Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
TRAVESSIAS 26 27<br />
5. OUTRA CHEGADA<br />
[UM HOMEM QUE GOSTAVA DE DIZER POEMAS]<br />
Era uma pessoa acumulada em poesia, <strong>de</strong> sua autoria e <strong>de</strong><br />
autoria vária, com complementos <strong>de</strong> saber tremelicar os olhos e<br />
orelhas enquanto o discurso, fluido, lhe brotava das cordas vocais<br />
plenas <strong>de</strong> acalentamento e prosa corrida. Não tinha um metro e<br />
meio do chão aos cabelos, mas era gran<strong>de</strong> na sua dimensão <strong>de</strong> ser<br />
humano. De ser humano.<br />
Chegou como os outros – com vonta<strong>de</strong> partir.<br />
Ferdinando<br />
FLAUTA MÁGICA (6)<br />
Ferdinando Flauta Mágica, o que viajou pelo mundo e pelas<br />
épocas, fez-nos uma visita na terceira semana <strong>de</strong> julho. A lua estava<br />
<strong>de</strong> namoricos pelos bailes da madrugada, corujas felpudas atravessavam<br />
galhos e sombras, um curiango fez ruído nas copas <strong>de</strong><br />
uma gameleira. Foi aí, enquanto arro<strong>de</strong>ávamos uma fogueira, que<br />
Ferdinando nos apareceu, ele com o seu chapéu, ele com o seu<br />
capote, ele com as suas botas <strong>de</strong> cano alto. Vinha em missão <strong>de</strong><br />
reconhecimento, mas vinha também com <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> embarque.<br />
Puxou histórias com Lucas Baldus, disse bravatas sobre os perigos<br />
do mar. Por fim, sem ro<strong>de</strong>ios, anunciou sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viajar a<br />
Luanda. E até alisou o casco do Euzebel, como quem acaricia o<br />
pescoço <strong>de</strong> um cavalo bravio.<br />
6. MAPAS PROPÍCIOS<br />
[O COMANDANTE ESPERA PACIENTEMENTE]<br />
Explicou que havia uma configuração propícia à movimentação<br />
marinha, e que isso <strong>de</strong> se saber para on<strong>de</strong> se iria era <strong>de</strong> menor<br />
relevância, antes, isso sim, saber <strong>de</strong>cidir em que condições a viagem<br />
po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>correr, não no que a mantimentos se referisse mas<br />
aos materiais humanos, aí sim, incluídos os mantimentos gastronómicos<br />
e medicinais necessários, bem como os da natureza<br />
intrínseca à humanida<strong>de</strong>, os poemas, as vozes, a música e as bússolas<br />
que imitando corações soubessem ditar ritmos e bombear<br />
<strong>de</strong>sejos mais ou menos próximos do instinto.<br />
COLECCIONADOR DE VENTANIA (7)<br />
Foi pelas artes <strong>de</strong> Ferdinando Flauta Mágica que conhecemos<br />
um outro visitante, poucos dias <strong>de</strong>pois, chamado Coleccionador<br />
<strong>de</strong> Ventania. Alegre no falar, alegre no modo <strong>de</strong> ser. Dizia-se português<br />
da região do Minho, mas com algum tempo a mais <strong>de</strong> conversa<br />
logo <strong>de</strong>scobrimos que nascera na Beira Interior, para os lados<br />
da Covilhã. Muito imaginoso, Coleccionador <strong>de</strong> Ventania contava<br />
enoveladas histórias. O nome verda<strong>de</strong>iro era José, José das Dores<br />
Terrenas. O apelido tivera origem, conforme disse, nas li<strong>de</strong>s das<br />
navegações. «Sempre em pequenos barcos pesqueiros», contou.<br />
Ele apareceu numa noitinha que era uma noitinha <strong>de</strong> promessas<br />
<strong>de</strong> luas. O Euzebel pontificava altivo, à espera <strong>de</strong> fazer-se