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Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

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SETE MARES 114<br />

115<br />

É daquelas coisas... Na altura custava muito.<br />

A todos. Várias <strong>de</strong>spedidas por ano, muitas lágrimas,<br />

um estranho país frio e cinzento on<strong>de</strong> falavam<br />

uma língua que não era a minha e que<br />

<strong>de</strong>morava a compreen<strong>de</strong>r. Mas antes assim.Valeu a<br />

pena. Ensinou-me muito e <strong>de</strong>u-me estofo emocional<br />

para <strong>de</strong>safios futuros. Acima <strong>de</strong> tudo<br />

expôs-me a uma outra visão do mundo e a um<br />

gosto natural pela in<strong>de</strong>pendência. Mas não foi<br />

fácil ir para Inglaterra com cinco anos, <strong>de</strong>ixando<br />

em Portugal a minha mãe, os meus avós, os meus<br />

amigos. O meu Mar.<br />

Sempre fez parte da minha vida, o Mar.<br />

«Hey man, where are you from?» – Adorava<br />

esta pergunta. Era uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar da<br />

minha terra, das suas gentes, do seu Mar.Viver Portugal<br />

<strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro puxa pelo orgulho, pelo<br />

carinho, mas também pela exigência. Ficava triste<br />

quando não sabiam <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu era, mas também<br />

éramos todos miúdos e com outras priorida<strong>de</strong>s que<br />

não a geografia mundial! Mas Portugal é já ali tão<br />

perto.Tão bonito. «Como é que é possível não saberem<br />

on<strong>de</strong> fica?»... Estava plantada a semente.<br />

Recebi o meu primeiro Atlas com 8 anos. Foi<br />

uma prenda fantástica! Era um livro pequeno e<br />

robusto mas suficientemente flexível para andar<br />

sempre comigo, ora na mochila, ora no bolso.<br />

Como eu adorava aquele livrinho <strong>de</strong> bolso! Ao<br />

folhear as suas coloridas páginas sonhava e viajava,<br />

tentando imaginar como seriam aquelas ilhas no<br />

meio do Oceano Atlântico ou a vastidão do <strong>de</strong>serto<br />

gelado da Antárctida. Conseguia passar horas ali<br />

<strong>de</strong>ntro, entretido com novos e curiosos dados.<br />

Fiquei intrigado ao reparar que o Brasil tinha um<br />

gran<strong>de</strong> rio com um nome do mês em que a minha<br />

mãe fazia anos! O meu Pai lá me explicou que<br />

«aquilo» não era bem um rio...<br />

Passadas duas décadas, ainda tenho esse Atlas.<br />

Quando o retiro da prateleira reparo que ele se abre<br />

com naturalida<strong>de</strong> na página 30 e, em poucos<br />

segundos, revivo as emoções que justificam esse<br />

vício das folhas soltas. Reparo que o canto da folha<br />

já fora dobrado em tempos, talvez para rápida referência.<br />

Em pequeno olhava para o mapa do meu<br />

país e chorava com um misto <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s, paixão e<br />

orgulho. Era a minha terra, ali tão perto mas ainda<br />

a tantos meses <strong>de</strong> me voltar a acolher. Impossível<br />

ficar indiferente, ainda hoje.<br />

Aos 21 anos, o sonho comandava a vida. Era<br />

comandante <strong>de</strong> um enorme veleiro nas Caraíbas,<br />

ganhava muito dinheiro para fazer o que adorava,<br />

mas vivia uma vida simples e <strong>de</strong>sprendida. Duran-<br />

te cerca <strong>de</strong> nove meses an<strong>de</strong>i <strong>de</strong>scalço e sem nunca<br />

passar o corpo por água doce. Mergulhava num<br />

incrível mar azul todos os dias e comia a fruta doce<br />

das generosas árvores <strong>de</strong>sse mundo preguiçoso.<br />

Conhecia centenas <strong>de</strong> pessoas por mês e ouvia a<br />

célebre pergunta que sempre me acompanhou. Já<br />

não éramos miúdos, mas a situação mantinha-se;<br />

«Portugal? That’s nice. I was in South America last<br />

year. Lovely place...» O mesmo acontecia nos EUA<br />

quando por lá passava. As pessoas pura e simplesmente<br />

não sabiam on<strong>de</strong> ficava Portugal.Associavam<br />

o nome «Portugal» a um território anexo a um<br />

país qualquer num continente que não o nosso.<br />

Com sorte, lá apanhava um raro ser iluminado que<br />

timidamente sugeria que Portugal tinha qualquer<br />

coisa a ver com Espanha. Great!..<br />

Nesse mesmo ano, a CNN <strong>de</strong>scobriu que<br />

havia «... um jovem velejador que estava a retraçar<br />

a história do seu país». Numa simples peça <strong>de</strong> seis<br />

minutos, a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Portugal foi vista por um<br />

universo <strong>de</strong> 800 milhões <strong>de</strong> pessoas em todo o<br />

mundo. Falou-se <strong>de</strong> Portugal. Falou-se do nosso<br />

Mar. Falou-se da nossa História. Recebi perto <strong>de</strong><br />

mil e-mails e passei semanas a respon<strong>de</strong>r a cada um!<br />

Todos tinham algo em comum: orgulho em ser<br />

Português. Foi aqui que percebi que os meus projectos<br />

como velejador eram um potente e relevante<br />

veículo com uma capacida<strong>de</strong> além do meu<br />

sonho <strong>de</strong> infância <strong>de</strong> fazer a volta ao mundo à vela<br />

sozinho.<br />

Em 2003, lancei o Projecto «Ma<strong>de</strong> in PORTU-<br />

GAL» com o claro objectivo <strong>de</strong> promover Portugal<br />

no mundo, associando-o a valores essenciais <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong>, inovação, tecnologia e <strong>de</strong>sign. Queria<br />

posicionar Portugal como um país dinâmico, <strong>cultura</strong>lmente<br />

rico, mas mo<strong>de</strong>rno e ambicioso. Passei a<br />

ser apenas o homem do leme num projecto amplo<br />

que trabalha áreas tão diferentes como a construção<br />

naval e a educação. É com muito orgulho que vejo<br />

cada vez mais escolas a usarem as minhas viagens<br />

para, <strong>de</strong> forma mais interessante e directa, ensinarem<br />

geografia, história, português e matemática. É<br />

talvez a vertente mais importante do meu trabalho<br />

como velejador. É fantástico ver o entusiasmo das<br />

crianças quando partilho com elas as minhas viagens<br />

e vivências, tentando transmitir lições <strong>de</strong><br />

garra, perseverança e empreen<strong>de</strong>dorismo. Mostro-<br />

-lhes o que significa isto <strong>de</strong> sermos Portugueses e<br />

que todo aquele Mar é nosso.<br />

Afinal <strong>de</strong> contas, Portugal é um apenas um<br />

bocadinho <strong>de</strong> terra com algumas pequenas ilhas,<br />

mas muito, muito Mar. O futuro <strong>de</strong> Portugal

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