Pensar é transgredir
Pensar é transgredir
Pensar é transgredir
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
***<br />
Menina à beira da tarde, à margem do silêncio, no<br />
terraço. O arvoredo-mar resmunga baixo. Os talos de<br />
capim roçam uns nos outros fazendo um barulho de<br />
espumas.<br />
No tom cinza da hora a menina vê flores, ou estrelasdo-mar?<br />
A voz dos sapos fazendo renda para o casamento, o<br />
dique-dique da tesoura de podar tamb<strong>é</strong>m corta a<br />
língua das crianças mentirosas, a água da torneira no<br />
tanque, os passos na escada, tudo infinitamente o<br />
mesmo mar. O mar de dentro, de onde ela nasceria a<br />
cada momento.<br />
A tempestade <strong>é</strong> um animal empurrando aquele<br />
silêncio à sua frente, atrás na cauda escutam-se<br />
pedregulhos arrastados.<br />
Árvores e capim se movem, o mugido baixo <strong>é</strong><br />
interrompido pela respiração do bicho marinho. A<br />
criança sente o que está vindo por cima das árvores e<br />
das águas, o quase: vem, vem, vem, vem, o monstro<br />
vem e se chama tempestade. Raspa no c<strong>é</strong>u os cascos<br />
gigantes e logo vai derrubar tudo à sua passagem, com<br />
estrondo.<br />
Um fio apenas separa o agora da catástrofe: o silêncio<br />
tão exato que entra no corpo e fura a alma de uma<br />
menina. Ela fecha os olhos e inspira aquele cheiro de<br />
_________________________<br />
Lya Luft – <strong>Pensar</strong> <strong>é</strong> <strong>transgredir</strong><br />
159