17.04.2013 Views

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

Revista Atlântica de cultura ibero-americanat

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

tanto mais que não sabia on<strong>de</strong> estava, condição sine<br />

qua non para, se tivesse mapa, discernir para que<br />

banda virá-lo.Assim, fiquei ali mais a Joanne totalmente<br />

à mercê do nosso taxista. Que não mentiu,<br />

pois <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algum tempo <strong>de</strong>saguava no areal<br />

imenso <strong>de</strong> uma praia a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista. ¡Mira, señor,<br />

mucho mejor, mucho mejor! Sim, o piso não tinha buracos<br />

e nem sequer havia tráfego. Tínhamos aquela<br />

pista enorme toda por nossa conta, o que, retrospectivamente<br />

falando, dá para pensar em coisas<br />

ruins que na altura não nos ocorreram. De Amazónia<br />

ou algo semelhante, todavia, nicles.<br />

O homem não parava <strong>de</strong> elogiar o piso do<br />

areal duro e liso a ponto <strong>de</strong> lhe permitir acelerar.<br />

Depois <strong>de</strong> uns avantajados quilómetros virou para<br />

a esquerda e meteu <strong>de</strong> novo terra <strong>de</strong>ntro por mais<br />

atalhos e curvas, canadas a a<strong>de</strong>nsarem-se e a<br />

<strong>de</strong>sembocarem em espesso mato ver<strong>de</strong>.A Joanne e<br />

eu entreolhámo-nos. O taxista era franzino e exalava<br />

uma bonomia inassociável à personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cultivador <strong>de</strong> artes marciais. Fisicamente não constituía<br />

ameaça. Além disso, ele sabia que o dinheiro<br />

que levávamos era quase só o estritamente necessário<br />

para lhe pagarmos a viagem. Um assalto não<br />

lhe obteria qualquer mais-valia <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar.<br />

Um solavanco e o carro estancou. Bonito serviço!<br />

– pensei. Mas nem tive tempo <strong>de</strong> dizer nada<br />

porque o condutor exibia-nos um sorriso eufórico:<br />

¡Llegamos! E eu <strong>de</strong> novo a pensar: Aon<strong>de</strong>?<br />

Um moço negro, estátua grega em versão africana,<br />

veio abrir-nos a porta. Alto, proporcionado,<br />

musculoso, não sorria. Conversou com o taxista e<br />

<strong>de</strong>u para <strong>de</strong>cifrar que combinavam uma hora para<br />

este último nos vir buscar. Agora tínhamos <strong>de</strong><br />

seguir a pé o nosso guia umas centenas <strong>de</strong> metros,<br />

por supostamente ser impossível o carro continuar.<br />

Lá fomos então os dois, sem comunicar um<br />

ao outro a apreensão que começava a assaltar-nos.<br />

Estupi<strong>de</strong>z ingénua <strong>de</strong> turistas parvinhos, ou<br />

receios irrealistas <strong>de</strong> americanizados medrosos das<br />

<strong>cultura</strong>s estranhas? O melhor era silenciar as dúvidas<br />

e abafar os medos.<br />

A verda<strong>de</strong> é que, não galgado ainda um quilómetro<br />

<strong>de</strong> atalho mal calcorreado entre intenso<br />

arvoredo com abertas ao alto aqui e ali, arribámos<br />

a uma corrente <strong>de</strong> água, meio estagnada e salpicada<br />

<strong>de</strong> folhas e raízes, diga-se porém que <strong>de</strong> um<br />

ver<strong>de</strong> límpido. Uma aberta <strong>de</strong> céu soalheiro mas<br />

filtrado pela grelha <strong>de</strong> neblina cinzenta. O rapaz<br />

mandou-nos saltar. Para on<strong>de</strong>? Estava ali um barco e<br />

eu não via. Eu disse um barco? Nada! Uma canoa.<br />

Cavada num tronco negro com espaço para o guia,<br />

em pé, a Joanne sentada no meio a fazer lastro e eu<br />

atrás, <strong>de</strong> plantão também, num tem-te-não-caias.<br />

Iniciámos uma viagem entra canal sai canal, penetrando<br />

mais e mais a floresta, por vezes a ter<br />

mesmo <strong>de</strong> me baixar para não bater com a cabeça<br />

ou até o peito contra grossos ramos atravessados<br />

que o nosso condutor evitava com naturalida<strong>de</strong><br />

congénita e a mim quase me colhiam <strong>de</strong> surpresa,<br />

em risco sério <strong>de</strong> me fazerem cair e – quem sabe?<br />

– servir <strong>de</strong> almoço a algum crocodilo.<br />

A serenida<strong>de</strong> da água e do ar era apenas perturbada<br />

pelo ritmo da vara à procura do fundo do<br />

canal para impulsionar o avanço da embarcação<br />

que aquele gondoleiro trasladado fazia <strong>de</strong>slizar.<br />

Tudo o mais era ruído suave <strong>de</strong> folhagem, gorjeios<br />

<strong>de</strong> aves sem nome, saltos inesperados <strong>de</strong> sapos ou<br />

familiares seus, patos bravos <strong>de</strong> repente em <strong>de</strong>bandada,<br />

bandos <strong>de</strong> pássaros esvoaçando em espessas<br />

nuvens, aves, peixes, árvores, fauna e flora anónimos<br />

para mim, irreconhecíveis no meu catálogo<br />

ilhéu feito vulgar <strong>de</strong> Lineu on<strong>de</strong> nada existia <strong>de</strong><br />

tropical figura. Tudo uma sucessão <strong>de</strong> telas, cores,<br />

arvoredo sem etiqueta numa espécie <strong>de</strong> documentário<br />

da National Geographic em versão muda.<br />

O guia não explicava nicles, nem falava sequer.<br />

Nada tinha ali nome, apenas imagem. Eram aves e<br />

peixes, árvores como na narrativa do Génesis nos<br />

dias da criação. Ele ia concentrado lá na proa e<br />

nem sei se se preocupava se ainda estávamos a<br />

bordo ou se caíramos à água. Talvez a sua atenção<br />

se concentrasse a vigiar jacarés ou, sei lá, parentes<br />

Igualmente por quase acaso<br />

soube ficar Aracataca,<br />

terra natal <strong>de</strong> García<br />

Márquez, para lá<br />

<strong>de</strong> Barranquilla, esta por<br />

sua vez a não exagerados<br />

quilómetros <strong>de</strong> Cartagena.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!