Pensar é transgredir
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encantamento e magia, ainda que o namorado agora seja um marido mais barrigudo, e menos cabeludo, que chega em casa cansado demais pra reparar no quanto estamos bonitas ou exaustas. O bom seria que continuássemos amantes, sendo também amigos. Pois amor é amizade com sensualidade: se não gosto do outro com seus defeitos e qualidades, manias e até pequenas loucuras, como foi que o escolhi para viver comigo numa casa, na mesma mesa, cama e talvez todo o tempo de minha existência? E se isso se desgastou, por que não permito, a ele e a mim, mudarmos o nosso contrato de amantes para amigos e cúmplices ainda? Embora gostemos de nos apresentar como incompreendidas ou mal tratadas, merecedoras de todas as compensações imagináveis, é bom ponderar que a mulher-vítima e a mãe-mártir inspiram culpa e aflição, e perturbam toda uma família. Resta saber o que fizemos com aquela relação, com nossa própria vida, auto-estima e dignidade, e como temos afinal lidado com esse homem que um dia foi o objeto máximo de nosso desejo e sonho. _________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 95
_________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 26 A velhinha no saguão A notícia cai na minha sala como uma pedra atirada através da vidraça ou da tela da televisão: estilhaços de paz rompida, de alienação violentada. Largaram uma velhinha no saguão de um hospital, com um bilhete preso na roupa: “Cuidem dela.” Criança, a gente lê a toda hora, tem sido achada no lixo, na porta, no mato. Mas velhinha, essa foi a primeira, ao menos minha. Pois de repente essa velha que mal e mal divisei na tela da tevê, pequena, mirrada, grisalha, com um vestido esquisito e largo demais, tornara-se a minha velhinha, minha responsabilidade, minha dor. Nem tento achar uma explicação razoável, todas me parecem odiosas: sem dinheiro, sem poder cuidar da doente, sem comida, sem teto largaram-na ali para que tivesse melhores cuidados. Mas eu protesto. Mesmo sem ter razão, assim não quero. Figura ficcional de realidade cotidiana, a partir dali por vários dias essa velhinha varou meus momentos de trabalho, de descanso, de caminhadas, de dirigir o carro, de tentar escrever. 96
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Lya Luft – <strong>Pensar</strong> <strong>é</strong> <strong>transgredir</strong><br />
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A notícia cai na minha sala como uma pedra atirada<br />
atrav<strong>é</strong>s da vidraça ou da tela da televisão: estilhaços<br />
de paz rompida, de alienação violentada.<br />
Largaram uma velhinha no saguão de um hospital,<br />
com um bilhete preso na roupa: “Cuidem dela.”<br />
Criança, a gente lê a toda hora, tem sido achada no<br />
lixo, na porta, no mato. Mas velhinha, essa foi a<br />
primeira, ao menos minha. Pois de repente essa velha<br />
que mal e mal divisei na tela da tevê, pequena,<br />
mirrada, grisalha, com um vestido esquisito e largo<br />
demais, tornara-se a minha velhinha, minha<br />
responsabilidade, minha dor.<br />
Nem tento achar uma explicação razoável, todas me<br />
parecem odiosas: sem dinheiro, sem poder cuidar da<br />
doente, sem comida, sem teto largaram-na ali para que<br />
tivesse melhores cuidados. Mas eu protesto. Mesmo<br />
sem ter razão, assim não quero.<br />
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por vários dias essa velhinha varou meus momentos<br />
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