17.04.2013 Views

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O campo lexical é o característico,<br />

sobretudo, das «cantigas <strong>de</strong> amigo» medievais,<br />

embora com a mutação <strong>de</strong> que a<br />

cantiga, e o elogio, é posta em boca <strong>de</strong><br />

homem e se dirige à donzela, como nestas<br />

duas cantigas (apresentada, aliás, uma sem<br />

a cabeça) e on<strong>de</strong> se encontram vestígios,<br />

também, da fraseologia das cantigas <strong>de</strong><br />

amor numa <strong>de</strong>las (não normalizamos os<br />

textos):<br />

Moças <strong>de</strong> Lagos,<br />

Em Lagos nascidas<br />

Brancas e vermelhas<br />

E tam floridas.<br />

E moças <strong>de</strong> Lagos,<br />

Em Lagos criadas,<br />

Brancas e vermelhas,<br />

E tam clòradas.<br />

<strong>Revista</strong> Lusitana, vol. XXIV, p. 280<br />

Moças do Tolêdo,<br />

Chêra la sua roupa.<br />

Moças do Tolêdo,<br />

Vão lavar ò rio,<br />

Chêra la sua roupa<br />

A trevo florido.<br />

Moças do Tolêdo,<br />

Vão lavar ò alto,<br />

Chêra la sua roupa<br />

A trevo granado.<br />

<strong>Revista</strong> Lusitana, vol. XXIV, p. 280<br />

O que se <strong>de</strong>duz da leitura <strong>de</strong>stas cantigas,<br />

quer as <strong>de</strong> Trás-os-Montes, quer as do<br />

Algarve, é a aproximação a mo<strong>de</strong>los que os<br />

poetas dos cancioneiros medievais galaico-<br />

-portugueses atestam, mantendo, estas cantigas<br />

tradicionais populares, fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a<br />

estruturas, a «jargão poético» das «cantigas<br />

<strong>de</strong> amigo», principalmente, mas com um<br />

ou outro afloramento do das «cantigas <strong>de</strong><br />

amor» e, ainda, com passar <strong>de</strong> similitu<strong>de</strong><br />

irónica que lembra as <strong>de</strong> escárnio. Não faço<br />

qualquer conjectura sobre fontes e origens,<br />

para que não tenho bagagem erudita que<br />

mo permitisse, nem é o meu campo <strong>de</strong> estu-<br />

do; apenas chamei a atenção, novamente,<br />

para uma sobrevivência <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los e formulação<br />

<strong>de</strong> longa veiculação e similitu<strong>de</strong> a<br />

mo<strong>de</strong>los e figuração poéticos medievais,<br />

mas com características mais primárias na<br />

utilização das estruturas. Esten<strong>de</strong>m-se, sim,<br />

na performance do canto, com hábil técnica<br />

matemática, pela reiteração e pelo refrão (as<br />

<strong>de</strong> Marmelete eram cantadas «muito repisadinhas»,<br />

como informa Guerreiro Gascon e<br />

se po<strong>de</strong> imaginar pelas suas congéneres das<br />

«folias do Espírito Santo» nos Açores gravadas<br />

com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>), sendo no entanto<br />

ausentes <strong>de</strong> artifícios adicionais na própria<br />

composição. Por outro lado, o inventário<br />

lexical, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser económico, como<br />

é regra das «cantigas <strong>de</strong> amigo», faz ressaltar<br />

uma diversida<strong>de</strong> regionalizada, embora<br />

ténue. Adstritas à ruralida<strong>de</strong>, revelam referência<br />

a «caça» e «pesca» no rio e «romaria»<br />

no Norte e a uma natureza mais tratada<br />

no Sul remanescente da moçarabização (as<br />

cantigas <strong>de</strong> Marmelete alu<strong>de</strong>m a «olival», a<br />

«meimendro», a «laranjeira», a «lima» e<br />

«limonas», por exemplo) 9 . Citamos uma<br />

(não normalizamos o texto):<br />

D’on<strong>de</strong> vêm estes senhores e mais senhoras<br />

Que me vêm cheirando a limas mais<br />

[a limonas?<br />

D’on<strong>de</strong> vêm estes senhores e mais senhoras<br />

Qu’ê bem le digo,<br />

Vêm-me cheirando a limas mais a limonas<br />

E a trevo florido?<br />

D’on<strong>de</strong> vêm estes senhores e mais senhoras,<br />

Ê bem le falo,<br />

Vêm-me cheirando a limas mais a limonas<br />

E a trevo granado?<br />

<strong>Revista</strong> Lusitana, vol. XXIV, p. 278<br />

O «corpus» das «cantigas dos foliões»,<br />

<strong>de</strong> Marmelete, alcançou, discreta e tenazmente,<br />

o seu lugar no acervo da lírica tradicional<br />

ibérica, nos seus testemunhos <strong>de</strong><br />

veiculação oral e persistência memorial,<br />

sobretudo no que respeita ao mo<strong>de</strong>lo cancioneiril<br />

do «vilancete glosado», tão em<br />

moda, e tornadas cortesãs nos fins do século<br />

XV, parte do século XVI. Sobre tal, referin-<br />

2 Editada postumamente:<br />

José António Guerreiro<br />

Gascon, Subsídios<br />

para a Monografia <strong>de</strong><br />

Monchique. Edição da viúva<br />

do autor, Maria C. R. Guerreiro<br />

Gascon, Lisboa, Composto<br />

e impresso na Gráfica Sepol,<br />

1955.<br />

3 <strong>Revista</strong> Lusitana, vol. XXIV,<br />

p. 276, nota 1.<br />

4 Publicada no vol. II das<br />

Actas, Ed. do Centro <strong>de</strong><br />

Estudos Filológicos, Lisboa,<br />

1960, pp. 5-10.<br />

5 Publicada in Nueva <strong>Revista</strong><br />

<strong>de</strong> Filologia Hispánica,<br />

tomo XXIX, 1980, n.º 2,<br />

México, D.F., El Colegio <strong>de</strong><br />

México, pp. 404-411.<br />

6 Ver Maria Aliete Galhoz,<br />

«Une Note <strong>de</strong> plus pour<br />

L’Étu<strong>de</strong> du petit Corpus<br />

<strong>de</strong> Chansons Parallélistiques<br />

<strong>de</strong> Marmelete», Actes du<br />

Colloque, Paris, Fondation<br />

Calouste Gullbenkian, Centre<br />

Culturel Portugais, 1987,<br />

pp. 39-58.<br />

7 Cantiga 90, pp. 360-361, vol. I,<br />

e 320, pp. 181-182, vol. II;<br />

in Afonso X, o Sábio,<br />

Cantigas <strong>de</strong> Santa Maria,<br />

edição crítica <strong>de</strong> Walter<br />

Mettman, tomos I e II, Vigo,<br />

Edicións Xerais <strong>de</strong> Galicia,<br />

1981.<br />

8 Cancioneiro Português<br />

da Biblioteca Vaticana<br />

(Códice 4803), Lisboa, Ed.<br />

do Centro <strong>de</strong> Estudos<br />

Filológicos/Instituto <strong>de</strong> Alta<br />

Cultura, MCMLXXIII.<br />

(Fac-símile). Introdução<br />

<strong>de</strong> Luís F. Lindley Cintra.<br />

9 Cf. também Eugenio Asensio,<br />

Poética y Realidad en<br />

el Cancionero Peninsular<br />

<strong>de</strong> la Edad Media, Madrid,<br />

Ed. Gredos, 1957, pp. 95-98.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!