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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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BIBLIOTECA DE COISAS (2)<br />

O mar <strong>de</strong> Minas é feito <strong>de</strong> montanhas e serranias e foi em um<br />

<strong>de</strong>svão, lugar entre o que é e o que não é, abertura no horizonte<br />

a meio passo do abismo e da superfície dos morros, que embicámos<br />

o Euzebel. Dali, <strong>de</strong>sse lugar <strong>de</strong> risco, o nosso barco mirou o<br />

leste, o leste das distâncias atlânticas. Até então, pouco tínhamos.<br />

Até então, éramos três marujos <strong>de</strong> palavras, homens da pena e do<br />

cálamo, homens feitos <strong>de</strong> páginas. E foi Rubem Focs quem sugeriu<br />

que alimentássemos o porão do Euzebel com as porções disto<br />

e daquilo, migalhas do nosso convívio, <strong>de</strong>licadas lembranças,<br />

amuletos, biblioteca <strong>de</strong> coisas e imagens. E então passámos a recolher<br />

frutas, como o araticum; pedras, como a carne <strong>de</strong> vaca; flores<br />

como a sempre-viva; lascas, como a do jatobá; pássaros, como o<br />

bem-te-vi; ventos, como o que sopra pelo planalto, pelo cerrado,<br />

pelas altanias do Alto do Paranaíba, caminhos do lobo-guará, trilhas<br />

das siriemas.<br />

Tudo isto, em presença ou efígie, fomos colocando nos<br />

porões do Euzebel. Uns sonhos novos e uns sonhos <strong>de</strong>spedaçados.<br />

Uns amores ainda quentes e outros já tornados cinza em fornalhas<br />

abandonadas. E muito tardámos em semelhante tarefa, um<br />

mês ou mais, enquanto o Euzebel mirava o leste com a sua quilha<br />

lustrada <strong>de</strong> novo e <strong>de</strong> impetuosas vonta<strong>de</strong>s. Nosso Euzebel queria<br />

o oceano, quase nos pedia e implorava fazer-se ao mar. Mas ainda<br />

não era o tempo da navegação. Viria o junho entrante, viriam as<br />

brumas <strong>de</strong> julho. A hora chegaria com a conclusão <strong>de</strong> um mapa,<br />

este a cargo <strong>de</strong> João Serenus.<br />

2. A EMBARCAÇÃO NÃO FALA MAS SENTE<br />

[CONSIDERAÇÕES POUCAS]<br />

A embarcação não tinha hora <strong>de</strong> partir, nem a coisa era tão<br />

combinada ao ponto <strong>de</strong> se saber rumos, crenças ou buscas pessoais<br />

da índole das paixões que fazem mover os homens, as montanhas<br />

e os mares, simplesmente o tal barco <strong>de</strong> nome «Estrela-do-<br />

-mar» repousava com o corpo beijando a maré que, subindo,<br />

subia, sem com essa pressão salgada querer apressar o evento da<br />

partida. Ao largo, peugadas várias brotavam na areia perturbando<br />

a paz dos caranguejos e o sono dos coqueiros, eram pernas que<br />

ajudadas por corpos traziam das casas mantimentos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

gastronómica, ornamentos minúsculos <strong>de</strong> natureza pessoal,<br />

medicamentos tradicionais no formato <strong>de</strong> folhas e raízes, bem<br />

como os corações repletos <strong>de</strong> um suco antigo a que os mais<br />

velhos chamam «incerteza».<br />

De noite, além do brilho da lua, era fácil <strong>de</strong>tectar, <strong>de</strong> longe<br />

como não, o brilho pueril que cada rosto levava pendurado, e não<br />

eram lágrimas <strong>de</strong> chorar.

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