Pensar é transgredir
Pensar é transgredir Pensar é transgredir
_________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 8 O lado negro O lado negro – que nada tem a ver com um poético Lago Negro de Gramado – está falsamente quieto em algum canto de todos nós. Aqui e ali rebrilha, se agita. Uma poeirinha, uma folha leve, um vento-quase-nada mexem com ele. Mas nas águas mais profundas aquilo ferve e espreita: o mal. A destruição do outro ou de si mesmo. A força negativa, o animal predador. O ódio. Sempre me impressionou essa capacidade do mal. Esticar as minhocas e rebentá-las em duas para enfiar no meu anzol de alfinete quando eu tinha seis anos e pescava com meu pai no minúsculo lago nos fundos da casa, me dava essa estranha sensação: então agora a maldade é permitida? Depois cortar a cabeça do peixe, o olho dele me fitando, tão humano. A gente às vezes tinha licença de ser cruel. Hoje não pesco nem com anzol de alfinete, mas a violência é muito mais dramática ao meu redor. No mundo, na cidade, no campo. Em cada rua minha. O 33
impulso destrutivo se espalha favorecido por leis confusas, modelos excusos e permissividade que vem do berço e acaba no trono – ou será apenas que a imprensa (sempre esse bode expiatório) despeja tudo aumentado em meu colo? Na minha alma? Penso que não é ilusão, mas que tudo realmente se multiplicou, porque estamos cada dia mais aflitos e mais cruéis. Mais frios também. Para nos protegermos da dor, do nosso deserto de emoções e valores, quem sabe? Estamos usando demais a lei de Talião, dente por dente. Ainda que sejam uns dentes bem desproporcionais: Não consegui emprego que me pague o que preciso, e fico furioso embora sabendo que sou despreparado para um cargo desses? Bom, já que estou furioso, vou matar uma velhinha. Dente por dente. Não consegui a droga, e preciso urgente dessa grana? Vou assaltar um adolescente. Pego o relógio, os tênis, e vendo. E, se me der na telha, dou um tiro na barriga dele também. Dente por dente. _________________________ Lya Luft – Pensar é transgredir 34
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O lado negro – que nada tem a ver com um po<strong>é</strong>tico<br />
Lago Negro de Gramado – está falsamente quieto em<br />
algum canto de todos nós.<br />
Aqui e ali rebrilha, se agita. Uma poeirinha, uma folha<br />
leve, um vento-quase-nada mexem com ele. Mas nas<br />
águas mais profundas aquilo ferve e espreita: o mal. A<br />
destruição do outro ou de si mesmo. A força negativa,<br />
o animal predador.<br />
O ódio.<br />
Sempre me impressionou essa capacidade do mal.<br />
Esticar as minhocas e rebentá-las em duas para enfiar<br />
no meu anzol de alfinete quando eu tinha seis anos e<br />
pescava com meu pai no minúsculo lago nos fundos<br />
da casa, me dava essa estranha sensação: então agora<br />
a maldade <strong>é</strong> permitida?<br />
Depois cortar a cabeça do peixe, o olho dele me<br />
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Hoje não pesco nem com anzol de alfinete, mas a<br />
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