17.04.2013 Views

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

saboreei na meridional<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Concepción<br />

e numa das suas<br />

praias, Dichato.<br />

Mais a sul, na ilha<br />

<strong>de</strong> Chiloé, costuma-se<br />

preparar o «curanto<br />

en olla» 3 ou, na sua<br />

versão <strong>de</strong>scomunal e<br />

chilena, num buraco<br />

cavado na praia. Previamente,<br />

aquecem-se<br />

pedras numa fogueira<br />

gigante e, quando chegam<br />

ao ponto <strong>de</strong> se<br />

partir, <strong>de</strong>positam-se no<br />

fundo do buraco e<br />

sobre elas colocam-se<br />

as carnes vermelhas e<br />

os cor<strong>de</strong>iros abertos,<br />

<strong>de</strong>pois as carnes brancas,<br />

porcos e aves, chouriços,<br />

todos os mariscos<br />

do frio Pacífico e,<br />

por fim, tudo é coberto<br />

com folhas <strong>de</strong><br />

«nalca» 4 e raízes <strong>de</strong><br />

pasto. A cozedura <strong>de</strong><br />

todos estes manjares<br />

leva uma hora e servem-se,<br />

<strong>de</strong>pois, acompanhados <strong>de</strong> um pão<br />

<strong>de</strong> farinha <strong>de</strong> trigo e batatas chamado<br />

«milcao» e <strong>de</strong> outro chamado «chapalele»,<br />

à base <strong>de</strong> batatas, e a saborosa alga «cochayuyo».<br />

Serve-se com «chicha <strong>de</strong> manzanas»,<br />

uma versão austral da cidra.<br />

Esta comida do Sul está ligada a um<br />

esforço solidário <strong>de</strong> trabalho partilhado,<br />

costumam fazê-lo durante as colheitas ou a<br />

construção <strong>de</strong> uma casa. Esta reunião<br />

<strong>de</strong>signa-se «la Minga» 5 e nela participa<br />

muita gente durante todo o dia.<br />

Costumo ter em algum canto da<br />

minha cozinha um almofariz <strong>de</strong> mármore<br />

on<strong>de</strong> macero com paciência o «cacho <strong>de</strong><br />

cabra», um «ají» 6 vermelho-escuro e seco<br />

que um amigo e compatriota livreiro, que<br />

vive na Suíça, me envia sempre. Deixo por<br />

vários dias o «ají cacho <strong>de</strong> cabra» (chama-se<br />

assim pela sua forma comprida como um<br />

cone), com azeite puro, vinagre e alho. Este<br />

«ají», proveniente do Norte do Chile, acom-<br />

Passaram muitos anos<br />

e, no meu afã<br />

<strong>de</strong> me adaptar<br />

a cada lugar<br />

on<strong>de</strong> me coube viver,<br />

só levo comigo<br />

os sabores perdidos,<br />

como o sabor e o aroma<br />

do cominho, o coentro<br />

e o manjericão.<br />

panha as carnes e as<br />

minhas nostalgias. É um<br />

ingrediente imprescindível<br />

em todas as cozinhas<br />

chilenas: com o<br />

«ají» moído e seco prepara-se<br />

o «pebre», num<br />

molho picante, com<br />

alho, coentro e salsa,<br />

também para acompanhar<br />

as carnes, as batatas,<br />

as beringelas e<br />

acrescentando-lhe<br />

tomates pelados e cortados<br />

aos bocados ou<br />

moídos, mais um fio <strong>de</strong><br />

água da fonte, tem o<br />

nome <strong>de</strong> «chancho en<br />

piedra». De qualquer<br />

modo, nós, os nostálgicos,<br />

«<strong>de</strong>senrascamo-nos»<br />

sempre, para obter os<br />

nossos produtos da<br />

terra distante.<br />

Passaram muitos<br />

anos e, no meu afã <strong>de</strong><br />

me adaptar a cada<br />

lugar on<strong>de</strong> me coube<br />

viver, só levo comigo<br />

os sabores perdidos,<br />

como o sabor e o aroma do cominho, do<br />

coentro e do manjericão, três cheiros que<br />

inundavam a cozinha e as mãos da minha<br />

avó, quando cozinhava almôn<strong>de</strong>gas em<br />

caldo <strong>de</strong> verduras frescas e pés <strong>de</strong> porco na<br />

panela, como encontrei também agradáveis<br />

semelhanças na cozinha do Norte do<br />

mundo – almôn<strong>de</strong>gas acompanhadas <strong>de</strong><br />

batatas e um molho à base <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong><br />

trigo, leite e nata («Köttbullar»).<br />

Por amor à vida, juntei as duas extremida<strong>de</strong>s<br />

da Terra para me sentar à mesa<br />

apátrida, resgatando com ternura rebel<strong>de</strong><br />

os ternos e rebel<strong>de</strong>s sabores perdidos.<br />

1 Fruto da planta ericácea<br />

chamada erva-do-monte.<br />

(N. da T.)<br />

2 Fruto do tamanho <strong>de</strong> uma<br />

maçã pequena, proveniente<br />

<strong>de</strong> uma árvore existente no<br />

Chile e no Peru, da família<br />

das sapotáceas. (N. da T.)<br />

3 Prato que se serve na<br />

Argentina e no Chile,<br />

à base <strong>de</strong> legumes, marisco<br />

ou carne, cozido sobre<br />

pedras muito quentes,<br />

num buraco que se cobre<br />

com folhas. (N. da T.)<br />

4 No Chile, <strong>de</strong>signa o pecíolo<br />

do «pangue», planta<br />

medicinal usada também<br />

em curtumes. (N. da T.)<br />

5 Termo utilizado na Argentina,<br />

Chile, Colômbia, Equador,<br />

Paraguai e Peru para<br />

<strong>de</strong>signar uma reunião<br />

<strong>de</strong> amigos e vizinhos com<br />

o propósito <strong>de</strong> realizar<br />

algum trabalho gratuito<br />

em comum. O mesmo termo<br />

também se utiliza em<br />

referência a um trabalho<br />

agrícola colectivo e gratuito<br />

com fins sociais. (N. da T.)<br />

6 Pimento picante chileno.<br />

(N. da T.)

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!