Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
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província <strong>de</strong> Charcas, cumprindo assim o<br />
propósito <strong>de</strong> instigar a rebelião, já promovida<br />
pelo inca Manco Capac, em Cuzco.<br />
No entanto, a neblina, a ausência <strong>de</strong><br />
estrelas, o <strong>de</strong>serto e o horizonte circular <strong>de</strong>sviaram-nos,<br />
fazendo-os seguir para norte,<br />
rumo ao poente.<br />
Quando julgavam ter-se perdido para<br />
sempre, arrastando-se pela areia, avistaram<br />
o paraíso sob a forma do oásis <strong>de</strong> Pica.<br />
Desta vez, Ñusta Huillac, seguida <strong>de</strong><br />
uma centena dos seus melhores guerreiros<br />
e inseparáveis servidores, os wilkas, refugiou-se<br />
num bosque <strong>de</strong> tamarugos, cactos e<br />
alfarrobeiras nativas, que na altura cobriam<br />
o que é actualmente a Pampa do Tamarugal.<br />
Apelidaram essa região <strong>de</strong> Tarapacá,<br />
que em língua quechúa significa bosque<br />
impenetrável (<strong>de</strong>ssa vegetação espessa, restam<br />
apenas hoje vestígios nas imediações<br />
do povoado <strong>de</strong> Tarapacá e dos casarios <strong>de</strong><br />
Canchona e La Tirana).<br />
Durante quatro anos, Ñusta Huillac foi<br />
rainha e senhora <strong>de</strong>sses locais porque<br />
Paullo mostrou uma <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> crescente e<br />
vivia apenas para alimentar a sua nostalgia.<br />
A mando dos seus valentes wilka, Ñusta<br />
organizou as tropas e distribuiu-as <strong>de</strong> tal<br />
modo que esses bosques <strong>de</strong> Tamarugos<br />
constituíram um invencível bastião.<br />
Organizou o resto da população ao<br />
modo incaico, que permitia a exploração<br />
racional da terra e produção <strong>de</strong> vestuário<br />
e alimentação para todos. Pão e justiça era<br />
o lema <strong>de</strong>sta mulher, cuja força <strong>de</strong> carácter<br />
e firmeza das suas <strong>de</strong>cisões lhe conferiram<br />
o título atribuído pelo seu povo,<br />
como um segredo em coro: a Tirana do<br />
Tamarugal.<br />
Bem, Ñusta não se incomodou com o<br />
apelido, pois significava que o seu empenho<br />
em impor disciplina e or<strong>de</strong>m para<br />
combater os conquistadores triunfava. A<br />
melhor prova do sucesso do governo da<br />
Tirana do Tamarugal ia sendo dada pelo<br />
crescente apoio que lhe foram proporcionando<br />
os povos repartidos pelo vasto<br />
<strong>de</strong>serto. De todos os cantos do território <strong>de</strong><br />
Tahuantisuyo, quadrilhas <strong>de</strong> homens dispostos<br />
a dar a vida para acabar com os<br />
invasores acorreram a prestar-lhe homenagem<br />
e a jurar-lhe lealda<strong>de</strong>.<br />
A selva do Tamarugal foi, durante quatro<br />
anos, o baluarte <strong>de</strong> um povo que também<br />
se negou a aceitar a religião imposta<br />
pelos conquistadores. Por esse motivo,<br />
constituiu-se como lei inexorável <strong>de</strong>ssa<br />
comunida<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar à morte todo o<br />
estrangeiro ou aborígene baptizado que<br />
caísse em seu po<strong>de</strong>r.<br />
No entanto, Ñusta Huillac ignorava a<br />
partida que o <strong>de</strong>stino lhe reservava.<br />
Certo dia, levaram-lhe uns prisioneiros<br />
capturados, pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem<br />
fugido <strong>de</strong> uma mina <strong>de</strong> prata <strong>de</strong> Huantajaya.<br />
Juraram ter partido com a intenção <strong>de</strong><br />
se introduzirem na região em busca da<br />
Numa noite <strong>de</strong> espessa<br />
neblina, introduziram-se<br />
no <strong>de</strong>serto, até à cordilheira,<br />
em busca <strong>de</strong> um caminho<br />
que os levasse à província<br />
<strong>de</strong> Charcas, cumprindo assim<br />
o propósito <strong>de</strong> instigar<br />
a rebelião, já promovida pelo<br />
inca Manco Capac, em Cuzco.<br />
Mina do Sol, que proporcionaria incalculáveis<br />
riquezas à Tirana. Os infelizes não<br />
entendiam que, para esse povo, o ouro não<br />
era nada mais do que «lágrimas do sol»<br />
<strong>de</strong>stinadas a confeccionar objectos preciosos<br />
para o próprio culto <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>us senhor<br />
da vida.<br />
O grupo <strong>de</strong> esfarrapados era comandado<br />
por um estrangeiro, não espanhol<br />
mas sim português, chamado D. Vasco <strong>de</strong><br />
Almeida.<br />
Ao vê-lo ferido, as roupas rasgadas,<br />
envolto em suor e pó, Ñusta sentiu na sua<br />
própria pele os golpes, o cansaço, a <strong>de</strong>rrota<br />
e o orgulho indomável daquele homem.