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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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TRAVESSIAS 22 23<br />

EUZEBEL (1)<br />

Ao meu barco, eu <strong>de</strong>i o nome <strong>de</strong> Euzebel.<br />

Era o mês <strong>de</strong> maio, os céus <strong>de</strong> Minas exibiam azuis <strong>de</strong> profun<strong>de</strong>zas,<br />

tudo era quietu<strong>de</strong> em nosso quintal. E ali, junto com<br />

Lucas Baldus, Rubem Focs e João Serenus, concluí o barco,<br />

embarcação pouco maior do que uma traineira, pintada <strong>de</strong> ver<strong>de</strong><br />

e vermelho, com ma<strong>de</strong>irame polido à mão e o nome Euzebel bem<br />

à vista nos lados da quilha. Barco à vela, sim, mas igualmente a<br />

diesel para que pudéssemos vencer as distâncias pelo Atlântico.<br />

Lembro-me bem que foi logo antes do anoitecer, logo antes<br />

que testássemos nossas lunetas <strong>de</strong> ver estrelas, que nos arrodilhámos<br />

em volta do barco. E ali, com o gozo da tarefa cumprida e os<br />

<strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> milhas navegantes, passámos a imaginar o que embarcaríamos<br />

no Euzebel para a longa travessia, quem iria connosco,<br />

o que levaríamos a bordo e o que sonharíamos durante a viagem,<br />

rumo a Luanda.<br />

1. DE ESTRELAS NA MÃO<br />

[DOS PENSARES DE UM DOS NARRADORES]<br />

A grávida olhou a embarcação pelas laterais brilhantes, areia<br />

do mar incluída na sujida<strong>de</strong> e o sal também, <strong>de</strong>ixou os <strong>de</strong>dos da<br />

mão esquerda roçarem a ma<strong>de</strong>ira em jeito <strong>de</strong> carícia transbordante,<br />

e o que sentiu a<strong>de</strong>nsar-lhe o momento era uma espécie <strong>de</strong><br />

cheiro carregado <strong>de</strong> futuro, o bebé no seu ventre adormeceu e ela<br />

sentiu nítida a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um enjoo marinho, o vento no rosto<br />

empurrando os meses da espera que a cria leva a estrear-se no<br />

mundo, as velas suaves do barco convidando ao rumo, os búzios<br />

que entretanto se infiltrariam no pequeno porão e, já em alto-mar,<br />

fariam amor em prazer e função <strong>de</strong> reprodução, os olhos da grávida<br />

brilharam um pouco mais, e a embarcação encalhada gemeu<br />

um ruído nenhum, em acalentação da maré que enchia para<br />

humidificar a ma<strong>de</strong>ira do casco, a pintura recente da popa, a frieza<br />

da âncora e a beleza da figura daquela estranha máquina <strong>de</strong> viajar,<br />

a lua escon<strong>de</strong>u-se entre as nuvens voadoras e nenhum caranguejo<br />

se moveu, nenhuma concha voou, nenhuma onda rebentou,<br />

nenhum homem se aproximou, somente ali perto o comandante<br />

esperando o vaticínio da grávida para completar a cerimónia. E<br />

ela falou: o barco vai-se chamar «Estrela-do-mar».<br />

Com um gesto quase brusco, o comandante acen<strong>de</strong>u o<br />

cachimbo, e o cheiro morno atingiu o rosto do grávida que, sem<br />

falar sorriu e olhou para a mão do comandante que apertava a<br />

pipa, sendo que esse percebeu a mulher, era o seu jeito mais alegre<br />

<strong>de</strong> sorrir. A seu modo e ritmo, crê-se, também «Estrela-do-mar»<br />

sorriu.<br />

Era uma noite como outra qualquer, perto da baía <strong>de</strong> Luanda,<br />

num lugar conhecido como «praia da chicala».

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