Xácara da Bela Infanta Estava a bela infanta No ... - Mogi das Cruzes
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<strong>Xácara</strong> <strong>da</strong> <strong>Bela</strong> <strong>Infanta</strong><br />
<strong>Estava</strong> a <strong>bela</strong> <strong>infanta</strong><br />
<strong>No</strong> seu jardim assenta<strong>da</strong>,<br />
De pente d’ouro na mão<br />
Seus cabelos penteava.<br />
Deitou os olhos ao mar,<br />
E viu uma grande arma<strong>da</strong>,<br />
Capitão que nela vinha<br />
A trazia bem guia<strong>da</strong>.<br />
Nisto, a frota <strong>da</strong>ndo ferro<br />
Deitou a gente na terra;<br />
Cavaleiro disfarçado<br />
Ao pé <strong>da</strong> princesa ferra.<br />
— Dizme lá, ó capitão,<br />
Dizme lá pela tu’alma,<br />
Se o amor que Deus me deu<br />
Em tua arma<strong>da</strong> se acha?<br />
"Não o vi, não o conheço,<br />
Nem sei que sinais levava.<br />
— Levava cavalo branco,<br />
Bom cavalo que alvejava.<br />
Na ponta de sua lança,<br />
Uma flâmula encarna<strong>da</strong>,<br />
<strong>No</strong> arção <strong>da</strong> sua sela,<br />
A cruz de Cristo doura<strong>da</strong>.<br />
"Pelos sinais que me <strong>da</strong>is,<br />
Eu o vi morrer na guerra,<br />
Levou tantas a<strong>da</strong>ga<strong>da</strong>s,<br />
Até que rojou por terra.<br />
— Ai! triste de mim, viúva!<br />
Ai! triste de mim, coita<strong>da</strong>!<br />
De três irmãos que nós somos,<br />
Eu fui a mais desgraça<strong>da</strong>!<br />
"Tinha corta<strong>da</strong> a cabeça,<br />
Em sangue banhado eu vi;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, vós, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— Três filhas que Deus me deu<br />
To<strong>da</strong>s as três eu dera a ti;<br />
E seus dotes bem contados,<br />
Primeiro vereis aí.<br />
Uma para te vestir,<br />
Outra para te calçar,<br />
E a mais bonita delas<br />
Para contigo casar.<br />
"Não quero as vossas filhas,<br />
Que não pertencem a mim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— As telhas do meu telhado,<br />
Que são de ouro e marfim,<br />
O meu palácio de esmaltes<br />
Com o seu florido jardim.<br />
"Não quero as vossas telhas,<br />
Nem o palácio e o jardim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— De sete quintas que tenho,<br />
To<strong>da</strong>s elas dera a ti,<br />
Treze fontes pratea<strong>da</strong>s<br />
Com seus tanque de rubi.<br />
"Não quero as vossas quintas,<br />
Nem seus tanques de rubi;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— De três lezírias que tenho,<br />
To<strong>da</strong>s três tirara a mim,<br />
Dava mais, do pé direito,<br />
O meu bor<strong>da</strong>do chapim.<br />
"Não quero vossas lezírias,<br />
Nem também vosso chapim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— De dois campos que possuo,<br />
Ambos eles dera a ti,<br />
Mana<strong>da</strong>s de bravos touros,<br />
Poldros criados ali.<br />
"Não quero os vossos campos,<br />
Nem o seu gado pra mim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— O lago <strong>da</strong> her<strong>da</strong>de antiga,<br />
Os peixes que tem em si;<br />
Doute o frondente chorão,<br />
Que de sombra serve ali.<br />
"Não quero o vosso lago,<br />
Nem os peixes que tem em si;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?
— Dois currais cheios de gado,<br />
Ambos eles dera a ti,<br />
Um tem dentro cordeirinhos<br />
Vereis vacas noutro aí.<br />
"Não quero esses currais,<br />
Nem o gado que tem aí;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— Minhas jóias valiosas,<br />
Só mais tenho que te <strong>da</strong>r;<br />
E com elas juntamente,<br />
Este meu melhor colar.<br />
"Não quero as vossas jóias,<br />
Que não pertencem a mim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— Man<strong>da</strong>rei fazer na China<br />
Para ti, um palanquim,<br />
Todo estofado, com gosto,<br />
Do mais lustroso cetim.<br />
"Eu não quero uma tal cousa,<br />
Que não tendes, nem eu vi;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— Queres ser nobre e fi<strong>da</strong>lgo,<br />
Ter do rei o valimento?<br />
Tudo em breve alcançarei<br />
Se é mister ao teu intento.<br />
"Eu não quero ser fi<strong>da</strong>lgo,<br />
Que isto não cabe em mim;<br />
Que <strong>da</strong>ríeis, pois, senhora,<br />
A quem o trouxesse aqui?<br />
— Já não tenho mais que <strong>da</strong>r,<br />
Nem vós que pedir a mim;<br />
Vou dizer: toquem os sinos<br />
E me vestir de lapim.<br />
"Não deveis chorar tão cedo<br />
In<strong>da</strong> tendes que of’recer;<br />
Conheceis o que é amar...<br />
Pode muito aqui valer.<br />
— Dize, pois ó capitão,<br />
Quais são os intentos teus?<br />
Deite filhas, bens e honras,<br />
Queres mais agrados meus?<br />
"Tudo quanto hás prometido<br />
Não tem valor d’um ceitil;<br />
Só quero de vós, senhora,<br />
O vosso corpo gentil.<br />
— Ai! pobre de mim, viúva,<br />
Ai! pobre de mim, coita<strong>da</strong>!<br />
Até aqui era senhora,<br />
Agora sou insulta<strong>da</strong>!<br />
"Vede, pois, que pouco peço,<br />
Um abraço, um doce beijo;<br />
É com isso que se compra<br />
Esse amor do teu desejo.<br />
— Cavaleiro, que tal diz,<br />
Merece a cabeça fora,<br />
E primeiro lhe espicasse<br />
O torpe corpo uma espora.<br />
"Ai! triste de mim, viúva,<br />
Ai! triste de mim, coita<strong>da</strong>!<br />
Até aqui eram só sustos,<br />
Mas vou ser mui bem vinga<strong>da</strong>.<br />
— Acu<strong>da</strong>m, criados meus!<br />
Venham todos acudir!<br />
Pren<strong>da</strong>m este cavalheiro<br />
Sedutor, que vedes aqui.<br />
"Eilo aí, servos, prendeio,<br />
Devendo no chão rojálo,<br />
À ro<strong>da</strong> do meu jardim,<br />
À cau<strong>da</strong> do meu cavalo.<br />
Não quiseram os criados<br />
Nesse lance obedecer,<br />
Instruídos eram já,<br />
Fazendo não conhecer.<br />
— Ai! triste de mim, viúva,<br />
Ai! triste de mim, coita<strong>da</strong>!<br />
Até aqui era senhora,<br />
Agora sou despreza<strong>da</strong>.<br />
"Vede, senhora, a constância,<br />
Que vos mostro em meus amores;<br />
Na<strong>da</strong> temo o que man<strong>da</strong>rdes,<br />
Escarneço esses rigores.<br />
— Retiraivos, cavaleiro,<br />
Retiraivos já <strong>da</strong>qui,<br />
Que vêm meus irmãos <strong>da</strong> caça,<br />
Não quero nos vejam aí.
"Não temo vossos irmãos<br />
Pois cunhados são de mim;<br />
Na<strong>da</strong> temo! e tenho provas,<br />
Que todo pertenço a ti.<br />
— Um anel de sete pedras,<br />
Que contigo reparti,<br />
Quando à guerra caminhei<br />
Despedindome de ti;<br />
"Mostra lá tua metade,<br />
Pois a minha tenho aqui:<br />
Diz, ó Ana, se me dás<br />
Tudo quanto te pedi?<br />
— Tua fé, tua constância,<br />
Valem mais do que tesouros!<br />
Vê também, como guardei<br />
Teus lindos cabelos louros!<br />
"Se tu eras meu marido,<br />
Para que me atormentavas?<br />
Não bastaram tantas provas<br />
Quando zelos inventavas!<br />
— Quis provar se o teu amor<br />
Era só meu, coração;<br />
Enganeite, mas por isso,<br />
A teus pés, peço perdão.<br />
"Que fazes, ó vi<strong>da</strong> minha!<br />
Não sou eu tua mulher?<br />
Praticando assim bem mostras<br />
Que tu’alma in<strong>da</strong> me quer.<br />
— Tuas experiências foram<br />
Próprias só dos bons maridos;<br />
Juremos, pois, de morrermos,<br />
Um ao outro bem unidos.<br />
(Costa, Pereira <strong>da</strong>. Folclore pernambucano,<br />
p.297303)