Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
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inspirada, mais tar<strong>de</strong>,<br />
pelo sonho <strong>de</strong> uma<br />
América Latina melhor,<br />
por parte dos libertadores,<br />
sonho partilhado<br />
por Miranda, Bolívar,<br />
San Martín, O’Higgins,<br />
Artigas, Hostos, Martí<br />
e tantos outros; e esses<br />
sonhos, reformulados<br />
mas nunca essencialmentemodificados,impulsionaram<br />
também<br />
revoluções sociais ao<br />
longo do século XX.<br />
Ali estão os nomes<br />
<strong>de</strong> Allen<strong>de</strong>, Arbenz,<br />
Castro, J.J. Torres, Che<br />
Guevara. E tudo indica<br />
que, com o fim dos<br />
socialismos reais (China<br />
e Cuba são um caso à<br />
parte), a utopia continua<br />
a palpitar obstinadamente<br />
na região<br />
como força inspiradora, que se nutre <strong>de</strong> uma<br />
tradição <strong>de</strong> longa data, já presente nos relatos<br />
dos povos aborígenes indo-americanos, que<br />
animam os intelectuais progressistas, e que<br />
mantém vigente a iniquida<strong>de</strong> social que<br />
caracteriza a América Latina como a região<br />
mais <strong>de</strong>sigual do mundo e que os meios globalizados<br />
tornam mais evi<strong>de</strong>nte e con<strong>de</strong>nável.<br />
Na América Latina, não é a persistência <strong>de</strong><br />
uma <strong>de</strong>terminada i<strong>de</strong>ologia que mantém viva<br />
a utopia, mas sim as condições sociais realmente<br />
existentes, e por isso a utopia não<br />
envelhece, não <strong>de</strong>clina e continua a vibrar<br />
como um <strong>de</strong>sejo em busca <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r, um lí<strong>de</strong>r<br />
que po<strong>de</strong> ser tanto um revolucionário bem<br />
intencionado como um <strong>de</strong>magogo da pior<br />
estirpe. O que mantém vigente a utopia é a<br />
agenda social pen<strong>de</strong>nte que as elites latino-<br />
-americanas mantêm com os seus povos<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o surgimento das pátrias in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />
que arrastavam estas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>siguais<br />
já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Colónia. A emigração para os Estados<br />
Unidos e para a Europa é uma forma <strong>de</strong><br />
fugir <strong>de</strong>ssas condições asfixiantes, nunca aliviadas<br />
pelo êxito da utopia, até a um Norte<br />
cujas fronteiras, por momentos, se tornaram<br />
permeáveis. Neste contexto, cabe-nos per-<br />
Chávez disse<br />
sentir-se Bolívar;<br />
Lula chega ao po<strong>de</strong>r<br />
expressando<br />
as reivindicações históricas<br />
das classes populares,<br />
e Morales, à semelhança<br />
do lí<strong>de</strong>r opositor<br />
Ollanta Humala, no Peru,<br />
é porta-voz dos indígenas<br />
num país on<strong>de</strong> estes<br />
constituem a maioria,<br />
mas nunca governaram.<br />
guntar qual seria a<br />
situação <strong>de</strong> países<br />
como o México ou da<br />
América Central se<br />
não contassem com<br />
milhões <strong>de</strong> cidadãos<br />
seus no coração do<br />
império, don<strong>de</strong> anualmente<br />
enviam remessas<br />
aos seus familiares,<br />
para o outro lado do<br />
rio Bravo, mais <strong>de</strong> 40<br />
mil milhões <strong>de</strong> dólares.<br />
Para o México, as Honduras<br />
ou a Guatemala,<br />
as remessas constituem<br />
uma das principais,<br />
senão a principal, fonte<br />
<strong>de</strong> receitas em divisas,<br />
o que traduz não só as<br />
condições que oferecem<br />
estes países à sua<br />
população, como também<br />
o papel <strong>de</strong>scongestionante<br />
e estimulante<br />
para a economia nacional que a emigração<br />
para o Norte representa para essas nações.<br />
É evi<strong>de</strong>nte que as expectativas populares<br />
<strong>de</strong>spertadas, nos seus países, por Chávez, Lula<br />
ou Evo Morales resultam não apenas do facto<br />
<strong>de</strong> que estes lí<strong>de</strong>res recolhem não só aspirações<br />
e frustrações <strong>de</strong> vastos sectores nacionais<br />
marginalizados, como também utilizam uma<br />
versão reciclada das utopias da América Latina.<br />
Chávez disse sentir-se Bolívar; Lula chega<br />
ao po<strong>de</strong>r expressando as reivindicações históricas<br />
das classes populares, e Morales, à semelhança<br />
do lí<strong>de</strong>r opositor Ollanta Humala, no<br />
Peru, é porta-voz dos indígenas num país<br />
on<strong>de</strong> estes constituem a maioria, mas nunca<br />
governaram. É verda<strong>de</strong> que estes lí<strong>de</strong>res têm<br />
agendas diferentes e que, sob o manto da tradição<br />
utópica, acabam por aplicar políticas<br />
pragmáticas, mas, quando recorrem à utopia,<br />
fazem-no como Fi<strong>de</strong>l Castro que, usando a<br />
imagem <strong>de</strong> Martí e <strong>de</strong> Che, ten<strong>de</strong> a impor<br />
uma versão da utopia revolucionária na qual<br />
esta se torna, supostamente, realida<strong>de</strong> na sua<br />
ilha. Por outro lado, o êxito <strong>de</strong> Michelle<br />
Bachelet no Chile também se <strong>de</strong>ve à persistência<br />
<strong>de</strong> uma aspiração utópica nacional que<br />
ela encarnou melhor que o centro-direita e