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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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VAGA GENTE 18 19<br />

Vaga gente <strong>de</strong>finida num olhar que<br />

cruzava o oceano projectando na outra<br />

margem a ambição <strong>de</strong> regressar com fama<br />

e muito proveito ou <strong>de</strong> ficar por lá rendida<br />

à riqueza <strong>de</strong> outra terra. Gente do mar que<br />

partiu <strong>de</strong> Vila Nova <strong>de</strong> Portimão, à beira do<br />

rio, para as Índias, cruzando o gran<strong>de</strong> Mar<br />

Oceano em navios <strong>de</strong> negros, e que aportou<br />

a Cartagena das Índias, à terra que o<br />

historiador Pierre Chaunu disse que seria<br />

portuguesa se a unicefalia dos Estados ibéricos<br />

não se tivesse <strong>de</strong>sfeito<br />

tão <strong>de</strong>pressa. Nessa<br />

cida<strong>de</strong>, em 1630, muitos<br />

eram algarvios <strong>de</strong> Portimão<br />

frequentadores dos<br />

portos antilhanos.Tinham<br />

aportado como marinheiros,<br />

pilotos, mestres, pajens.<br />

Deixaram a mulher,<br />

os filhos, os pais e os<br />

irmãos e andavam <strong>de</strong> cá<br />

para lá, a bordo dos galeões<br />

da armada, tripulando<br />

os navios negreiros.<br />

Foram perseguidos por<br />

piratas e corsários que<br />

seguiam no rasto líquido<br />

do ouro e da prata que<br />

jorravam do Peru e do<br />

México.<br />

Habituados à faina,<br />

numa vila muralhada<br />

moldada na sua vocação<br />

marítima, conviviam <strong>de</strong><br />

perto com o contrabando<br />

que se praticava nas<br />

praias recônditas, viajando<br />

pelo Mediterrâneo,<br />

movidos por um dinâmico<br />

comércio <strong>de</strong> pescado<br />

e <strong>de</strong> frutos secos, não resistiram ao<br />

apelo da aventura nesse outro Mediterrâneo<br />

que Colombo inaugurara. Armavam<br />

navios com a ma<strong>de</strong>ira da serra <strong>de</strong> Monchique,<br />

prenhe <strong>de</strong> castanheiros, incentivados<br />

pelos privilégios concedidos por<br />

D. Sebastião aos moradores <strong>de</strong> Portimão<br />

para a construção naval. Iam para Sevilha e<br />

daqui para a América espanhola, como se<br />

fossem naturais <strong>de</strong> Castela, diziam eles.<br />

Mas não eram e, por isso, Filipe II nomeou<br />

Os <strong>de</strong> cá recebiam<br />

lembranças, por vezes visitas<br />

inesperadas, muitas vezes<br />

o resultado <strong>de</strong> um testamento<br />

que restituía a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

aos que, tendo ficado no<br />

silêncio da espera, recebiam<br />

a boa nova da parca fortuna<br />

no ofertório da missa <strong>de</strong><br />

domingo na Igreja Matriz.<br />

um feitor espanhol para coor<strong>de</strong>nar, no<br />

Algarve, a luta contra as falsas arribadas e o<br />

contrabando <strong>de</strong>smesurado praticado pelos<br />

mestres e capitães que vinham das Índias<br />

com os barcos carregados <strong>de</strong> mercadorias<br />

que os oficiais da Casa da Contratação <strong>de</strong><br />

Sevilha teriam <strong>de</strong> onerar com os direitos<br />

reais.<br />

Era vaga gente, como os antepassados<br />

<strong>de</strong> Jorge Luis Borges que, um dia, partiram<br />

<strong>de</strong> Trás-os-Montes rumo ao sul, para<br />

Buenos Aires. As histórias<br />

que nos contam,<br />

embora vagas, traduzem<br />

uma maior familiarida<strong>de</strong><br />

com o mar que os<br />

sustentava e embalava os<br />

seus sonhos do que com<br />

a terra on<strong>de</strong> nasceram.<br />

Talvez por isso a maior<br />

parte não regressasse em<br />

<strong>de</strong>finitivo. Ficavam por<br />

lá numa outra terra que<br />

vivia daquilo que pelo<br />

mar circulava <strong>de</strong> poente<br />

para oriente e <strong>de</strong> cá para<br />

lá. Negros em troca <strong>de</strong><br />

prata. E era <strong>de</strong>ste vaivém<br />

incessante que a vaga<br />

gente que partiu se alimentava<br />

e ganhava alguma<br />

notorieda<strong>de</strong>. Os <strong>de</strong><br />

cá recebiam lembranças,<br />

por vezes visitas inesperadas,<br />

muitas vezes o<br />

resultado <strong>de</strong> um testamento<br />

que restituía a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aos que, tendo<br />

ficado no silêncio da<br />

espera, recebiam a boa-<br />

-nova da parca fortuna<br />

no ofertório da missa <strong>de</strong> domingo na<br />

igreja matriz. É quando as histórias<br />

ganham contornos que dissipam o anonimato<br />

e os oficiais da Contratação se vingam<br />

dos «ilegais».<br />

Um João Fernan<strong>de</strong>s, marinheiro, <strong>de</strong>ixara<br />

a mulher «emprenhada» quando partiu<br />

para Cartagena. Nunca mais regressou,<br />

mas, em Guayaquil, on<strong>de</strong> redigiu o testamento,<br />

já enfermo e entregue aos cuidados<br />

dos irmãos do hospital <strong>de</strong> Santa Catarina

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