Pensar é transgredir
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Parada, atônita, mãos em garra pelo reumatismo, no rosto um vago sorriso de bebê satisfeito, ela se agarrava em nada, no que lhe restava da vida em meio às filas de doentes e da correria de médicos e enfermeiras. Ainda por cima, as luzes da câmera batiam na sua carinha de mico espantado. Era quem sabe um jovem repórter perguntando: – Como é que a senhora se sente, largada aqui no saguão do hospital? Como a terão achado naquela multidão de doentes esperando vaga, de pé, em bancos ou até agachados junto das paredes? Será que foi se apresentar? Ei, moço, estou aqui, fui abandonada, cuidem de mim, olha o bilhete aqui na minha roupa, preso com o alfinete, viu? Parece mais natural que tenha ficado ali horas e horas, como mais um desses exaustos e resignados pacientes, talvez vagamente consciente de que algo diferente acontecia com ela. Ou tudo para ela será sempre o mesmo nada. Esperava quietinha por atendimento, pela morte, por coisa nenhuma. Uma velhinha abandonada no movimentado saguão de um hospital público, como um dúbio bebê na porta do nascimento. Desachada, desencontrada, largada no mundo cruel, arrancada de sua própria condição. Não era mais mãe, avó, filha, mulher, mãe, nem era gente: era um bicho largado porque estava doente, ou senil, 97 _________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir
ou os que deviam cuidar dela eram pobres ou frios demais. Uma esperança me animou um pouco: que ela não atinasse com o que lhe acontecia. Mas, irremediavelmente, eu ficara sabendo, e os cacos da janela de minha privacidade rompida continuam enfiados em mim. _________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 98
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Parada, atônita, mãos em garra pelo reumatismo, no<br />
rosto um vago sorriso de bebê satisfeito, ela se<br />
agarrava em nada, no que lhe restava da vida em meio<br />
às filas de doentes e da correria de m<strong>é</strong>dicos e<br />
enfermeiras. Ainda por cima, as luzes da câmera<br />
batiam na sua carinha de mico espantado.<br />
Era quem sabe um jovem repórter perguntando:<br />
– Como <strong>é</strong> que a senhora se sente, largada aqui no<br />
saguão do hospital?<br />
Como a terão achado naquela multidão de doentes<br />
esperando vaga, de p<strong>é</strong>, em bancos ou at<strong>é</strong> agachados<br />
junto das paredes? Será que foi se apresentar? Ei,<br />
moço, estou aqui, fui abandonada, cuidem de mim,<br />
olha o bilhete aqui na minha roupa, preso com o<br />
alfinete, viu?<br />
Parece mais natural que tenha ficado ali horas e horas,<br />
como mais um desses exaustos e resignados pacientes,<br />
talvez vagamente consciente de que algo diferente<br />
acontecia com ela. Ou tudo para ela será sempre o<br />
mesmo nada. Esperava quietinha por atendimento,<br />
pela morte, por coisa nenhuma.<br />
Uma velhinha abandonada no movimentado saguão<br />
de um hospital público, como um dúbio bebê na porta<br />
do nascimento. Desachada, desencontrada, largada no<br />
mundo cruel, arrancada de sua própria condição. Não<br />
era mais mãe, avó, filha, mulher, mãe, nem era gente:<br />
era um bicho largado porque estava doente, ou senil,<br />
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