Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
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DESEJOS DE NUVENS (10)<br />
O motor do Euzebel solavancou duas, três vezes, tossiu, resfolegou,<br />
imaginamos que fosse parar ou explodir. Foi engano. Ele<br />
ainda sequenciou uns solavancos, fez mimos, quis carinho, mas aí<br />
seguiu, foi adiante, entrou em calma <strong>de</strong> rolamentos e correias, os<br />
pinos se aquietaram, o metal azeitou-se, e o motor suspirou e<br />
produziu música. Ferdinando Flauta Mágica então moveu uma<br />
manopla e l<strong>ibero</strong>u as energias para a hélice. Ela girou, rodopiou,<br />
entrou em re<strong>de</strong>moinhos, colheu vento e agiu como uma dócil<br />
fêmea ventoinha. E nem acreditamos quando, aos poucos,<br />
movendo quadris e carcaças, o barco ganhava altura, elevava-se,<br />
subia um, dois, quatro metros. E lá pairou todo pássaro. O barco<br />
tinha <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> nuvens. Ele tinha vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>s. Aquilo<br />
era apenas um teste, mas o Euzebel estava pronto para a viagem.<br />
10. CORPOS<br />
[& VONTADES]<br />
Não era o ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> pássaros que transportava as gaiolas,<br />
era, mais me parece, as gaiolas-ao-contrário que transportavam ao<br />
homem que, sorri<strong>de</strong>nte, aceitava os <strong>de</strong>stinos que a ma<strong>de</strong>ira aconselhava.<br />
Ele, o homem, elas as gaiolas, e eles os pássaros alegres<br />
aproximaram-se da praia e encontraram uma mulher nitidamente<br />
grávida, nessa imagem que não gera outra coisa que não ternura.<br />
O ven<strong>de</strong>dor sentiu o cheiro da mulher – misto <strong>de</strong> folha-<strong>de</strong>-<br />
-louro, alho recente, óleo-<strong>de</strong>-palma e a fumaça <strong>de</strong> um certo<br />
peixe-grelhado que ele quis imaginar fosse peixe-galo. Veio-lhe<br />
água à boca e uma pontinha <strong>de</strong> fome roçou-lhe o interior do<br />
estômago. Evitou cruzar o corpo ou o olhar com o da mulher.<br />
Passou ao largo e aproximou-se, vagaroso, da embarcação <strong>de</strong>itadiça<br />
junto ao mar.<br />
Era <strong>de</strong> noite.<br />
Havia um <strong>de</strong>stino a cumprir, e era uma viagem.<br />
No céu as estrelas estavam prontas,<br />
na «praia da chicala» as mãos estavam salgadas.