Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
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A INVENÇÃO DA AMÉRICA 68<br />
69<br />
INTRODUÇÃO<br />
As discussões sobre o conceito <strong>de</strong><br />
cidadania e <strong>de</strong> representação política ocupam<br />
um lugar central na agenda política e<br />
académica internacional. Na América Latina,<br />
o recolocar <strong>de</strong>stas problemáticas retomou-se<br />
no seu início com os efeitos ainda<br />
persistentes dos processos <strong>de</strong> transição<br />
para a <strong>de</strong>mocracia e dos processos <strong>de</strong><br />
«reacção antipolítica» posteriores ao fracasso<br />
estrondoso <strong>de</strong> vários governos que<br />
aplicaram <strong>de</strong> uma maneira ortodoxa as<br />
receitas e os postulados do chamado neoliberalismo,<br />
em voga no continente durante<br />
gran<strong>de</strong> parte dos anos 90. No entanto, não<br />
há dúvida <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há uns anos, o fenómeno<br />
que mais <strong>de</strong>cisivamente impulsiona<br />
este <strong>de</strong>bate se relaciona com o advento, em<br />
vários países do subcontinente, <strong>de</strong> governos<br />
<strong>de</strong> esquerda ou <strong>de</strong> sentido mais ou<br />
menos progressista (Argentina, Bolívia,<br />
Brasil, Chile, Uruguai, Venezuela) que,<br />
apesar das suas diferenças, em alguns casos<br />
notórias, foram eleitos com base na esperança<br />
<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s que, ao fazerem essas<br />
opções, apostavam claramente na procura<br />
<strong>de</strong> mudanças profundas a diferentes<br />
níveis.<br />
A explosão <strong>de</strong> expectativas que acompanhou,<br />
e ainda acompanha, a sucessão<br />
<strong>de</strong>stes processos, estimulada pela coincidência<br />
<strong>de</strong> novas eleições neste mesmo ano<br />
<strong>de</strong> 2006 noutros países da região, o que<br />
po<strong>de</strong>ria aumentar e consolidar esta tendência<br />
para a mudança começou, no entanto, a<br />
mitigar os seus signos, entre sinais <strong>de</strong><br />
impaciência ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencanto perante o<br />
<strong>de</strong>sempenho dos novos governos. A expectativa<br />
<strong>de</strong> mudança e as realida<strong>de</strong>s críticas<br />
que as socieda<strong>de</strong>s latino-americanas apresentam<br />
tornam absolutamente lógica a<br />
impaciência <strong>de</strong> pessoas cujo objectivo central<br />
po<strong>de</strong>ria muito bem sintetizar-se no<br />
objectivo <strong>de</strong> alcançar, em alguns casos pela<br />
primeira vez, o «direito a ter direitos».<br />
Em suma, tratar-se-ia <strong>de</strong>, efectivamente,<br />
converter pessoas em cidadãos genuínos.<br />
Na nossa opinião, neste ponto resi<strong>de</strong> um<br />
dos eixos fundamentais da encruzilhada<br />
institucional em sentido radical que atravessa<br />
o subcontinente.<br />
O CENÁRIO GLOBAL<br />
DA POLÍTICA SUL-AMERICANA<br />
CONTEMPORÂNEA<br />
Ao comparar o cenário latino-americano<br />
das décadas <strong>de</strong> quarenta ou cinquenta<br />
do século passado – quando apenas dois ou<br />
três países podiam ser qualificados como<br />
<strong>de</strong>mocráticos – com o presente, é impossível<br />
não aceitar o avanço das instituições,<br />
dos valores e dos hábitos da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Neste sentido, alguns acontecimentos históricos<br />
específicos e processos políticos<br />
globais ofereceram um último impulso ao<br />
avanço <strong>de</strong>mocrático no continente. É possível<br />
verificar na região uma tendência para a<br />
consolidação, por um lado, dos instrumentos<br />
vigentes em matéria <strong>de</strong> integração política<br />
como alternativa perante os avassalamentos<br />
do formato unipolar e hegemónico<br />
da globalização impulsionada pelos EUA e,<br />
por outro, para a construção <strong>de</strong> novos<br />
governos orientados para transformar (no<br />
quadro <strong>de</strong> fortes restrições internas e externas)<br />
as tendências ultraliberais provenientes<br />
do chamado «Consenso <strong>de</strong> Washington»<br />
em orientações programáticas <strong>de</strong> sentido<br />
progressista, em termos gerais.<br />
Para lá <strong>de</strong> diferenças ou matizes nas<br />
políticas aplicadas, esta é a perspectiva que<br />
se abre com a ascensão <strong>de</strong> governos como<br />
os <strong>de</strong> Lula no Brasil, Kirchner na Argentina,<br />
a consolidação da experiência da Concertação<br />
Democrática no Chile <strong>de</strong> Lago e agora<br />
<strong>de</strong> Bachelet, as oportunida<strong>de</strong>s abertas no<br />
Uruguai através da vitória, na primeira<br />
volta, da esquerda unida na Frente Ampla<br />
com Tabaré Vázquez, o triunfo espectacular,<br />
também na primeira volta, do MAS sob a<br />
li<strong>de</strong>rança do dirigente indígena Evo Morales<br />
num autêntico contexto revolucionário<br />
na Bolívia. Inclusive, apesar da sua locução,<br />
por vezes <strong>de</strong> perfil autoritário e populista, a<br />
própria experiência do Governo <strong>de</strong> Chávez,<br />
na Venezuela, em particular no que<br />
concerne à sua rejeição do intervencionismo<br />
norte-americano e à sua militância<br />
integracionista bolivariana, mostram um<br />
continente que parece mudar política e<br />
i<strong>de</strong>ologicamente, sempre <strong>de</strong>ntro das margens<br />
estreitas <strong>de</strong> um contexto internacional<br />
não <strong>de</strong>masiado favorável. Em algumas <strong>de</strong>stas<br />
experiências, não em todas, e isto con-