Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Revista Atlântica de cultura ibero-americanat
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A <strong>Atlântica</strong> é uma in<strong>de</strong>finição que<br />
ocorre nas algas. Em muitas terras do<br />
mundo on<strong>de</strong> os búzios falam na praia<br />
sobre a paixão das conchas pelos sons.<br />
Os sons sempre foram uma paixão dos<br />
afectos. Os búzios dizem que são a paixão<br />
<strong>de</strong>las, as conchas, pelos sons <strong>de</strong>les. E as<br />
conchas vão conchilando na maneira<br />
fêmea e discreta que são a paixão <strong>de</strong>les<br />
pelo som <strong>de</strong>las porque os búzios andam<br />
sempre inteiros e fechados, e as conchas,<br />
elas <strong>de</strong> patroas do eros, <strong>de</strong>ixando-se na<br />
embalação da maré até na areia revolvida e<br />
praia, se dão mesmo <strong>de</strong> entrega <strong>de</strong> sabida<br />
e fingida nostalgia, semiabertas ou abertas<br />
para se mostrarem nos olhos do sol e doarem<br />
seu sabor <strong>de</strong> inteiro sal. Sal <strong>de</strong> mar.<br />
Esse que andou a misturar tudo em suas<br />
maresias <strong>de</strong> marear as sinas com bué <strong>de</strong><br />
viagens <strong>de</strong>sbussoladas nos pontos car<strong>de</strong>ais<br />
embebedados em azimutes <strong>de</strong> cicatriz e<br />
sofrimento que tatuaram o mundo inteiro<br />
como se <strong>de</strong> marinhagem fossem o ódio, o<br />
amor e as lembranças para misturar os tons<br />
dos sons.<br />
De Luanda. Ninguém cansou maré<br />
por esses baixios e canais sempre cada vez<br />
mais mudados pelas luas <strong>de</strong> ibua e izala e<br />
os ventos do antigamente a repuxarem o<br />
tempo para outras travessias com a memória<br />
sem as tempesta<strong>de</strong>s a dar à costa quando<br />
os homens carregavam nas costas o<br />
mar como se fossem embon<strong>de</strong>iros com<br />
raízes a crescerem mesmo nas viagens<br />
como se fossem ramos e enchiam assim os<br />
porões <strong>de</strong> sonhos amarrados a grilhetas e<br />
agora o mar até dá sonambulações nos<br />
homens que usam ouro em anéis, fios<br />
grossos e pulseiras e olham pelas janelinhas<br />
dos aviões a água salgada sinalizada<br />
por sondas flamejantes <strong>de</strong>marcando os<br />
novos cemitérios da energia dos pássaros e<br />
das flores que andam a per<strong>de</strong>r seu perfume<br />
no petro-aroma.<br />
Luanda abriu muitas linhas para o mar<br />
por nunca ter tido um princípio porque os<br />
homens chegantes dos achamentos jamais<br />
<strong>de</strong>scobriram o que já existia. Só encontraram<br />
por acaso e por mor do mar e, então,<br />
nunca ninguém veio pela Atlântida <strong>de</strong><br />
Lisboa para Luanda ou foi <strong>de</strong> Luanda para<br />
Niterói. Antes pelo contrário, as pessoas<br />
foram pelo mar para o mesmo mar.<br />
Inventaram diferenças como a escravatura<br />
ou a conversão dos índios à cruz com os<br />
donos das roças ou fazendas na aprendizagem<br />
das danças e rituais das febres.<br />
Luanda abriu muitas linhas para o mar<br />
se conhecer nas luzes e nas trevas <strong>de</strong> cada<br />
remo e dongo <strong>de</strong> ximbicar com bordão<br />
saboado <strong>de</strong> espuma na miragem da terra<br />
salpicada <strong>de</strong> fogos-fátuos <strong>de</strong> metralhas e<br />
obuses tracejantes num incêndio que a<br />
cida<strong>de</strong> conseguiu apagar com o sorriso<br />
cansado e chorado dos meninos dos<br />
muceques.<br />
Luanda foi sempre um ponto <strong>de</strong> partida<br />
por causa do horizonte <strong>de</strong> quem a<br />
encontrou em paz consigo própria. E também<br />
foi ponto <strong>de</strong> partida para geografar <strong>de</strong><br />
outra maneira o oceano e levar por ele a<br />
<strong>de</strong>scoberta da Ibéria que se reinventou<br />
com esta parte <strong>de</strong> África no outro lado do<br />
oceano, tangando no tango, sambando e<br />
sobrevivendo nos blues a boiar nos salvados<br />
da tragédia <strong>de</strong> New Orleans.<br />
Luanda continua ponto <strong>de</strong> partida.<br />
Principalmente quando chegam e continuam<br />
a chegar mais pessoas para conhecer<br />
Luanda. Não é a Luanda dos cartazes. Nem<br />
a Luanda das gran<strong>de</strong>s reportagens. É a<br />
Luanda que tem um povo mesmo luan<strong>de</strong>nse.<br />
Que gosta <strong>de</strong> farra. Gosta <strong>de</strong> rir. E <strong>de</strong><br />
falar as coisas essas próprias <strong>de</strong> que Luanda<br />
é um ponto <strong>de</strong> partida que está sempre<br />
esperando todas as pessoas. As que saíram<br />
nas caravelas e sem morrer se infinitam na<br />
<strong>de</strong>scendência multiplicada no topo do basquete<br />
ou futebol mundial ou ainda cantando<br />
blues e sambas, ou, ainda, erguendo<br />
força na construção civil com a recompensa<br />
<strong>de</strong> receberem a con<strong>de</strong>coração <strong>de</strong> problemáticos.<br />
Luanda é muito a sério. É muito atlântica<br />
e como ponto <strong>de</strong> partida quem daqui<br />
sair ou quem lhe vier conhecer, bebendo<br />
água do Bengo, só vai ter o coração cheio<br />
<strong>de</strong>ssa magia <strong>de</strong> não querer sair mais.<br />
Luanda, <strong>de</strong>ste oceano que <strong>de</strong>sencontrou<br />
o encontro, é um ponto <strong>de</strong> partida.<br />
Mas sempre para voltar. Num hungo ou<br />
numa guitarra. É sempre um som <strong>de</strong> um<br />
tom tão viajado com sabor a beijo da boca<br />
tão beijada do mar <strong>de</strong> baçula ou capoeira.