Pensar é transgredir
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Dois holofotes azuis como só menino de 3 anos. Aquela placidez. – Fala junto com a mamãe: tra-ve-ssei-ro. Ele pronunciou caprichando as sílabas, na mesma entonação paciente da mãe: – Si-vo-la. – Será que esse menino está brincando comigo? Mas com só três anos? Os lagos suíços refletiam a impotência materna, que nem mestrado de Lingüística, nem manuais de português, nem o marido gramático, nem leituras sobre psicologia infantil naquele momento diminuíam. Nada: aquilo ali, na cabeça da criança, é que era o real. Mais uns dias, e o objeto mágico tinha virado “tassivola”. Depois, “tassivelo”. “Tassevelo”, “tavesselo”, e por fim a mãe escutou extasiada: – Tavessero! O menino era um gênio. O pai depressa escreveu um artigo na coluna de português que publicava diariamente, e a história – como tantas outras – entrou para os anais da família. O das histórias publicáveis, naturalmente. _________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 91
_________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 25 Não somos santas No começo diziam que eu escrevia mais para mulheres (o que é bobagem), e que minhas personagens femininas são mais fortes do que os homens (idem). Rótulos são imprecisos e empobrecedores, mas o que se há de fazer. Depois de O rio do meio, de 1976, passaram a dizer que eu defendia demais os homens. Devo ter do masculino uma visão mais positiva do que, parece, boa parte das mulheres. Tive um pai amigo que desde criança me ensinou a cuidar da minha dignidade, e dois companheiros que me respeitaram como ser humano, empurrando-me para a frente e para cima. No Rio, escrevi entre outras coisas que também os homens sofrem de solidão – na medida da solidão (ou da infantilidade) de suas mulheres –, que também querem ser amados, ouvidos, olhados, não só criticados e cobrados. Em palestras afirmo (para horror de muitas) que nós mulheres também sabemos ser muito chatas. Insatisfeitas, cobradoras, ásperas ou 92
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Dois holofotes azuis como só menino de 3 anos.<br />
Aquela placidez.<br />
– Fala junto com a mamãe: tra-ve-ssei-ro.<br />
Ele pronunciou caprichando as sílabas, na mesma<br />
entonação paciente da mãe:<br />
– Si-vo-la.<br />
– Será que esse menino está brincando comigo? Mas<br />
com só três anos?<br />
Os lagos suíços refletiam a impotência materna, que<br />
nem mestrado de Lingüística, nem manuais de<br />
português, nem o marido gramático, nem leituras<br />
sobre psicologia infantil naquele momento<br />
diminuíam. Nada: aquilo ali, na cabeça da criança, <strong>é</strong><br />
que era o real.<br />
Mais uns dias, e o objeto mágico tinha virado<br />
“tassivola”.<br />
Depois, “tassivelo”. “Tassevelo”, “tavesselo”, e por<br />
fim a mãe escutou extasiada:<br />
– Tavessero!<br />
O menino era um gênio. O pai depressa escreveu um<br />
artigo na coluna de português que publicava<br />
diariamente, e a história – como tantas outras – entrou<br />
para os anais da família.<br />
O das histórias publicáveis, naturalmente.<br />
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