

vivificados para a prática da justiça. No dizer joanino, “nascer de Deus” opõe-se a<br />

“nascer da carne e sangue” (Jo 1:12,13), é “nascer de novo” ou “nascer do alto” (Jo<br />

3:3-7; cf. Tg 1:18, Tt 3:5, II Pe 1:4)<br />

“Ele é justo” refere-se, indiscutivelmente a Deus o Pai. O Pai é justo, in<br />

casu, e os crentes já sabem disso. Se o Pai é justo, os filhos nascidos dEle deverão<br />

ser tais quais o Pai, com vidas caracterizadas pela prática da justiça. É dizer, a<br />

evidência de que nascemos de Deus está em que vivemos a vida cotidiana<br />

observando-a conforme a Palavra de Deus.<br />

17


I João 3<br />

As Características dos Filhos de Deus<br />

1. A luta pela santidade<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 3:1-3<br />

1 Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados<br />

filhos de Deus. Por isso o mundo não nos conhece; porque não o conhece a<br />

ele.<br />

“Vede” é palavra rara no Novo Testamento, usada para situações de<br />

perplexidade 11 . O motivo do espanto é esse “grande amor” que o Pai nos tem<br />

concedido, fazendo-nos “filhos de Deus” através do sacrifício do Seu Filho. Quanto<br />

privilégio! Que amor é esse?! O mundo (dos incrédulos) não consegue compreender<br />

a filiação dos crentes, visto que não conhece o Pai. Augustus Nicodemus anotou<br />

com precisão que três verdades explicam a perplexidade do apóstolo, quais sejam:<br />

que tamanha dádiva seja concedida por Deus a pecadores indignos; no resultado da<br />

dádiva: fazer-nos filhos de Deus; e que tudo tenha sido ‘concedido’ somente por<br />

graça.<br />

Entretanto, a grandiosa dádiva e o seu resultado (ser os cristãos filhos de<br />

Deus) não é plenamente reconhecida e aceita pelo mundo. Isto é, o mundo, que não<br />

conhece a Deus o Pai (Jo 17:25), a Deus o Filho (Jo 1:10) e a Deus o Espírito Santo<br />

(Jo 14:17), também não poderia reconhecer os cristãos como filhos de Deus. Nada<br />

obstante, é maravilhoso saber que a realidade do relacionamento paterno-filial com<br />

Deus já está presente agora, ainda que o mundo não a reconheça.<br />

2 Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que<br />

havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos<br />

semelhantes a ele; porque assim como é o veremos. 3 E qualquer que nele tem<br />

esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.<br />

Todavia, chegará o momento em que aquilo que somos será fato<br />

reconhecido por todo o universo. Isto se dará na segunda vinda de Cristo, nessa<br />

ordem: Cristo voltará, nós O veremos como Ele é e seremos imediatamente<br />

transformados em nossos corpos na semelhança do corpo ressurreto de nosso<br />

Senhor (Fp 3:21; I Co 15:50-52; I Ts 4:16,17).<br />

Tal esperança, significando aqui “certeza do que se espera”, segundo o<br />

escritor inspirado, lança os crentes numa luta diária por sua própria santidade, “como<br />

também ele é puro”. Vale dizer, quem sabe que será tornado, pela visão beatífica,<br />

perfeito à semelhança de Cristo, labora para ser como Ele é aqui e agora. “A<br />

esperança certa de que seremos semelhantes a Cristo, que é puro, desperta em nós<br />

o desejo de pureza” (Augustus Nicodemus).<br />

11 Além de I Jo 3:1, a palavra ocorre em Mt 8:27, Mc 13:1, Lc 1:29 e 7:39, e em II Pe 3:11.<br />

18


2. A prática da justiça<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 3:4-10<br />

4 Qualquer que comete pecado, também comete iniqüidade; porque o pecado é<br />

iniqüidade.<br />

O que vive a cometer pecado, conforme nosso escritor, vive, na verdade,<br />

a demonstrar desprezo pela lei de Deus, tal qual revelada nos dez mandamentos,<br />

quer cometendo o que ela proíbe, quer abstendo-se do que ela ordena. É isso que o<br />

pecado é, uma adoção de leis próprias em lugar da lei de Deus.<br />

5 E bem sabeis que ele se manifestou para tirar os nossos pecados; e nele não<br />

há pecado. 6 Qualquer que permanece nele não peca; qualquer que peca não o<br />

viu nem o conheceu.<br />

A par desta verdade, João relembra aos crentes verdades já conhecidas:<br />

primeiro, Cristo veio (se manifestou é uma referência à encarnação e à obra da<br />

salvação) para salvar-nos dos nossos pecados (Mt 1:21), valendo lembrar que esse<br />

tirar de pecados é retirar a culpa do pecado na justificação, o poder e influência do<br />

pecado na santificação e a presença do pecado na glorificação; segundo, em Cristo<br />

nunca houve, não há, e jamais haverá pecado (Hb 4:15).<br />

Se é assim, é dizer, se o Cristo sem pecados se manifestou para tirar-nos<br />

o pecado, aquele que permanece em Cristo, que tem comunhão com Ele, que está<br />

nEle, não possui como estilo de vida a constante prática do pecado. Se alguém vive<br />

assim, é descrente. Não O viu, tampouco O conheceu.<br />

7 Filhinhos, ninguém vos engane. Quem pratica justiça é justo, assim como ele<br />

é justo. 8 Quem comete o pecado é do diabo; porque o diabo peca desde o<br />

princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do<br />

diabo. 9 Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua<br />

semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus. 10<br />

Nisto são manifestos os filhos de Deus, e os filhos do diabo. Qualquer que não<br />

pratica a justiça, e não ama a seu irmão, não é de Deus.<br />

Eis uma verdade da qual nenhum crente deve se desviar, a despeito da<br />

influência liberal dos falsos mestres: justo, como Cristo é justo (por óbvio, guardadas<br />

as devidas proporções), é o que faz o que é certo, o que pratica a justiça, o que é<br />

santo em seus procedimentos. Quem, por outro lado, vive deliberadamente na<br />

prática de pecado, é do diabo (caluniador), aquele que vive continuamente pecando<br />

desde que caiu (Is 14:12-15; Ez 28:13-17; cf Jo 8:44, 6:70; I Jo 3:12). A expressão<br />

não comete pecado (da ARC) é tradução infeliz, apesar de linguisticamente possível,<br />

e não pode ser utilizada como base ao perfeccionismo cristão. A melhor opção é<br />

‘não vive na prática do pecado’, traduzindo-se o verbo como ação contínua. Se João<br />

aqui ensina qualquer forma de perfeccionismo cristão, estaria contradizendo seu<br />

ensino em I Jo 1:8-2:1.<br />

Os filhos de Deus não podem continuar no pecado, como se seus<br />

escravos fossem, por duas razões: primeiro, o Filho de Deus manifestou-se para<br />

destruir as obras do diabo, trazendo libertação aos homens (3:8b); segundo, são<br />

19


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

nascidos de Deus, gerados espiritualmente por Deus (3:9a). E mais, a nova vida<br />

gerada por Deus no coração dos crentes permanece neles (3:9b).<br />

João é enfático ao ensinar a impossibilidade do nascido de Deus<br />

continuar nos velhos hábitos pecaminosos, ou, por inferência necessária, voltar a<br />

eles: “não pode pecar, por que é nascido de Deus”. Filhos legítimos de Deus jamais<br />

voltarão a ser filhos do diabo! As categorias são separadas por um abismo que<br />

somente Deus é capaz transpor. Não há meio termo. Não se cogita de um filho de<br />

dois pais. Tampouco há motivos para que filhos de Deus e do diabo se confundam:<br />

a prática da justiça e o amor aos irmãos são as marcas visíveis diferenciadoras.<br />

3. O amor aos irmãos<br />

1Jo 3:11-18<br />

11 Porque esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos<br />

amemos uns aos outros. 12 Não como Caim, que era do maligno, e matou a<br />

seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más e as de<br />

seu irmão justas. 13 Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos odeia.<br />

Desde que ouviram pela primeira vez o evangelho, os cristãos haviam<br />

ouvido também, como parte dele, a mensagem sobre o amor mútuo. Amor é parte<br />

essencial da pregação cristã, porque fundamentada na tradição apostólica que<br />

remonta a Cristo.<br />

O contraponto desta vida de amor que caracteriza o homem que pertence<br />

a Deus é a atitude de Caim. Caim era do maligno, por isso “matou a seu irmão” (Gn<br />

4:3-8). Ainda que não saibamos ao certo como Caim matou Abel, a palavra joanina<br />

traduzida por matar é “sfazo”, que “se refere a matar alguém usando métodos<br />

violentos” (Simon Kistemaker). Por que Caim era filho do maligno, suas obras eram<br />

malignas, sua religião era falsa (Jd 11) e sua religião era meramente formal (Gn 4:5;<br />

cf. Jo 8:44). Porque Abel era filho de Deus, suas obras eram justas por que era<br />

homem justo (Mt 23:35) e de fé (Hb 11:4).<br />

Ademais, o assassinato de Abel também é paradigma das perseguições<br />

que o mundo, repleto da descendência de Caim, empreende contra os crentes,<br />

razão pela qual os irmãos não deveriam se surpreender ante seu ódio. O ódio por<br />

Deus, pelo Senhor Jesus e pelo povo comprometido com o Deus TriÚno é a<br />

característica mais marcante do mundo alienado de Deus (Jo 15:18-21; Mt 5:10-12).<br />

Pensando mais, “os inimigos dos cristãos eram movidos pelo ódio milenar do diabo<br />

contra Deus, do mundo contra Cristo, e dos falsos profetas contra a verdade de<br />

Deus” (Augustus Nicodemus).<br />

14 Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os<br />

irmãos. Quem não ama a seu irmão permanece na morte. 15 Qualquer que<br />

odeia a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida<br />

eterna permanecendo nele.<br />

Em seguida, João descreve a experiência de nascer de Deus em termos<br />

de “passar da morte para vida”. Nada aquém da onipotência divina, operada na<br />

ressurreição de Cristo (Ef 1:19,20), é suficiente para fazer um cristão genuíno.<br />

Destarte, a prova que os crentes possuem acerca de sua ressurreição espiritual (Ef<br />

2:1,5,6; Jo 5:24) é o amor mútuo. Se alguém não ama os seus irmãos espirituais nos<br />

termos da mensagem cristã, ainda não foi vivificado espiritualmente, permanece<br />

20


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

morto, estar em trevas (1:6; 2:9), não tem a verdade (2:4), não sabe para onde vai<br />

(2:11), é mentiroso (2:4;2:22) e é do diabo (3:8,10).<br />

Seguindo a esteira do ensino do Senhor Jesus, nosso escritor interpreta a<br />

quebra do sexto mandamento (Ex 20:13: “não matarás”) nos termos do ódio que é<br />

nutrido já no coração (Mt 5:21,22). Ódio é assassinato em potencial. Vale explicar:<br />

equipara-se a Caim não apenas aquele que consuma a morte de alguém, mas<br />

aquele que já a trama no coração, mesmo que não execute o planejado. Até mesmo<br />

a atitude de “não me importo com o que lhe aconteça” é uma forma não cruenta de<br />

assassinato. Quando arguído por Deus sobre onde estava Abel, Caim respondeulhe:<br />

“Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” No reino de Deus não há lugar para<br />

atitudes desse jaez (Ap 22:15), pelo que João conclui que o homicida não tem vida<br />

eterna. Ademais, são comuns na história bíblica e secular os tantos casos em que o<br />

ódio do coração tornou-se em homicídio consumado (Mc 6:19).<br />

16 Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos<br />

dar a vida pelos irmãos. 17 Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu<br />

irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de<br />

Deus? 18 Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra<br />

e em verdade.<br />

Ademais, quem melhor do que aqueles que conhecem o evangelho<br />

podem saber o que é o amor? O amor não está mesmo no cerne da mensagem<br />

evangélica? Onde o amor é visto do modo mais pleno, senão no evangelho? Se o<br />

amor supremo está no sacrifício de Cristo por nós, qual atitude deveria caracterizar<br />

os seus beneficiários? À luz do evangelho, até que ponto devemos amar nossos<br />

irmãos?<br />

O verso 3:16 (como em Jo 3:16) da nossa carta responde sobejamente<br />

todas estas questões. Na cruz, o amor de nosso Senhor foi revelado como<br />

espontâneo, voluntário (Jo 10:15,18), incompreensível, incondicional (Rm 5:6-8) e<br />

concreto, dinâmico (Ef 5:25). Do exposto, conclui-se que “quando a honra do nome<br />

de Deus, o crescimento da igreja e a necessidade de seu povo exigem que amemos<br />

nossos irmãos, devemos mostrar nosso amor a qualquer preço – até mesmo a ponto<br />

de arriscar a vida” (Simon Kistemaker).<br />

Portanto, como a fé (Tg 2:14-17), o amor verdadeiro se demonstra pelas<br />

atitudes e pelas ações. O amor que caracteriza a ação divina no evangelho não<br />

pode está no homem que, de posse dos recursos necessários, “feche o coração”,<br />

não ajudando o irmão necessitado. “Fechar o coração” representa a falta de<br />

emoções e de sensibilidade para com a miséria do próximo, em especial do irmão<br />

em Cristo.<br />

João arremata seu ensino sobre amor nesta seção com a exortação do<br />

verso 18. Da advertência, “notemos que João não está dizendo que é possível<br />

amarmos só com palavras; na verdade, ele está repreendendo qualquer tentativa de<br />

pensarmos que isso possa acontecer” (Augustus Nicodemus). Amor tão só<br />

professado não é amor, como fé tão só confessada não é fé (Tg 2:14,20).<br />

21


4. A confiança perante Deus<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 3:19-24<br />

19 E nisto conhecemos que somos da verdade, e diante dele asseguraremos<br />

nossos corações;<br />

À luz do contexto precedente, a prática da justiça e, sobretuto, o amor aos<br />

irmãos garantem ao crente ser ele “da verdade”, expressão equivalente a “passar da<br />

morte para a vida” e “ser nascido de Deus”. É dizer, o homem que nasceu de Deus,<br />

que é regenerado, é o que abraçou a verdade do Evangelho, realidade somente<br />

verificada pela vida cristã caracterizada pela justiça e pelo amor. Isto lhe dará<br />

coração tranquilo, resultado da segurança de ser filho de Deus. Noutras palavras:<br />

uma consciência segura da certeza da salvação advém da prática da santidade e do<br />

amor aos irmãos, como estilo de vida. O nosso coração só nos diz que somos de<br />

Deus se andarmos como Ele nos ordena!<br />

Uma segunda bênção advinda de uma vida cristã genuína é que<br />

estaremos tranquilos diante de Deus. “Assegurar” (“Tranquilizar”, na ARA) é<br />

“persuadir”. “Coração” aqui é sinônimo de “consciência”. Ou seja, em andarmos na<br />

prática da justiça e em amor pelos irmãos, tornamo-nos capazes de convencer<br />

nossa consciência de que fomos justificados perante o tribunal de Deus.<br />

“’Tranquilizar o coração’ é o processo pelo qual conversamos, dialogamos e<br />

arrazoamos com a nossa consciência e nos persuadimos de que, pelo perdão obtido<br />

mediante o precioso sangue de Jesus, somos absolvidos da culpa e estamos no<br />

favor de Deus” (Augustus Nicodemus).<br />

20 Sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o<br />

nosso coração, e conhece todas as coisas.<br />

Quando, porventura, o coração, ou a consciência, vem a acusar o cristão<br />

que está em falha com o seu Deus e os seus irmãos (e este pode ser o ensino<br />

joanino no verso 20), não há motivo de desespero! O apóstolo que clamou<br />

“miserável homem que sou!”, foi o mesmo que, confiante, asseverou que “nenhuma<br />

condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 7:24; 8:1). “Deus é maior”<br />

em bondade e em misericórdia do que o coração acusador do filho de Deus, que,<br />

desejando a perfeição, esbarra em seus pecados. Ademais, Deus sabe mais acerca<br />

das disposições e dos desejos mais íntimos do coração dos seus filhos do que eles<br />

próprios. Quando arguído pelo Senhor Jesus sobre seu amor para com Ele, Pedro<br />

por duas vezes respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. À terceira pergunta,<br />

sua resposta foi: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo” (Jo 21:15-17).<br />

Todavia, a intenção de nosso escritor pode ter sido outra, mais ou menos<br />

assim: se a imperfeita consciência do cristão já está lhe condenando, lhe<br />

reprovando, por que lhe falta santidade e amor, como estará diante do tribunal de<br />

Deus? Nesse caso, estaria João dizendo que “Deus é maior” em santidade, em<br />

justiça e em verdade. O Senhor conhece as fraquezas do coração humano do modo<br />

como nem o próprio homem o faz (Jr 17:9,10). Destarte, se não escapamos ilesos<br />

de nosso tribunal interior, como escaparmos do julgamento divino?<br />

Se a primeira possibilidade foi a pensada por João, ele estaria<br />

confortando os crentes, evitando o desespero. Noutro giro, se o apóstolo tinha em<br />

mente a segunda interpretação, como imagino ser a verdade, ele estaria colocando<br />

o crente diante de uma necessidade absoluta de arrepender-se e emendar a vida.<br />

22


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

21 Amados, se o nosso coração não nos condena, temos confiança para com<br />

Deus; 22 E qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque<br />

guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista.<br />

Havendo tratado do crente perturbado pela sua consciência, João se volta<br />

àqueles que estão em plena comunhão com Deus. Se o coração destes não os<br />

acusa de falharam na prática da justiça e de falta de amor, ainda que, por óbvio, o<br />

façam imperfeitamente (I Co 4:4), o relacionamento destes com Deus, notadamente<br />

a vida de oração, é marcado pela confiança (Hb 4:16; 10:19-22), não somente por<br />

que o seu coração é indicador perfeito da aceitação divina, mas, primordialmente,<br />

por que descansa na obra perfeita do Salvador (Ef 3:11,12).<br />

Em plena comunhão com o seu Deus, o crente experimenta a mais<br />

grandiosa das bênçãos que se pode ter nesta vida: a bênção de ter suas humildes<br />

orações respondidas pelo Pai. O Senhor Jesus já havia ensinado que “tudo quanto<br />

pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se<br />

pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (Jo 14:13,14).<br />

Observemos, todavia, dois pontos importantes: primeiro, guardar os<br />

mandamentos e fazer o que agrada a Deus não são obras meritórias, para as quais<br />

as respostas das orações sejam recompensas. O que dá confiança ao crente que<br />

terá suas orações respondidas é a certeza de sua comunhão com Deus, mediante<br />

Cristo, cuja prova repousa em sua vida piedosa, que observa os mandamentos de<br />

Deus, fazendo o que Lhe agrada. “A oração feita por um justo pode muito em seus<br />

efeitos” (Tg 5:16). Segundo, Deus não responde a qualquer pedido que Lhe<br />

fazemos, mas tão só as orações que fazemos conforme a Sua vontade (5:14). Não<br />

devemos imaginar que orações egoístas serão respondidas (Tg 4:3).<br />

23 E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus<br />

Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento. 24 E<br />

aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele. E nisto<br />

conhecemos que ele está em nós, pelo Espírito que nos tem dado.<br />

Os mandamentos de Deus são resumidos por João em fé no nome do<br />

Filho de Deus, Jesus Cristo, e em amor mútuo. Fé e amor, diversas vezes citados<br />

lado a lado no Novo Testamento (I Ts 1:3; II Ts 1:3; Cl 1:4; I Co 13:13), se<br />

relacionam entre si como o caule e os frutos. Como estes retiram a seiva de que<br />

necessitam daquele, o amor entre os irmãos emana da fé em Cristo. Em guardar<br />

estes mandamentos, os crentes devem ficar certos de que estão em Deus e Deus<br />

está neles (Jo 14:23), verdade grandiosa certificada pela presença do Espírito em<br />

seus corações. “O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de<br />

Deus” (Rm 8:16).<br />

23


I João 4<br />

O Discernimento, o Amor e a Confiança da Igreja<br />

1. Discernindo os espíritos<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

1Jo 4:1-6<br />

1 Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de<br />

Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo.<br />

A fala em nome de Deus sempre atraiu o interesse dos mais símplices,<br />

que ouvem crédula e atentamente sem qualquer discernimento. É provável que a<br />

igreja já tivesse sofrido alguma influência de falsos profetas, havendo quem<br />

houvesse recebido de bom grado seus ensinamentos. É por esta razão que João<br />

proíbe que os crentes continuem a dar crédito indiscriminado a qualquer pregador<br />

que alegue falar em nome de Deus. Destarte, discernimento é tão necessário hoje<br />

como o era no primeiro século da era cristã. As palavras joaninas são de uma<br />

necessidade impressionante para os nossos dias.<br />

João exorta seus “amados” a não darem crédito a todo espírito, isto é, a<br />

não ouvir credulamente a toda e qualquer mensagem. Antes, os crentes devem<br />

prová-las, bem como sua origem, a saberem se procedem de Deus. “Provar” é testar<br />

a genuinidade, tarefa a que os leitores do apóstolo, assim como a igreja<br />

contemporânea, não poderiam furtar-se, permanecendo numa atitude ingênua.<br />

A razão desta atitude vigilante é que muitos falsos profetas já estavam em<br />

plena atividade. O Senhor Jesus já havia vaticinado que esta era seria marcada pela<br />

presença de falsos profetas e de falsos cristos (Mt 24:5, 11, 23-26). Falsos são os<br />

pregadores quem nem foram enviados por Deus nem pregam de acordo com a Sua<br />

Palavra.<br />

2 Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que<br />

Jesus Cristo veio em carne é de Deus; 3 E todo o espírito que não confessa<br />

que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do<br />

anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo.<br />

Em seguida, o escritor sagrado fornece aos crentes método eficiente para<br />

testarem a autoridade e a autenticidade dos profetas que se infiltraram na igreja. Em<br />

primeiro lugar, a divindade de Jesus não pode ser negada. Segundo, além da<br />

natureza divina, Cristo, na encarnação, adquiriu natureza humana. Jesus Cristo<br />

“veio” em carne (2:22,23; cf. Jo 1:1,14; 3:13; 6:32,33). “João usa o tempo perfeito<br />

para a palavra “veio” a fim de indicar que Jesus veio em natureza humana, e, ainda<br />

agora, no céu, ele possui natureza humana, ou seja, além de sua natureza divina,<br />

ele também tem uma natureza humana” (Simon Kistemaker).<br />

Resumo da ópera: qualquer ensinamento que diga que Jesus Cristo é<br />

perfeito homem (que obteve na encarnação um corpo real) e perfeito Deus, procede<br />

de Deus (cf. I Co 12:1-3, para ver um teste semelhante). Por outro lado, qualquer<br />

negação da divindade ou da humanidade de Jesus, ou qualquer tentativa de separar<br />

as naturezas divina e humana do Salvador, não procede de Deus, mas do espírito<br />

do anticristo que há de vir, mas que já opera no mundo (ver 2:18). É dizer, “João<br />

24


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

aqui tem em mente, não um mero reconhecimento da encarnação de Cristo – isto<br />

até os demônios fazem – mas uma confissão pública de fé genuína em Jesus como<br />

o filho de Deus” (Augustus Nicodemus).<br />

Por outro lado, aquele que nega que o homem Jesus de Nazaré tenha<br />

obtido um corpo real e tornado-se verdadeiro homem, não fala da parte do Espírito<br />

de Deus, mas do espírito do Anticristo (de Satanás mesmo), que já operava nos dias<br />

de João, mas que manifestar-se-á nos dias que imediatamente precederem a<br />

segunda vinda de nosso Senhor (cf 2:18-23). Na Segunda Carta, João adverte os<br />

crentes a não cooperarem com a doutrina do Anticristo, devendo ser negada<br />

hospitalidade aos que a divulgam (II Jo 7-11). A igreja deve cooperar, inclusive<br />

abrindo seus lares, com os pregadores da verdade, conforme o exemplo de Gaio<br />

descrito na Terceira Carta (III Jo 5-8).<br />

4 Filhinhos, sois de Deus, e já os tendes vencido; porque maior é o que está<br />

em vós do que o que está no mundo. 5 Do mundo são, por isso falam do<br />

mundo, e o mundo os ouve. 6 Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus<br />

ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o<br />

espírito da verdade e o espírito do erro.<br />

Em franco contraste com aqueles que dão crédito aos falsos mestres, os<br />

“filhinhos” de João pertencem a Deus (cf. 4:2), nasceram de Deus, e já os venceram<br />

e permanecem a vencê-los, visto que não têm aceitado sua doutrina.<br />

Naturalmente, esta vitória não dá aos crentes motivo de qualquer orgulho.<br />

Eles têm vencido os falsos profetas por que o que está neles, o Espírito de Deus, a<br />

“Unção do Santo” (cf. 2:20, 27; 3:24), é maior do que o que está no mundo, o<br />

espírito do anticristo (Satanás). Enquanto o mundo é influenciado pelo espírito do<br />

anticristo (5:19; II Co 4:4; Jo 12:31; Ef 2:2), a igreja resiste ao erro porque é habitada<br />

pelo Espírito de Deus. Os falsos profetas são do mundo hostil contra Deus, falam do<br />

seu ponto de vista e o persuadem, visto que sua mensagem é agradável ao mundo.<br />

“Nós” (os apóstolos), afirma João, “somos de Deus”. “Nessa sentença,<br />

João se une aos demais apóstolos de Jesus Cristo (...) na qualidade de<br />

transmissores da verdade de Deus, aqueles a quem Cristo prometeu revelar<br />

plenamente toda a verdade por meio do Espírito Santo (Jo 16:12,13)” (Augustus<br />

Nicodemus). Quem conhece a Deus ouve a Palavra de Deus ensinada pelos<br />

apóstolos e, consequentemente, pelos que perseveram em ensinar a sã doutrina, e<br />

tem prazer nas verdades reveladas nas Sagradas Escrituras (cf. Jo 8:47). Vale dizer,<br />

é pela reação à pregação da Palavra que se discerne o espírito da verdade do<br />

espírito da mentira.<br />

2. Nova mensagem sobre o amor mútuo<br />

1Jo 4:7-12<br />

7 Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer<br />

que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. 8 Aquele que não ama não<br />

conhece a Deus; porque Deus é amor.<br />

Nosso escritor inspirado outra vez dirige-se aos seus “amados” para lhe<br />

instar à prática do amor mútuo, tema já referido alhures (2:7-11; 3:11-18, 23). Nesse<br />

ponto, João dá-nos dupla razão para que nos esforcemos por cumprir sua exortação<br />

25


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

carinhosa. Primeiro, o amor procede de Deus. Deus é a fonte do amor. Portanto, o<br />

amor com que nos amamos mutuamente e mesmo com que O amamos, dEle<br />

procede. Segundo, quem ama demonstra que é nascido de Deus e que conhece a<br />

Deus. “O termo que João emprega aqui para ‘amar’ indica uma ação contínua, um<br />

estado constante de amor, que caracteriza a vida do filho de Deus” (Augustus<br />

Nicodemus).<br />

Por outro lado, o sujeito faltoso quanto ao amor é a evidência mais<br />

completa de alguém que não conhece a Deus, porque Deus é amor. Em afirmar<br />

João que “Deus é amor”, não pretende o apóstolo dar uma definição completa de<br />

Deus, o que seria uma impossibilidade, tanto mais por que o Deus que é amor<br />

também é “fogo consumidor” (Hb 12:29; cf. Dt 4:24). Mas, certamente, tal assertiva<br />

sobre a natureza divina “significa não apenas que Deus ama sua criação e seu povo,<br />

ou que Deus é cheio de amor. Significa que, no mais profundo de seu ser, Deus é<br />

amor” (Simon J. Kistemaker). Esta é a terceira vez na Epístola que a natureza<br />

essencial de Deus traz implicações morais e espirituais aos cristãos (cf. 1:5,6; 2:29,<br />

3:7).<br />

9 Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho<br />

unigênito ao mundo, para que por ele vivamos. 10 Nisto está o amor, não em<br />

que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou<br />

seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.<br />

João não se contenta em dizer que a essência do ser divino é o amor.<br />

Mais que isso, ele deseja que conheçamos tanto o modo como esse amor ficou<br />

evidente como a sua natureza mesma (do amor de Deus).<br />

Primeiro, visto que esse amor se manifestou (se tornou conhecido) “para<br />

conosco”, tal manifestação pode ser demonstrada nisto: que Deus enviou Seu Filho<br />

unigênito ao mundo, para que vivamos por meio dEle. A encarnação do Verbo<br />

demonstrou cabalmente o amor de Deus para conosco.<br />

O modo como o amor de Deus manifestou-se é realmente<br />

impressionante! A uma, vemos que Deus enviou não qualquer dos Seus filhos, mas<br />

Seu único Filho (Jo 1:14,18; 3:16,18). As expressões “Filho” e “Unigênito” (ambas<br />

expressas de forma enfática), nos falam tanto da íntima relação que há entre Deus o<br />

Pai e Deus o Filho, quanto da singularidade da pessoa de nosso Senhor Jesus. A<br />

duas, observamos que o propósito do envio do Senhor Jesus foi este: “para<br />

vivermos por meio dele”. Pelo que é fácil concluir que o amor demonstrou-se<br />

sobremodo grandioso, visto que tem por objeto gente morta.<br />

Segundo, a natureza mesma do amor de (que é parte do ser de) Deus é<br />

aqui analisada por João (“nisto está o amor” ou, como na ARA, “nisto consiste o<br />

amor”): que Deus amou quem não Lhe amava; mais que isso, que Deus amou quem<br />

nutria ódio por Ele, amou gente cuja natureza era só inimizade contra Ele (Rm 3:9-<br />

18; 5:6-11; 8:7-8), e amou esta gente antes que houvesse mundo para a salvação<br />

em Cristo. Ademais, o impressionante amor de Deus “enviou o seu Filho para<br />

propiciação pelos nossos pecados” (cf. 2:2). Portanto, notemos, o amor de Deus<br />

consiste em promover o maior bem possível a Seus inimigos, sem que nada<br />

houvesse neles que fosse causa desse amor.<br />

11 Amados, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos<br />

outros. 12 Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus<br />

está em nós, e em nós é perfeito o seu amor.<br />

26


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

Finamente, João nos ajuda a retirar a lição de sua mensagem: como<br />

Deus nos amou ‘dessa forma’, ‘assim’, ‘de tal maneira’, ‘a esse ponto’ (linguagem<br />

semelhante de Jo 3:16), devemos amarmo-nos uns aos outros. O amor de Deus<br />

encerrou-nos na mais indiscutível e inadiável obrigação de amar (cf. II Co 5:14; Mt<br />

18:32-33). Também, porque “ninguém jamais viu a Deus” (Ex 33:20; Jo 1:18; I Tm<br />

1:17; 6:16), só podemos provar que o Deus invisível está em nós se nos amarmos<br />

uns aos outros. João quer que o Deus invisível seja “visto” no amor do Seu povo.<br />

Também, quando perseveramos na prática do amor mútuo, o amor de<br />

(que temos por) Deus é aperfeiçoado em nós, visto que também só provamos que O<br />

amamos quando amamos os nossos irmãos (4:20). “Podemos ver nosso próximo,<br />

mas não podemos ver Deus. Apesar de dizermos que amamos Deus, nossas<br />

palavras perdem o sentido a menos que possamos dar-lhes expressão visível ao<br />

demonstrar nosso amor uns pelos outros. Devemos ver e amar Deus através de<br />

nosso próximo” (Simon J. Kistemaker).<br />

3. A permanência mútua entre os crentes e Deus<br />

1Jo 4:13-16a<br />

13 Nisto conhecemos que estamos nele, e ele em nós, pois que nos deu do seu<br />

Espírito.<br />

“Nisto” seria melhor traduzido por “por isso”, que é uma referência ao<br />

texto anterior, onde João instruiu os crentes da Ásia a se amarem mutuamente e,<br />

somente desta forma, poderiam saber que Deus permanece neles. Portanto, é com<br />

base neste ensino sobre o amor que o apóstolo expressa a confiança do texto sob<br />

análise de que os crentes gozam de comunhão com Deus: “nisto conhecemos que<br />

estamos nele, e ele em nós”.<br />

Pois bem, a confissão firme do nosso escritor em afirmar que estamos em<br />

Deus e Deus está em nós está firmada na dádiva do Espírito Santo, “pois ele nos<br />

deu do seu Espírito” (cf. 3:24). Quando fomos regenerados e cremos, Deus ‘nos deu’<br />

(passado perfeito) o Espírito Santo para habitar-nos (I Co 6:19; Rm 8:11), que, de<br />

Deus, Se tornou para nós em selo e penhor (Ef 1:13,14). A referência pode ser<br />

também à descida do Espírito em pentecostes, que garantiu a presença de Cristo<br />

como uma dádiva permanente à Igreja.<br />

João, ao dizer-nos que nossa comunhão com Deus está firme em face da<br />

habitação do Espírito, nos leva a perquirir se de fato o Espírito de Deus está em nós,<br />

pois se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle (Rm 8:9). Portanto,<br />

devemos seriamente analisar o estado de nossa alma nesse tocante. O Espírito<br />

testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8:16)? Nós temos<br />

vivido uma vida caracterizada pela vitória sobre os apetites da velha natureza (Rm<br />

8:9, 12-14; Gl 5:16)? Positivamente, o fruto do Espírito tem sido evidenciado em<br />

nosso viver (Gl 5:22, 23)? Temos recebido da parte do Espírito a iluminação para<br />

compreendermos a verdade (Ef 1:15-19; I Co 2:10-14)? Percebamos que não<br />

podemos afirmar levianamente a nossa comunhão com Deus sem estas necessárias<br />

considerações.<br />

27


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

14 E vimos, e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo.<br />

15 Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele<br />

em Deus. 16a E nós conhecemos, e cremos no amor que Deus nos tem.<br />

O escritor inspirado reafirma que, juntamente com os demais apóstolos,<br />

ele “viu” e “testifica” que Deus o Pai enviou o Seu Filho para Salvador do mundo (cf.<br />

1:1,2). João não tem qualquer dúvida quanto a esta verdade. Imaginemos as tantas<br />

evidências postas aos olhos dos apóstolos para que pudessem testemunhar do<br />

Evangelho sem qualquer senão de dúvida! Pensemos na cena do batismo (Mt 3:17;<br />

Lc 3:22), no evento do monte da transfiguração (Mt 17:1ss; Mc 9:2ss; Lc 9:28ss), do<br />

qual João foi um dos três expectadores. Lembremo-nos das tantas aparições do<br />

Senhor após a ressurreição, daquela dádiva ‘precoce’ do Espírito Santo em Jo<br />

20:22, do episódio da última aparição (At 1:9) e do derramamento do Espírito em<br />

pentecostes. Não, não pode haver dúvida! Jesus Cristo é o Salvador do mundo, o<br />

enviado do Pai para salvar o “mundo”, entendendo-se o vocábulo ‘kosmos’ aqui no<br />

sentido de pessoas de todas as tribos, línguas, povos e nações (Ap 5:9). João e os<br />

apóstolos não discutem a questão.<br />

Do exposto, João infere que somente a confissão que brota de uma fé<br />

genuína de que Jesus é o Filho de Deus assegura que Deus está no crente e o<br />

crente em Deus. “Todo o tom da epístola de João exige que tal confissão seja feita<br />

de coração, sincera e vital, e acompanhada por uma entrega completa da vida a<br />

Cristo” (Edward A. McDowell).<br />

As expressões “Jesus” e “Filho de Deus” indicam, respectivamente, a<br />

necessidade de que nossa confissão contenha tanto a afirmação da humanidade<br />

quanto da divindade de nosso Senhor. Observemos que para João a confissão de<br />

Jesus em sua humanidade e nEle como o Filho de Deus é condição sine qua non<br />

para saber se alguém tem o Pai (2:23), se procede de Deus (4:2) e, em nosso texto,<br />

se tem comunhão com Deus.<br />

Somente assim (isto é, com a certeza da habitação do Espírito e a<br />

confissão da doutrina apostólica) é que podemos “conhecer” e “crer” no amor que<br />

Deus tem por nós. “Conhecer” aponta ao aspecto objetivo da nossa fé (o amor de<br />

Deus no Evangelho). “Crer” é o aspecto subjetivo, que envolve mais que a simples<br />

“notitia”, chegando mesmo ao senso de necessidade e confiança (“fuducia”) no amor<br />

de Deus, a ponto da entrega de si mesmo.<br />

4. O perfeito amor<br />

I Jo 4:16b-21<br />

16b Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele. 17 Nisto é<br />

perfeito o amor para conosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança;<br />

porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.<br />

João já discorreu sobre a essência de Deus como amor (4:8), sobre como<br />

se manifestou o amor de Deus (4:9) e sobre a natureza desse amor (4:10). Em<br />

nosso texto, o apóstolo esposará as consequências do amor de Deus no coração do<br />

crente, quais sejam, a confiança quanto ao julgamento final e a exclusão do medo.<br />

Porque Deus é amor, quem permanece no amor goza de comunhão com<br />

Deus. “Nisto” refere-se à proposição do v. 16b. É dizer, é nessa base (de termos<br />

comunhão com Deus porque vivemos em amor, vez que Deus é amor) que o amor<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

dos crentes por Deus tem sido aperfeiçoado, tornado-se maduro, e que teremos<br />

‘confiança’ (cf. o uso do termo em 2:28, 3:21 e 5:14) no grande dia do juízo final (cf.<br />

Mt 10:15; 11:22-24; 12:36; 25:31-46). “Em contraste com o terror e desespero do<br />

mundo perdido, os cristãos ‘manterão confiança’ naquele dia, como resultado do<br />

amor que têm a Deus, o qual tem sido aperfeiçoado em comunhão com ele”<br />

(Augustus Nicodemus).<br />

Outra razão da confiança dos crentes reside no fato de que “qual ele é,<br />

somos nós também neste mundo”. Ou seja, se amamos na semelhança de nosso<br />

Senhor Jesus, seria razoável concluir que nEle fomos aceitos e amados pelo Pai, a<br />

ponto de ter em nós produzido tal semelhança. É de se esperar que somente<br />

aqueles que amam à semelhança de como Cristo amou não tenham razão de<br />

temores quanto ao juízo final.<br />

18 No amor não há temor, antes o perfeito amor lança fora o temor; porque o<br />

temor tem consigo a pena, e o que teme não é perfeito em amor. 19 Nós o<br />

amamos a ele porque ele nos amou primeiro.<br />

João aprofunda seu pensamento sobre a confiança dos cristãos no dia do<br />

juízo, aduzindo em tons fortes que ‘amor’ e ‘medo’ são mutuamente excludentes.<br />

‘Amor’ gera confiança, não medo. Ele diz: “no amor não há temor” (gr. ‘fobos’), aqui<br />

significando pavor, terror, e não temor reverencial, atitude que deve caracterizar a<br />

vida cristã saudável (cf. I Pe 1:17; Fp 2:12; Hb 12:28). Antes, o medo da reprovação<br />

divina é totalmente excluído pelo amor maduro, aperfeiçoado, dos crentes para com<br />

Deus, que gozam de comunhão com Ele. Naturalmente, “não é um amor sem<br />

defeitos, pois esse somente Deus tem” (Burdick, citado por Simon Kistemaker), mas<br />

um amor aperfeiçoado, confirmado, amadurecido suficientemente para afastar<br />

qualquer sensação de pavor.<br />

O medo, portanto, nada tem que ver com amor. A relação dá-se entre<br />

‘medo’ e ‘pena’ (na ARA, ‘tormento’; ‘castigo’ seria boa tradução para o gr. ‘kolásin’).<br />

“O amor tem consigo a pena”. Como o crente sabe que Deus castigou a Cristo em<br />

seu lugar, e que tal sacrifício já lhe foi aplicado pela obra do Espírito, prova disto é<br />

sua vida em amor, não temerá visto que não vislumbra lhe esperando o castigo de<br />

Deus. Por outro lado, se em alguém há medo do castigo vindouro, conclui-se que<br />

não há amor por Deus aperfeiçoado em seu coração. Destarte, o crente<br />

aperfeiçoado não tem pavor ante a presença de Deus, mas amor maduro por Ele.<br />

Mas que o crente não esqueça que o seu amor por Deus é apenas um<br />

pálido reflexo do amor de Deus por ele, anterior ao (e, portanto, causador do) seu.<br />

20 Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem<br />

não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu? 21<br />

E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu<br />

irmão.<br />

Neste parágrafo, João destaca a incongruência de qualquer afirmação de<br />

amor a Deus sem o correspondente amor ao próximo. Assim, a mera confissão de<br />

amor a Deus sem o correspondente amor pelo seu irmão denunciará tal confissão<br />

como mentirosa.<br />

João insiste mais claramente na ideia já referida em 4:12, pela qual se<br />

deve questionar uma confissão de amor por Deus, que não pode ser visto, sem atos<br />

concretos de amor por aqueles que podemos ver. Com efeito, Deus não padece<br />

29


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

necessidades, de modo que não precisamos despender de nossos recursos para<br />

sanar-Lhe a fome (3:17), salvo se atentarmos às palavras de nosso Senhor: “Em<br />

verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a<br />

mim o fizestes” (Mt 25:40). Todavia, do ponto de vista de um confessor vazio, é ‘fácil’<br />

amar a Deus apenas com palavras (3:18), e até obliterar o amor sob as sombras de<br />

uma tradição religiosa inócua (Mc 7:9-13).<br />

Por fim, o apóstolo inspirado fecha sua seção com o resumo dos dois<br />

grandes mandamentos (Mt 22:37-40, Dt 6:5, Lv 19:18), que, em verdade, são<br />

apenas um, visto que indissociáveis: “quem ama a Deus, ame a seu irmão".<br />

30


I João 5<br />

A Fé em Cristo e a Certeza da Salvação<br />

1. A Fé Genuína em Cristo<br />

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

I Jo 5:1-5<br />

1 Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus; e todo aquele<br />

que ama ao que o gerou também ama ao que dele é nascido.<br />

É possível que surgisse alguma pergunta do tipo “quem é meu irmão”, à<br />

luz da exortação de 4:21, como sugere Augustus Nicodemus. Se é este o caso, João<br />

tenciona solver a pergunta aduzindo duas características dos cristãos verdadeiros:<br />

primeiro, todo cristão verdadeiro “crê que Jesus é o Cristo”, isto é, que o homem<br />

Jesus, o nazareno, era o Messias prometido na lei e nos profetas. Assim, todo<br />

aquele que confessa a divindade do Senhor Jesus, demonstra já ter sido nascido de<br />

Deus, gerado pelo Seu Espírito. A fé genuína só pode brotar e lançar raízes no solo<br />

de um coração regenerado.<br />

A segunda marca a demonstrar alguém como um verdadeiro cristão é o<br />

amor pelos irmãos. O nosso escritor vaticina que aquele que ama a Deus (“ao que o<br />

gerou”) ama também ao que é gerado por Deus (“ao que dele é nascido”), enquanto<br />

realidades absolutamente inseparáveis que são (4:8,18,21,21). Portanto, João nos<br />

fornece a razão mais nobre possível para o amor mútuo entre os crentes. Não que<br />

sejam perfeitos, todos e sempre tratáveis e gentis, mas porque são gerados por<br />

Deus.<br />

Desse modo, o apóstolo interrelacionou duas indissociáveis virtudes<br />

cristãs, quais sejam: fé e amor.<br />

2 Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e<br />

guardamos os seus mandamentos. 3 Porque este é o amor de Deus: que<br />

guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados.<br />

4 Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que<br />

vence o mundo, a nossa fé. 5 Quem é que vence o mundo, senão aquele que<br />

crê que Jesus é o Filho de Deus?<br />

Por outro algo, questão do tipo “como sei que estou amando aos irmãos”<br />

deve ser igualmente solvida. A isto, João esclarece que amamos os irmãos (“os<br />

filhos de Deus”) quando amamos a Deus. Assim, nosso escritor entrelaça as<br />

realidades do amor aos irmãos e amor a Deus do seguinte modo: quem ama a Deus,<br />

ama a seu irmão (5:1b); e quem ama a seu irmão, ama a Deus. Do exposto, nem é<br />

possível amar os filhos de Deus sem amá-lO, nem amá-lO sem amar Seus filhos.<br />

Todavia, ainda há especulações objeto de más interpretações, sobretudo<br />

no que tange à relação entre amor e lei. Que fique absolutamente assentado, nesse<br />

quadrante, que amor por Deus e pelos irmãos, em última análise, é uma questão de<br />

obediência aos mandamentos de Deus, é dizer, de santidade. Noutras palavras,<br />

amar a Deus (condição sine qua non para o amor aos irmãos), é, em verdade, a<br />

atitude de guardar Seus mandamentos (Jo 14:15,21-24), uma referência primária ao<br />

31


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

mandamento do amor (4:21), mas que não poderá excluir a necessidade de<br />

obediência ao decálogo, visto que o amor é tão só o resumo da lei (Rm 13:8-10; Mt<br />

22:37-40).<br />

Se isto é coisa possível (amar aos irmãos e a Deus, obedecendo-Lhe os<br />

mandamentos), João não nutre qualquer dúvida, mas, por outro lado, sabe que<br />

somente os crentes genuínos são vencedores nessa seara. Ouçamo-lo.<br />

A uma, os mandamentos de Deus “não são pesados”, expressão que<br />

talvez signifique aqui “impossíveis de serem suportados” ou mesmo “causadores de<br />

sofrimentos”. Que os leitores de João, e nós hoje, ouçamos as palavras de nosso<br />

Senhor: “Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11:30). Aqueles que<br />

foram gerados por Deus têm as leis de Deus não mais em tábuas de pedras, mas as<br />

levam inscritas em seu coração (II Co 3:2-3; Jr 31:33). Assim, longe de lhes ser um<br />

fardo, os nascidos de Deus têm prazer na Sua lei (Rm 7:22; Sl 119:49; 19:10).<br />

A duas, ao filho de Deus é assegurada a vitória sobre o mundo. A<br />

obediência à lei de Deus é a grande vitória que o cristão almeja, e isto já lhe está<br />

garantido. A vitória sobre o mundo consiste em não sucumbir ante os valores da<br />

humanidade alienada de Deus. É a expressão joanina para a rejeição daquilo que é<br />

contrário a Deus e a Sua palavra. Positivamente, é a adoção de uma vida em<br />

constante obediência aos mandamentos de Deus, livre do que há no mundo (2:16),<br />

do maligno (2:13) e do domínio da velha natureza (Ef 2:1-3). Assim como o Senhor<br />

Jesus venceu o mundo, Seu povo também o vence (Jo 16:33).<br />

Mas, que ninguém se engane, somente os que têm fé em Cristo Jesus, os<br />

nascidos de Deus, vencem o mundo. A fé genuína é a vitória que vence o mundo.<br />

Devemos não olvidar que por “fé” João tem em vista tanto a confiança subjetiva<br />

quanto a verdade objetiva na qual aquela confiança repousa. A questão não é<br />

apenas ter ‘fé’. A ‘fé’ deve estar posta na Pessoa e obra de nosso Senhor Jesus. “A<br />

fé sozinha não vence o mundo, mas a fé em Jesus Cristo permite que o crente se<br />

regozije no triunfo” (Simon Kistemaker).<br />

2. O Testemunho de Deus acerca de Jesus<br />

I Jo 5:6-10<br />

6 Este é aquele que veio por água e sangue, isto é, Jesus Cristo; não só por<br />

água, mas por água e por sangue. E o Espírito é o que testifica, porque o<br />

Espírito é a verdade.<br />

“Este” é certamente “Jesus”, o “Filho de Deus”, mencionado no versículo<br />

anterior. João afirma que Ele “veio” (o tempo aoristo – gr. elthon – designa um<br />

acontecimento histórico no passado) “por água e por sangue”. Muitas têm sido as<br />

propostas para o que seriam ‘água’ e ‘sangue’ no contexto, mas não devemos ter<br />

dúvidas de que João referia-se à obra redentora de Cristo, ora representada pela<br />

‘água’ do Seu batismo e pelo ‘sangue’ da Sua morte. Assim, tanto no batismo (Mt<br />

3:17) quanto na morte de cruz (Mt 27:45, 51-54), Deus o Pai deu testemunho acerca<br />

de Seu Filho. Ademais, se temos aqui uma clara oposição ao gnosticismo incipiente<br />

já esposando que o Cristo divino habitou o homem Jesus e o abandonou antes da<br />

morte na cruz, compreendemos a ênfase joanina em asseverar que Jesus Cristo não<br />

veio apenas por água, mas por água e por sangue. Para o crente, Jesus é o Cristo<br />

(cf. 2:22), e Sua obra só foi consumada na morte de cruz. “Afirmar que quem morreu<br />

na cruz foi o Cristo é extremamente importante, pois se Jesus fosse apenas um<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

homem comum, sua morte propiciatória (2:2; 4:10) não seria eficaz para remover a<br />

culpa do pecado do homem” (Augustus Nicodemus).<br />

Quem dá testemunho deste fato histórico é ninguém menor que a pessoa<br />

bendita do Espírito de Deus, Aquele sobre quem nosso Senhor afirmou que daria<br />

testemunho dEle (Jo 15:26) e guiaria os apóstolos a toda a verdade (Jo 16:13). Com<br />

efeito, o Espírito participou da encarnação do Senhor Jesus (Mt 1:18,20; Lc 1:35),<br />

batizou-O como revestimento preparatório para o ministério público (Mt 3:16),<br />

acompanhou-O em todo o ministério (Lc 4:14,18; At 10:38; 1:2) e em Sua morte (Hb<br />

9:14) e ressurreição (Rm 1:4; 8:11). Portanto, poderia haver testemunha mais<br />

eficiente a testificar a obra redentora de Jesus Cristo? Por fim, João ainda<br />

acrescenta que o “Espírito” (assim como nosso Senhor, cf. Jo 14:6) “é a verdade”, é<br />

identificado como a verdade, é o Espírito da verdade (Jo 14:17) e, portanto, o<br />

transmissor por excelência da verdade.<br />

7 Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo;<br />

e estes três são um. 8 E três são os que testificam na terra: o Espírito, e a água<br />

e o sangue; e estes três concordam num. 9 Se recebemos o testemunho dos<br />

homens, o testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este,<br />

que de seu Filho testificou.<br />

Os versículos 7 e 8 contêm uma importante variante textual. Destacamos<br />

em vermelho (na ARA, entre colchetes) o texto objeto da crítica, denominado<br />

Comma Johanneum, que, para alguns eruditos, não emana da lavra do apóstolo.<br />

Esta versão ampliada assevera haver três testemunhas no céu (o Pai, a Palavra e o<br />

Espírito Santo) e três testemunhas na terra (o Espírito, a água e o sangue).<br />

No ‘céu’, ‘três’ deram testemunho das doutrinas da pessoa de Cristo e<br />

Sua salvação: “o Pai, a Palavra e o Espírito Santos”. “O Pai, repetidamente, por uma<br />

voz desde o céu declarou que Jesus era seu Filho amado. A Palavra declara que Ele<br />

e o Pai eram Um, e que quem o viu a Ele, viu ao Pai. Também o Espírito Santo<br />

desceu do céu e posou em Cristo em seu batismo; Ele tinha testificado de Cristo por<br />

meio de todos os profetas, e deu testemunho de sua ressurreição e ofício de<br />

mediador pelo dom de poderes miraculosos aos apóstolos” (Matthew Henry). Pela<br />

expressão “estes três são um” João quis dizer que Seu testemunho é unânime, que<br />

as três pessoas da Trindade afirmam em uníssono que Jesus é o Cristo, o Deus que<br />

se fez carne para nos resgatar na morte de cruz.<br />

Na ‘terra’, são ‘três’ os que testificam: “o Espírito, a água e o sangue”. Não<br />

devemos ver qualquer diferença entre estas testemunhas do verso 8 em relação às<br />

anunciadas no verso 6. A ideia aqui não é outra senão a repetição daquilo que João<br />

já anunciou, a saber, que a água do batismo de nosso Senhor, o sangue da sua cruz<br />

e a testificação do Espírito no Evangelho dizem a uma só voz que Jesus é o Cristo, o<br />

Filho de Deus encarnado, e que morreu na cruz por nossos pecados.<br />

Percebe-se que João reúne seu argumento sobre a crença antiga de que<br />

o testemunho de duas ou três testemunhas estabelece a verdade e a torna<br />

indiscutível (cf. Dt 17:6; 19:15). Todavia, nos casos de aceitação como verdade na<br />

base de duas ou três testemunhas, temos tão só o testemunho dos homens. E, se<br />

aceitamos o testemunho dos homens, como tais, devemos com muito mais razão<br />

aceitar o testemunho que Deus dá de Seu Filho Jesus, no céu e na terra. Embora<br />

João Batista houvesse testemunhado de Jesus (Jo 5:32), muito maior era o<br />

testemunho que Deus dava dEle (Jo 5:36,37; cf. Mt 3:17; 17:5; Jo 12:28) e, portanto,<br />

mais digna de crédito.<br />

33


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

10 Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus<br />

não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu<br />

Filho deu.<br />

Desse modo, aquele que crê no Filho de Deus é aquele que aceita o<br />

testemunho que Deus dá acerca de Seu Filho. Crê verdadeiramente no Filho de<br />

Deus é tê-lO conforme o testemunho que Deus dEle dá, de modo que o objeto sobre<br />

o qual nossa fé repousa não é algo que pode ser relativizado ou repensado<br />

consoante as conveniências humanas.<br />

“O ser humano, porém, não pode aceitar esse testemunho como sendo<br />

uma simples informação. Ele não tem a liberdade de aceitá-lo ou ignorá-lo sem<br />

nenhum compromisso, pois Deus dá esse testemunho com autoridade real” (Simon<br />

Kistemaker). Portanto, não dá crédito ao testemunho de Deus acerca de Seu Filho é<br />

fazê-lO (Deus, o Pai; cf. 1:10), continuamente mentiroso (por outro lado, cf. Jo 3:31-<br />

33). Vê-se que adaptar a mensagem evangélica ao sabor das invencionices<br />

humanas constitui-se em grave pecado e na própria imagem da descrença, da qual<br />

os homens são os únicos responsáveis, pois não é possível haver fé genuína em<br />

Cristo e em Deus convivendo com a rejeição do testemunho que Este dá dAquele.<br />

3. O conteúdo do testemunho de Deus e a confiança na oração<br />

I Jo 5:11-17<br />

11 E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em<br />

seu Filho. 12 Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não<br />

tem a vida.<br />

João já descreveu sobre as testemunhas (no céu e na terra) que<br />

asseguram aos crentes a veracidade do testemunho de Deus acerca de nosso<br />

Senhor Jesus. Finalmente, chegamos ao exato teor do testemunho: “Que Deus nos<br />

deu a vida eterna”. A vida assegurada por Deus no Evangelho tem as seguintes<br />

características: primeiro, ela não é dada a todos os homens sem exceção, mas aos<br />

que genuinamente crêem em Jesus Cristo, como se percebe pelo pronome “nos” (Jo<br />

3:16); segundo, os genuínos crentes já estão na posse da vida eterna, cujo princípio<br />

já lhes é uma realidade, aqui e agora, visto que Deus nos “deu” (no passado) “a vida<br />

eterna” (Jo 3:36); terceiro, vida eterna é uma dádiva de Deus em Seu Filho, nada<br />

podendo fazer o homem para adquiri-la. O homem só pode recebê-la (Jo 10:10).<br />

A razão pela qual os que crêem em Jesus já desfrutam da vida eterna é<br />

por que a “vida está em seu Filho” (Jo 1:4; 14:6), significando dizer que as bênçãos<br />

espirituais, mormente a graça da vida eterna, Deus só as concede através de Cristo<br />

(Ef 1:3). É dizer, a vida eterna que Deus nos doa é uma conquista da vida e da<br />

morte de Cristo. Na vida, Ele adquiriu aos que crêem uma justiça perfeita mediante<br />

Sua plena obediência à lei de Deus (Gl 4:4; Mt 5:17). Na morte, Ele se fez pecado,<br />

no lugar dos que crêem, para satisfazer as justas demandas da ira de Deus (Gl<br />

3:13,14). Destarte, pela fé, os crentes recebem os benefícios de Sua morte e a<br />

justiça perfeita adquirida em Sua vida (Gl 2:16; 3:6-14). Vê-se, do exposto, que não<br />

há vida eterna fora de Cristo.<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

E, já que a vida está no Filho, duas conclusões exsurgem desse fato:<br />

primeiro, “quem tem o Filho tem a vida” (Jo 5:24; 6:40). “Ter” o Filho é expressão<br />

joanina para crer no Filho, significando a atitude daquele que descansa confiante na<br />

suficiência da obra salvadora de Cristo em seu favor; segundo, “quem não tem o<br />

Filho de Deus não tem a vida” (Jo 3:18). Ressalte-se, portanto, que somente e tão<br />

somente em Cristo Deus concede a bênção da vida eterna, e em ninguém mais (cf.<br />

At 4:12), e nem através de nenhuma outra forma, além da fé (cf. Rm 3:24-26; Gl<br />

2:16). Só em Cristo. Só pela fé.<br />

13 Estas coisas vos escrevi a vós, os que credes no nome do Filho de Deus,<br />

para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho<br />

de Deus 12 .<br />

Este versículo traz dois dos objetivos pelos quais João escreveu a sua<br />

carta (cf. 1:4; 2:1,12-14, 21,26), quais sejam: assegurar aos que crêem em nosso<br />

Senhor Jesus de que já estão na posse da vida eterna e estimulá-los a continuar<br />

crendo (Jo 20:31). A certeza da vida eterna não pode lançar-nos à indiferença, à<br />

vida libertina e à indolência espiritual. Neste texto, João tanto evita que os crentes<br />

nutram dúvidas quanto à vida que já lhes está assegurada, quanto busca evitar o<br />

senso de falsa segurança. É dizer, o crente é o que crer e continua crendo. “Na<br />

realidade, a maior parte dos escritos do Novo Testamento foi escrita com objetivos<br />

simulares: trazer pecadores à fé salvadora em Jesus Cristo, fortalecer os crentes na<br />

fé apostólica e rebater as heresias que começavam a ganhar espaço nas primeiras<br />

comunidades cristãs” (Augustus Nicodemus).<br />

14 E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa,<br />

segundo a sua vontade, ele nos ouve. 15 E, se sabemos que nos ouve em tudo<br />

o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que lhe fizemos.<br />

A certeza da posse da vida eterna deve conduzir os crentes a outra<br />

certeza, qual seja, a de que Deus lhes atende as orações. Todavia, o apóstolo<br />

condiciona a assertiva à cláusula “segundo a sua vontade”, para lembrar-nos que<br />

somente seremos positivamente atendidos se o que pedirmos for parte daquilo que<br />

Ele decretou fazer desde toda a eternidade, dos Seus planos e propósitos eternos.<br />

Desse modo, concluímos que nossas orações serão respondidas se estiverem de<br />

acordo com a vontade de Deus em três dimensões: primeiro, quando pedimos<br />

conforme a Sua vontade preceptiva ou revelada, consistente no conjunto de regras<br />

morais revelado nas Escrituras (cf. I Ts 4:3; Tg 1:5; Lc 11:13; Rm 12:2); segundo,<br />

quando oramos pedindo-Lhe o que está de acordo com Sua vontade decretiva, ou<br />

secreta, pela qual Deus determinou antes da fundação dos séculos aquilo que<br />

efetivamente fará (cf. II Co 12:7-9; Dt 3:23-27; Jr 7:16; 14:19-15:1); terceiro, se<br />

pedirmos da maneira que agrada a Deus, com fé, persistência, de maneira não<br />

egoísta e em santidade (Tg 1:5,6; 4:3; 5:15; Is 59:1,2).<br />

Portanto, a vida de oração do filho de Deus deve ser exercida com tal fé<br />

(1) que lhe imprima a disposição de desejar aquilo que é do agrado de Deus, (2) que<br />

lhe faça submisso àquilo que o Pai realiza, compreendendo ser isto o melhor e (3)<br />

que ore persistentemente, certo de que suas orações fazem a diferença.<br />

12 O Texto Majoritário traz o texto expandido.<br />

35


Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

O texto do versículo 15 parece ser o reforço do apóstolo a que<br />

mantenhamos a confiança nas respostas de Deus às nossas orações, ainda que o<br />

que pedimos ainda não tenha se concretizado. Semelhantemente, vê-se que o<br />

crente não deve se escandalizar com a condição “segundo a sua vontade”. Esta<br />

frase tem sido repetidamente o refrão daqueles que se insurgem contra o fato<br />

indelével de que Deus ouve as orações do Seu povo. Para outros, a cláusula tem<br />

sido simplesmente ignorada, sobretudo por tantos quantos acreditam que nossas<br />

orações são um modo de manipularmos a Deus, “colocando-O contra a parede”.<br />

Que não nos deixemos enredar por raciocínios que nos impeçam de<br />

buscar a Deus confiantemente, sabendo apenas que nossas orações não são a<br />

forma pela qual tentamos aconselhar, comover, demover, persuadir ou comunicar a<br />

Deus, que é sábio, imutável, resoluto, misericordioso e onisciente (Rm 11:33-36; Ef<br />

1:11; Mt 6:7,8). Augustus Nicodemus, em seu texto ‘O Calvinismo Segundo Eu<br />

Entendo”, acertou na mosca ao escrever: “Creio que Deus já sabe, mas oro assim<br />

mesmo. Sei que Ele ouve e responde e que minhas orações fazem diferença.<br />

Contudo, sei que ao final, por meio de minhas orações, Deus terá realizado toda a<br />

Sua vontade. Não sei como Ele faz isso, mas não me incomoda nem um pouco. Não<br />

creio que minha oração seja um movimento ilusório no tabuleiro da predestinação<br />

divina”.<br />

16 Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus<br />

dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por<br />

esse não digo que ore. 17 Toda a iniqüidade é pecado, e há pecado que não é<br />

para morte.<br />

Após haver ensinado acerca da confiança na oração e da cláusula<br />

“segundo a sua vontade”, o apóstolo exemplifica seu ponto, aduzindo um exemplo<br />

de oração que o Deus responde, ao mesmo tempo em que dá aos crentes um tipo<br />

de oração que não será positivamente atendida, o que nos leva outra vez a pensar<br />

seriamente na condição “segundo a sua vontade” do parágrafo anterior.<br />

Destarte, Deus responderá as orações da igreja por aqueles que incorrem<br />

em “pecado que não é para a morte”. Não podemos negar a presença do pecado,<br />

mesmo nos crentes mais maduros, sob pena de fazermos Deus mentiroso (1:8,10).<br />

No entanto, o pecado é um acidente na vida do crente, de modo que a regra em sua<br />

caminhada é a santidade (3:6, 8-10). Quando o crente peca, deve arrepender-se e<br />

voltar-se para Deus confessando o seu erro, certo de que tem Advogado eficiente<br />

em Seu favor (1:9; 2:1-2).<br />

Mas, nesse ponto, encontramos a participação da igreja nesse processo<br />

de “ressurreição” do irmão caído. Ela deve envidar esforços para ganhá-lo,<br />

buscando converter o desviado (Tg 5:19) com prontidão para exortá-lo (II Tm 2:25) e<br />

com oração confiante, na certeza que Deus lhe dará vida ao que cometeu pecado<br />

“que não é para a morte”. É dizer, o crente peca (acidentalmente), mas não para a<br />

morte e, através das orações da igreja, Deus o trará de volta à única vida que é a<br />

vida verdadeira, qual seja, à luz da comunhão com Ele (1:3; 2:6,10). Observe-se a<br />

assertiva do nosso escritor: o crente não comete pecado para a morte!<br />

Por outro lado, “há pecado para morte”, consistente na rejeição deliberada<br />

e hostil da revelação divina e do testemunho do Espírito quanto à pessoa de nosso<br />

Senhor Jesus, por aqueles que já tiveram conhecimento suficientemente claro.<br />

Quanto aos que cometem “pecado para morte”, João não os chama “irmãos” (5:16b).<br />

Refere-se o apóstolo aos que negam o Filho de Deus, tanto em Sua divindade<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

(2:22,23) como em Sua humanidade (4:2,3). Afirma que eles estavam na igreja, mas<br />

não eram parte dela (2:19) e agora somos informados que João não aconselha<br />

oração em tal circunstância, cujo esforço restaria infrutífero. É possível que João<br />

houvesse concluído que os falsos mestres, acusados por ele de anticristos (2:18;<br />

4:2), tivessem cometido a blasfêmia contra o Espírito, o pecado imperdoável de Mt<br />

12:31,32, ocasião em que os fariseus acusaram Jesus de expulsar demônios pelo<br />

poder de Balzebu (cf. ainda Hb 6:4-6).<br />

Por outro lado, João não deseja que seus leitores concluam, a partir de<br />

sua distinção entre “pecados não para a morte” e “pecados para a morte”, que haja<br />

pecados que não sejam tão relevantes perante Deus. Todo pecado deve ser objeto<br />

de intenso e sincero pesar e de confissão (Tg 4:8-10) e um único pecado ‘mínimo’,<br />

se assim pudéssemos falar, conduziria à necessidade da propiciação realizada na<br />

cruz do Gólgota (1:9; 2:1). Assim, deve ficar claro que “toda a iniqüidade é pecado” e<br />

pecado é a transgressão da lei (3:4), uma afronta rebelde a Deus, portanto. Mas,<br />

para o conforto dos crentes, “há pecado que não é para a morte”.<br />

4. A Segurança do Cristão e Uma Exortação Final<br />

I Jo 5:18-21<br />

18 Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de<br />

Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca. 19 Sabemos<br />

que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno. 20 E sabemos que<br />

já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é<br />

verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo.<br />

Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.<br />

Não pode haver a menor dúvida quanto à segurança do cristão, que ora<br />

João reforça, sobretudo face ao solene tema do “pecado para morte”. Portanto, eis<br />

as certezas que o crente genuíno deve ter sobre sua salvação:<br />

Primeiro, o “que é nascido de Deus não peca”. Em 3:6,9, João já havia<br />

afirmado que o filho de Deus não peca, no sentido de que não vive na prática<br />

habitual do pecado. Aqui, o que provavelmente ele tem em mente é o pecado para a<br />

morte, à luz do contexto imediato. Desse modo, nosso escritor afirma que o que é<br />

nascido de Deus não comete o pecado para a morte, a apostasia dos anticristos, a<br />

blasfêmia contra o Espírito Santo. Ao contrário, o que é nascido de Deus “conservase<br />

a si mesmo” de tamanho pecado e jamais negaria o Filho de Deus, colocando-se<br />

em oposição contra seu Pai.<br />

Também, como parte desta grandiosa segurança do cristão, “o maligno<br />

não lhe toca”. Augustus Nicodemus sugere que “não lhe toca” não é a melhor<br />

tradução aqui, à luz do modo como o verbo é traduzido em Jo 20:17 (‘não me<br />

detenhas’), aduzindo que “o Maligno não ‘toca’ o cristão no sentido de que não o<br />

domina. Isso não quer dizer que o diabo não tenta nem aflige o cristão (...) João se<br />

refere ao fato de que o Maligno não pode se assenhorear do cristão a ponto de leválo<br />

a cometer o pecado para a morte”.<br />

Segundo, o cristão goza da certeza de seu pertencimento a Deus, em<br />

franco contraste com o mundo, que “está no maligno”. Os cristãos estão mundo, mas<br />

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior<br />

I João: <strong>Breves</strong> <strong>Notas</strong> <strong>Expositivas</strong><br />

não são do mundo (Jo 17:14,16), e nosso Senhor orou não para que fossem tirados<br />

do mundo, mas guardados do Maligno (Jo 17:15). O mundo, por sua vez, jaz<br />

adormecido nos braços tenebrosos de Satanás, o seu príncipe e deus (Jo 16:11; II<br />

Co 4:4).<br />

Não negamos (porque esse não era o propósito do apóstolo) que haja no<br />

mundo elementos de beleza e de verdade, visto que não ignoramos as operações<br />

de Deus na graça comum e a imagem divina no homem, ainda que caído. Por outro<br />

lado, os cristãos têm conhecimento de que pela fé são vitoriosos sobre o mundo<br />

(5:4,5), que as coisas que há no mundo não podem ser objeto do seu amor<br />

(2:15,16), porque não procedem do Pai, e que o tudo o que há no mundo está<br />

destinado à completa ruína (2:17).<br />

Em terceiro lugar, os crentes gozam da certeza de que “o Filho de Deus é<br />

vindo”, isto é, que não apenas veio, mas que permanece com a Igreja (Mt 28:20).<br />

Mais que isso, o Filho de Deus nos deu entendimento para conhecermos “o que é<br />

verdadeiro”, a Ele mesmo como o verdadeiro Deus. Tal conhecimento dá-se em face<br />

de nossa íntima relação com Ele, porque nEle estamos. O conhecimento que Ele nos<br />

deu, finalmente, é que Ele é “o verdadeiro Deus e a vida eterna”. Ele é o Filho de<br />

Deus, identificado com Deus o Pai em divindade (Jo 1:1), mas manifesto em carne<br />

para a salvação do Seu povo, pelo que se pode dizer que Ele também é a vida eterna<br />

(1:2; Jo 11:25; 14:6).<br />

21 Filhinhos, guardai-vos dos ídolos. Amém.<br />

A exortação final do apóstolo é aparentemente isolada, sem qualquer<br />

conexão com o contexto imediato, salvo se consentirmos que, ao lembrar aos<br />

cristãos que eles conhecem o verdadeiro Deus e a vida eterna, João os adverte nesse<br />

ponto que devem evitar falsas ideias apresentadas pelos gnósticos acerca de Deus e<br />

de Cristo. De todo modo, é de conhecimento nosso que várias igrejas do Novo<br />

Testamento foram assediadas pela idolatria e tentadas a transigir com as<br />

festividades religiosas pagãs que ocorriam em homenagem aos deuses (Ap 2:14,20; I<br />

Co 8-10). Por uma razão e/ou por outra, a admoestação apostólica é de todo<br />

compreensível. Que os que já deixaram os ídolos para servir ao Deus vivo e<br />

verdadeiro (I Ts 1:9) não se dessem ao absurdo de retornar à antiga cegueira.<br />

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