Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
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A INVENÇÃO DA AMÉRICA 72<br />
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acesso à saú<strong>de</strong> e baixa qualida<strong>de</strong> e iniquida<strong>de</strong><br />
educativa), que geraram a circunstância<br />
lamentável <strong>de</strong> a América Latina constituir<br />
o continente mais <strong>de</strong>sigual do Planeta.<br />
O direito dos povos à <strong>de</strong>mocracia também<br />
requer avanços e consolidações efectivas<br />
nestes campos, em resposta à exigência <strong>de</strong><br />
milhões <strong>de</strong> latino-americanos que não<br />
po<strong>de</strong>m esperar, como indicam <strong>de</strong> modo,<br />
em nossa opinião, tão rotundo como indiscutível<br />
as séries estatísticas e os dados oficiais.<br />
A esta enumeração <strong>de</strong> dívidas (como<br />
diria o filósofo político e jurista italiano<br />
Norberto Bobbio, «promessas incumpridas»)<br />
que as <strong>de</strong>mocracias da região ainda<br />
não saldaram com os seus povos, haveria<br />
que adossar alguns défices <strong>de</strong> carácter político<br />
ou institucional, aos que, por outro<br />
lado, nem sequer as socieda<strong>de</strong>s mais<br />
<strong>de</strong>senvolvidas escapam: referimo-nos, por<br />
exemplo, à persistência <strong>de</strong> fenómenos <strong>de</strong><br />
corrupção política e à frequente falta <strong>de</strong><br />
transparência no aparelho do Estado.<br />
Como se sabe, a região, no seu conjunto,<br />
e a maioria dos seus países isoladamente<br />
exibem as piores classificações, comparativamente<br />
a outras áreas do mundo, nos<br />
índices usados para medir a corrupção. Se<br />
se consi<strong>de</strong>rar o índice elaborado pela<br />
«Transparency International», no ano <strong>de</strong><br />
2001, em média, os países das Américas<br />
situam-se no 53.º lugar entre os 91 países<br />
estudados, com um amplo intervalo que ia<br />
do Canadá (7.º país mais transparente do<br />
mundo) à Bolívia (em 85.º lugar, só seis<br />
lugares atrás do país menos transparente do<br />
Planeta). Este fraco <strong>de</strong>sempenho, em matéria<br />
<strong>de</strong> transparência pública e gestão <strong>de</strong>mocrática,<br />
conspira, sem dúvida, contra a credibilida<strong>de</strong><br />
e a legitimida<strong>de</strong> das instituições<br />
políticas, o que, a curto ou médio prazo,<br />
po<strong>de</strong> redundar em crises institucionais. Por<br />
outro lado, a generalização <strong>de</strong> uma <strong>cultura</strong><br />
<strong>de</strong> corrupção afecta o funcionamento da<br />
economia, enquanto os agentes económicos<br />
requerem parâmetros claros, regras<br />
inequívocas e estáveis para operar (investir,<br />
produzir e comercializar) no mercado,<br />
com níveis mínimos <strong>de</strong> previsibilida<strong>de</strong>.<br />
Finalmente, a corrupção política (que,<br />
como lamentavelmente temos podido<br />
constatar, não constitui património da<br />
direita) e, mais em geral, a falta <strong>de</strong> respeito<br />
pela legalida<strong>de</strong> vigente empreen<strong>de</strong>ram o<br />
aparecimento da violência social, o que<br />
acaba por alimentar um círculo vicioso <strong>de</strong><br />
instabilida<strong>de</strong> e fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocráticas,<br />
que incrementa uma agenda <strong>de</strong> «securização<br />
da vida quotidiana» que, geralmente,<br />
gera ensaios e implantações políticas <strong>de</strong><br />
cariz autoritário. Não se trata <strong>de</strong> haver um<br />
contexto favorável ao retorno dos militares<br />
a li<strong>de</strong>rar ditaduras <strong>de</strong> terrorismo <strong>de</strong> Estado,<br />
do género das que assolaram o continente<br />
entre os anos 60 e 70. Hoje, o perigo radica<br />
na ascensão <strong>de</strong> autoritarismos <strong>de</strong> novo<br />
tipo que, inclusive, po<strong>de</strong>riam ace<strong>de</strong>r ao<br />
governo com legitimação eleitoral e que,<br />
sem dúvida, se veriam amplamente favorecidos<br />
por um fracasso dos governos progressistas<br />
perante as complexas agendas<br />
que enfrentam. De tal modo que o <strong>de</strong>scrédito<br />
da política constitui um factor negativo<br />
para a afirmação das esquerdas e das<br />
forças progressistas, tanto em contextos <strong>de</strong><br />
ocupação <strong>de</strong> papéis <strong>de</strong> oposição, mas,<br />
sobretudo, para o exercício da li<strong>de</strong>rança do<br />
governo.<br />
Se, como se assinalou, a expansão da<br />
<strong>de</strong>mocracia no continente constitui um<br />
sinal alentador dos tempos que correm, o<br />
panorama político mais actual não está<br />
livre <strong>de</strong> sinais preocupantes e, em alguns<br />
casos, verda<strong>de</strong>iramente alarmantes. As<br />
diversas crises que vários países da região<br />
atravessaram nos últimos anos, os escassos<br />
avanços em matéria social, os fenómenos<br />
<strong>de</strong> corrupção e a insegurança física que<br />
afecta importantes segmentos da população<br />
nas gran<strong>de</strong>s metrópoles e nas áreas<br />
rurais, os cenários <strong>de</strong> polarização política e<br />
social, a dificulda<strong>de</strong>, em alguns casos crescente,<br />
em vislumbrar e concretizar um<br />
futuro melhor para os nossos países no que<br />
concerne à sua inserção competitiva nos<br />
novos contextos internacionais configuram<br />
um quadro no qual a afirmação da <strong>de</strong>mocracia<br />
constitui uma tarefa <strong>de</strong> primeira<br />
or<strong>de</strong>m, trabalho, por outro lado, inacabado<br />
e inacabável. Este <strong>de</strong>safio, em particular,<br />
resulta incontornável para os governos <strong>de</strong><br />
esquerda, a partir <strong>de</strong> respostas que não<br />
po<strong>de</strong>m ser restauradoras e que têm <strong>de</strong>