Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
RIOS PROFUNDOS 78<br />
79<br />
Parafraseando Alberto Caeiro, diria<br />
que o Côa «não é como o rio da minha<br />
al<strong>de</strong>ia» porque «Ninguém nunca pensou<br />
no que há para além/ Do rio da minha<br />
al<strong>de</strong>ia// O rio da minha al<strong>de</strong>ia não faz<br />
pensar em nada/ Quem está ao pé <strong>de</strong>le está<br />
só ao pé <strong>de</strong>le».<br />
Ora, o Côa dá que pensar.<br />
Des<strong>de</strong> logo, o seu nome. Os romanos<br />
chamaram-lhe Cuda, <strong>de</strong> coda ou cola, que<br />
significa «ribeira», «caudal». Porém, essa<br />
<strong>de</strong>signação não aparece, tal qual, nos primeiros<br />
documentos, mas tem <strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do <strong>de</strong>rivado transcudani, o primeiro<br />
<strong>de</strong>signativo a ser registado. De facto,<br />
segundo J. Leite <strong>de</strong> Vasconcelos, o rio Cuda<br />
(Côa) «não se encontra nem na literatura<br />
antiga, nem na epigrafia, mas encontra-se<br />
É um dos poucos rios<br />
em Portugal<br />
que correm <strong>de</strong> sul<br />
para norte,<br />
o que, olhando-o no mapa,<br />
o faz parecer<br />
como que um rio ao invés.<br />
apenas o seu <strong>de</strong>rivado transcudanus = transcud(a)-anus...»<br />
1 .<br />
J. Pinharanda Gomes 2 aduz a este respeito:<br />
«Seria estranho que fossem os romanos<br />
a baptizar o rio. Antes <strong>de</strong>les e mesmo<br />
sem a total visão geográfica do aci<strong>de</strong>nte<br />
hídrico, os povos chamariam a esse curso<br />
<strong>de</strong> água algum nome. Nome esse que seria,<br />
como sempre foi, ribeira, sem mais nada; e<br />
que os romanos traduziriam por coda ou<br />
cola, que significa isso: a ribeira, o caudal. É<br />
inevitável, hoje em dia, dizer Rio Côa; mas<br />
é repetitivo. Côa é ribeira. E a forma cuda<br />
parece espúria. A forma genuína aberta, eila:<br />
coda>côa». Aliás, é assim que se encontra<br />
atestado em documento <strong>de</strong> 1145: «... et<br />
fluvium qui vocatur Côa», citado por Frei<br />
Joaquim Santa Rosa Viterbo 3 .<br />
E quem antes dos romanos – e isto, no<br />
caso, é particularmente importante – se<br />
fixou junto ao rio?<br />
No Portugal Saccro diz J. Bautista <strong>de</strong><br />
Castro: «Pelos annos <strong>de</strong> 550 antes <strong>de</strong><br />
Christo, pouco mais ou menos, <strong>de</strong>ixando<br />
alguns turdulos antigos a costa marítima<br />
em que viviam, foram habitar aquelle<br />
espaço <strong>de</strong> terreno que se esten<strong>de</strong> do norte<br />
a sul entre o rio Côa e o Águeda e, pela<br />
situação em que ficavam além do Côa, se<br />
ficaram chamando transcudanos...»<br />
Na opinião do arqueólogo Dr. Joaquim<br />
Manuel Correia 4 : «Podiam ter vivido<br />
ali os Vetónios, os Váceos, Astures ou<br />
Carpetanos ou outros, talvez mesmo os<br />
Galaicos, que nenhuns ficavam distantes<br />
<strong>de</strong>ste território e po<strong>de</strong>riam tê-lo ocupado.<br />
(...). Não é, porém, <strong>de</strong> crer que estes e os<br />
turdulos fossem os únicos habitantes <strong>de</strong><br />
Riba-Côa.» Como quer que seja, e regres-<br />
… correndo teimoso<br />
entre invernos<br />
e estiagens, ora caudaloso<br />
ora parco, foi cioso<br />
guardador da memória<br />
que os Homens, na aurora<br />
dos seus dias, lhe entregara.<br />
sando a Pinharanda Gomes, o Côa «foi, no<br />
<strong>de</strong>curso do tempo, grave aci<strong>de</strong>nte na geografia<br />
política. Serviu <strong>de</strong> fosso entre ribacudanos<br />
e transcudanos nos tempos tribais<br />
e através da reconquista; serviu <strong>de</strong> raia leonesa,<br />
na parte <strong>de</strong> Cima-Côa, face ao novo<br />
reino português» até que, com as conquistas<br />
<strong>de</strong> D. Dinis 5 , reconhecidas pelo Tratado<br />
<strong>de</strong> Alcanizes, em 1297, que fixou <strong>de</strong>finitivamente<br />
as fronteiras <strong>de</strong> Portugal na zona,<br />
passou a rio interior, transferindo para o<br />
Águeda a sua função limítrofe.<br />
Feita a conquista, D. Dinis tratou <strong>de</strong> a<br />
assegurar e, por isso, construiu castelos,<br />
edificou muralhas em volta das vilas e<br />
levantou pontes sobre o Côa, guarnecendo<br />
fortemente as praças. É assim que a fortaleza<br />
do Sabugal, que vigiava <strong>de</strong> Leão o reino<br />
<strong>de</strong> Portugal, passou, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recuperada<br />
por D. Dinis, a vigia <strong>de</strong> Portugal face ao<br />
po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Castela.