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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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A INVENÇÃO DA AMÉRICA 64<br />

65<br />

que surge da percepção<br />

maioritária <strong>de</strong> que<br />

o país está no bom<br />

caminho, embora haja<br />

problemas sociais <strong>de</strong>licados<br />

que exigem solução<br />

urgente, como a<br />

educação, a saú<strong>de</strong> e o<br />

trabalho digno e que,<br />

no quadro da prosperida<strong>de</strong><br />

económica que<br />

o Chile vive, adquirem<br />

um carácter realmente<br />

escandaloso que <strong>de</strong>veria<br />

cobrir <strong>de</strong> vergonha<br />

uma coligação <strong>de</strong> centro-esquerda<br />

que governa<br />

o Chile <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1990 e que ainda não<br />

conseguiu tirar o país<br />

<strong>de</strong> um ranking inaceitável:<br />

o <strong>de</strong> país com<br />

a maior <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> rendimentos do<br />

continente.<br />

Suspeito que ao «<strong>de</strong>saparecimento da<br />

utopia», após o fim do comunismo, na qual<br />

também acreditei, aconteceu o mesmo que<br />

ao conceito <strong>de</strong> «fim da história» <strong>de</strong> Fukuyama.<br />

No meio da euforia que se apo<strong>de</strong>rava<br />

dos <strong>de</strong>tractores do socialismo real, Fukuyama<br />

postulou que a actual socieda<strong>de</strong> industrial<br />

oci<strong>de</strong>ntal era uma espécie <strong>de</strong> estado final<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento humano. Curiosamente,<br />

como anteriormente Hegel, Fukuyama<br />

não previu a complexida<strong>de</strong> da História nem<br />

a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> metamorfose. A surpreen<strong>de</strong>nte<br />

ebulição que reconquista o continente<br />

e inquieta Washington é prova <strong>de</strong> que<br />

a utopia continua ali, tenaz e obstinada como<br />

sempre, mas metamorfoseada. Já não é uma<br />

utopia concreta como a que pintaram Moro,<br />

Marx, Lenine, Mao ou Castro, mas antes<br />

esfumada e <strong>de</strong> contornos imprecisos, como<br />

os quadros <strong>de</strong> Turner. Paradoxalmente, a<br />

força da utopia renovada emerge da sua<br />

ambiguida<strong>de</strong>, do seu nexo solto com princípios<br />

gerais que exigem equida<strong>de</strong> social, acesso<br />

à educação e à saú<strong>de</strong>, aprofundamento da<br />

<strong>de</strong>mocracia, <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e<br />

oposição a um mundo unipolar. A sua convocatória<br />

baseia-se em não ser um corpo<br />

Na América Latina, não é<br />

a persistência <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>terminada i<strong>de</strong>ologia<br />

que mantém viva a utopia,<br />

mas sim as condições sociais<br />

realmente existentes, e por isso<br />

a utopia não envelhece,<br />

não <strong>de</strong>clina e continua<br />

vibrando como um <strong>de</strong>sejo<br />

em busca <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r,<br />

um lí<strong>de</strong>r que po<strong>de</strong> ser<br />

tanto um revolucionário<br />

bem intencionado<br />

como um <strong>de</strong>magogo<br />

da pior estirpe.<br />

orgânico, coerente e<br />

monolítico, mas antes<br />

vago, contraditório, diverso<br />

e <strong>de</strong>scentrado.<br />

Em sentido estrito,<br />

mais que uma utopia é<br />

um horizonte utópico,<br />

um ponto inspirador<br />

ao qual ninguém po<strong>de</strong><br />

ace<strong>de</strong>r e que, consequentemente,ninguém<br />

po<strong>de</strong> monopolizar.<br />

É, ao mesmo<br />

tempo, uma utopia em<br />

certo sentido, que corre<br />

o risco <strong>de</strong> ser sequestrada<br />

por <strong>de</strong>magogos<br />

ou oportunistas,<br />

por políticos que po<strong>de</strong>m<br />

colocar-se na li<strong>de</strong>rança<br />

<strong>de</strong> causas massivas<br />

sem terem uma<br />

agenda viável e cujo<br />

objectivo real po<strong>de</strong><br />

ser o <strong>de</strong> mero apetite<br />

pelo po<strong>de</strong>r e pelas vantagens que este<br />

comporta.<br />

Esta utopia coloca uma interrogante<br />

questão-chave ao intelectual latino-americano:<br />

qual a sua alternativa se preten<strong>de</strong> comunicar<br />

discursos com conteúdo à população? Procurar<br />

no Estado bolsas, prémios e cargos no<br />

Governo ou embaixadas, convertendo-se<br />

assim no escritor Paniaguado que <strong>de</strong>nuncia<br />

Cervantes como um dos que vive do pão e da<br />

água que lhe dão os patronos? Ou emigrar<br />

para os Estados Unidos ou para a Europa, para<br />

tentar a partir dali, fundamentalmente a partir<br />

da aca<strong>de</strong>mia, uma inserção no circuito internacional<br />

<strong>de</strong> livros como autor globalizado<br />

com voz e prestígio? Ou está con<strong>de</strong>nado a<br />

<strong>de</strong>saparecer como voz crítica, eclipsado pelas<br />

entrevistas aos protagonistas do teatro, dos<br />

reality shows ou das estrelas <strong>de</strong> cinema, todos<br />

eles convertidos hoje nos filósofos mo<strong>de</strong>rnos?<br />

No primeiro caso, corre o risco <strong>de</strong> se<br />

converter em voz provinciana <strong>de</strong>ntro do<br />

gran<strong>de</strong> discurso global, em alguém que, pelo<br />

seu exotismo, talvez possa ser incorporado no<br />

sistema. No segundo caso, enfrenta o perigo<br />

<strong>de</strong> ser arrumado na estante da livraria como<br />

escritor «hispano» ou «latino», como

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