Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
NOVAS PALAVRAS (4)<br />
Enquanto nos preparava o mapa <strong>de</strong> navegação e exercitava<br />
compassos e réguas <strong>de</strong> cartógrafo, João Serenus falava sobre certas<br />
palavras da língua portuguesa que acompanharam as caravelas,<br />
mais precisamente a espuma das caravelas, e foram ora para<br />
Angola ora para o Brasil, palavras muitas <strong>de</strong>las hoje em <strong>de</strong>suso,<br />
quase fósseis <strong>de</strong> palavras. Palavras que viraram frutas e viraram<br />
bichos, palavras que viraram sóis e luas, palavras que, em cópulas,<br />
cópulas em praia aberta ou cópulas selva a<strong>de</strong>ntro, geraram<br />
outras palavras, essas palavras ar<strong>de</strong>ntes sob o sol dos trópicos,<br />
milhares <strong>de</strong> sílabas renascidas e <strong>de</strong> frases iluminadas, alaridos <strong>de</strong><br />
vogais e consoantes, tumulto <strong>de</strong> vocábulos em nu<strong>de</strong>z e festa. João<br />
Serenus nos dizia tudo isto, enquanto traçava rotas e caminhos<br />
para o Euzebel.<br />
4. DO TAL HOMEM<br />
[E DOS SEUS PÁSSAROS]<br />
Os pássaros eram transportados numa espécie <strong>de</strong> gaiolas-ao-<br />
-contrário, artefacto <strong>de</strong> difícil construção técnica e <strong>de</strong> mais complicada<br />
manutenção, como uma mini-jaula aberta, com lugar para<br />
as patas dos passarinhos e o recipiente para pouca comida, pois<br />
que estes pássaros, em verda<strong>de</strong>, circulavam livremente e a estas<br />
gaiolas voltavam sem chamamento <strong>de</strong> assobio ou pedido <strong>de</strong><br />
regresso. O homem que as transportava esquecera-se <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>ntes<br />
na boca, <strong>de</strong> modo que o seu sorriso era uma varanda bonita sem<br />
ser linda, curiosa sem ser fantasmagórica, e simpática sem nunca<br />
chegar a ser bela.<br />
Caminhava <strong>de</strong>vagar o tal homem-que-vendia-pássaros, fazendo<br />
tanto ou menos ruído que o vento. Era uma espécie <strong>de</strong> pássaro,<br />
também ele, mas sem uma gaiola circundante que se pu<strong>de</strong>sse ver<br />
com olhos <strong>de</strong> olhar ou formato <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r.<br />
PRIMEIROS ASSENTAMENTOS NO DIÁRIO DE BORDO (5)<br />
Na manhã em que ficou pronto o mapa <strong>de</strong> navegação, João<br />
Serenus igualmente nos mostrou um livro enorme, encapado <strong>de</strong><br />
azul, o qual, logo soubemos, seria o nosso Diário <strong>de</strong> Bordo. E ali<br />
mesmo, naqueles <strong>de</strong>svãos do Mar <strong>de</strong> Minas on<strong>de</strong> se equilibrava o<br />
Euzebel, Rubem Focs quis fazer o primeiro registro, o primeiro<br />
assentamento, a primeira garatuja.<br />
Eis o que Focs escreveu: «Logo estaremos ao sabor do<br />
Atlântico. O nosso <strong>de</strong>stino é uma ilha em um ponto secreto do<br />
oceano, entre Angola e Brasil. De Luanda, também está para vir<br />
um barco-irmão, barco igualmente mágico, para esse encontro na<br />
ilha. Quando nos encontrarmos, o barco <strong>de</strong> Luanda virá para<br />
Minas, o Euzebel irá para Luanda. Pelo que sei, o barco-irmão-<br />
-angolano tem o nome <strong>de</strong> Estrela-do-Mar. Belo nome para tão<br />
benfazejos propósitos.»