Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
(período entre 30 000 e 10 000 anos antes<br />
do presente em Portugal) como data para o<br />
núcleo da Ribeira <strong>de</strong> Piscos, mas, já com<br />
representações humanas estilizadas, serão<br />
datadas do Neolítico ou do Calcolítico as<br />
gravuras do núcleo da Faia, enquanto no<br />
núcleo <strong>de</strong> Orgal, além <strong>de</strong> gravuras <strong>de</strong>sta<br />
época, se <strong>de</strong>scobriram outras já da Ida<strong>de</strong><br />
do Ferro (meados do I milénio a.C.) representando<br />
guerreiros armados a cavalo.<br />
No entanto, parece ser o vale do Côa local<br />
privilegiado na arte da figuração rupestre,<br />
pois <strong>de</strong>la encontramos exemplos <strong>de</strong> representações<br />
religiosas e populares que<br />
quase tocam a actualida<strong>de</strong>, executadas<br />
entre o século XVII e a década <strong>de</strong> 50 do<br />
século passado.<br />
Fruto ou não da atracção do rio, o que<br />
é facto é que todos os conjuntos artísticos<br />
paleolíticos, até ao momento documentados,<br />
se situam nas vertentes viradas ao<br />
Côa (ou aos seus afluentes). É uma rarida<strong>de</strong><br />
sem paralelo na Pré-História recente e,<br />
se tal não for <strong>de</strong>vido apenas a factores rela-<br />
Vista geral do Vale do Côa (foto CNART), Instituto Português <strong>de</strong> Arqueologia<br />
cionados com diferentes condições <strong>de</strong> preservação,<br />
esta distribuição das gravuras<br />
po<strong>de</strong> ser interpretada como um <strong>de</strong>liberado<br />
e consciente comportamento focalizado no<br />
curso <strong>de</strong> água.<br />
Como se, na áspera ascese do seu percurso<br />
final, o rio assumisse o enigmático<br />
sentido da História e se constituísse sentinela<br />
perene <strong>de</strong> um património miraculosamente<br />
conservado a transmitir aos<br />
vindouros.<br />
Algo <strong>de</strong> quase místico, a que Nuno <strong>de</strong><br />
Montemor já fora sensível ao <strong>de</strong>screvê-lo<br />
no citado romance: «O ambiente majestoso<br />
e recolhido daquela paisagem religiosa,<br />
enquadrada por serras <strong>de</strong> pedregulhos<br />
soltos, eriçada, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> em on<strong>de</strong>, por<br />
altas colunas <strong>de</strong> montes, recorda[va] o<br />
recinto <strong>de</strong> imensa catedral <strong>de</strong>smoronada<br />
por cataclismo cósmico.»<br />
Mas é pacificado e generoso que o Côa<br />
se entrega, com o seu precioso tributo, ao<br />
«rio-do-oiro», para, nele transfigurado,<br />
atingir o seu <strong>de</strong>stino último: o mar.