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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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BESTIÁRIO<br />

86<br />

87<br />

Jamais se viram. E, provavelmente, nunca se<br />

encontrarão, a não ser pelas fímbrias do imaginário<br />

que povoam as cabeças dos humanói<strong>de</strong>s, seus<br />

primos mais próximos.<br />

Um é matéria rochosa e permanece há milénios<br />

a enfrentar o Oceano-Mar com seu ar <strong>de</strong> lonjura<br />

e altivez infinita. Vive, transformado em<br />

pedra, sentado nas areias da Lourinhã, ainda por<br />

ali habitavam Pterodáctilos e outras animálias<br />

semelhantes. O outro existe apenas na Mata<br />

<strong>Atlântica</strong> junto ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, do outro lado do<br />

mar. Ao contrário do gigante <strong>de</strong> Paimogo 1 , o mico-<br />

-leão-dourado é um pequeno e leve primata com<br />

pelagem da cor do fogo e uma juba à moda do rei<br />

da selva, a quem <strong>de</strong>ve a titulação. Ao sol, o pêlo<br />

brilha tão intensamente que parece saído do próprio<br />

astro para encantar companheiros <strong>de</strong> habitat e<br />

viajantes <strong>de</strong> toda a Orbe:<br />

Há também huns pequeninos pela costa <strong>de</strong> duas castas pouco<br />

mayores que doninhas, a que commumente chamam Sagoís, cõuen<br />

a saber,há huns louros & outros pardos.Os louros tem hum cabello<br />

muito fino, & na semelhança do vulto & feição do corpo quasi<br />

se querem parecer com lião: sam muito fermosos, e nam os há<br />

senam no rio <strong>de</strong> Janeiro. Os pardos se acham apraziueis: mas nam<br />

tam alegres á vista como estes. E assi huns como outros, sam tam<br />

mimosos & <strong>de</strong>licados <strong>de</strong> sua natureza,que como os tiram da patria<br />

& os embarcam pera este Reino, tanto que chegão a outros ares<br />

mais frios quasi todos morrem no mar, & nam escapa senam<br />

algum <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> maravilha.<br />

[Pêro Magalhães <strong>de</strong> Gândavo,História da América Portuguesa a que<br />

Vulgarmente se Chama Brasil, 1576]<br />

Popularmente, é conhecido como sauí, saguí,<br />

saguín, sagûi-piranga, sauí vermelho, mico, entre outras<br />

<strong>de</strong>signações e variantes dos macacos (estes também<br />

conhecidos por símios, bugios, ou cebí<strong>de</strong>os,<br />

no último caso, o palavrão com que baptizaram<br />

esses primatas antropói<strong>de</strong>s do Novo Mundo). Isto<br />

para não falarmos das famílias e das espécies,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as Callitricidae às Cebus apella macrocephalus ou às<br />

Cebus apella tocantinus.<br />

Saguins são bugios pequeninos mui felpudos e <strong>de</strong> cabelo<br />

macio, raiados <strong>de</strong> pardo e preto e branco; tem o rabo comprido e<br />

muita felpa no pescoço a qual trazem sempre arrepiada,e que os faz<br />

muito formosos (…).Do Rio <strong>de</strong> Janeiro vem outros saguins da feição<br />

<strong>de</strong>stes <strong>de</strong> cima [Bahia] que tem o pêlo amarelo muito macio,<br />

que cheiram muito bem; as quais e os <strong>de</strong> trás são mimosos e morrem<br />

em casa, <strong>de</strong> qualquer frio, e das aranhas.<br />

[Gabriel Soares <strong>de</strong> Sousa, Notícia do Brasil, 1587]<br />

Mas voltemos ao nosso Leontopithecus rosalia<br />

ou, mais propriamente, ao mico-leão-dourado<br />

que vive mansamente nas florestas, entre as bromélias<br />

e os cipós, comendo insectos, frutos, ovos<br />

e um ou outro pássaro ou lagarto mais <strong>de</strong>sprevenido<br />

(ninguém é perfeito, e nisto parecem-se<br />

com os mamíferos humanos, pois, como dizem<br />

os antigos, «não há bela sem senão». Especialmente<br />

os macacos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, como os<br />

chimpanzés, os gorilas e os orangotangos, acumulam<br />

tanto <strong>de</strong> beleza, como <strong>de</strong> pequenos <strong>de</strong>feitos,<br />

o que os aproxima dos homens, pois não é<br />

por acaso que se diz «errar é humano», e não<br />

«errar é animal». Perdoem-me os animais humanos,<br />

mas esta tribuna é pelos bichos «à séria»).<br />

Rezam as crónicas que estes micos são<br />

monogâmicos – coisa que eu não comento,<br />

pois não tenho nada a ver com a vida privada<br />

<strong>de</strong> cada um – e levam a paternida<strong>de</strong> muito a<br />

sério. O filhote recém-nascido passa os primeiros<br />

quatro dias pendurado no ventre materno,<br />

mas, passado esse período, é o pai que o transporta,<br />

limpa e penteia os seus pêlos sedosos,<br />

apenas o emprestando à mãe para a mamada,<br />

não se afastando do seu bebé nem durante essas<br />

ternuras maternais. Infelizmente, o nosso<br />

amigo mico-leão-dourado é uma das espécies<br />

em risco <strong>de</strong> extinção, assim como o seu<br />

«primo irmão», o mico-leão-<strong>de</strong>-cara-dourada<br />

(o Leontopithecus chrysomelas), que vive no Sul da<br />

Bahia, sujeitos à captura ilegal <strong>de</strong> inescrupulosos<br />

comerciantes e ao <strong>de</strong>smatamento do seu<br />

habitat. Pior é a situação do mico-leão-<strong>de</strong>-cara-<br />

-preta, <strong>de</strong>scoberto apenas em 1990 na Mata<br />

<strong>Atlântica</strong> do Estado do Paraná – um dos biomas<br />

brasileiros mais ricos em biodiversida<strong>de</strong>, mas<br />

também o mais ameaçado – e <strong>de</strong> que restam<br />

apenas trezentos indivíduos. Estes «caras pretas»<br />

são famosos pelos sons muito agudos que<br />

emitem para comunicarem entre si e pelo<br />

modo como se <strong>de</strong>slocam <strong>de</strong> galho em galho<br />

pendurando-se pela cauda dourada.<br />

Há muito que estes símios suscitam nos viajantes<br />

um gran<strong>de</strong> fascínio, sejam os macacos-<br />

-prego, muito generalizados em todas as florestas<br />

da América do Sul, os macacos-barrigudos da<br />

Colômbia, Peru e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da região<br />

amazónica e que se distinguem pela gran<strong>de</strong><br />

rapi<strong>de</strong>z e espectacularida<strong>de</strong> dos seus saltos, os<br />

macacos-aranha… enfim, uma quantida<strong>de</strong> infinita<br />

<strong>de</strong> bugios e similares, ou seja, uma interminável<br />

macacada:

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