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Ministério da Cultura, Filmes de Quintal e UFMG apresentam<br />
15 0 festival do filme documentário e etnográfico / fórum de antropologia, cinema e vídeo<br />
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2 \<br />
Este festival é dedicado a Adrian Cowell.
apresentação / 7<br />
sessão de abertura / 27<br />
mostra Fernando Coni Campos / 31<br />
mostra cinema dos povos originários Bolívia e México / 45<br />
mostra o animal e a câmera / 83<br />
mostra competitiva nacional / 121<br />
mostra competitiva internacional / 147<br />
sessões filmes de quintal / 165<br />
sessão especial / 173<br />
lançamento / 177<br />
curso dilemas da observação / 181<br />
fórum de debates / 191<br />
mostra de extensão / 201<br />
ensaios e entrevistas / 205<br />
Depoimento: uma guerra declarada / Fernando Coni Campos / 207<br />
Ladrões de cinema / Fernando Coni Campos / 211<br />
Viagem ao fim do mundo / Jean-Claude Bernardet / 216<br />
Ladrões de cinema, ou: quem faz a história? / Jean-Claude Bernardet e<br />
Alcides Freire Ramos / 219<br />
Viagem ao fim do mundo / Jairo Ferreira / 223<br />
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão /<br />
José Carlos Avellar / 226<br />
\ sumário<br />
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4 \
As mágicas do delegado / Celso Amorim / 231<br />
Depoimento / Julio Bressane / 237<br />
Cinema e vídeo indígena como estratégia de afirmação cultural, social e<br />
política dos povos originários da Bolívia / Iván Sanjinés Saavedra / 240<br />
Vídeo comunitário e autorrepresentação / Entrevista com<br />
Carlos Efraín Pérez Rojas / 248<br />
Fora da ótica Indígena: zapatistas e realizadores autônomos /<br />
Alexandra Halkin / 257<br />
O outro olhar. Vídeo indígena e descolonização /<br />
Freya Schiwy / 281<br />
Três paradigmas para pensar o vídeo entre os Kayapó /<br />
Diego Madi Dias / 300<br />
Como filmei Nanook do Norte / Robert J. Flaherty / 329<br />
Banghawi: caça ao hipopótamo com o arpão pelos pescadores Sorko do<br />
Médio-Níger / Jean Rouch / 340<br />
Os cavalos de Goethe, ou a Alquimia da velocidade / fotografias / 353<br />
O Afeganistão é inconquistável / Arthur Omar / 357<br />
O cinematógrafo visto do Etna (1926) / Jean Epstein / 361<br />
Nossos anos Cahiers / Jean-Louis Comolli e Jean Narboni / 371<br />
programação / 375<br />
índices de filmes e diretores/ 389<br />
créditos / 397<br />
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6 \
apresentação<br />
/ 7
8 \
\ <strong>forumdoc</strong>.bh 15 anos*<br />
Eu gostava de te oferecer cem mil cigarros,<br />
Uma dúzia de vestidos daqueles mais modernos,<br />
um automóvel,<br />
uma casinha de lava que tu tanto querias,<br />
um ramalhete de flores de quatro tostões...<br />
Aqui o trabalho nunca pára.<br />
Agora somos mais de cem.<br />
(Ventura)<br />
1. O <strong>forumdoc</strong>.bh foi um projeto coletivo construído na dúvida e<br />
na incerteza. Imprecisão, resistência, resíduo. Quando o espetacular<br />
ensaiava tudo dominar, quando os donos do capital ameaçavam tomar<br />
conta de vez dos humanos e da natureza, da política, da televisão, do<br />
cinema de “bilheteria”, da ciência, da arte de galeria, da programação<br />
genética, da reportagem televisiva, do jornalismo, dos realitiesshow,<br />
de um tipo de festival com pura cara de publicidade, antes que<br />
tudo acabasse no roteiro e no pré-estabelecido pelas elites, antes<br />
que o mundo acabasse ou que ele se tornasse único e sem diferença,<br />
neste momento, foi preciso sonhar, e, paradoxalmente, foi preciso<br />
inventar algo menor, periférico, que apostasse na continuação do<br />
mundo com o cinema, que rompesse as fronteiras entre a arte e a<br />
vida, a ficção e o documentário, e, ainda, que fosse livre e gratuito.<br />
Deste sonho nasceu um festival de cinema que não se realiza sob<br />
a lógica do “uno” maldito do Estado ocidental, que não é feito por<br />
uma só pessoa ou cabeça pensante, mas por muitos, novos e velhos;<br />
um festival capaz de abrigar todo tipo de matéria e linguagem, que<br />
não é “retocado” pelas imagens tratadas, que aceita as impurezas<br />
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de registro, de imagem e som, assim como aceita as asperezas e<br />
rugas da vida cotidiana; um festival que aposta na inteligência do<br />
espectador, na sua capacidade de aceitar e construir um sentido<br />
novo a cada imagem e som projetados, mesmo se submetido à<br />
duração de longos planos-sequências, ou ao enclausuramento de<br />
um quadro ou de um quarto; um festival de cinema que é lugar<br />
de encontro, conversas, amizades (novas e velhas!), festas (Rafa,<br />
jamais esqueceremos daquela que aconteceu debaixo de chuva<br />
na rua Guaicurus – a melhor de todas, quem perdeu, nunca mais<br />
verá!), troca de conhecimentos e saberes! Este é o <strong>forumdoc</strong>.bh! Um<br />
festival feito literalmente sob o risco do real (Comolli jamais nos<br />
deixará mentir, quando, numa noite, junto com César Guimarães,<br />
num buteco, a energia elétrica da cidade acabou, depois de uma<br />
tempestade, e tivemos que continuar nossa conversa sem nos ver<br />
até que a luz acendesse novamente como se aquele “papo” fosse<br />
uma sessão de cinema sem imagem). E vejam, este festival sempre<br />
acontece no final de novembro, início de dezembro, quando, em<br />
geral, há muita chuva! Isso é para encerrar um ciclo, recomeçar<br />
um outro, lavar nossa alma, contra todos os abusos do poder e do<br />
dinheiro! Depois de cada experiência de ver a passagem de um filme<br />
no <strong>forumdoc</strong>, é tanta coisa que passa na cabeça que nunca passa!<br />
Aquela primeira imagem da índia Tiramantu, no filme Corumbiara!<br />
Um olhar pensativo de Chico Mendes, no filme de Adrian Cowell,<br />
antecipando a sua própria morte! Morte que viria ser não só dele,<br />
mas de muitos outros pequenos e diversos homens e mulheres em<br />
luta pela floresta e pelo seu modo de vida simples e harmonioso com<br />
outras formas de vida! Não é possível, outros mundos devem ser<br />
possíveis! Isto não é só sonho, não é só cinema. Um outro cinema<br />
é possível, fora do espetacular! Da rua para a sala de cinema e viceversa,<br />
isto “ainda” é possível com o <strong>forumdoc</strong>. Sim! Ah <strong>forumdoc</strong>,<br />
nossa pequena primavera árabe!
2. O filme teve os rolos trocados. O ano era 2001. Foi assim que assisti<br />
a São Bernardo em montagem nunca dantes vista, originalíssima,<br />
em que o discurso final de Paulo Honório – “devo ter um coração<br />
miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros<br />
homens” – surgia no meio do filme e não no fim. Fui ver o filme<br />
em sua suposta ordem correta quase um ano depois, quando decidi<br />
fazer dele o tema de minha monografia de conclusão do curso de<br />
Comunicação Social (seu título, que compara o filme de Leon ao livro<br />
de Graciliano, é “Redenção e revelação em São Bernardo” - na época<br />
eu me permitia brincar com palavras sérias). Passei a fazer parte<br />
do “imenso coletivo” do <strong>forumdoc</strong> somente em 2005, mas nunca<br />
me esqueço dessa sessão de São Bernardo com rolos trocados.<br />
Um acidente havia reinventado o filme e, com ele, todo o cinema,<br />
ou ao menos, a minha história com o cinema. Dez anos e muitos<br />
filmes depois, o <strong>forumdoc</strong> permanece para mim como um tremor<br />
na organização comum das coisas, suspensão da ordem, anúncio da<br />
novidade, acontecimento imprevisível e imprescindível.<br />
3. Acho que só não participei do primeiro, há quinze anos, porque<br />
estava fora do Brasil. Voltando a habitar o patropi, tornei-me habitué<br />
do <strong>forumdoc</strong>, que emergiu da necessidade de reinventar projetos<br />
político-culturais coletivos, ironicamente atomizados e esvaziados<br />
depois da redemocratização do país. O <strong>forumdoc</strong> foi e é possibilidade<br />
de intervenção coletiva na cena cultural, através da mobilização e do<br />
agenciamento de gente em torno, na frente, atrás e através de filmes,<br />
que não encontrariam lugar nos circuitos comerciais e normais<br />
de exibição. <strong>Para</strong> mim, que vim do cineclubismo, da distribuição<br />
de filmes independentes e da militância política dos anos 1970,<br />
o <strong>forumdoc</strong> possibilitou, de novo e de outro modo, ver e discutir<br />
filmes e afins, sons e imagens pouco acessíveis ou inimagináveis,<br />
até então. E, reafirmo, possibilitou que isso fizéssemos juntos, que é<br />
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12 \<br />
mais gostoso. Festival de filmes, afetos e festas, bem que o <strong>forumdoc</strong><br />
poderia ser chamado também de Festdoc, Afectdoc, ou <strong>forumdoc</strong>-<br />
fic, a partir da proposição de Birri, juntando aquelas categorias<br />
estanques, com que ainda lidamos para perceber que não são mais<br />
suficientes. Lembro também os catálogos e cartazes, sempre belos,<br />
e que são tudo que o fica quando os sons, as imagens e pessoas se<br />
vão, embora incorporados a nós. Outra característica importante do<br />
<strong>forumdoc</strong> é que ele é menor, aberto ao outro e feminino. Só tenho a<br />
agradecer por ele existir e já ser mais que uma mocinha.<br />
4. O <strong>forumdoc</strong> era e é um festival diferente. Não apenas de outros<br />
festivais, como diferente a cada vez (como registram os catálogos).<br />
Hoje, com um pouquinho de distância, fico admirada com a<br />
capacidade que teve o festival de crescer e mudar, mas guardando<br />
essa “diferença”, espécie de qualidade – será possível? - tenaz e<br />
inconstante. Como defini-la, onde situá-la? Difícil de apanhar, a<br />
diferença está em toda parte: na curadoria compartilhada e sempre<br />
renovada, bastante resistente a modismos e ao que oferecem os<br />
lançamentos; em um gosto pelo encontro que ultrapassa (em muito)<br />
a cinefilia e os saberes especializados; nas trocas muito plurais, de<br />
que muita gente participa, algumas delas festivas, animadas como<br />
poucas; na interseção de cinema e humanidades, antropologia em<br />
particular; na valorização da conversa e do debate, que costumam se<br />
prolongar para fora do cinema, noite adentro... Morei muito tempo<br />
fora de BH, e voltar durante o <strong>forumdoc</strong> era até estratégico, para<br />
reafirmar os laços e o pertencimento a uma cidade que mudava<br />
tanto (enquanto nós também mudávamos...) Nesses 15 anos, houve<br />
momentos muito belos, especiais, engraçados, desconcertantes,<br />
alguns difíceis à beça (ao menos para quem estava nos bastidores),<br />
e na dificuldade de fazer uma escolha, guardo aquele que elegi em<br />
2006, no aniversário de 10 anos: 1999, Cine Humberto Mauro, Santo<br />
Forte, Eduardo Coutinho, Pierre Sanchis. <strong>Para</strong> não esquecer!
5. 2004. O pretexto não foram os filmes, mas uma festa. Eis o convite:<br />
“você não animaria a produzir a festa de encerramento do <strong>forumdoc</strong>,<br />
não?” Mas é claro! E assim fui chegando em uma das tantas reuniões<br />
que se espalhavam pelas casas dos forumdoquianos. Dessa vez no<br />
Caiçara, na casa da Mi e do Pedro. Rostos desconhecidos continham<br />
em seus olhares um brilho raro, um gosto gostoso por aquilo que os<br />
reunia. Ao fim dos debates, inflamados, a dúvida geral: “e aí, quais<br />
as sugestões de festa você tem?” E para o espanto geral respondi:<br />
“pensei em duas coisas: no velho e abandonado prédio da polícia civil<br />
da Floresta ou em um puteiro da Guaicurus”. Em meio às hesitações,<br />
uma certeza surgiu: “no puteiro da Guaicurus, claro!” E assim fez-se<br />
a inesquecível “festa-chuva” do Montanhês e meu acolhimento nessa<br />
eterna família. A primeira de uma infinidade de outras festas que<br />
se fizeram no dia a dia, em cada olhar, em cada abraço e cada boa<br />
tragada de cachaça! Salve <strong>forumdoc</strong>! Casa minha, escola nossa.<br />
6. Não consigo precisar no tempo meu primeiro contato com o<br />
<strong>forumdoc</strong>. Parece-me que ele sempre esteve lá, como um parente<br />
distante com o qual temos um contato esparso e intenso. Lembro-me<br />
bem de uma sessão do Peões do Coutinho (o ano não sei dizer) em<br />
que saí da Humberto Mauro encantada e com um ânimo renovado<br />
por aquelas relações e aquele modo de se fazer documentário. Anos<br />
mais tarde caí de paraquedas, não por um acaso, para ser assistente<br />
de produção do <strong>forumdoc</strong> de 2007. Na abertura, novamente<br />
Coutinho, agora um pouco diferente, com o Jogo de Cena e o mesmo<br />
encantamento.<br />
7. 2006. Ano de Tonacci, Timothy Asch, Chantal Akerman, Eduardo<br />
Escorel, Herzog, Sokurov, Glauber, Zezinho Yube, Danièle Huillet,<br />
Straub... Conversando com Jean-Claude Bernardet, num almoço em<br />
que desempenhava, dentre outras, a tarefa de receptivo pro festival,<br />
falávamos de modo geral da utilização do zoom na câmera. No meu<br />
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entender, a partir das discussões propostas pelo <strong>forumdoc</strong>, quando<br />
o fotógrafo puxava a imagem enquadrando o rosto do personagem,<br />
essa falsa relação de proximidade, parecia sufocá-lo e, ao aproximar<br />
mais e mais, os detalhes de olho, boca, nariz, dilacerava esse rosto.<br />
Dizia a Jean-Claude que parecia uma tendência do cinema de então<br />
e que isso havia criado uma espécie de cacoete: não esperar que<br />
o personagem conclua a frase antecipando a mudança do plano<br />
para um detalhe, perdendo toda a cena. Jean-Claude o tempo todo<br />
solicitava que eu contextualizasse para saber exatamente de que<br />
cinema eu dizia. E concluía: “ah bom, é porque você fala por elipses”.<br />
Na conversa ficou claro que eu não era contra a utilização de close<br />
e super-close ou plano detalhe, lembrando aqui os belos planos<br />
de Cassavetes, Godard, Varda, mas que abrir a imagem se tornava<br />
algo raro em algumas produções e eu necessitava de que o corpo<br />
dos personagens ajudasse a narrar suas memórias. Era a primeira<br />
vez, depois de quatro anos de <strong>forumdoc</strong>, que pensava o fazer<br />
cinematográfico não apenas como espectadora, mas também a partir<br />
da prática, passando, então, a selecionar ainda mais as referências,<br />
não para mimetizar procedimentos, mas senti-los. Jean Rouch!<br />
8. Difícil precisar onde começam histórias, ainda que recentes, ainda<br />
que de amor. Recém chegado à Belo Horizonte e à universidade,<br />
ouvi murmúrios de que havia, na Faculdade de Ciências Humanas,<br />
uma “salinha”. Uma amiga, que havia tentado adentrar a tal sala,<br />
no quarto andar do prédio, jurou ter visto um casal que fazia amor.<br />
Alguns dias depois, ela partiu a pregar cartazes, que em letras<br />
amarelas anunciava o <strong>forumdoc</strong>.bh.2008, sob uma fotografia em<br />
branco e preto que ligava a terra ao céu. No mesmo ano, meses<br />
antes, em janeiro, havia me inscrito numa oficina de realização de<br />
documentários. Trinta alunos e uma câmera, saímos pelas ruas à<br />
procura dos “personagens do real”. Encontrei, numa pequena casa
no alto de um morro, Dona Vicentina. Todos os domingos, ela<br />
caminha até a estação da maria-fumaça para assistir a partida do<br />
trem. Natural de Tiradentes, já participou como figurante de miniséries<br />
e novelas globais. Acompanhado da equipe técnica e de alguns<br />
alunos da oficina, fui incumbido de “dirigir” aquela senhora que em<br />
mim despertava imenso afeto. Sem saber o que fazer, o câmera<br />
assumiu meu lugar e a conduziu: “diz assim Dona Vicentina: eu amo<br />
Tiradentes!” E assim ela o disse. Desmontada a cena, a senhora me<br />
perguntou: “E não vai ter nem um cachêzinho, não?” Desmontado<br />
eu, respondi: “ô dona Vicentina... quem me dera...” E por aí ficou.<br />
Dois dias depois, o curta foi exibido na cidade. Dona Vicentina<br />
não assistiu à sessão. Seria isso o documentário? Por sorte, não foi<br />
preciso mais do que alguns meses para que eu pudesse descobrir<br />
que não. Foi quando conheci a tal salinha. De lá, fui parar na sala nº<br />
06, de um antigo cortiço na Avenida Brasil, onde pessoas se reuniam<br />
- em meio a uma estante que parece sempre caber mais um filme -<br />
para rir, chorar, beber, brigar, fumar, beijar, cantar, dançar, ouvir,<br />
sambar. E por ali fiquei.<br />
9. As noites do <strong>forumdoc</strong> sempre são inesquecíveis e a da abertura<br />
em 2004, com a exibição do Nguné Elü, o dia em que a lua menstruou<br />
no Centro Cultural da UFMG é a que elejo para rememorar aqui. As<br />
imagens da aldeia Kuikuro encantaram a todos nós narrando como<br />
a lua durante o eclipse, transforma o cotidiano dos animais, das<br />
flautas e da vida na aldeia, revelando outro modo de compreender<br />
o fenômeno astral de sombras e penumbras. A música, os cantos,<br />
o ritmo que atravessam o filme, num compasso marcado sempre<br />
pelo anúncio do dia fatídico, envolveu-me na duração da espera e<br />
da festa. A apresentação do Vídeo nas Aldeias no comentário dos<br />
realizadores indígenas e coordenadores do projeto de formação, na<br />
seqüência do filme, foi o suficiente para que tal imagens, produzidas<br />
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a partir de outras perspectivas culturais, continuassem o processo de<br />
encantamento sobre meu imaginário. Até hoje, continuam lançando<br />
sua mágica sobre mim, instigando a compreensão de que mais do<br />
que um cinema do outro, estamos nos tempos de um outro cinema.<br />
E que venham as Hiper-mulheres!<br />
10. 1999. Estava ainda no colégio. Tinha um amigo que estudava<br />
antropologia. Foi assim o primeiro encontro. Eduardo Coutinho,<br />
Arthur Omar, Jem Cohen, Glauber Rocha continuam presentes.<br />
Desde então não existia mais o cinema. A palavra ganhava plural<br />
no encontro com cada filme, com cada experiência, com cada<br />
pensamento. Fui assim aprendendo a ver, a escutar. Esse aprendizado<br />
marca minha trajetória. A estrutura do festival era ainda precária.<br />
Não sei por que cargas d’água me levaram com a maior urgência<br />
para a cabine de projeção. O filme estava mudo. O público também.<br />
Algum botão trocado. Desde então não saí mais de lá e continuo<br />
imerso na projeção dos filmes do <strong>forumdoc</strong>.<br />
11. O <strong>forumdoc</strong>.bh é um espaço onde filmes e pessoas se entrelaçam.<br />
<strong>Para</strong> mim, são os amigos e as imagens para toda uma vida. Mas,<br />
sem dúvidas, como rastro e lastro, a presença de Davi Kopenawa<br />
no <strong>forumdoc</strong>.bh de 2006 foi um acontecimento decisivo. Davi veio<br />
ao festival para comentar os filmes da “Mostra Timothy Asch” que<br />
haviam sido feitos com o seu povo, os Yanomami. Durante vários<br />
dias os filmes de Tim Asch nos conduziram pelo universo dos<br />
Yanomami, com cenas do cotidiano e de acontecimentos singulares,<br />
os quais ainda hoje trago na memória. Vi muitas dessas cenas da<br />
janela da sala de projeção, meu local de trabalho naquele ano. Aquela<br />
experiência intensa culminou na fala de Davi, e ela soou como um<br />
trovão no Humberto Mauro. Seu comentário questionava o trabalho<br />
de Asch e do antropólogo Napoleon Chagnon, que acompanhou o<br />
cineasta em campo. Davi trazia uma outra perspectiva da imagem,
calcada em uma cosmologia onde duração e transformação são<br />
termos de uma relação sempre tensa. Ali aprendi grande parte do<br />
que sei sobre uma outra relação, que o <strong>forumdoc</strong>.bh não se cansa de<br />
apresentar: aquela entre imagem e alteridade. Era o ano de Serras<br />
da Desordem, que não por acaso abria o Festival de 2006. O “evento<br />
Kopenawa” me acompanha desde então. Na minha memória ele se<br />
completa com a deliciosa confraternização que o seguiu, regada a<br />
muita cerveja e torresmo!<br />
12. Visões do Subterrâneo. Comecei a frequentar “as rodas” do<br />
<strong>forumdoc</strong> desde a primeira edição do festival, quando cursava a Escola<br />
de Belas Artes da UFMG. No início me interessei por Flaherty, e sua<br />
imensa alteridade cinematográfica. Após alguns anos, fui convidado<br />
pela Júnia Torres para participar do festival. Além de participar<br />
das gloriosas comissões das mostras competitivas internacionais,<br />
organizei algumas oficinas com nossos distintos convidados. Eles<br />
vinham de diversos lugares, entre eles, do Acre, do Xingu, do Rio<br />
Tarauacá, da Papua Nova Guiné, e claro, de Minas Gerais. Pouco<br />
depois da primeira experiência (nas Oficinas <strong>forumdoc</strong>), a Amazônia<br />
começou a fazer parte de minha vida, depois que fui convidado<br />
para ministrar oficinas no Vídeo nas Aldeias, num desses encontros<br />
forumdoquianos na Capital das Alterosas. Agora estou aqui, no<br />
aeroporto de Belém, partindo para a Guiana Francesa, para a 17ª<br />
Oficina para indígenas na Amazônia. Isso é uma febre que não passa,<br />
pelo contrário, só aumenta, como a nossa paixão pelo <strong>forumdoc</strong>,<br />
e nosso amor pelo cinema documentário. Mergulhamos todos os<br />
anos nessas outras realidades, nesse movimento movido a suor,<br />
amor e paixão. Contra o cinema comercial, que esvazia as mentes,<br />
procuramos preenche-la com novas visões menos televisivas. Isso é<br />
Cinema. Tá falado.<br />
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18 \<br />
13. Sempre me marcou muito a tarefa do <strong>forumdoc</strong> de colocar em<br />
relação os filmes e os espectadores, e participar dela deu-me sempre<br />
a dimensão da miséria à qual estivemos submetidos. Por muitos<br />
motivos, desde a dificuldade de conseguir as cópias, políticas<br />
atravessadas de conservação ou o esquecimento mesmo, estivemos<br />
distanciados das imagens da história do cinema, incluindo a história<br />
do cinema feito aqui no Brasil. Por tudo isto, assistir a filmes<br />
importantes mas quase inéditos foi sempre um grande momento,<br />
mesmo para nós que estávamos organizando o festival. Mais do que<br />
isso, o que me ocorre agora para participar desta memória é uma<br />
história ainda mais impressionante. Quando fizemos, em 2005, a<br />
mostra “Fotógrafos do Documentário Brasileiro”, ao sair da sessão<br />
de Porto de Santos de Aloysio Raulino, o próprio realizador veio<br />
nos abraçar porque tinha ficado 18 anos sem assistir ao filme que<br />
ele mesmo fizera. (a miséria do cinema brasileiro - a não exibição -<br />
atinge até mesmo os seus próprios realizadores)<br />
14. Tudo começou com um filme de Agnès Varda, projetado em uma<br />
película sem restauração, com coloração avermelhada e cheia de<br />
arranhaduras. Foi em uma sessão no Centro Cultural da UFMG às<br />
três da tarde. Tinha umas cinco ou sete pessoas. A Júnia, o Portella,<br />
talvez a Cacá e a Glaura... Depois seguimos direto para o Humberto<br />
Mauro, onde assisti outros tantos filmes marcantes exibidos pelo<br />
<strong>forumdoc</strong>. Voltei no dia seguinte, conheci o restante da trupe, fizemos<br />
muita festa juntos e logo nos tornamos amigos. Eles me convidaram<br />
para a reunião da Filmes de Quintal, que acontecia na salinha do<br />
Bráulio no segundo andar do Maleta. Nessa primeira reunião, nós<br />
rimos o tempo todo e me senti imediatamente acolhido. Sete longos<br />
anos se passaram desde então e muita coisa aconteceu: abrimos a<br />
sede na avenida Brasil, organizamos o acervo, levamos o festival<br />
para o interior do estado, criamos o Ponto de Cultura junto com os
movimentos sociais da Serra, Taquaril e Lagoa Santa, publicamos<br />
livros, produzimos filmes, promovemos debates e nos mantivemos<br />
aguerridos na luta contra os monópolios culturais. Às vezes a gente<br />
tem umas crises, discute, diz que não gosta mais; às vezes a gente<br />
decide se mudar pra bem longe, do outro lado do mundo, pensando<br />
em dar um tempo. Mas não tem jeito: distância nenhuma desfaz os<br />
laços dessa amizade. Que eu retorne ao <strong>forumdoc</strong>, antes que me<br />
mate essa imensa saudade!<br />
15. Nem vi como começou, me encontrava alhures, estudava cinema<br />
na ilha. Dos filmes vistos ali – “um grande lagarto verde, com olhos<br />
de pedra e água” - alguns integrariam anos depois, cruzando o<br />
continente, uma pequena mostra de filmes latinoamericanos entre<br />
nós. Os filmes exibidos no <strong>forumdoc</strong> sempre tiveram grandes<br />
distâncias a vencer, mesmo os das cercanias. Toda uma aventura<br />
separa esses filmes de seu público, ainda que os filmes sejam<br />
verdadeiros filmes de ação. Porque neles muito se passa, porque<br />
agem no mundo, e sobretudo porque o mundo que fazem ver parece<br />
ser um lugar onde - em que pese o emperro - nada já está dado.<br />
Nesses anos é com alegria, pois, que me encontro junto a diversos,<br />
em cinema, diante das faces e vozes de inimigos vivos, diante de<br />
corpos em embate, diante de gestos amorosos.<br />
16. Quanto a mim é uma história que tem vários começos: uma sessão<br />
meio perdida pelo campus de “Terra sem pão”; o aviso, por um amigo,<br />
na Fafich, do lançamento de um filme de Eduardo Coutinho (quando<br />
foi isso Paulinho, 1998, 1999, 2000?), fotografias que passam de<br />
mão em mão, o canto de uma música sertaneja, no mesmo ano,<br />
em Boca de Lixo. Uma interminável sessão de Sigui Synthèse no<br />
Cine Nazaré, com um projecionista que não sabia trocar os rolos<br />
de 16mm. Longos e lentos planos - sons - em slow em Horendi. O<br />
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aviso, pelo mesmo amigo, de textos que seriam traduzidos, de um<br />
crítico cujo nome aparentemente se perdera no passado, Jean-Louis<br />
Comolli, e o convite para traduzir um deles - Le dernier evadé. Mais<br />
uma sessão quase que perdida, de um filme desconhecido até então<br />
Nyamgaton, les fausils jaunes. Uma memorável festa sob a chuva,<br />
em uma casa de tolerância no centro de Belo Horizonte - era na Padre<br />
Belchior Rafa? - dentre outras memoráveis festas. E ainda continua.<br />
17. Muitos lembraram o dom do <strong>forumdoc</strong> de ser uma escola.<br />
Certamente é. Quase todos nós iniciamos no <strong>forumdoc</strong> ainda bem<br />
verdes no cinema. Pouquíssimos sabiam muito. Pouquíssimos são<br />
pajés! Tudo isso passado em corpos também ainda verdes, maleáveis,<br />
com o ânimo da juventude... Todavia, o mais raro é que este ciclo<br />
não termina de acabar. Talvez, porque mais que o caráter tradicional<br />
e burocrático da escola, a formação que o <strong>forumdoc</strong> requer e<br />
distribui tenha alcançado um caráter ritual, onde as experiências<br />
são totalizadoras da pessoa, e acontecem integralmente a cada vez.<br />
A generosidade e a abertura se encontraram e se reencontram a<br />
cada edição. Então, talvez o talento do <strong>forumdoc</strong> esteja no campo<br />
do Dom. Menos que no campo da generosidade. Mais do que no<br />
campo da abertura. No terreno da reciprocidade. Bens suntuosos são<br />
disputados, são ofertados e cobrados, acrescidos de valor adicional,<br />
que é a parte da pessoa que dá. Esse valor não se dissolve, não se<br />
neutraliza. É por isso que cada sessão atinge cada um de nós, todos<br />
nós, qualquer um de nós, integralmente.<br />
18. Há quinze anos que uma comunidade - amorosa e crítica - se<br />
inventa em torno dos filmes: tantos, inúmeros, tão diversos, que já<br />
não sei bem quando foi a primeira vez, a sideração que me conduziu<br />
a essa partilha. Seres de fuga, as imagens se escondem na memória,<br />
trocam de lugar e de tempo.
19. Escolher um momento marcante do festival me pareceu difícil.<br />
Como destacar apenas um? Tentei, tentei, tentei, mas nenhum veio à<br />
memória. Cheguei a me perguntar: será que o festival não me remete<br />
a nada? Será que o <strong>forumdoc</strong>.bh nada liga neste chato coração de<br />
dura empatia? Pensei mais um pouco e percebi que não era assim<br />
- mesmo a distância das últimas edições, devido aos compromissos<br />
profissionais dos últimos anos que dificultam a participação em<br />
encontros e reuniões, isso não me afastou da produção. Todos<br />
os emails que chegam referentes ao festival são abertos, lidos e<br />
respondidos, quando há algo para se acrescentar; e quando dá um<br />
tempinho, sempre tento comparecer na sede da Filmes, participar<br />
de alguma função no festival etc. Foi então que percebi que o<br />
mais essencial de tudo no <strong>forumdoc</strong>.bh são menos os momentos<br />
específicos aí vividos, do que aquilo que estas vivências produzem:<br />
o senso de estar junto, sentimento sobre o qual se constrói qualquer<br />
relação de coletividade e colaboração.<br />
20. Plano geral: um parágrafo fugidio e migratório, “flutuantes<br />
imagens que deságuam instantes”. Primeiríssimo plano: Aloysio<br />
Raulino. Periferia da imagem, ao fundo, enquadrado por outra janela<br />
que se abre cor de azul bhbus, lê-se: casa para desterrados. Árvores<br />
fulminadas e árvores possíveis. Cantos de trabalho, Maxacali, canade-açúcar<br />
e invasão. Ritual e despossessão dos filmes além dos<br />
trilhos. Corte. Em anos, agora sete, ajudante e costureira de vinheta,<br />
de mostra e de oficina, em itinerância e extensão, em comboios<br />
ou carros-de-bois, com mulheres e homens condutores. Júnia,<br />
Rubim, César, Paulim, Tata, Ana, Glau, Lu, Mi, Belico, Marra, Portela,<br />
Claudinha, Flavinha. Pedrim, Os, KK e Ribão. Dona Isabel, Comolli,<br />
Gercino, Yayá, Rouch e Bernardet. Emissários do caos, com amor,<br />
antes e depois das sessões. Ariel, Carol, Tonacci, Escorel, Di, Martin<br />
Maden, Isac, Zezinho, (...). Castelar: ‘Maravilha, Vilhamara’... alguém<br />
/ 21
22 \<br />
me ajude a pensar outro nome pro Buriti-Rei. Inarredável <strong>forumdoc</strong>,<br />
salve salve!<br />
21. Após um intenso esforço em resgatar na memória algum caco<br />
que pudesse render alguma história, desisti de tentar romantizar.<br />
Porque o <strong>forumdoc</strong> é mais presente do que passado. É atualização<br />
de trabalhos de longos anos; um espaço em constante mudança, de<br />
construção coletiva, de exercícios diários de relação, de perspectivas<br />
futuras. Uma escola de formação em cinema, onde se é permitido<br />
experimentar fazer, teorizar, militar, sonhar, compartilhar,<br />
revolucionar, escapar... Contra o deslumbramento, pela iluminação!<br />
22. O ano era 2005. Um vento quente do quase verão belorizontino<br />
tremulava os paninhos xadrezes coloridos pendurados pelos<br />
corredores da Fafich que anunciavam o <strong>forumdoc</strong> daquele ano. Eu,<br />
que recentemente descobrira minha inaptidão para o jornalismo, fui<br />
fisgado e logo em seguida salvo por este festival que hoje debuta.<br />
No ano seguinte me alistei como voluntário e participei das primeiras<br />
reuniões na casa da Júnia. Ainda não tínhamos sede própria. Foi da<br />
cabine de projeção assistindo a belíssimos filmes como os de Pedro<br />
Costa que me encontrei. Encontrei também generosos mestres,<br />
entre eles um especial: Aloysio Raulino. Não demorou muito pra eu<br />
fugir da redação e correr para o quintal. É onde eu gosto de estar.<br />
23. Foi em 1998. Naquela época, ainda estudante da faculdade de<br />
medicina, a prática ambulatorial já me colocava frente àquilo que<br />
tenho como mais caro nos filmes que, ao longo de 15 anos, assistimos<br />
e produzimos - o olhar e a escuta que se direciona ao outro, que<br />
vem do outro, aquilo que o atravessa e anima, e nos impregna e<br />
transforma. Numa tarde, saída de uma prova de cardiologia, quando<br />
decidi abandonar o curso, entrei por acaso no cine Humberto Mauro.
Na sala escura, Iracema: uma transa amazônica, de Jorge Bodansky.<br />
Minha primeira experiência com o cinema ou, pelo menos, um certo<br />
cinema. Mais do que questões sobre as fronteiras entre ficção e<br />
documentário, o filme me trazia um certo modo de estar no mundo.<br />
Tocar o mundo com a ponta dos olhos. Um olhar implicado, engajado,<br />
irônico, político. Um certo modo de se fazer cinema que se funda<br />
no encontro, no imprevisto dos homens e das paisagens, que se<br />
posiciona contra o roteiro, contra as marcações de cena, contra a<br />
romantização da floresta e dos povos da floresta, contra o discurso<br />
de um Brasil grande. Iracema provocou em mim um deslocamento<br />
essencial, aquele que reivindicamos nos filmes que ano após ano<br />
apresentamos no festival. Um deslocamento de ponto de vista, de<br />
estabelecimentos, de ideologias e discursos, de durações. Por um<br />
cinema encarnado, vivo, impuro, pulsante. Por um cinema que se faz<br />
gesto e postura. É em nome dele que continuamos.<br />
24. Um convite para trabalhar no <strong>forumdoc</strong> de 2007 me apresentou<br />
um mundo dos mais encantadores: pessoas realmente envolvidas<br />
com as temáticas das mostras e ações propostas, interessadas em<br />
dar o seu melhor pelo festival, independente se haveria retorno<br />
financeiro ou não, por mais que isso seja importante e necessário<br />
pra nossa sobrevivência! Isso me fez perceber que ali se juntavam<br />
muito mais que parceiros e colegas, e sim pesquisadores, estudiosos<br />
e o melhor, amigos! As festas, ora parte integrante e imprescindível<br />
das “discussões”, rs, além de mostrar que “a noite é uma criança”,<br />
são sempre compostas de muito rock n´roll e de diversão garantida<br />
(inclusive com direito a after party chez moi!). É uma selva à qual<br />
eu me junto a risos e choros: tem hora que passa uma jaguatirica,<br />
outra um leão marinho ou um mico leão dourado, rsrs. Eu achava<br />
que era o acaso que tinha me trazido à Filmes de Quintal, mas,<br />
pra meu espanto, eis que encontram minha assinatura na ata de<br />
/ 23
24 \<br />
presença do primeiro <strong>forumdoc</strong> e eu a verifiquei, é realmente<br />
verdadeira! Umas amigas me levaram pra sessão de abertura quando<br />
vim fazer vestibular em 1997 e assim, mais do que tudo, acreditei<br />
que “estava escrito”, e aqui estou contribuindo pro crescimento e<br />
comemorando com grande alegria os 15 anos de existência. Vida<br />
eterna ao <strong>forumdoc</strong>!<br />
25. O <strong>forumdoc</strong> é para mim um fato social total, tratando-se no<br />
fundo, como ensinou Marcel Mauss, de misturas. “Misturam-se as<br />
almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as<br />
vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de<br />
sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca”.<br />
Faz 15 anos que me misturo ao <strong>forumdoc</strong> ao ponto de me faltar<br />
aquele olhar distanciado. “Bons drink!” Vida longa ao <strong>forumdoc</strong>!<br />
26. “Quando proclamam, ao contrário, que ‘o inferno somos nós<br />
mesmos’, os povos selvagens dão uma lição de modéstia que<br />
gostaríamos de nos crer ainda capazes de escutar. Neste século em<br />
que o homem teima em destruir inumeráveis formas de vida, depois<br />
de tantas sociedades cuja riqueza e diversidade constituíam desde<br />
tempos imemoriais seu maior patrimônio, nunca, com certeza,<br />
nunca foi mais necessário dizer, como o fazem os mitos, que um<br />
humanismo bem ordenado não começa por si mesmo. Coloca o<br />
mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros<br />
seres antes do amor-próprio. E que mesmo uma estadia de um ou<br />
dois milhões de anos nesta terra – já que de todo modo um dia há<br />
de acabar – não pode servir de desculpa para uma espécie qualquer,<br />
nem a nossa, dela se apropriar como coisa e se comportar sem<br />
pudor ou moderação.”Parágrafo final das Mitológicas III - Origens<br />
das Maneiras à Mesa”. Parte 7: As regras da civilidade capítulo: A<br />
moral dos mitos, 1967. Dizem que Lévi-Strauss é um humanista
(muitas vezes para afirmar que seu pensamento é ultrapassado). Mas<br />
o humanismo dele bebeu das civilizações indígenas e é alargado, o<br />
humanismo dele, se pode ser afirmado assim, é multinaturalista. Isso<br />
na década de 1960. E hoje segue ainda na frente das respostas aos<br />
problemas maiores que enfrentamos. Ouçamos os mitos, os índios,<br />
e os bons pensadores. Pensadores selvagens. Sejamos minimamente<br />
civilizados.Lembrando a silenciosa sessão-homenagem ao centenário<br />
de Lévi-Strauss no <strong>forumdoc</strong>.bh.2008 na qual pudemos ver seus<br />
filmes: Cerimônias Funerárias entre os Bororo, Festejos Populares<br />
em Mogi das Cruzes e Festa do Divino Espírito Santo.<br />
27. A cumplicidade dos que vieram antes: Jean-Claude, Coutinho,<br />
Escorel, Comolli, Vincent, Raulino, Beth, Tonacci, Divino Tsere, alguns<br />
dos que se tornaram essenciais. E a força, energia, sorrisos, afetos,<br />
paciência, alegria, alegria dos que vieram juntos e depois: todos os<br />
meus quintais. Mas também Rouch e Glauber e Varda. Todo mundo<br />
virando onça. Iauaretê. Uma pequena comunidade, leve e dispersa<br />
- e isso confere um mistério a esse festival - que se materializa nas<br />
primeiras filas da sala Humberto Mauro, em um período de breves<br />
e densos dias do ano para assistir e conversar sobre filmes, que<br />
certamente nunca teríamos chance de ver e compartilhar se não os<br />
projetássemos nós mesmos. Foi por isso que fizemos.<br />
* Ana Carvalho, Bernard Machado, Bruno Vasconcelos,<br />
Carla Maia, Carolina Canguçu, César Guimarães,<br />
Cláudia Mesquita, Daniel Ribeiro Duarte, Diana Gebrim,<br />
Ewerton Belico, Fabiano Bechelany, Flávia Camisasca,<br />
Frederico Sabino, Glaura Cardoso Vale, Jair Fonseca,<br />
Júnia Torres, Milene Migliano, Paulo Maia, Pedro Aspahan,<br />
Pedro Marra, Pedro Portella, Rafael Barros, Raquel Junqueira,<br />
Renata Otto, Roberto Romero, Ruben Caixeta.<br />
/ 25
26 \
sessão de abertura<br />
/ 27
28 \
\ As hiper mulheres<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 80’<br />
direção director Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro<br />
fotografia photography Mahajugi Kuikuro, Munai Kuikuro, Takumã Kuikuro<br />
trilha musical soundtrack Mulheres Kuikuro<br />
montagem editing Leonardo Sette<br />
produção production Vincent Carelli, Carlos Fausto<br />
contato contact olinda@videonasaldeias.org.br<br />
Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho<br />
realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (MT),<br />
para que ela possa cantar mais uma última vez. As mulheres do grupo<br />
começam os ensaios enquanto a única cantora que de fato sabe todas as<br />
músicas se encontra gravemente doente.<br />
Fearing for his wife’s death, an old man asks his nephew to make the<br />
Jamurikumalu, the biggest female ritual of the Alto Xingu (MT) area, so<br />
she can sing one last time. The women belonging to this group start<br />
rehearsing whereas the only singer who actually knows all songs has<br />
fallen severely ill.<br />
/ cine humberto mauro \ 22 nov / 19h30<br />
/ centro cultural UFMG \ 25 nov / 18H<br />
/ 29
30 \
mostra Fernando Coni Campos<br />
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32 \
\ A gestação do canto<br />
/ Ewerton Belico<br />
Sigamos por certas ruas quase ermas,<br />
Através dos sussurrantes refúgios<br />
De noites indormidas em hotéis baratos,<br />
Ao lado de botequins onde a serragem<br />
Às conchas das ostras se entrelaça:<br />
Ruas que se alongam como um tedioso argumento<br />
Cujo insidioso intento<br />
É atrair-te a uma angustiante questão ...<br />
Oh, não perguntes: “Qual”<br />
Sigamos a cumprir nossa visita.<br />
(T.S. Eliot, “A Canção de amor de J. Alfred Prufrock”)<br />
Fernando Coni Campos é um dos mais bem guardados segredos do<br />
cinema brasileiro. Homem de letras, pintor, designer gráfico, realizador<br />
de sete longas-metragem – um dos quais, Morte em três tempos, hoje<br />
perdido – e de mais onze curtas-metragem, escassas são as referências<br />
a sua obra hoje, com poucas exibições, e parcas referências críticas –<br />
ou mesmo memorialísticas – ao seu trabalho.<br />
A singularidade de sua trajetória, do qual é sintomática a sociabilidade<br />
artística que mobiliza pessoas de círculos criativos tão diversos – Júlio<br />
Bressane, Rogério Sganzerla, Gustavo Dahl, Arnaldo Jabor referemse<br />
elogiosamente a Fernando Coni – torna ainda mais complexa<br />
a tarefa de situar seus filmes, de resto, vítimas da persistente<br />
carência de espaços exibidores dedicados a poéticas mais ousadas,<br />
assim como da crônica dificuldade de simultaneamente conservar<br />
e exibir a produção daqueles que lutaram contra a censura –<br />
responsável pela proibição de um de seus filmes, Um homem e sua<br />
Jaula, que permanece inédito e será finalmente exibido, quarenta<br />
/ 33
34 \<br />
e dois anos depois de sua finalização, no <strong>forumdoc</strong>.bh.2011 – e<br />
contra a opressiva tutela que uma longa ditadura militar impôs a<br />
nossa produção audiovisual, com a cumplicidade de muitos que<br />
pretenderam legitimar tal controle.<br />
Fernando Coni, em seus depoimentos sobre Ladrões de cinema,<br />
insistira sobre o caráter inaugural desse filme, cesura em seu trajeto,<br />
reinício de sua carreira cinematográfica posta agora em outros termos,<br />
sob o signo da visibilidade: o filme adquire um caráter público, tanto<br />
em função de sua comunicabilidade, conquistada às expensas de<br />
uma modalidade de expressão pessoal subterrânea, quanto em<br />
função de sua concepção pluralística, que alia à sensibilidade erudita<br />
do cineasta-leitor Castro Alves e Shakespeare ao samba de Mano<br />
Décio da Viola, ao convívio com a Escola de samba Império Serrano<br />
e com o Morro do Pavãozinho. Esse corte tem um sentido, também<br />
subterrâneo, a ser posto: trata-se do abandono de uma poética –<br />
e política – do cinema em linha de ruptura com uma tentativa de<br />
“conquista do mercado” sancionada pela aliança cinemanovista com<br />
Embrafilme. 1<br />
Esse abandono não é único, mas partilhado por outros realizadores<br />
cujo trabalho é marcado por reviravoltas similares, tal como podemos<br />
ver nessa caracterização de Neville D’Almeida por Artur Autran:<br />
A compreensão do cineasta sobre a importância do público dá-se<br />
em um momento (metado dos anos 70) no qual o mercado não mais<br />
aceitava produtos experimentais mesclados com elementos de apelo<br />
popular, e mais, no Rio de Janeiro o domínio da produção por parte<br />
da Embrafilme tornava dificílima a feitura de tais filmes, já que a<br />
1 Sobre essa questão, ver: Dahl, Gustavo. “Cinema Novo e Estruturas Econômicas Tradicionais”.<br />
In: Revista Civilização Brasileira, n°5/6, 1966; SimiS, Anita. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo:<br />
Annablume, 1996.
empresa encontrava-se por elementos ligados ao projeto do cinema<br />
novo. 2<br />
Mas caracterizamos tal passagem de modo insuficiente ainda;<br />
deixemos a Fernando Coni Campos a imagem que, para o próprio,<br />
melhor a descrevia: “Este longo período underground é a gestação<br />
do canto”. A imagem em questão retoma, em chave político-pessoal,<br />
uma personagem de fábula: a cigarra, agora não mais imagem da<br />
preguiça que se opõe à trabalhadora formiga, mas figura do próprio<br />
fazer artístico, que se realiza – e simultaneamente consome – como<br />
expressão pessoal somente quando vem à luz enquanto artefato<br />
público, contudo gestado em silêncio, na obscuridade dos anos<br />
passados no underground. 3<br />
Esse laborioso percurso subterrâneo, caminho que, segundo Fernando<br />
Coni “chegou a parecer-me meu país”, legou como rastros filmes<br />
obstaculizados pela censura oficial (o supracitado Um homem<br />
e sua jaula) ou econômica (Sangue quente na tarde fria ou Uma<br />
nega chamada Tereza, esse último amputado a posteriori pela<br />
intervenção da produtora, sem o consentimento do realizador4 ).<br />
Ou ainda um originalíssimo tour de force, filme signo de uma<br />
persona artística paradoxal, Viagem ao fim do mundo, capaz de<br />
combinar angústia existencial de proveniência cristã; 5 com uma forte<br />
sensualidade, expressiva dos dilemas espirituais do engajamento no<br />
mundo; e de resolver esteticamente a expressão pessoal em um pletora<br />
2 autran, Artur. “Os descaminhos do Cinema”. In: Forumdoc.bh.2009 – Catálogo. Belo Horizonte:<br />
Filmes de Quintal, 2009.<br />
3 Ver o ensaio-depoimento-press realease Ladrões de cinema, de Fernando Coni Campos, constante<br />
nessa catálogo.<br />
4 Ver o depoimento de Fernando Coni, “Uma guerra declarada”, também constante nesse catálogo.<br />
5 Ver a carta de Lygia Clark a Hélio Oiticica relatando o encontro com o casal Fernando Coni Campos/<br />
Talulah Campos, em Figueiredo, Luciano. Lygia Clark Helio Oiticica – Cartas Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,<br />
1996, p. 62; e Bernardet, Jean-Claude. Viagem ao fim do mundo, constante nesse catálogo.<br />
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36 \<br />
barroquizante de citações, materializada no uso, mais uma vez muito<br />
pessoal, e raro em nosso cinema, do found-footage, da incorporação<br />
de material imagético e de comentário sonoro ao próprio universo<br />
intradiegético – tradução das tensões que permeiam esse filme ainda<br />
sem lugar em nossa historiografia, 6 metaforizadas no estilhaçamento<br />
de suas referências, entre os mass media, Machado de Assis, T.S.<br />
Eliot, Chesterton e Simone Weil.<br />
Talvez de modo não casual, essa senda percorrida na marca do<br />
paradoxo se encerre com uma insurreição involuntária, vitoriosa<br />
porque fracassada, no Mágico e o delegado, em que o martírio<br />
do mágico converte-se em vitória da imaginação, em que o poder<br />
transformador da criação artística em relação ao mundo social<br />
somente tem lugar em um bordel.<br />
Esperemos que a retrospectiva de Fernando Coni Campos, a<br />
primeira a poder exibir um conjunto tão expressivo de filmes, possa<br />
contribuir para arrancar mais uma vez esses filmes da escuridão do<br />
underground.<br />
6 Sobre essa questão, ver ainda Bernardet, Jean-Claude. Viagem ao fim do mundo, constante nesse<br />
catálogo.
\ Viagem ao fim do mundo<br />
/ Brasil \ 1968 / p&b \ 95’<br />
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography José Medeiros, Osvaldo de Oliveira, Renato Neumann<br />
montagem editing Renato Neumann<br />
Uma viagem de avião. Enquanto aguardam a chamada para o embarque,<br />
as personagens são apresentadas. Um rapaz encontra uma edição de<br />
bolso das “Memórias Póstumas”, de Machado de Assis. Uma vez em<br />
vôo, enquanto os outros passageiros lêem jornais e revistas, o rapaz lê<br />
Machado de Assis, detendo-se no capítulo “O delírio”, que passa a ser<br />
visualizado até o momento em que Pandora grita: “Olha o que tem sido<br />
a vida no planeta onde habitas!”.<br />
An airplane trip. Characters are introduced while they wait for boarding<br />
call. A young man finds a pocket edition of Machado de Assis’s book<br />
“The Posthumous Memoirs of Brás Cubas”. Once the plane takes off, as<br />
other passengers glance over newspapers and magazines, the young<br />
man reads Machado de Assis, drawn to a chapter entitled “The delirium”,<br />
which starts to materialize itself until the moment Pandora shouts:<br />
“Look at what life has been in the planet you live in!”.<br />
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 19h<br />
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38 \<br />
direção director Fernando Coni Campos, Paulo Gil Soares<br />
fotografia photography Leonardo Bartuti<br />
montagem editing Renato Neumann<br />
\ Um homem e sua jaula<br />
/ Brasil \ 1969 / p&b \ 73’<br />
Filme inédito. O pintor Tino, em crise profissional e política, recebe<br />
telegrama da sogra, Selma, comunicando sua volta da Europa. Após<br />
a morte da esposa, Tino continuará morando com Selma, com quem<br />
mantinha relações ambíguas, que agora quer cortar. Fraco perante esse<br />
amor impossível, ele pede à empregada Enedina que o tranque em seu<br />
quarto. Ali, reaviva a memória através de cartas, bilhetes e fotografias.<br />
Tino is a painter who, in the middle of a professional and political<br />
crisis, receives a telegram from his mother-in-law Selma informing of<br />
her arrival from Europe. After the death of his wife, Tino keeps on living<br />
with Selma, with whom he had developed an ambiguous relationship<br />
he now wishes to end. Weakened by this impossible love, he asks the<br />
housekeeper Enedina to be locked in his room. There, he revives his<br />
memories through letters, personal notes and photographs..<br />
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 19h
direção director Fernando Coni Campos, Renato Neumann<br />
fotografia photography Renato Neumann<br />
montagem editing Renato Neumann<br />
\ Sangue quente em tarde fria<br />
/ Brasil \ 1970 / cor \ 87’<br />
Dilma e sua filha são forçadas a dar cobertura, em seu carro, a um<br />
assaltante de banco perseguido pela Polícia Rodoviária. Os perigos da<br />
aventura aproximam Dilma e seu chofer e, quando o assaltante é preso,<br />
resta a ela comunicar ao marido o pedido de desquite.<br />
Dilma and her daughter are forced to conceal, in their car, a bank<br />
robber being chased by the federal highway police. The dangers derived<br />
from this adventure bring Dilma and her chauffeur together, and when<br />
the thief is arrested, she is left to inform her husband about a divorce<br />
request.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 19h<br />
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40 \<br />
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography Mário Carneiro<br />
montagem editing Roberto Pires, Eunice Gutman<br />
\ O mágico e o delegado<br />
/ Brasil \ 1983 / cor \ 103’<br />
Um mágico e sua parceira chegam a uma pequena cidade do interior<br />
da Bahia para apresentar um espetáculo de variedades. No entanto, a<br />
mágica dura pouco e logo a cidade volta à sua pobreza habitual. Há uma<br />
grande revolta e o delegado prende o mágico. Na cadeia ele é colocado<br />
numa cela comum onde já estão quatro outros presos; a presença<br />
do mágico quebra a rotina da vida carcerária e uma série de coisas<br />
espantosas e maravilhosas começam a acontecer.<br />
A magician and his female partner arrive at a small town in Bahia’s<br />
countryside to present a variety show. However, magic doesn’t last long<br />
and soon the city returns to its custumary poverty. A big riot occurs and<br />
the magician ends up arrested by the local sheriff. In jail he is put in an<br />
ordinary cell along with four inmates; the magician’s presence alters<br />
the prison’s daily routine and a series of amazing and wonderful things<br />
begin to happen.<br />
/ centro cultural UFMG \ 25 nov / 20h<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 19h
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography Sérgio Sanz, Noilton, Anselmo Serrat<br />
montagem editing Sérgio Sanz<br />
\ Ladrões de cinema<br />
/ Brasil \ 1977 / cor \ 127’<br />
Durante o carnaval, no Rio de Janeiro, uma equipe de cineastas norteamericanos<br />
tem seu material de filmagem roubado pelo bloco de índios<br />
que eles documentavam. Os ladrões, favelados do morro do Pavãozinho,<br />
resolvem eles mesmos fazer um filme tendo por tema a Inconfidência<br />
Mineira.<br />
During Carnival, in Rio de Janeiro, a group of north american filmmakers<br />
has their filmed material stolen by the carnival block party made of<br />
indians they were documenting. The thieves, residents of Pavãozinho<br />
favela, decide to make a movie themselves on the subject of the<br />
Inconfidência Mineira.<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 21h<br />
/ 41
42 \<br />
direção director Fernando Coni Campos, David Neves<br />
\ A pintura de Cláudio Tozzi<br />
/ Brasil \ 1981 / cor \ 9’<br />
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography J. Marreco<br />
montagem editing J. Marreco<br />
As experiências do artista plástico Cláudio Tozzi em comunicação visual<br />
com grandes painéis colocados no centro da cidade; o artista na Bienal;<br />
a opinião dos críticos.<br />
The experience of visual artist Cláudio Tozzi in the field of visual<br />
communication with large pannels placed at the city center; the artist at<br />
the Biennial; the critics opinion.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 19h<br />
\ Tarsila do Amaral<br />
/ Brasil \ 1969 / 12’<br />
Documentário sobre os 50 anos de trajetória artística de Tarsila do<br />
Amaral.<br />
Documentary in regard to 50 years of Tarsila do Amaral artistic<br />
trajectory.<br />
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 19h
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography Edgar Moura<br />
montagem editing Eunice Gutman<br />
direção director Fernando Coni Campos<br />
\ O Brasil de Pedro a Pedro<br />
A história do Brasil, do descobrimento à Independência, através de uma<br />
exposição de bonecos da artista plástica Suzana Rodrigues e texto de<br />
Fernando Coni Campos.<br />
The history of Brazil, from the country’s discovery to its independence,<br />
seen through a puppet’s exposition created by the visual artist Suzana<br />
Rodrigues and the writings of Fernando Coni Campos.<br />
direção director Fernando Coni Campos<br />
fotografia photography Edgar Moura<br />
/ Brasil \ 1973 / cor \ 9’<br />
\ Art Nouveau<br />
A Revolução Industrial criou o produto em série. O estilo ‘Art Nouveau’<br />
visa preservar a singularidade da produção única. O filme revela a<br />
presença desse estilo no Brasil do início do século XX.<br />
The Industrial Revolution created mass production. ‘Art Nouveau’ artistic<br />
style intends to preserve single item production’s singularity. The film<br />
reveals this style’s presence in Brazil at the beginning of the XX Century.<br />
\ Pelo sertão<br />
/ Brasil \ 1970 / p&b \ 8’<br />
O sertão contido na obra do escritor brasileiro Affonso Arinos, através<br />
das gravuras de Lívio Abramo.<br />
The sertão region as presented by the work of Brazilian writer Affonso<br />
Arinos, through the printings of Lívio Abramo.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 19h<br />
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mostra cinema dos povos originários<br />
Bolívia e México<br />
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\ Os olhos do tigre e os olhos do condor<br />
/ Júnia Torres, Carolina Canguçu, Milene Migliano<br />
Cuando el video se presentó como posibilidad, las<br />
comunidades se aprovecharon del medio. Seleccionaron a<br />
personas interesadas o ya involucradas en la comunicación<br />
para entrenarse en la produccion videográfica y continuar un<br />
proceso de revindicación étnica que ya estaba en proceso,<br />
por lo menos desde fines de los sesenta, pero que tiene su<br />
horizonte más largo en la sobrevivencia y resistencia de los<br />
pueblos indígenas durante más de 500 años de colonización.<br />
(Freya Schiwy)<br />
Se o cinema não é o espetáculo, ousamos nomear os filmes que aqui<br />
apresentamos sob o título de “Cinema dos povos originários Bolívia/<br />
México”, mostra que reúne obras e experiências fílmicas realizadas<br />
distante dos estúdios e dos roteiros e dentro das florestas e sobre<br />
os altiplanos, longe das universidades, dos saberes tecnicizantes e<br />
próximos de formadores que são, antes de tudo, sujeitos politicamente<br />
situados. Sem o aparato de máquinas e homens outrora mobilizados<br />
para produzir o que moldou-se, em uma perspectiva evolutiva, como<br />
“a sétima arte”, jovens indígenas apropriam-se de uma tecnologia<br />
disponível e barata, de câmeras leves e de um saber que pode ser<br />
compartilhado a favor de um cinema que se faz, felizmente,“menor”.<br />
Nomear esse conjunto de filmes como “cinema” é antes trazê-los<br />
para a companhia do que nos é mais caro – estética e politicamente<br />
– produzido pela imaginação ou fabulação humana mediada<br />
por imagens e sons. É estender o conceito de cinema para mais<br />
distante de nós para aproximá-lo de outros de formas a serem<br />
sempre experimentadas, menos montadas, inacabadas, mais abertas,<br />
tateantes, inaugurais, alegóricas, potentes.<br />
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Um cinema em perspectiva, no qual o lugar de onde vem os filmes<br />
importa mais que – ou tanto quanto – sua forma, afinal. Esse é<br />
um cinema pelo qual estamos particularmente interessados. Um<br />
cinema que sirva para colocar em outros termos um problema que<br />
Jean-Claude Bernardet situa no contexto das filosofias da alteridade:<br />
Acredito que a filosofia da alteridade só começa quando o sujeito<br />
que emprega a palavra “outro” aceita ser ele mesmo um outro<br />
se o centro se descolar, aceita ser um “outro” para o “outro”. 1<br />
(Bernardet, 2004, p. 10).<br />
Um cinema que vem “renovar as lutas políticas a partir da questão<br />
tecnológica e da qualificação dos índios para um trabalho decisivo<br />
no capitalismo cognitivo: a produção de imagens.” 2 (Caixeta de<br />
Queiroz, 2004, p. 58).<br />
Trazendo um filme para o diálogo que reivindicamos, afirmamos que<br />
devemos ver Film socialisme, de Godard, seguindo a entrevista na qual<br />
o cineasta declara a morte do autor, 3 não apenas como uma metáfora<br />
da Europa – um navio de descontentes envelhecidos boiando à deriva<br />
em sua própria história –, mas como um manifesto em favor de “uma<br />
nova república de imagens”- livre do domínio morto da propriedade<br />
corporativa e das leis de propriedade intelectual. Este novo cinema<br />
será recortado e colado em um mundo onde os direitos do autor em<br />
pouco tempo passarão a ser vistos como tão medievais quanto o<br />
droit du seigneur. Em Film socialisme, a linha de fuga possível parece<br />
ser traçada por uma jovem negra de fala francesa, com uma câmera<br />
1 BERNARDET, Jean-Claude. Vídeo nas Aldeias, o documentário e a alteridade in “Um Olhar Indígena”,<br />
VNA, 2004.<br />
2 QUEIROZ, Ruben Caixeta de. Política, estética e ética no projeto Vídeo nas Aldeias. In: “Um Olhar Indígena”,<br />
VNA, 2004.<br />
3 O autor está morto, diz Jean-Luc Godard: entrevista a Fiachra Gibbons, publicada na Folha de São Paulo,<br />
em 22/07/2011.
na mão e uma observação atenta ao nosso entorno, um posto de<br />
gasolina... acreditamos que nesse gesto discreto do filme, o diretor<br />
nos coloca na perspectiva de sermos esse “outro para o outro”, do<br />
qual falávamos acima.<br />
Ao considerarmos as vastas possibilidades colocadas por essa “nova<br />
república das imagens”, onde inúmeras experiências se constroem<br />
também sob a perspectiva indígena e tendo em vista as dificuldades<br />
e prejuízos de uma mostra mais panorâmica, optamos por focar<br />
experiências localizadas em dois países – Bolívia e México – por<br />
apresentarem processos estruturados e longevos e com os quais<br />
conseguimos estabelecer uma comunicação que nos permitiu<br />
organizar essa pequena e incompleta mostra, se considerarmos<br />
as diversas experiências em curso. Os filmes apresentados nos<br />
permitem dar visibilidade à fabricação de um cinema que tem seu<br />
sentido de existir como enfrentamento entre a sociedade nacional<br />
e a resistência coletiva dos originários (mantendo o termo “nativo”)<br />
contra as heranças coloniais e suas atualizações contemporâneas.<br />
São filmes feitos a partir do interior das próprias comunidades<br />
indígenas, discutidos e construídos coletivamente. Ojo de tigre,<br />
Ojo del condor, denominações de duas das experiências coletivas<br />
de produção audiovisual no México e Bolívia, denominações que<br />
não podemos deixar de observar levando a sério a perspectiva<br />
indígena – miradas desde dentro das selvas mexicanas e do alto das<br />
montanhas andinas. Apresentamos uma seleção que compartilha<br />
processos importantes realizados por etnias situadas nesses dois<br />
contextos, embora não abarque toda a pluralidade de experiências<br />
de apropriação das linguagens e do aparato fílmico em franco<br />
acontecimento nesses e em outros lugares.<br />
La producción y difusión de video crea redes de intercambio<br />
audiovisual que desbordan las fronteras de la nación, al<br />
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poner en contacto muy diversas comunidades indígenas<br />
y campesinas rurales. De este proceso emerge la creación<br />
de una vasta cantidad de documentales, docuficciones,<br />
ficciones y también de representaciones videográficas que<br />
se escapan de esta clasificación convencional4 (Schiwy, 2011).<br />
Com o espaço de reflexão que se abre, queremos tocar algumas<br />
das questões que atravessam o conjunto dos filmes aqui<br />
organizados: autoria indígena e processos coletivos, vídeo-ativismo<br />
e filmes-rituais, metodologias de formação e novas estruturas de<br />
comunicação e circulação, constituição do olhar e apropriação<br />
dos gêneros cinematográficos, filmar a “cultura” em “oposição” a<br />
filmar a cultura, 5 o problema posto ao conceito de representação<br />
pelas imagens indígenas. Essas e ainda tantas outras reflexões que<br />
as obras nos convidarão a enfrentar. Porém se aqui mostramos,<br />
procurando revelar e difundir, muito nos será sempre vedado a<br />
conhecer, posto que há usos sociais do vídeo sob a perspectiva<br />
indígena que “escapam” a nossa possibilidade de os apreender nas<br />
salas de cinema: filmes voltados para as próprias comunidades, de<br />
circulação restrita e interna, material não traduzido, não editado,<br />
ou não editável (quando não há intenção de reduzi-lo às elipses<br />
da montagem que não cabem no tempo do ritual), material muitas<br />
vezes gravado para logo ser apagado, onde a performance de colocar<br />
em cena o corpo que filma já seria, ela mesma, uma das formas do<br />
“cinema indígena”.<br />
4 SCHIWY, Freya, “O outro olhar. Vídeo indígena e descolonização”, catálogo <strong>forumdoc</strong>.bh.2011.<br />
5 Diego Madi, em artigo inédito: “Três paradigmas para pensar o vídeo entre os Kayapó”, publicado nesse<br />
catálogo, apresenta uma discussão em torno de experiências indígenas com o vídeo e como estas podem<br />
operar sobre a distinção entre cultura com aspas e cultura sem aspas proposta por Manuela Carneiro da Cunha.
Foi a janela aberta por Divino Tserewahu 6 – realizador de filmes<br />
importantes como Iniciação do jovem Xavante e Mulheres Xavante<br />
sem nome e aqui presente no encontro dos realizadores promovido<br />
pela mostra, onde estarão também Carlos Pérez Rojas (México)<br />
premiado com os filmes Y el rio sigue corriendo e eyes on what’s<br />
inside: the militarization in Guerrero e Matha Zelady Mole (cineasta<br />
indígena moxeño trinitaria e comunicadora), além dos formadores<br />
Ivan Sanjines (CEFREC/Bolívia) e Vincent Carelli (Vídeo nas Aldeias/<br />
Brasil) – que nos apontou algumas das experiências cinematográficas<br />
contemporâneas ainda inéditas em mostras no Brasil. Redes que<br />
se vão tecendo, passando por caminhos outros, já que, como<br />
aponta Shiwy, no texto publicado a seguir, a crítica de cinema<br />
latinoamericano basicamente tem ignorado o campo de produção<br />
audiovisual indígena.<br />
O termo “cinema dos povos originários” é empregado para denominar<br />
as produções audiovisuais dos grupos com os quais o Centro<br />
de Información y Realización Cinematográfica / Coordinadora<br />
Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia (CEFREC/CAIB) tem<br />
trabalhado nos últimos quinze anos em parceria com diversos grupos<br />
indígenas e campesinos: Aymara, Ayoreo, Araona, Baure, Chiquitano,<br />
Canichana, Caniveño, Cayubaba, Chacobo, Eseejja, Itonama,<br />
Joaquiniano, Machinei, Moré, Mosetén, Movima, Moxeño, Pakawara,<br />
Quéchua, Sirionó, Tacana, Toromona, Yaminahua, Yuracaré, ações<br />
que englobam não só a formação de cineastas indígenas, mas<br />
também promove a difusão, distribuição e financiamento de projetos<br />
de comunicação (rádio, vídeo, TV, web) em diversos contextos sociais<br />
6 O realizador e seus filmes, ao mesmo tempo que afirmam a ideia de um cinema indígena em diálogo com<br />
o melhor cinema documental e etnográfico, nos colocam desde nosso encontro em 1998, a profundidade das<br />
questões nas quais estamos imbricados nessa mostra, ao reivindicar o desejo de rompimento com a categoria<br />
“realizador indígena” em favor de seu reconhecimento como “cineasta ponto final” sem substantivação.<br />
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e políticos, consolidando um sistema plurinacional de comunicação.<br />
Através das produções via CEFREC/CAIB tais comunidades investem<br />
na apropriação dos gêneros cinematográficos presentes nas<br />
narrativas ficcionais tradicionais, como o drama, o terror ou o humor<br />
e apostam na tradição documental, realizando filmes etnográficos<br />
descritivos dos modos de vida desses povos.<br />
Em 1996, nasce, na Bolívia, o Plan Nacional Indígena Originário de<br />
Comunicación Audiovisual, 7 fruto da união de diversas confederações<br />
indígenas para a estruturação de um Sistema Nacional de<br />
Comunicación Indígena Originario. O CEFREC/CAIB é uma dessas<br />
organizações, que surge a partir dos trabalhos do cineasta Jorge<br />
Sanjinés em parceria com diversos grupos indígenas, que tem<br />
início em 1963 com um curta de 10 minutos, chamado Revolución.<br />
Esse curta revela as condições miseráveis da grande maioria dos<br />
habitantes de La Paz, indígenas migrantes. Posteriormente, Sanjinés<br />
dirigiu longas que compõem um cinema essencialmente andino,<br />
como Ukamau (1966), a história da vingança de um campesino<br />
índio, cuja mulher foi violada e assassinada por um mestiço; Sangre<br />
de condor (1969), com os mesmos atores de Ukamau, denuncia a<br />
esterilização de mulheres por um grupo chamado Cuerpo de Paz;<br />
e La nación clandestina, de 1989, que apresentamos nessa mostra,<br />
como único filme em que os indígenas não assinam a direção. Esse<br />
longa-metragem apresenta Sebástian Mamani, um índio aymara que<br />
vive em La Paz e decide retornar à sua comunidade em pleno golpe<br />
militar boliviano. Esse filme é considerado a obra-prima do grupo<br />
Ukamau e Sanjinés, em que fotografia, montagem e dramaturgia<br />
realmente impressionam.<br />
7 “Cinema e vídeo indígena como estratégia de afirmação cultural, social e política dos povos originários da<br />
Bolívia”, Ivan Sanjinés, publicado nesse catálogo.
O trabalho de Sanjinés com os índios proporcionou a criação de<br />
um centro de referência e formação de realizadores indígenas,<br />
que sempre foi autônomo e livre para experimentação, tanto na<br />
linguagem dos filmes, quanto nas ações para fortalecer a luta pela<br />
afirmação dos direitos dos povos indígenas.<br />
Hoje há na Bolívia um Sistema Plurinacional de Comunicação,<br />
composto por diversas organizações, centros de produções de rádio<br />
e TV. Já se encontram em um processo extremamente avançado<br />
pois têm elaborado um Plano Nacional Indígena de Comunicação<br />
Audiovisual, de forma a garantir recursos federais permanentes para<br />
a consolidação dessa rede.<br />
Outra experiência aqui enfocada reúne, pela primeira vez no <strong>forumdoc</strong>.<br />
bh, um conjunto mais abrangente de filmes representantes do vídeoativismo<br />
– mas não só – que caracteriza o Promedios/ Chiapas Media<br />
Project, ligada à insurgência zapatista contemporânea no México.<br />
Alessandra Halkin, 8 no texto aqui publicado “Fora da ótica indígena:<br />
zapatistas e realizadores autônomos”, remonta ao início da parceria<br />
entre realizadores indígenas mexicanos e organizações norteamericanas<br />
para estruturação audiovisual dos governos autônomos<br />
indígenas do México através da criação do Chiapas Media Project.<br />
Desde o início houve um esforço em organizar oficinas de vídeo nas<br />
aldeias que fossem ministradas pelos próprios indígenas já iniciados<br />
na linguagem audiovisual. Não houve, nesse primeiro momento,<br />
oficinas ministradas por não-indígenas, já que existia no México uma<br />
iniciativa do uso do vídeo pelos índios como forma de ação política.<br />
Halkin contactou essas pessoas e ofereceu estrutura de trabalho<br />
a elas. A pesquisadora diz ter focado seu trabalho na captação de<br />
8 Alexandra Halkin. Documentarista, ex-diretora e atual coordenadora internacional do Chiapas Media<br />
Project.<br />
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recursos para o projeto e na distribuição internacional dos filmes<br />
produzidos. A formação de realizadores indígenas seria coordenada<br />
por eles mesmos, sendo o contato direto com os brancos mais<br />
intenso nos momentos da edição dos materiais. Isso traz à tona uma<br />
séria questão da formação de cineastas indígenas, já que poucos<br />
dos cinegrafistas formados chegam a dominar o processo de edição.<br />
O que percebemos dessa produção inicial do Chiapas Media Project é<br />
uma tentativa de reprodução da linguagem televisiva da reportagem,<br />
de forma a dar voz a atores sociais que não têm espaço na grande<br />
mídia. Ao mesmo tempo, esses filmes não são uma cópia da televisão,<br />
mas antes maneiras únicas de apropriação dessa linguagem. Cesar<br />
Pérez, realizador mexicano convidado a participar da mostra aqui<br />
em BH, reflete sobre seus filmes e assume querer ousar mais na<br />
construção das narrativas. Ele, que havia trabalhado em uma TV<br />
indígena (TV Tamix em Oaxaca), se tornou formador do Chiapas<br />
Media Project, e assim disseminou a antropofagia da televisão pelos<br />
originários mexicanos.<br />
A minha verdadeira crença e o que ultimamente tem me tocado<br />
muito é que me parece importante que se façam documentários<br />
com um enfoque social, com compromisso social. Mas também<br />
percebi que, incluindo meus vídeos, em termos audiovisuais<br />
estamos muito longe da criatividade com que as comunidades<br />
se organizam e se movimentam. Vejo meus vídeos e os de<br />
outros realizadores sobre esses temas e percebo que, muitas<br />
vezes, são muito frios, muito quadrados. E o que eu quero<br />
fazer agora é poder captar a criatividade que é característica<br />
dos movimentos sociais do México. (entrevista com Carlo Pérez<br />
Rojas, publicado neste catálogo).<br />
O Promedios/Chiapas Media Project atualmente trabalha na difusão<br />
dos vídeos feitos pelas comunidades indígenas e campesinas dos
estados de Chiapas e Guerrero sudeste mexicano; seu objetivo é<br />
facilitar a comunidades campesinas e indígenas, pobres e organizadas<br />
a possibilidade de produzir seus próprios materiais audiovisuais<br />
e difundi-los. Promedios/CMP se dedica a conseguir os recursos<br />
necessários para equipar as diversas regiões donde se trabalha com<br />
equipamento de comunicação, capacita os campesinos e os indígenas<br />
no manejo de tecnologia de comunicação e distribui as produções<br />
dos videastas indígenas nas diversas regiões do mundo. Entre os<br />
destaques dos filmes zapatistas estão os filme de Carlos Pérez Rojas<br />
sobre a militarização nas comunidades indígenas em Guerrero,<br />
onde percebe-se, como em outras produções a presença, inscrição<br />
e atuação política do vídeo. Com tais filmes e com sua produção<br />
contemporânea pela Mecapal filmes, o realizador tem se destacado<br />
em festivais como Sundance, Margaret Mead Film Festival, United<br />
Nations Conference on Indigenous Journalism, Festival International<br />
de Film d’Amiens e Festival de Cine y Video de los Pueblos Indígenas<br />
de América e Wild Spaces Film Festival in Melbourne.<br />
Apresentamos também títulos provenientes de outras experiências<br />
situadas também no México como filmes produzidos pelo Proyecto<br />
Videoastas Indígenas de La Frontera Sur (Dia de muertos en la<br />
tierra de los murciélagos e Canción de nuestra tierra), ou Dulce<br />
Convivência (produzido por Quemix), Aqui, así nos Curamos (Ojo<br />
de tigre) além de um filme não oriundo de projetos de formação,<br />
biográfico e ensaístico: El rebozo de mi madre, de Iteandehui Jansen,<br />
que nos permitem perceber as diferenças formais se comparados a<br />
Chiapas Media Project, embora muitas vezes produzidos no mesmo<br />
contexto, vindos das selvas remanescentes da região de Chiapas.<br />
Incluímos ainda, sob “licença poética”, um filme de autoria da<br />
importante realizadora Jeannette Paillán (mapuche/Chile), o belo<br />
Punalka, el alto Bíobío.<br />
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Poder assistir as imagens e sons que conectam o realizador e câmera,<br />
em conversa com o seu avô, indagando mais uma vez sobre o ritual,<br />
aprendendo mais uma vez para trazer a memória ao filme que nos<br />
conecta, espectadores à sua realidade, compartilhada principalmente<br />
com seus parentes próximos, pois com eles divide o conhecimento<br />
de uma língua rara, aponta mais uma vez para a necessidade de se<br />
conhecer mais sobre o cinema dos povos originários. Realizar essa<br />
mostra é reconhecer que “no mundo indígena, um ritual e um filme<br />
nunca são perfeitos, estão sempre inacabados, prontos apenas para<br />
o recomeço. E assim, ali, um filme gera e provoca necessariamente<br />
outro filme.” (Caixeta de Queiroz, 2008, p. 123). 9 Uma mostra,<br />
outras mostras.<br />
9 QUEIROZ, Caixeta de Ruben. Cineastas Indígenas e Pensamento Selvagem in Devires, Cinema e<br />
Humanidades, FAFICH-UFMG, v.5, n.2, 2008.
\ Qati Qati / Susurros de muerte<br />
/ Qati Qati / Whispers of death<br />
/ Bolívia \ 1998 / cor \ 35’’<br />
direção director Reynaldo Yujra (Aymara)<br />
fotografia photography César Pérez<br />
montagem editing Juan Cadena<br />
som sound Max Silva, Constancio Chileno<br />
produção production Maria Eugenia Muñoz, Fernando Alcázar, CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
Adaptação de conto da região de Carabuco do Lago Titicaca, o filme<br />
encena a história de um homem que paga caro por não acreditar nas<br />
almas e nos espíritos antepassados presentes na vida cotidiana Aymara.<br />
Adapted from a tale of the Carabuco region of Lake Titicaca, this is the<br />
story of a man who pays dearly for not believing in the souls and spirits<br />
present in everyday Aymara life.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 19h<br />
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\ Qulqi chaleco / Chaleco de plata<br />
/ Qulqi chaleco / Vest made of money<br />
/ Bolívia \ 1999 / cor \ 22’<br />
direção director Patricio Luna (Aymara)<br />
fotografia photography Santiago San Martín<br />
montagem editing Juan Cadena<br />
som sound María Eugenia Muñoz e Franklin Cortéz<br />
produção production María Eugenia Muñoz e Fernando Alcázar, CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
Dramatização de um conto tradicional Aymara que propõe uma reflexão<br />
sobre a ambição, a avareza e as consequências da acumulação.<br />
In this dramatization of a traditional Aymara tale, Satuco hoards money<br />
in a vest that he never removes, not even to sleep. When signs tell of his<br />
coming death, he shares his secret with a neighbor—and the results are<br />
eternal.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h<br />
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h
\ K’anchary / <strong>Para</strong> encender la luz del espíritu<br />
/ K’anchary / To light the spirit<br />
/ Bolívia \ 2002 / cor \ 45’’<br />
direção director Reynaldo Yujra (Aymara)<br />
fotografia photography Cesar Perez<br />
montagem editing Juan Guaraní, Reynaldo Yujra, Max Silva<br />
som sound Juan Guaraní<br />
produção production Daniel Gutierrez, CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
O vídeo é estruturado a partir do acompanhamento dos médicos<br />
tradicionais Kallawayas da comunidade de Chari (La Paz) para conhecer<br />
diferentes aspectos da realidade indígena da região e a prática da<br />
medicina tradicional, reflexo de uma cosmovisão própria.<br />
In a collective production, an Aymara filmmaker follows the Kallawayas,<br />
healers and spiritual leaders of the Chari community of La Paz, to<br />
learn about the indigenous reality of the region. Traditional medicine<br />
practices are documented, providing insights into the Kallawaya world<br />
view.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 19h<br />
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h<br />
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\ Wiñay qaman pacha / Cosmovisión de los pueblos<br />
indígenas originários<br />
direção director Coletiva<br />
produção production CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
/ Bolívia \ 2004 / cor \ 30’<br />
Os povos originários vivem uma forte conexão com a Pachamama (Mãe<br />
Terra), com os deuses protetores e com sua própria espiritualidade.<br />
Atualmente, tanto nas cidades como nas comunidades indígenas, muitas<br />
crenças externas apareceram gerando um enfrentamento entre irmãos<br />
e conflitos com sua própria cultura. O documentário reflete sobre esta<br />
problemática e demanda o direito dos povos indígenas de praticar sua<br />
cultura e fortalecer sua identidade.<br />
The traditional indigenous people have a strong connection with<br />
Pachamama (Mother Earth), protective gods and their own spirituality.<br />
Nowadays, both in the city and in indigenous communities, many<br />
external beliefs have arisen generating confrontation among brothers<br />
and conflicts with their own culture. The documentary reflects upon this<br />
problem and demands the right for indigenous people to practice their<br />
culture and strengthen their identities<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h
\ El grito de la selva<br />
/ Cry of the forest<br />
/ Bolívia \ 2008 / cor \ 97’<br />
direção director Coletiva<br />
fotografia photography Cesar Perez<br />
montagem editing German Monje<br />
som sound Nicolas Ipamo<br />
produção production Erika Cavero<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
O filme narra acontecimentos baseados em histórias reais dos anos<br />
1990 e 1996 no contexto da preparação da histórica marcha que os<br />
povos indígenas da Amazônia do Beni fizeram até a cidade de La Paz<br />
reivindicando por dignidade e território. Aborda o papel e a luta das<br />
comunidades e as mulheres indígenas defendendo seus direitos e sua<br />
terra.<br />
The regional indigenous movement of the 1990s in Bolivia sets the stage<br />
for the country’s first indigenous feature film. Communities in lowland<br />
Beni are shattered by violence meted out by illegal loggers. Their<br />
defense of their lives and lands culminates in protests that change the<br />
political landscape of Bolivia forever.<br />
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 17h<br />
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\ Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi /<br />
<strong>Para</strong> vivir bien<br />
/ Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi /<br />
For a better life<br />
/ Bolívia \ 2008 / cor \ 55’<br />
direção director Coletiva<br />
fotografia photography Vicente Mamani, Jesús Tapia, Cesar Pérez, Max Silva<br />
montagem editing Max Silva<br />
produção production Victor Hugo Torrez, CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
O documentário recupera a participação dos povos indígenas originários<br />
e camponeses da Bolívia no processo da Assembleia Constituinte,<br />
documentando-a desde o início, com as diferentes mobilizações e<br />
marchas que protagonizaram as organizações indígenas e campesinas,<br />
a instalação da Assembleia na cidade de Sucre, as propostas das<br />
organizações indígenas, as agressões dos dirigentes e participantes e<br />
os obstáculos superados até a entrega da Nova Constituição do Estado a<br />
Presidente da República, em 2007.<br />
In Bolivia, a forceful new movement for progressive change has emerged<br />
from the indigenous peoples of the country. Indigenous videomakers<br />
document the historic process of mobilization by indigenous and<br />
peasant organizations, leading to the drafting of a controversial new<br />
national constitution that recognizes indigenous autonomy and protects<br />
linguistic and cultural diversity<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h
\ Guayé – La lucha del pueblo Ayoreo<br />
/ Bolívia \ 2010 / cor \ 31’<br />
direção director Coletiva<br />
fotografia photography Max Silva<br />
montagem editing Max Silva<br />
som sound Zaida Cabrera, Tomás Candia, Nicolas Ipamo<br />
produção production Francisco Vargas, CEFREC-CAIB<br />
contato contactcefrec@gmail.com<br />
O documentário baseia-se em uma reflexão sobre a cultura, a<br />
organização e a luta constante do povo indígena Ayoreo na Bolívia pela<br />
verdadeira inclusão no Novo Estado Plurinacional da Bolívia através de<br />
dois acontecimentos: o primeiro, uma viagem dos dirigente da CANOB<br />
de Decasuté à terra comunitária indígena Guayé (Rincón del Tigre); o<br />
segundo, o cotidiano de Josedaté , , uma mulher de muita força e com<br />
uma trajetória em defesa do povo Ayoreo, que nos faz refletir sobre a<br />
importância de seu povo e de sua cultura.<br />
The documentary reflects upon the culture, form of organization and<br />
constant struggle of the Ayoreo indigenous people of Bolivia for the<br />
inclusion of two events on the New Plurinational State of Bolivia. The<br />
first one is a trip from the directors of CANOB from Decasuté to the<br />
indigenous land of Gauyé (Rincón del Tigre); the second is the everyday<br />
life of Josedaté), a woman of much strengh and with a history of defense<br />
of the Ayore people, that makes us think upon the importance of her<br />
people and her culture.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 15h<br />
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64 \<br />
\ Sirionó<br />
/ Bolívia \ 2010 / cor \ 56’<br />
direção director Coletiva<br />
fotografia photography César Pérez<br />
montagem editing Germán Monje<br />
som sound Nicolas Ipamo<br />
produção production CEFREC-CAIB<br />
contato contact cefrec@gmail.com<br />
O dia a dia da comunidade Sirionó de Ibiato nos tempos das ditaduras<br />
militares, no final da década de 70 e logo antes da histórica marcha<br />
indígena de 1990 pelo Território e pela Dignidade, nos faz refletir sobre<br />
a educação e a forma na qual se impôs um modelo alheio às culturas<br />
indígenas e de desrespeito ao próprio idioma.<br />
A fictional account of the Sirionó community of Ibiato, just before the<br />
historic 1990 March for Land and Dignity to the nation’s capital. A<br />
revolutionary guerilla fleeing from the dictatorship’s military forces is<br />
mistakenly accepted as the teacher the community has been expecting.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h
\ La nación clandestina<br />
/ Bolívia \ 1989 / cor \ 128’<br />
direção director Jorge Sanjinés<br />
fotografia photography César Perez<br />
montagem editing Jorge Sanjinés<br />
som sound Juan Guaraní<br />
produção production Grupo UKAMAU<br />
contato contact grupoukamau@gmail.com<br />
O filme tematiza a questão da identidade cultural da nação boliviana.<br />
Sebastián Mamani, um camponês renegado por seu povo, tenta integrarse<br />
a uma sociedade que o descrimina e humilha por sua origem Aymara.<br />
Ele retorna ao povoado para se redimir por ter atuado como repressor<br />
durante a ditadura. Dançando o “Jacha Tata Danzante” e ele espera<br />
apagar seu passado, desejando seu próprio renascimento.<br />
The movie centers on a discussion of the bolivian nation’s cultural<br />
identity. Sebátian Mamani, a countryman denied by his people, tries<br />
be part of a society that discriminates and humiliates him due to his<br />
Aymara origins. He returns to his village to redeem himself for engaging<br />
in acts of repression during the dictatorship. Dancing the ‘Jacha Tata<br />
Danzante’ until his death he expects to erase his past while waits to be<br />
reborn.<br />
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 21h<br />
/ 65
66 \<br />
\ Chul stes-bil lum qui, nal / Tierra Sagrada<br />
direção director coletiva Tzeltal<br />
produção production Chiapas Media Project/Promedios<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
/ The sacred land<br />
/ México \ 2000 / cor \ 19’<br />
Por mais de 500 anos os povos indígenas de Chiapas vêm lutando para<br />
recuperar a propriedade de suas terras. Até o levante Zapatista de 1994,<br />
grande parte dos povos de Chiapas se sustentava através do trabalho<br />
em grandes plantações de ricos proprietários. “Terra Sagrada” descreve<br />
a vida nessas plantações, e inclui histórias sobre condições de quase<br />
escravidão que remetem a quatro gerações. Produzido no município<br />
autônomo “17 de novembro” e editado por videastas indígenas.<br />
For more then 500 years indigenous people in Chiapas have been<br />
struggling to regain ownership of their lands. Until the Zapatista<br />
uprising in 1994, most indigenous people in Chiapas existed by working<br />
on large plantations for rich landowners. The Sacred Land describes<br />
what life was like on these plantations. It includes stories that go<br />
back four generations about slavery-like conditions in which people<br />
worked for the rancheros. Produced in the autonomous municipality of<br />
“November 17th” and edited by indigenous video makers.<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h
\ Son de la tierra<br />
/ Song of the earth: traditional music from<br />
the highlands of Chiapas<br />
/ México \ 2002 / cor \ 17’<br />
direção director Jorge<br />
fotografia photography Jorge, Amalio e Carlos Efrain<br />
montagem editing Jorge e Carlos Efrain<br />
som sound Jorge e Carlos Efrain<br />
produção production Chiapas Media Project/Promedios<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
Anciãos Tzotzil explicam o significado da música tradicional e o papel<br />
dos músicos em suas respectivas comunidades. Presentes no filme<br />
festividades, músicas e danças, incluindo o festival de San Andres, a<br />
celebração mais importante do ano. Os anciãos discutem a influência<br />
da música ocidental e expressam sua esperança da juventude indígena<br />
manter suas tradições e cultura.<br />
Tzotzil elders explain the significance of traditional music and the role<br />
of musicians in their communities. Celebrations, songs and dances<br />
are presented including the festival of San Andres, the most important<br />
celebration of the year. Elders talk about the influence of western music<br />
and dress on youth and express their hopes that indigenous youth will<br />
maintain their traditions and culture<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h<br />
/ 67
68 \<br />
\ Cuando la justicia se hace pueblo<br />
/ Reclaiming justice: Guerrero’s indigenous<br />
community police<br />
/ México \ 2002 / cor \ 26’<br />
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)<br />
fotografia photography Hermenegildo Rojas Rmz, Jose Luis, Carlos Pérez Rojas<br />
montagem editing Alex Halkin e Carlos Pérez Rojas<br />
som sound Jose Luis Matias e Victor Pérez Rojas<br />
produção production Alex Halkin e Paco Vazquez, Chiapas Media Project-Promedios<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
“Quando la justicia se hace pueblo” conta a história de 42 comunidades<br />
Mixteco e Tlapaneco de Costa Monta - uma região de Guerrero que,<br />
frente à injustiça e à corrupção das autoridades locais, criaram a Polícia<br />
das Comunidades Indígena (ICP) em 1995. O ICP é uma organização<br />
voluntária, eleita por assembléia regional, baseado no sistema de justiça<br />
indígena.<br />
“Reclaiming Justice” is the story of 42 Mixteco and Tlapaneco<br />
communities in the Costa-Monta–a region of Guerrero who, faced with<br />
injustice and corruption of local authorities, established the Indigenous<br />
Community Police (ICP) in 1995. Based on the traditional Indigenous<br />
justice system, the ICP is a volunteer organization elected by regional<br />
assembly.<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h
direção director Coletiva Tzeltal<br />
fotografia photography Israel<br />
montagem editing Israel<br />
produção production Chiapas Media Project/Promedios<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
\ La lucha del agua<br />
/ Water and autonomy<br />
/ México \ 2003 / cor \ 14’<br />
Muitas das comunidades indígenas de Chiapas não têm acesso à água<br />
potável. “Água e Autonomia” volta-se para esse problema e revela de<br />
que forma as comunidades Zapatistas trabalham para resolvê-lo. Através<br />
da solidariedade e do treinamento proporcionado por pessoas do<br />
exterior, várias comunidades vêm construindo seus próprios sistemas<br />
de distribuição de água potável.<br />
Many of the indigenous communities in Chiapas have no access to<br />
potable water. Water and Autonomy looks at this serious problem and<br />
how the Zapatista communities are solving it. Through solidarity and<br />
training from internationals many communities are now building their<br />
own water systems.<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h<br />
/ 69
70 \<br />
\ La vida de la mujer en resistencia<br />
/ We are equal: Zapatista women speak<br />
/ México \ 2004 / cor \ 19’<br />
direção director Coletiva Tzeltal<br />
fotografia photography Nicolasa, Maria, Fredy, Antonio, Manuel, Antonio, Miguel, José<br />
Guadalupe, Paulina, Arnulfo, Guadalupe<br />
som sound Miguel e José Guadalupe<br />
montagem editing Moisés<br />
produção production Chiapas Media Project/Promedios<br />
Mulheres Zapatistas falam sobre suas vidas antes do levante de 1994 e<br />
quais as mudanças ocorreram desde então. O filme apresenta um olhar<br />
direto e crítico acerca das relações de gênero dentro de comunidades<br />
Zapatistas – quanto as mulheres conquistaram e o quanto elas ainda<br />
precisam conquistar.<br />
Zapatista women speak about what their lives were like before the<br />
uprising in 1994 and how their lives have changed since. A very upfront<br />
and critical look at gender relations within the Zapatista communities -<br />
how far women have come and how far they still need to go.<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 15h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
\ Mirando hacia adentro. La militarización en Guerrero<br />
/ Eyes on what’s inside: The militarization of Guerrero<br />
/ México \ 2005 / cor \ 34’<br />
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)<br />
fotografia photography Carlos Pérez Rojas, Mario Viveros, Hermenegildo Rojas, Bruno<br />
Varela, Rafa de Villa, Eduardo Jaszi, Rodrigo Cruz<br />
montagem editing Alex Halkin e Bruno Varela<br />
produção production Alex Halkin, Chiapas Media Project/Promedios de<br />
Comunicación Comunitária A.C.<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
O filme discute os efeitos desestabilizadores da presença militar<br />
em comunidades indígenas, e como a pobreza e a marginalização<br />
crescentes contribuíram para a criação de grupos guerrilheiros armados<br />
e a presença do narcotráfico. A constituição mexicana estabelece o<br />
papel interno da polícia militar, e Guerrero representa um exemplo de<br />
como os militares agem fora das leis constitucionais<br />
The Organization of Indigenous People Me phaa (OIPM) share their story<br />
but it is really the story of many indigenous communities in Guerrero.<br />
Discussed are the destabilizing effects of the military presence on indigenous<br />
communities, and how the increasing poverty/marginalization<br />
of the population has contributed to the formation of armed guerilla<br />
groups and the presence of narcotrafficking. The Mexican Constitution<br />
lays out the internal role of the military and Guerrero presents a clear<br />
example of how the military acts outside of it’s constitutional mandate.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h<br />
/ 71
72 \<br />
direção director Coletiva Tzotzil<br />
produção production Chiapas Media Project/Promedios<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
\ La tierra es de quien la trabaja<br />
/ The land belongs to those who work<br />
/ México \ 2005 / cor \ 15’<br />
O vídeo acompanha a situação da cidade de Bolon Aja’aw, localizada<br />
no norte do estado, perto do famoso sistema do rio Água Azul. O<br />
governo federal vendeu as terras de Bolon Aja’aw a uma companhia<br />
privada para a criação de um centro de ecoturismo, sem a permissão<br />
dos membros da comunidade. O vídeo documenta um encontro entre<br />
autoridades Zapatistas e funcionários do governo mexicano, e oferece<br />
um olhar crítico em relação às implicações práticas do assim chamado<br />
ecoturismo.<br />
The video discusses the situation in the town of Bolon Aja’aw, located<br />
in the north of the state near the famous Agua Azul river system.<br />
The federal government sold the land in Bolon aja’aw to a private<br />
company to create an eco-tourism center without the permission of the<br />
community members. The video documents a meeting between Zapatista<br />
authorities and Mexican Government functionaries, and offers a critical<br />
look at the practical implications of so-called eco-tourism.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 21h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
\ Planting a seed: autonomous health in Chiapas<br />
/ México \ 2007 / cor \ 42’<br />
direção director Coletiva (Tzotzil, Tzeltal e Tojolabal)<br />
fotografia photography Edilberto, Estela, Timóteo, Charly, Salvador, Reynoso,<br />
Israel, Gerardo<br />
montagem editing Timóteo, Edilberto, Estela, Nico,<br />
produção production The Autonomous Municipalities of Lucio Cabañas, 17 de Novembro,<br />
Che Guevara, Vicente Guerrero, 1° de Janeiro, Olga Isabel e Miguel Hidalgo,<br />
Chiapas Media Project/Promedios de Comunicacion<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
As comunidades autônomas Zapatistas formaram seus próprios sistemas<br />
de saúde, independentes do sistema oficial do governo mexicano,<br />
de forma bem sucedida. Em “Planting a Seed” os responsáveis pela<br />
saúde e outros membros da comunidade descrevem como gerenciam<br />
suas próprias clínicas, ministram oficinas sobre saúde, e continuam a<br />
preservar a medicina natural tradicional ao mesmo tempo em que vêm<br />
incorporando a medicina ocidental.<br />
The Zapatista autonomous communities have successfully formed<br />
their own health care system independent of the official system of the<br />
Mexican government. In Planting a Seed, health promoters and other<br />
community members describe how they run their own clinics, hold<br />
health workshops, and continue to use and preserve their traditional<br />
natural medicine while also incorporating Western medicine.<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 15h<br />
/ 73
74 \<br />
\ A Cielo Abierto<br />
/ Under the Open Sky<br />
/ México \ 2007 / cor \ 37’37’’<br />
direção director José Luis Matías y Carlos Pérez Rojas<br />
fotografia photography Carlos Pérez Rojas, José Luis Matías, Gilberto Tecolapa Casarrubias,<br />
Emilio Montiel Téllez<br />
som sound Gilberto Tecolapa Casarrubias y José Luis Matías<br />
montagem editing Carlos Pérez Rojas y José Luis Matías<br />
produção production Ojo de Tigre Video<br />
contato contact cmp@chiapasmediaproject.org<br />
O depósito de ouro mais antigo do México se encontra em El<br />
Carrizalillo, Guerrero, onde a população vive em extrema pobreza. Em<br />
princípios de 2007, as comunidades com títulos sobre essas terras se<br />
organizaram para buscar um acordo de arrendamento justo, que incluía<br />
benefícios sociais para a comunidade, com a multinacional canadense<br />
Goldcorp Mining. A Céu Aberto é a história de uma comunidade que se<br />
organizou, lutou e venceu.<br />
Mexico’s largest gold deposit is found in El Carrizalillo, Guerrero,<br />
where the people live in grinding poverty. In early 2007, community<br />
landholders organized in order to seek a fair annual lease payment<br />
and social benefits for the communtiy from the Canadian transnational<br />
company Goldcorp Mining.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 17h
direção director Carlos Pérez Rojas (Mixe)<br />
fotografia photography<br />
trilha sonora soundtrack Julio García<br />
montagem editing Carlos Pérez Rojas<br />
produção production Carlos Pérez Rojas<br />
contato contact mecapal.films@gmail.com<br />
\ Y el río sigue corriendo<br />
/ And the river flows on<br />
/ México \ 2010 / cor \ 70’<br />
Desde 2003, o governo mexicano tenta construir a barragem da<br />
hidroelétrica de “La Parota”, o que inundaria várias comunidades ao sul<br />
de Acapulco. Esse documentário retrata comunidades que resistiram a<br />
esse projeto, suas vidas, seus trabalhos, e seu amor pela terra.<br />
Since 2003, the Mexican government has tried to build the La Parota<br />
hydroelectric dam, which would flood several communities south of<br />
Acapulco. This documentary portrays the communities that have resisted<br />
this project, their lives, their work, and their love of the land.<br />
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 19h<br />
/ 75
76 \<br />
\ El rebozo de mi madre<br />
/ My mother’s rebozo<br />
/ México | Holanda \ 2005 / cor \ 75’<br />
direção director Itandehui Jansen (Mixteca/Holandesa)<br />
fotografia photography Itandehui Jansen e Matijn Groot<br />
som sound Martijn Groot e Aurora Perez<br />
montagem editing Katarina Türler<br />
produção production Rolf Orthel<br />
contact matijn@jumpcuts.nl<br />
Tendo crescido entre as culturas de uma mãe mixteca e um pai<br />
holandês, a realizadora empreende uma revisão pessoal de seu povo<br />
natal em Oaxaca. Ela reflete acerca das mudanças que identifica e<br />
propõe um diálogo com membros da comunidade, documentando sua<br />
experiência de migração e retorno.<br />
Having been raised amidst the cultures of a mixteca mother and a<br />
dutch father, the filmmaker undertakes a personal revision of her<br />
village in Oaxaca. She presents a reflection on changes she can identify<br />
and suggests a dialogue with community members, documenting her<br />
experience about migration and returning home.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 19h
\ Nikan ikon ti topajcha/ Aquí así nos curamos<br />
/ This is how we heal ourselves here<br />
/ México \ 2003 / cor \ 15’<br />
direção director José Luís Matías (Nahua)<br />
som sound Bernardo Alejo Hernàndez<br />
montagem editing Gilberto Tecolapa Casarrubias, José Luis Matias Alonso<br />
produção production Unidade de Produção Audiovisual Indígena<br />
Ojo de Tigre Vídeo Guerrerocontato<br />
contact ojodetigrevideo@yahoo.com.mx<br />
<strong>Para</strong> o povo Nahua de Zitlala, Guerrero, a tradição da medicina realizada<br />
com ervas continua sendo utilizada como recurso vital para a saúde da<br />
comunidade.<br />
To the Nahua people of Zitlala, Guerrero, the medicine tradition based<br />
on herbs remains a vital resource to the community health.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 19h<br />
/ 77
78 \<br />
direção director Filoteo Gómez Martínez (Mixtec)<br />
fotografia photography Filoteo Gómez Martínez<br />
montagem editing Filoteo Gómez Martínez<br />
produção production Quemix<br />
contato contact ojodetigrevideo@yahoo.com.mx<br />
\ Dulce Convivencia<br />
/ Sweet gathering<br />
/ México \ 2004 / cor \ 18’<br />
O realizador tem como foco a produção de panela (açúcar mascavo) em<br />
sua cidade natal em Oaxaca, fornecendo uma compreensão da força e<br />
das recompensas do modo de vida indígena.<br />
A filmmaker’s focus on the production of panela (raw brown sugar) in<br />
his home town in Oaxaca provides insight into the strength and rewards<br />
of the indigenous way of life.<br />
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 19h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 18h
\ K’in Santo ta sotz’leb / Dia de muertos en la tierra<br />
de los murciélagos<br />
direção director Pedro Daniel López López<br />
fotografia photography Pedro Daniel López López<br />
montagem editing Pedro Daniel López López<br />
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur<br />
contato contact lasemillafilm@gmail.com<br />
/ México \ 2002 / cor \ 32’<br />
Jovem realizador retoma o contato com seu avô após viajar para o<br />
vilarejo do ancião em Zinacantán, Chiapas. Lá ele documenta a festa de<br />
Todos os Santos e ritos do Dia dos mortos que não são mais praticados<br />
na sua comunidade natal, onde foi adotada uma forma evangélica<br />
de Cristianismo. O ancião se apropria das filmagens para transmitir<br />
sua esperança de que a juventude indígena dê continuidade a essas<br />
tradições.<br />
A young filmmaker reconnects with his grandfather when he travels<br />
to the elder’s village of Zinacantán, Chiapas. Here he documents the<br />
All Saints fiesta and Day of the Dead observances that are no longer<br />
practiced in the community where he grew up, which has adopted<br />
an evangelical form of Christianity. The elder takes advantage of the<br />
filming to convey his hopes for indigenous youth to carry on these<br />
traditions.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h<br />
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80 \<br />
\ Kévujelta Jteklum / Canción de nuestra tierra<br />
/ México \ 2004 / cor \ 36’<br />
direção director Pedro Daniel López López<br />
fotografia photography Pedro Daniel López López<br />
som sound David López Pérez<br />
montagem editing Pedro Daniel López López<br />
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur<br />
contato contact lasemillafilm@gmail.com<br />
Nesse filme, Pedro nos leva à tradição musical de seu avô e de seu<br />
bisavô. Nos lembra que eles, como todos os músicos zinacantecos,<br />
não só acompanham musicalmente as festas; são os guias do ritual, os<br />
“diretores de orquestra” que conhecem todos os passos cerimoniais. Sua<br />
música é fundo e forma, e veículo junto com a bebida “pox” e os santos,<br />
para chegar a Deus... aos Deuses<br />
In this film, Pedro shows us the musical tradition of his grandfather and<br />
great-grandfather. He reminds us that, like all zinacanteco musicians,<br />
they not only musically accompany the festivities; they are the ritual<br />
guides, “orchestra directors” that know all the ceremony’s movements.<br />
Their music is background and shape, and a pathway together with<br />
“pox” drink and the saints to reach God... the Gods.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 15h
\ Nostalgia de San Caralampio<br />
/ México \ 2004 / cor \ 44’<br />
direção director Comunidade San Caralampio, Pedro Daniel López López, Juan Diego<br />
Méndez, Javier Méndez Córdoba, Xochitl Leyva y Axel Köhler<br />
fotografia photography Carlos Uriel del Carpio, Juan Diego Méndez, Javier Méndez<br />
Córdoba, Axel Köhler, Pedro Daniel López López<br />
montagem editing Pedro Daniel López López e Javier Méndez Córdoba<br />
produção production Proyecto Videoastas Indígenas de la Frontera Sur<br />
contato contact lasemillafilm@gmail.com<br />
As primeiras imagens deste vídeo foram feitas em 1991 a pedido dos<br />
moradores da comunidade rural El Guanal, na selva Lacandona. Mais<br />
tarde, em 1994, quando aconteceu o levante zapatista, a comunidade<br />
de El Guanal se dividiu. Este vídeo nos fala da nostalgia dos guanaleros,<br />
agora urbanos, da “terra selvagem prometida”. O vídeo mostra também<br />
imagens da festa de San Caralampio, o padroeiro, feitas na cidade de<br />
Ocosindo em 2002, agora filmada pelos próprios jovens indígenas.<br />
The first images of this video were captured in 1991 at the request<br />
of residents from the El Guanal rural community, in the Lacandona<br />
jungle. Later on, in 1994, when the Zapatista uprising took place, the El<br />
Guanal community was divided. This video speaks of the now urbanised<br />
guanaleros, and their nostalgia from a “promised wild land”. The video<br />
also shows images from the festivity of San Caralampio, the patron<br />
saint, shot in Ocosindo in 2002, that is now portrayed by the young<br />
indigenous filmmakers themselves.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 15h<br />
/ 81
82 \<br />
\ Punalka: el alto Bíobío<br />
/ Punalka, the upper Bíobío<br />
direção director Jeannette Paillán (Mapuche)<br />
fotografia photography Rodrigo Casanova e Pablo Salas<br />
montagem editing Jeannette Paillán, Guillermo Molina, Fernando Carrasco<br />
produção production Jeanette Paillán, Lulul Mawidha<br />
contato contact festivalindigena@yahoo.es<br />
/ Chile \ 1995 / cor \ 26’<br />
O filme revela o ponto de vista do povo Mapuche que habita o vale<br />
do rio Bíobío, no Chile, tendo como foco a ameaça que representa a<br />
construção de uma represa hidroelétrica sobre a forma de vida dos<br />
Mapuche.<br />
The film reveals the Mapuche people’s point of view, living on the Bíobío<br />
river valley in Chile, with a special focus on the threat imposed to the<br />
Mapuche’s way of life by the building of a hydroelectric dam.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 19h<br />
/ centro cultural UFMG \ 02 dez / 18h
mostra o animal e a câmera<br />
/ 83
84 \<br />
Hipopótamo<br />
Marinho Maxakali<br />
ia aaaaa i ii<br />
ia aaaaa i ii<br />
aaa i a iia<br />
hipopótamo do yãmiy<br />
cabeça baixa<br />
passos lentos<br />
aaa ii a aa<br />
hipopótamo do yãmiy<br />
cabeça baixa<br />
passos lentos<br />
aaa ii a aa<br />
passos lentos<br />
aaa ii a aa<br />
passos lentos<br />
aai dia abiai<br />
aai dia abiai<br />
diac aabiaí ai<br />
diac aaia ô ôôô
\ O animal e a câmera<br />
/ Paulo Maia<br />
E o que é o amor<br />
senão a pressa<br />
da presa em prender-se?<br />
A pressa<br />
da presa<br />
em<br />
perder-se<br />
(Ana Martins Marques, “Caçada”)<br />
Um dos temas mais estimulantes da Ciência do Homem, conhecida<br />
também por Antropologia, recai sobre a controversa relação (real e<br />
conceitual) entre homens e animais, que, em sua exposição e análise,<br />
demanda a mobilização de uma série de outras noções correlatas<br />
como as de humanidade e animalidade, humanismo e animismo,<br />
frequentemente englobadas pelo dualismo mór das ciências sociais<br />
e humanas, qual seja, aquele que se refere à distinção radical entre<br />
Natureza e Cultura/Sociedade.<br />
Nessa partilha, ocioso dizer, os animais são compreendidos como<br />
parte da natureza, enquanto os homens – no estilo de um parente<br />
traíra –, apesar de animais e partes da natureza, não se identificam<br />
(duvide dessa afirmação e de outras) com o reino animal enquanto<br />
tal, visto terem adquirido um suplemento ou aplicativo (apps) que<br />
possibilitou sua distinção e criação de um reino próprio, a saber, o<br />
reino social, i.e, a sociedade. Esse aplicativo, que não é senão um<br />
diacrítico, seria a linguagem. O animal não fala, logo, não é um ser<br />
social nem político, falar em sociedade é um atributo do homem.<br />
/ 85
86 \<br />
Essa é a lição que tiramos da Constituição Moderna ou da modernidade,<br />
que segundo Bruno Latour, se caracteriza por um humanismo<br />
exacerbado que separa radicalmente o mundo natural e o mundo<br />
social – seja para saudar o homem, seja para anunciar sua morte.<br />
Mas o que fazer com outros discursos sobre a natureza e a sociedade,<br />
os homens e os animais, que não estão de acordo com nossa partilha<br />
moderna entre o mundo natural e o mundo social e nos quais<br />
atitudes e práticas com a natureza se dão de formas muito diversas?<br />
Como uma visada sobre o animal ou mesmo seu enquadramento<br />
cinematográfico pode suscitar e acalorar o debate trans-disciplinar e<br />
trans-específico que, como sugerido por Viveiros de Castro, “impõe<br />
a dissociação e redistribuição dos predicados subsumidos nas<br />
duas séries paradigmáticas que tradicionalmente se opõem sob os<br />
rótulos de ‘Natureza’ e ‘Cultura’?” Em outras palavras, como frear a<br />
máquina antropológica da filosofia ocidental, aquela denunciada por<br />
Giorgio Agamben que impõe a cesura (no interior do homem) entre<br />
o humano e o animal? É possível promover tais deslocamentos por<br />
intermédio do cinema e da antropologia?<br />
Vale recordar que o cinema e a antropologia são de mesma classe<br />
de idade, ambos foram se formando nos finais do século de XIX para<br />
em seguida, contribuírem, cada um a seu modo, para a constituição<br />
do discurso antropológico e cinematográfico modernos. Enquanto<br />
Robert Flaherty apresentava ao mundo o magistral Nanook, o<br />
esquimó (1922), Bronislaw Malinowsky publicava outra obra<br />
magistral, Os argonautas do pacífico ocidental (1922), e ambos<br />
trabalhos marcariam os discursos cinematográfico – em especial o<br />
documentário – e antropológico de sobremaneira. É possível dizer que<br />
Flaherty flertou a antropologia em sua invenção cinematográfica, tal<br />
como Malinowsky flertou a fotografia em sua invenção etnográfica,
esse cruzamento parcial entre antropologia e cinema, sem “forçação<br />
de barra”, que a mostra pretende dar continuidade.<br />
Esse é o desfio da mostra/seminário “O animal e a câmera” que este<br />
texto pretende apresentar e que não é senão uma retrospectiva<br />
incrementada – cinematográfica- e-antropologicamente - do percurso<br />
ou trilha que o <strong>forumdoc</strong> vem abrindo nas geraes desde 1997<br />
quando fizemos sua 1a edição que, por sinal, já estruturara de forma<br />
fundamental nossa linha de fuga que traçávamos sem muito manejo,<br />
mas com muito desejo desde aquela época. A mostra traz portanto<br />
uma atualização de filmes já exibidos nesses anos de <strong>forumdoc</strong> – e<br />
não são poucos, não cabendo listá-los -, assim como alguns filmes<br />
inéditos em Belo Horizonte e no Brasil.<br />
No total, 23 filmes – 14 longas, 5 médias e 5 curtas – serão<br />
exibidos e seguidos de 3 conferências, 2 sessões comentadas e 2<br />
mesas redondas, que comporão a mostra/seminário proposta pelo<br />
programa de extensão <strong>forumdoc</strong>.ufmg à programação geral do<br />
<strong>forumdoc</strong>.bh.2011.<br />
Se existe um modo emblemático da relação homem-animal é aquele<br />
manifesto na caça e na pescaria de animais, este parece ter sido<br />
inclusive o cenário/evento preferido, tão logo o cinema se livrou<br />
(ao menos tecnicamente) do tripé e dos ambientes cerrados e seus<br />
cenários. Nanook inaugura justamente uma série de filmes cujas<br />
cenas se dão quase que completamente fora dos estúdios, nas<br />
bordas da “natureza” e da “cultura”. A curadoria dessa mostra busca<br />
também fundamentar uma certa inclinação metafísica do cinema<br />
sobre o tema da caça e da pesca, como se alguns cineastas, assim<br />
como Ishmael/Melville, fossem arrastados – aqui a linguagem da<br />
caça e da pesca já pode ser plenamente incorporada pelo discurso<br />
cinematográfico et al – numa relação em que o que importa, como<br />
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88 \<br />
diria Deleuze (que apesar de não gostar dos caçadores compreendeu<br />
bem a caçaria), é uma relação animal com o animal (devir-animal),<br />
que põe em perspectiva as duas principais afecções da alma<br />
compartilhadas entre homens e animais, o medo e a coragem.<br />
O “animal e câmera” se estrutura em dois grupos (existem outras<br />
linhas) de filmes cuja ação cinematográfica gira em torno da<br />
execução dos modos emblemados supracitados, ou seja, oscilam<br />
entre ideologia da caça e da pesca, por vezes atuando em ambos.<br />
Iremos passar por todo um bestiário: focas, morsas, raposas,<br />
cachorros, baleias, hipopótamos, leões, girafas, touros, macacos,<br />
capivaras, cavalos, vacas e bois, arenques e outros peixes, espíritos,<br />
bichos-preguiça, dentre outros. Conheceremos uma série de técnicas<br />
corporais e instrumentos, em sua maioria objetos – canoas, barcos,<br />
arpões, redes, flechas, laços, espadas, armadilhas de todo tipo –<br />
carregados de simbolismo e venenos (agência) que podem ajudar ou<br />
atrapalhar a perseguição, o aprisionamento e a morte do animal. Os<br />
lugares pelos quais passaremos serão os mais diversos, da floresta<br />
tropical às terras e mares gélidos da baía de Hudson, passando<br />
pelo Níger e Afeganistão, chegando na paisagem desflorestada do<br />
interior de Minas Gerais. Homens, animais e paisagens relacionadas<br />
diante da câmera.<br />
Nanook, o esquimó (1922), de Robert Flaherty, e Drifters (1929), de<br />
John Grierson, são dois filmes inaugurais dessa modalidade (numa<br />
época em que o cinema ainda não falava), que encabeçam a curadoria<br />
da mostra. O primeiro filme acompanha as vicissitudes de um caçador<br />
inuit e sua família na labuta constante pela busca de animais que<br />
caçados ou pescados compõem a base da dieta alimentar e da vida<br />
espiritual desses povos. Considerado um precursor do documentário,<br />
Flaherty inovou como poucos, antecipando o dispositivo rouchiano,<br />
ao compartilhar com o outro filmado sua imagem filmada antes
mesmo de dar cabo ao filme, revelando, assim, parte do dispositivo<br />
cinematográfico, equilibrando o jogo, inevitavelmente assimétrico,<br />
entre aquele que filma e aquele que é filmado. Drifters, por seu turno,<br />
influenciou toda uma geração de “arenques” do documentário inglês,<br />
ao propor formas alternativas àquelas da avant-garde do cinema.<br />
Jean Rouch, com todo merecimento, tem um lugar especial na mostra,<br />
pode-se dizer que os quatro filmes aqui selecionados, Batalha no<br />
grande rio (1951), A caça ao leão com arco (1965), Um leão chamado<br />
Americano (1968) e Meu primeiro filme (1991) – além de No país dos<br />
magos negros (1947), virtualmente presente na curadoria – formam<br />
um conjunto de peso dentro da filmografia apresentada na mostra,<br />
pois juntamente com outro conjunto de filmes de John Marshal -<br />
Os caçadores (1957), Equipamento de caça dos Bosquímanos !Kung<br />
(1974) e Caça do leão (1974) – e Pierre Perrault – Pour la suite du<br />
monde (1962) e La bête lumineuse (1982) –, revelam uma etnografia<br />
documental atenta que apresenta um jogo ritual complexo, e repleto<br />
de detalhes, entre homens e certos animais, animais especiais. O<br />
caráter nostálgico da caça/pesca, assim como o entusiasmo dos<br />
caçadores e pescadores, é talvez o aspecto que perpassa a maioria<br />
desses filmes que devolvem a essas pessoas simples e corajosas<br />
o direito ao ofício dessas práticas de que tanto se orgulham. Vale<br />
notar que o fato de filmar uma caçada ou pescaria não é em nada<br />
suficiente para que o filme seja considerado enquanto tal; ao meu<br />
ver, para que tenhamos um verdadeiro filme de caça/pesca é preciso<br />
que a câmera participe da caçada/pescaria, que passe por devir-arma<br />
sob o domínio do fotógrafo-caçador, persiga sua presa, inclusive<br />
filme o abate. Como nos ensinou Rouch,<br />
para preparar um documentário sobre a caça ao leão permaneci<br />
longo tempo numa aldeia africana. As filmagens foram feitas num<br />
período de mais ou menos seis anos. <strong>Para</strong> as pessoas desta aldeia<br />
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90 \<br />
o cinema se tornou uma coisa familiar. Depois deste primeiro<br />
filme sobre a caça coletiva ao leão eles me pediram para filmar<br />
regularmente as caçadas. Fazer vários filmes sobre o mesmo<br />
assunto para eles é absolutamente natural e uma caçada sem a<br />
presença da câmera deixou de ser boa. O cinema se tornou parte<br />
da cerimônia; a câmera, uma arma para a caça.<br />
Outro bloco de filmes que compõem a mostra são aqueles realizados<br />
no Brasil. Arraial do cabo (1959), de Mário Carneiro e Paulo César<br />
Saraceni, com sua fotografia apurada, atualiza em terras tupiniquins<br />
o dilema já explorado por Flaherty, Grierson e tantos outros, o<br />
do avanço inevitável do capital frente às práticas tradicionais de<br />
manejo e sustento, a transformação de pescadores em proletários,<br />
afastando-os da natureza para alocá-los nas fábricas e indústrias.<br />
Em Memória do cangaço (1964), de Paulo Gil Soares, e Rastejador,<br />
substantivo masculino (1969), de Sérgio Muniz, é o sertão que se<br />
impõe, aos homens, aos animais e à câmera. Nessa mostra esses<br />
filmes se ocupam, assim como Os Arara (1983), de Andrea Tonacci,<br />
em aproximar as habilidades de caça ao rastreamento de pessoas.<br />
Batista e Joaquim Correia Lima, que conhecemos em o Rastejador,<br />
caçadores de animais que posteriormente auxiliaram as volantes do<br />
cangaço no nordeste brasileiro, são a prova cabal da ligação entre<br />
caça e guerra, cuja perseguição e captura de inimigos é a meta.<br />
Tonacci, por sua vez, acompanha com sua câmera, que passa a fazer<br />
parte, a “frente de atração” dos Arara, grupo indígena karibe do<br />
Pará, organizada pela Funai no final dos anos 1970. Os Arara é um<br />
dos documentos raros de que dispomos de um acontecimento que<br />
obriga a câmera/cineasta a seguir os procedimentos que levam ao<br />
primeiro-contato, os devires e os perigos desse polêmico encontro –<br />
habilidade de caçadores?<br />
Yâkwá, O banquete dos espíritos (1995), de Virginia Valadão, Peixe<br />
pequeno (2010), de Vincent Carelli e Altair Paixão, Histórias de Mawari
(2009), de Ruben Caixeta de Queiroz, Ataka, o ladrão de armadilhas<br />
(2011), do Coletivo de Cinema Kuikuro, e Caçando capivara (2009),<br />
de Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina<br />
Maxakali, Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali,<br />
Bernardo Maxakali e João Duro Maxakali compõem um outro eixo<br />
da mostra, este focado em uma sociologia indígena da relação com<br />
os animais dita de vários modos. Filme-ritual está no cerne desse<br />
grupo, a relação homem-animal é encenada ritualmente para a<br />
câmera. Em Histórias de Mawari destaca-se um plano-sequência<br />
em que um grupo de jovens dançarinos waiwai (povo karibe dos<br />
estados do Amazonas, Pará, Roraima e da Guiana Equatorial) bailam<br />
e cantam portando nas mãos cascos de tracajá (quelônio), que são<br />
mostrados para a câmera/cineasta cujo olho não se discerne entre o<br />
ocular e a objetiva ou olho de animal, o cineasta que veste a câmera<br />
é outra coisa, cantam os waiwai, o olho do bicho-preguiça, e assim<br />
eles cantam para o bicho-preguiça, cine-olho:<br />
Waymayimo Yeuru... olho do bicho-preguiça. O olho do bichopreguiça<br />
é muito bonito. Olha aqui o tracajá! Comemos nosso<br />
bicho de estimação. Coitadinho do tracajá! O tracajá está com<br />
medo do bicho-preguiça! Nós humanos também temos medo do<br />
bicho-preguiça! Ei tracajá, olhe o olho do bicho-preguiça, é mesmo<br />
muito bonito! Olhe o que nós ganhamos do bicho-preguiça! Olho<br />
bonito, olhe aqui para nós, somos os olhos do fundo! Tracajá<br />
tenha cuidado com o bicho-preguiça, senão ele vai te morder.<br />
A performance waiwai e o plano-sequência são a mesma coisa sob<br />
o solo do perspectivismo ameríndio. Dos filmes acima depreendem<br />
uma ecosofia ameríndia cuja relação ou manejo do mundo (Cabalzar<br />
org., 2010) — dos rios, das terras, dos animais, das plantas, de<br />
objetos, de espíritos, dos deuses, em suma, das pessoas —, denotam<br />
lições ecológicas que os programas de desenvolvimento social e<br />
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aceleração do crescimento (PACs) insistem em ignorar e silenciar.<br />
Yâkwá, O banquete dos espíritos acompanha o ritual de mesmo<br />
nome levado a cabo anualmente pelos Enawenê-Nawé, povo aruak<br />
do noroeste do Mato-Grosso; filmado na década de 1990, o filme<br />
não previa que no ano 2008 os peixes, elemento fundamental do<br />
ritual e da dieta enawenê-nawé, não haviam retornado da piracema<br />
como de costume. Os Enawenê-Nawé, com toda razão, preocupados<br />
com a tragédia da falta de peixes e impossibilitados como estavam<br />
de realizar seu ritual anual, exigiram da FUNAI que cobrasse das<br />
construtoras das PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas), na bacia do<br />
rio Jurema, principais suspeitas de impacto ambiental causando a<br />
eliminação dos peixes na região, uma taxa para a compra de três<br />
mil quilos de peixe tambaqui a fim de concluírem o ritual Yaõkwá de<br />
2009, este agora filmado pela equipe do Vídeo nas Aldeias para o<br />
IPHAN (outro filme virtualmente presente na mostra).<br />
Caçando capivara (2009) e Ataka, o ladrão de armadilhas (2011)<br />
são filmes frutos da realização de oficinas de realização; o primeiro,<br />
de oficinas ministradas por brancos aos realizadores maxakali que<br />
assinam a autoria de um filme excepcional, e o segundo, em oficinas<br />
ministradas no Xingu pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro, que<br />
vem ao <strong>forumdoc</strong> apresentar e discutir seu novo filme em uma<br />
sessão especial nomeada Como filmar uma armadilha?<br />
Três filmes completam a programação da mostra e são alinhados não<br />
por compartilharem características, mas por cortarem na diagonal os<br />
eixos que compõem a mostra “O animal e a câmera”, pois são obras<br />
um tanto deslocadas do eixo central caça/pesca que denotam outras<br />
singularidades e contextos relacionais do humano e do animal,<br />
outras linhas de fuga.
La course de taureaux (1951), de Pierre e Myriam Braunberger, a que<br />
tudo indica inédito no Brasil, foi tornado famoso por André Bazin<br />
em um ensaio dedicado ao documentário, filme-libelo em favor da<br />
tauromaquia, no qual o touro e o toureiro “morrem todas as tardes”.<br />
Vale notar o que Bazin nesse ensaio parece ignorar: que o texto<br />
narrado em off foi escrito por nada mais nada menos que Michel<br />
Leiris, gerando uma camada suplementar na montagem alucinante<br />
que o filme apresenta do embate entre homens - toureiros e cidadãos<br />
comuns - e touros enfurecidos em arenas de todo tipo. O filme aborda<br />
portanto uma prática em franco desaparecimento ou “esfriamento”<br />
na Espanha; são cada vez mais frequentes as campanhas que visam a<br />
proibição de rodeios e touradas, aqui e acolá, tendo algumas regiões<br />
já sancionado leis que impedem a continuidade dessas controversas<br />
e distintas tradições.<br />
Primate (1974), de Fredrick Wiseman, cúmplice-delator das insti-<br />
tuições, é outro filme genial que aborda a relação homem-animal por<br />
intermédio da ciência chamada de primatologia; desse modo, o filme<br />
enquadra o trabalho dos cientistas que estudam o comportamento,<br />
desenvolvimento psíquico e mental de primatas encarcerados e<br />
dopados em jaulas de laboratórios. O animal aqui é posto à prova e a<br />
serviço do saber científico, como propõe mostrar André Dias, escritor<br />
e crítico de cinema português, que apresentará uma conferência<br />
no seminário “O animal e a câmera” intitulada “Autópsia ‘in vivo’:<br />
aspectos da biopolítica em Primate, de Fredrick Wiseman”.<br />
Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade (2010), de Arthur<br />
Omar, é um filme dedicado à simbólica dos cavalos; nele dois grupos<br />
de cavaleiros, em uma zona de guerra do Afeganistão, combatem pela<br />
posse de uma carcaça de bode decepado, enquanto o tempo não se<br />
atarefa por dilatar as imagens até a imobilidade. São os cavalos os<br />
verdadeiros donos dessa visada, é para eles que a força da câmera<br />
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94 \<br />
se dirige. A invenção cinema-fotográfica de Arthur Omar é sem<br />
dúvida uma das mais radicais num uso experimental do dispositivo<br />
imagético, como demonstra o trecho que transcrevo de uma<br />
recentemente correspondência pessoal na qual o artista admite que<br />
a relação câmera/animal é a suprema relação fotográfica, e<br />
talvez seja a única possível porque a câmera nada mais sabe<br />
do que transformar em animal, já que ela própria é um animal.<br />
Desse limite, devemos fazer um infinito, e meu trabalho com a<br />
antropologia da face gloriosa não tem sido outra coisa, os meus<br />
animais, a descoberta dos animais que não podem ser vistos a<br />
olho nu, a caça, em suma, que se dá não por focalização, mas por<br />
invenção.<br />
Encerrando a mostra e o <strong>forumdoc</strong>.bh.2011, exibiremos Dersu Uzala<br />
(1975), do grande cineasta japonês Akira Kurosawa. Único filme de<br />
ficção da mostra, narra o fascinante e trágico encontro entre um<br />
explorador do exército russo e um caçador goldi da Sibéria. Nesse<br />
ínterim, é toda uma ética e ideologia de caçador que Dersu dispõe a<br />
nos mostrar em uma mise-en-scène imensamente cativante.<br />
Além dos filmes e a participação de alguns convidados apresentados<br />
acima, a mostra/seminário ainda conta com a conferência inaugural<br />
“Lições de caça”, na qual Maurício Yekuana (índio yekuana, vicepresidente<br />
da Associação Indígena Hutukara) irá nos falar sobre os<br />
processos de aprendizagem em jogo quando o assunto é tornar-se<br />
um caçador yekuana, povo karibe que vive na divisa entre Roraima,<br />
no Brasil, e na Venezuela.<br />
Tânia Stolze Lima, eminente etnóloga do povo yudjá do Mato Grosso,<br />
conhecido também pelo nome de Juruna, nos brindará com uma<br />
conferência na qual irá revisitar sua descrição etnográfica da caça de<br />
porcos do mato e do perspectivismo juruna. Lima suspeita que os
Juruna, quando falam entusiasticamente das caçadas de porcos do<br />
mato, não encenam senão o destemor que sentem diante de outrem,<br />
animal ou inimigo.<br />
Faremos também uma mesa redonda destinada a colocar em cheque<br />
ou estabelecer conexões parciais entre “A tecnologia da caça/pesca<br />
e do cinema”. Nela estarão presentes Cezar Migliorin, professor,<br />
pesquisador e ensaista do cinema, Carlos Emanuel Sautchuk,<br />
professor de antropologia e pesquisador de temas relativos a<br />
tecnologia de pesca e caça e Uirá Garcia, étnologo cujo trabalho<br />
é centrado no estudo das práticas de conhecimento relativas aos<br />
animais e da caça com os Awá-Guajá, povo tupi-guarani do Maranhão.<br />
Finalmente, uma mesa redonda será dedicada a uma visada mais<br />
geral da mostra/seminário, que contará com a participação de<br />
André Dias, crítico português já apresentado, Renato Sztutman,<br />
antropólogo e professor, com trabalho reconhecido na interface<br />
entre a antropologia e o cinema, sendo responsável por uma leitura<br />
original da invenção cinematográfica de Jean Rouch, e Paulo Maia,<br />
coordenador do programa de extensão <strong>forumdoc</strong>.ufmg, além de<br />
etnólogo e professor.<br />
Na sessão de ensaios do catálogo, o leitor encontrará Como filmei<br />
Nanook of the North, de Robert Flaherty (1924), Banghawi: caça ao<br />
hipopótamo com o arpão pelos pescadores Sorko do Médio-Níger,<br />
de Jean Rouch (1948), O Afeganistão é inconquistável (2011), de<br />
Arthur Omar. Agradecemos imensamente a Mateus Araújo pelos<br />
comentários a respeito da curadoria da mostra, assim como a<br />
disponibilização do texto de Jean Rouch supracitado, e a André Dias<br />
e Arthur Omar por outras sugestões.<br />
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96 \<br />
A mostra/seminário “O animal e a câmera” só foi possível graças ao<br />
patrocínio da Capes, a que somos muitíssimos gratos, assim como<br />
aos apoios do Departamento de Ciências Aplicadas a Educação, do<br />
Programa de Pós-Graduação em Educação, do Cenex e da diretoria<br />
da Faculdade de Educação, e da diretoria da Faculdade de Filosofia e<br />
Ciências Humanas (FAFICH-UFMG), e dos departamentos e programas<br />
de Pós-Graduação em Antropologia e Comunicação Social da UFMG.<br />
Somos igualmente gratos a Escola de Belas Artes da UFMG, que 15 anos<br />
depois volta a abrigar parte da programação do <strong>forumdoc</strong>.bh.2011.
direção director Robert J. Flaherty<br />
fotografia photography Robert J. Flaherty<br />
montagem editing Robert J. Flaherty, Charles Gelb<br />
produção production Robert J. Flaherty<br />
contato contact ifs@flahertyseminar.org<br />
\ Nanook of the North<br />
/ Nanook, o esquimó<br />
/ EUA \ 1922 / p&b \ 65’<br />
Clássico de Robert Flaherty, o filme conta a história de Nanook, um<br />
caçador Inuit e sua família na luta pela sobrevivência diante das duras<br />
condições da região da Baía de Hudson, Canadá.<br />
Robert Flaherty’s classic film tells the story of Inuit hunter Nanook and<br />
his family as they struggle to survive in the harsh conditions of Canada’s<br />
Hudson Bay region.<br />
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 21 nov / 14h<br />
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98 \<br />
direção director John Grierson<br />
fotografia photography John Grierson, Basil Emmott<br />
montagem editing John Grierson<br />
produção production John Grierson<br />
contato contact www.panamint.co.uk<br />
\ Drifters<br />
/ Reino Unido \ 1929 / p&b \ 61’’<br />
John Grierson, que cunhou o termo documentário, fez seu primeiro<br />
filme, ‘Drifters’ em 1929 como tributo às frotas de pesca de arenque do<br />
Mar do Norte. O filme foi rodado nos então grandes portos de pesca de<br />
Lowestoft e Yarmouth, com algumas cenas filmadas em Shetland.<br />
John Grierson, who coined the term documentary, made his first film,<br />
Drifters in 1929 as a tribute to the North Sea herring fleets. The film was<br />
shot around the then great fishing ports of Lowestoft and Yarmouth,<br />
with some scenes being filmed in Shetland.<br />
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 21 nov / 14h
direção director Jean Rouch<br />
fotografia photography Jean Rouch<br />
produção production Jean Rouch, Roger Rosfelder<br />
contato contact www.editionsmontparnasse.fr<br />
\ Bataille sur le grand fleuve<br />
/ Batalha no Grande Rio<br />
/ Nigéria \ 1951 / cor \ 33’<br />
Os pescadores Sorko caçam hipopótamos no rio Niger com arpões.<br />
Antes da sua partida, acontece uma cerimônia para perguntar ao<br />
espírito do rio sobre o sucesso da caça, o que resulta na captura de<br />
dois hipopótamos: uma mulher possuída pelo espírito do rio dança e os<br />
pescadores molham-na com água mágica para fortalecerem a coragem<br />
diante da empreitada. Um hipopótamo fêmea é morto e um jovem<br />
capturado vivo. Mas um macho velho, solitário e feroz, apesar de suas<br />
numerosas feridas arpão, consegue escapar depois de danificar a grande<br />
canoa dos caçadores.<br />
The Sorko fishermen hunt hippopotami on the Niger river with harpoons.<br />
Before their departure, a ceremony is held to question the spirit of the<br />
river as to the success of the hunt, which results in the capture of two<br />
hippopotami : a woman possessed by the spirit of the river dances and<br />
the fishermen spray magic water on her to stoke up their own courage.<br />
One female hippopotamus is killed and a young one captured alive. But<br />
an old male, solitary and fierce, despite his numerous harpoon wounds,<br />
succeeds in escaping after damaging the hunters’ great dug-out canoe.<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 20h30<br />
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\ La Chasse au lion à l’arc<br />
/ A caça ao leão com arco<br />
/ Nigéria | Mali | Burkina Faso \ 1965 / cor \ 77’25’’<br />
direção director Jean Rouch<br />
fotografia photography Jean Rouch<br />
som sound Idrissa Meiga, Moussa Hamidou<br />
montagem editing Josée Matarasso, Dov Hoenig<br />
produção production Pierre Braunberger<br />
contato contact www.editionsmontparnasse.fr<br />
De 1957 a 1964, Rouch seguiu os caçadores Gaos da região de Yatakala<br />
e o filme retraça os episódios desta caça na qual técnica e magia estão<br />
intimamente ligadas: fabricação dos arcos e flechas, preparação do<br />
veneno, rastreamento e ritual de sacrifício. Mas o velho leão assassino,<br />
denominado “Americano”, conseguirá evitar todas as armadilhas, e os<br />
Gaos apenas aprisionarão duas de suas fêmeas. Após a caça, os homens<br />
contam a seus filhos a história de gaway gawey, a maravilhosa caça aos<br />
leões<br />
Between the years of 1957 and 1964, Rouch followed Gaos hunters from<br />
the Yatakala region and the film rebuilds these hunting episodes in<br />
which technique and magic are closely intertwined: the making of bows<br />
and arrows, poison preparation, tracking and sacrifice rituals. But the<br />
old killer lion, named “American”, will avoid all traps, and the Gaos will<br />
only imprison two of his females. After the hunting, men tell the story of<br />
“gaway gawey” to their children, the wonderful lion hunting.<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 22 nov / 14h
\ Un lion nommé l’Américain<br />
/ Um leão chamado Americano<br />
/ Nigéria \ 1968 / cor \ 19’52’’<br />
direção director Jean Rouch<br />
fotografia photography Jean Rouch<br />
som sound Moussa Hamidou<br />
montagem editing Jean-Pierre Lacam<br />
produção production Pierre Braunberger<br />
contato contact www.editionsmontparnasse.fr<br />
Os caçadores gow da tribo dos Bellah decidem vingar a afronta feita<br />
pelo leão chamado « americano », que havia escapado em 1965. Eles<br />
encontram seu rastro, reconhecível devido a um ferimento causado por<br />
uma armadilha, mas o leão se mostra mais esperto que os caçadores e é<br />
sua leoa quem é morta.<br />
Os caçadores gow da tribo dos Bellah decidem vingar a afronta feita<br />
pelo leão chamado « americano », que havia escapado em 1965. Eles<br />
encontram seu rastro, reconhecível devido a um ferimento causado por<br />
uma armadilha, mas o leão se mostra mais esperto que os caçadores e é<br />
sua leoa quem é morta.<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 22 nov / 14h<br />
/ 101
102 \<br />
direção director John Marshall<br />
contato contact www.der.org<br />
\ The hunters<br />
/ Os caçadores<br />
/ EUA \ 1957 / cor \ 72’<br />
Neste clássico filme antropológico, John Marshall segue uma caçada de<br />
uma girafa realizada por quatro homens em um período de cinco dias.<br />
Foi filmado em 1952-53 na terceira expedição conjunta Smithsonian-<br />
Harvard Peabody e apoiada pela família Marshall para estudar os<br />
Ju/’hoansi, um dos poucos grupos que ainda sobrevivem da caça e<br />
coleta. John Marshall era um jovem quando fez este filme, seu primeiro<br />
longa-metragem.<br />
In this classic anthropological film John Marshall follows the hunt of a<br />
giraffe by four men over a five-day period. The film was shot in 1952-<br />
53 on the third joint Smithsonian-Harvard Peabody sponsored Marshall<br />
family expedition to Africa to study Ju/’hoansi, one of the few surviving<br />
groups that lived by hunting - gathering. John Marshall was a young man<br />
when he made this, his first feature length film.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h
\ !Kung Bushmen hunting equipment<br />
/ Equipamento de caça dos Bosquímanos !Kung<br />
direção director John Marshall<br />
montagem editing Frank Galvin, Lorna Marshal<br />
contato contact www.der.org<br />
/ EUA \ 1974 / cor \ 37’<br />
Este filme mostra em detalhes todas as peças do conjunto de caça dos<br />
Ju/’hoansi e como cada peça é feita e usada, da coleta da matéria-prima<br />
à fabricação final, incluindo a preparação de flechas envenenadas. !Kung<br />
Bushmen Hunting Equipment foi filmado por John Marshall entre 1951<br />
e 1953.<br />
This film shows in detail all the pieces in the Ju/’hoansi hunting kit<br />
and how each piece is made and used, from the collection of the raw<br />
materials to the final fabrication, including the preparation of poison<br />
arrows. !Kung Bushmen Hunting Equipment was shot by John Marshall<br />
between 1951 and 1953.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h<br />
/ 103
104 \<br />
direção director John Marshall<br />
contato contact www.der.org<br />
\ Lion game<br />
/ Caça ao leão<br />
/ EUA \ 1974 / cor \ 4’<br />
/Gunda, um jovem (que mais tarde se casa com N!ai), finge ser um leão.<br />
Ele é “caçado” e “morto” por um grupo de meninos.<br />
/Gunda, a young man (who later marries N!ai), pretends to be a lion. He<br />
is “hunted” and “killed” by a group of boys.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 17h
direção director Pierre Perrault, Michel Brault<br />
fotografia photography Michel Brault, Bernard Gosselin<br />
som sound Marcel Carrière<br />
montagem editing Werner Nold<br />
produção production Fernand Dansereau<br />
contato contact www.onf-nfb.gc.ca<br />
\ Pour la suite du monde<br />
/ Canadá \ 1962 / p&b \ 106’<br />
Pierre Perrault e Michel Brault foram atraídos para a Ilha dos Coudres<br />
por duas razões: a linguagem do povo que vivia nesta pequena ilha<br />
no rio Saint Lawrence e as baleias. Durante séculos, os pescadores<br />
da Ilha dos Coudres pegaram cachalotes. As almas dos mortos eram<br />
invocadas pelo sucesso da pesca e uma técnica única era utilizada: os<br />
homens armavam uma armadilha de galhos na areia da costa, na maré<br />
baixa, para capturar baleias brancas, uma tradição que foi abandonada<br />
em 1920.<br />
Pierre Perrault and Michel Brault were attracted to Île-aux-Coudres for<br />
two reasons: the language of the people who lived on this small island<br />
in the St. Lawrence and the whale. For centuries the fishermen of Îleaux-Coudres<br />
had caught belugas. The souls of the dead were invoked<br />
for a successful catch, and a unique technique was used: the men sank<br />
a trap of saplings into offshore mud at low tide to capture the white<br />
whale, a tradition that was abandoned in 1920.<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 23 nov / 14h<br />
/ 105
106 \<br />
\ La bête lumineuse<br />
/ A besta luminosa<br />
/ Canadá \ 1982 / cor \ 127’<br />
direção director Pierre Perrault<br />
fotografia photography Martin Leclerc<br />
som sound Yves Gendron<br />
montagem editing Suzanne Allard<br />
produção production Jacques Bobet<br />
contato contact www.onf-nfb.gc.ca<br />
A caça ao alce, uma tradição no Quebec, é aqui pretexto para investigar<br />
a alma quebequense e exaltar seu discurso. Em uma cabana de<br />
Maniwaki, habitantes da cidade realizam seu anual retorno à natureza...<br />
como se realiza um milagre. Mistérios da caça, que clama por sorte e<br />
habilidade, com essa “febre masculina” que difrata sonho e realidade.<br />
Prazer de medir forças com os elementos da natureza e conhecer seus<br />
limites.<br />
Moose hunting, a tradition in Quebec, is a pretext to investigate<br />
the Quebec soul and praise its discourse. In a Maniwaki hunt, city<br />
inhabitants make their annual encounter with nature… the same way<br />
a miracle is performed. Hunting mysteries, calling for luck and ability,<br />
with this “male fever” that diffracts dream and reality! The pleasure<br />
to measure strength with elements of nature and recognize their<br />
boundaries.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 21h
direção director Frederick Wiseman<br />
contato contact www.zipporah.com<br />
\ Primate<br />
/ EUA \ 1974 / p&b \ 105’<br />
Primate apresenta as atividades diárias de Centro de Pesquisa de<br />
Primatas Yerkes. Os cientistas no filme estão preocupados com o estudo<br />
do desenvolvimento físico e mental dos primatas. Parte do trabalho<br />
experimental mostrado no filme trata da capacidade de aprender,<br />
memorizar e aplicar linguagem e habilidades manuais, o efeito de<br />
álcool e drogas sobre o comportamento; o controle da agressividade<br />
e sexualidade; e outros determinantes neurais e fisiológicos de<br />
comportamento.<br />
Primate presents the daily activities of Yerkes Primate Research Center.<br />
Scientists in the film are concerned with studying the physical and<br />
mental development of primates. Some of the experimental work<br />
shown in the film deals with the capacity to learn, remember, and apply<br />
language and manual skills; the effect of alcohol and drugs on behavior;<br />
the control of aggressive and sexual behavior; and other neural and<br />
physiological determinants of behavior.<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 19h<br />
/ 107
108 \<br />
\ La course de taureaux<br />
/ Morte todas as tardes<br />
direção director Pierre e Myriam Braunberger<br />
fotografia photography Jimmy Berliet, Henri Decae<br />
montagem editing Myriam Braunberger<br />
produção production Les Film du Panthéon<br />
contato contact filmsdujeudi@filmsdujeudi.com, www.filmsdujeudi.com<br />
/ França \ 1951 / p&b \ 75’<br />
O filme de referência sobre as touradas, aclamado em seu lançamento<br />
por ninguém menos do que André Bazin. A arte de tourear, suas regras,<br />
seus ritos, seus segredos. O filme destaca matadores celebridade como<br />
Dominguin e Manolete.<br />
The benchmark film on bullfighting, hailed at its release by none less<br />
than André Bazin. The art of bullfighting, its rules, its rites, its secrets.<br />
The film highlights such celebrity matadors as Dominguin and Manolete.<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 19h
direção director Paulo Gil Soares<br />
fotografia photography Affonso Beato<br />
montagem editing João Ramiro Melo<br />
produção production Thomaz Farkas<br />
contato contact www.cinemateca.com.br<br />
\ Memória do cangaço<br />
/ Brasil \ 1964 / p&b \ 26’<br />
Em 1936 o mascate árabe Benjamin Abrahão consegue filmar o famoso<br />
bando de Virgolino Ferreira da Silva, o “Lampião”. As imagens, antes<br />
perdidas, se misturam às entrevistas com alguns cangaceiros que<br />
sobreviveram ao período. De outro lado, depoimentos do Cel. Rufino<br />
matador confesso de 20 cangaceiros e do cabo Leonício Pereira<br />
que cortava as cabeças dos cangaceiros “para que fossem tiradas<br />
fotografias”.<br />
In 1936 the Arab peddler Benjamin Abrahão managed to film Virgolino<br />
Ferreira da Silva’s, Lampião, famous gang. The images, that were<br />
considered lost, dialog with interviews with some of the surviving<br />
cangaceiros. On the other hand, there are testimonies from Cel. Rufino,<br />
self proclaimed killer of 20 cangaceiros “so that photographs could be<br />
taken”.<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h<br />
/ 109
110 \<br />
direção director Sérgio Muniz<br />
fotografia photography Thomas Farkas<br />
montagem editing Sérgio Muniz<br />
som sound Sidnei Paiva Lopes<br />
produção production Thomaz Farkas<br />
contato contact www.cinemateca.com.br<br />
\ Rastejador, substantivo masculino<br />
/ Brasil \ 1969 / p&b \ 8’<br />
Batista e Joaquim Correia Lima são profissionais que trabalharam como<br />
rastejadores, pessoas dedicadas a caçar animais e que posteriormente<br />
foram usadas para rastrear pessoas, servindo como fiel e eficiente<br />
auxiliar nas volantes, durante o movimento do cangaço no nordeste<br />
brasileiro.<br />
Batista and Joaquim Correia Lima are professional “rastejadores”,<br />
crawlers, people dedicated to the hunting of animals and that later<br />
on were used to track people down, serving as faithful and efficient<br />
assistants to the “volantes”, during the Brazilian cangaço movement.<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h
direção director Mário Carneiro e Paulo César Saraceni<br />
fotografia photography Mário Carneiro<br />
som sound Mário Carneiro, Paulo César Saraceni<br />
montagem editing Mário Carneiro, Paulo César Saraceni<br />
produção production Sérgio Montagna, Joaquim Pedro de Andrade<br />
contato contact www.cinemateca.com.br<br />
\ Arraial do Cabo<br />
/ Brasil \ 1959 / p&b \ 17’<br />
Os pescadores de Arraial do Cabo em contraste com a fábrica álcalis que<br />
se instala na região: modos tradicionais de produção se entrechocam<br />
com os problemas da industrialização. Gravuras de Oswaldo Goeldi<br />
abrem filme.<br />
The fishermen from Arraial do Cabo in contrast to the sodium<br />
carbonate factory taht is settled down in the region: traditional modes<br />
of production Clash with the problems of industrialization. Oswaldo<br />
Goeldi’s engravings start the movie<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 18h<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 25 nov / 14h<br />
/ 111
112 \<br />
direção director Vincent Carelli, Altair Paixão<br />
fotografia photography Altair Paixão, Vincent Carelli e Tiago Torres<br />
montagem editing Leonardo Sette<br />
som sound Altair Paixão, Vincent Carelli, Tiago Torres<br />
produção production Vincent Carelli<br />
contato contact olinda@videonasaldeias.org.br<br />
\ Peixe pequeno<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 3’33’’<br />
Enquanto todos estão ocupados com a pesca no acampamento Enauênê<br />
Nauê...<br />
While everyone is busy with the village Enauênê Nauê fishing...<br />
/ auditório sonia viegas FAFICH-UFMG \ 28 nov / 11h
direção director Virgínia Valadão<br />
fotografia photography Altair Paixão, Vincent Carelli<br />
montagem editing Tutu Nunes<br />
produção production Fausto Campoli<br />
contato contact olinda@videonasaldeias.org.br<br />
\ Yãkwá, O banquete dos espíritos<br />
/ Brasil \ 1995 / cor \ 54’<br />
Um documentário em quatro episódios sobre o mais importante ritual<br />
dos índios Enawenê Nawê, o Yãkwá. Todo ano, ao longo de sete meses,<br />
os espíritos são reverenciados com alimentos, cantos e danças.<br />
Documentary in four episodes about the Enawenê Nawê people’s most<br />
important ritual, the Yâkwa. Every year for seven months, spirits are<br />
worshiped with food, singing and dancing.<br />
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 18h<br />
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 28 nov / 11h<br />
/ 113
114 \<br />
\ Ataka: o ladrão de armadilhas<br />
direção director Coletivo Kuikuro de Cinema<br />
fotografia photography Ahuké Kuikuro, Camilo Kuikuro, Tauaná Kalapalo<br />
montagem editing Takumã Kuikuro<br />
produção production Carlos Fausto e Leonardo Sette<br />
contato contact takucineasta@gmail.com, cfausto63@gmail.com<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 10’<br />
Na época das chuvas, os peixes começam a <strong>baixar</strong> das cabeceiras. Cada<br />
família tem seu lugar próprio para colocar as armadilhas de pesca. Mas<br />
há sempre os amigos do alheio. Às vezes eles se dão bem, às vezes...<br />
During the rainy season, the fish begin to recede from the headwaters.<br />
Each family has its own place to put their fish traps. But there are always<br />
thieves. Sometimes they do well, sometimes...<br />
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 18h<br />
/ sala de tele conferência FAE-UFMG \ 23 nov / 10h
\ KUXAKUK XAK caçando capivara<br />
/ Brasil \ 2009 / cor \ 57’<br />
direção director Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,<br />
Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João<br />
Duro Maxakali<br />
fotografia photography Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina<br />
Maxakali, Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali,<br />
João Duro Maxakali<br />
som sound Derli Maxakali, Marilton Maxakali, Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,<br />
Fernando Maxakali, Joanina Maxakali, Zé Carlos Maxakali, Bernardo Maxakali, João<br />
Duro Maxakali<br />
montagem editing Mari Corrêa<br />
produção production Rafael Barros, Renata Otto<br />
contato contact filmes@filmesdequintal.org.br, maricorrea24@gmail.com<br />
Caçadores Tikmu’un saem com seus cães e espíritos aliados em busca<br />
da capivara. Cantos, olhares e eventos. Intensidades que se agitam sob<br />
um plano de aparente silêncio.<br />
Tikmu’un hunters go out with their dogs and allied spirits searching for<br />
the capybara. Songs, regards and events. Intensities arise under a shot<br />
of apparent silence.<br />
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 18h<br />
/ 115
116 \<br />
\ Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 55’<br />
direção director Arthur Omar<br />
fotografia photography Arthur Omar<br />
som sound Arthur Omar<br />
montagem editing Evângelo Gazos, Ana Dantas<br />
produção production Cotex Digital<br />
contato contact arthuromar@gmail.com<br />
Fotografado em 2002, no Afeganistão, em zona de guerra, o filme<br />
apresenta cenas do violento jogo do buskashi. Nesse jogo, dois grupos<br />
de cavaleiros combatem pela posse de uma carcaça de bode decepado.<br />
As imagens foram captadas com uma câmera amadora de baixa<br />
definição, e têm seu tempo dilatado até a imobilidade: nesses instantes,<br />
a luta fica suspensa no ar. Segundo o diretor, é um filme “low tech,<br />
dedicado à simbólica dos cavalos. Afinal, é sobre o qual vem montado o<br />
apocalipse”.<br />
Shot in 2002 in Afghanistan, at a war zone, the film presents scenes<br />
from the violent buskashi game. At his game, two groups of riders fight<br />
for the carcass of a cut off goat. Images were shot by a low definition<br />
non professional camera, and their time is dilated until immobility: in<br />
these instants, the struggle hangs in the air. According to the director, it<br />
is a “low tech movie, dedicated to the horse’s symbolism. After all, it is<br />
by riding it that the apocalypse comes.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 19h30
\ Histórias de Mawary<br />
/ Brasil \ 2009 / cor \ 56’<br />
direção director Ruben Caixeta de Queiróz<br />
fotografia photography Caco Pereira de Souza<br />
som sound Nélio Costa<br />
montagem editing Ruben Caixeta de Queiróz, Nélio Costa<br />
produção production Cláudia Mesquita, Milene Migliano<br />
contato contact filmes@filmesdequintal.org.br<br />
Em 1994 estivemos na aldeia Mapuera (noroeste do Pará, Brasil) para ver<br />
e ouvir as narrativas de um tempo passado, mas hoje ainda inscritas nos<br />
corpos, nas palavras, no presente e na vida cotidiana do povo Waiwai.<br />
In 1994, we’ve been in the Mapuera village (northwest of Pará state,<br />
Brazil) to watch and listen to stories of an ancient time, yet still carved<br />
in the bodies, words, in the present and the everyday life of the Waiwai<br />
people.<br />
/ auditório sônia viegas FAFICH-UFMG \ 29 nov / 10h<br />
/ 117
118 \<br />
direção director Dominique Dubosc e Jean Rouch<br />
fotografia photography Dominique Dubosc<br />
som sound Patrick Genet<br />
montagem editing Dominique Dubosc<br />
produção production Kinofilm / La Sept<br />
contato contact www.der.org<br />
\ Jean Rouch, Première flm: 1947-1991<br />
/ Jean Rouch, Primeiro flme: 1947-1991<br />
Jean Rouch conta à jovem N’Diagne Adéchoubou a gênese de seu<br />
primeiro fillme, No país dos magos negros, que vemos em seguida.<br />
Finda a versão oficial do filme, sobre a qual Rouch conversa brevemente<br />
com Brice Ahounou e Tam Sir Doueb, Brice projeta sem som a última<br />
sequência do filme que mostrava uma cerimônia de possessão, para que<br />
Rouch a comente ao vivo, à sua maneira, num tom e num registro muito<br />
diferentes daqueles adotados pela equipe das Actualités françaises<br />
em 1947, cuja montagem e cuja sonorização desagradaram<br />
profundamente o cineasta.<br />
Jean Rouch tells the young N’Diagne Adéchoubou about the birth of his<br />
first film “In the Land of the Black Magi”, which we subsequently see.<br />
When the official version of the film is over, about which Rouch talks<br />
briefly to Brice Ahounou and Tam Sir Doueb, Brice screens the movies’<br />
final sequence showing a possession ceremony without sound, so Rouch<br />
can comment it live, in his own way, in a very different register and tone<br />
from the ones adopted by the Actualités françaises team in 1947, which<br />
deeply displeased the filmmaker by its editing and sound design.<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 20h30
\ Os Arara<br />
/ Brasil \ 1980-1983 / cor \ 75’<br />
direção director Andrea Tonacci<br />
fotografia photography Andrea Tonacci, Adriana Mattoso<br />
som sound Adriana Mattoso, Sérgio Pinto, Afonso Alves, Pionim Caiabi, Rita Toledo<br />
Piza e Patrick Menget<br />
montagem editing Juraci do Amaral Jr<br />
produção production Andrea Tonacci<br />
contato contact extremart@extremart.com.br<br />
Documentação dos preparativos e das expedições da Frente de Atração<br />
Arara da FUNAI, no estado do Pará. Com a construção da Transamazônica<br />
o território dos Arara (sem contato com o homem branco) é cortado<br />
ao meio, e os índios reagem atacando os trabalhadores. Ciente de<br />
que todo contato é uma criação de dependência, o sertanista Sydney<br />
Possuelo, que também narra reflexivamente os dois episódios, lidera<br />
as expedições que tem como finalidade identificar os grupos, quantos<br />
indivíduos são, e configurar os limites territoriais para proteger a área<br />
de invasores e madeireiras da região.<br />
Documentary filmed between 1980 and 1983, about the organization,<br />
arguments, preparation and expeditions of the Atração Arara front of<br />
Funai, showing attempts to engage on a first peaceful contact with<br />
the Arara people, whose land and villages had been cut in half by the<br />
transamazonian highway. The narrator is Sydney Possuelo, the same<br />
“sertanista” that guided the expeditions, who reflects upon the process,<br />
the official posture, the precedents, the consequences and their<br />
personal motives.<br />
/ auditório da escola de belas artes UFMG \ 24 nov / 14h<br />
/ 119
120 \<br />
\ Dersu Uzala<br />
/ Japão | URSS \ 1975 / cor \ 144’<br />
direção director Akira Kurosawa<br />
fotografia photography Fyodor Dobronranov, Yuri Gantman, Asakazu Naka<br />
montagem editing V. Stepanovoï<br />
som sound Olga Burkova<br />
produção production Yoishi Matsue, Nikolai Sizov<br />
contato contact www.dvdcontinental.com.br<br />
A história de um líder de uma expedição de levantamento topográfico<br />
do exército russo que é resgatado na Sibéria por Dersu Uzala, um<br />
caçador Goldi, que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte<br />
amizade. Quando o explorador decide levar o caçador para a cidade,<br />
seus costumes se confrontam de forma esmagadora com o modo de<br />
vida burocrático, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade.<br />
The story of the leader of a topographic expedition survey from the<br />
Russian army who is rescued in Siberia by Dersu Uzala, a Goldi hunter,<br />
who then becomes his guide, giving rise to a close friendship. When<br />
the explorer decides to take the hunter into the city, their habits are<br />
confronted with an overwhelmingly bureaucratic way of life, and he<br />
questions many society’s standards.<br />
/ cine humberto mauro \ 04 dez / 21h
mostra competitiva nacional<br />
/ 121
122 \<br />
/ júri<br />
\ ilana Feldman<br />
Pesquisadora, crítica, realizadora e curadora. Mestre em Comunicação e<br />
Imagem pela Universidade Federal Fluminense e doutoranda em Ciências<br />
da Comunicação pela Universidade de São Paulo. É colaboradora da Revista<br />
Cinética.<br />
/ Daniel Ribeiro Duarte<br />
Doutorando em Cinema pela Universidade Nova de Lisboa, curador e<br />
realizador.<br />
\ Leonardo Vidigal<br />
Professor adjunto da Escola de Belas Artes da UFMG. Vice-presidente do<br />
Centro de Estudos do Caribe no Brasil-CECAB e integrante da SOCINE.<br />
Pesquisa as interações entre as imagens e a música popular no cinema e no<br />
audiovisual, em obras ficcionais e documentais.
\ Let’s play that<br />
/Affonso Uchôa, Ewerton Belico, Rafael Barros<br />
Cresci sob um teto sossegado<br />
meu sonho era um pequenino sonho meu.<br />
Na ciência dos cuidados fui treinado.<br />
Agora, entre meu ser e o ser alheio,<br />
A linha de fronteira se rompeu.<br />
(Waly Salomão)<br />
1. A seleção para a Mostra Competitiva Nacional do <strong>forumdoc</strong>.bh.<br />
2011 não parte de conceitos curatoriais prévios. O que houver de<br />
sentido e temáticas abrangentes parte do contato com os filmes e<br />
não pretende subjugá-los ao desígnio de confirmação de uma ideia.<br />
Dos filmes partem o sentido, não o contrário.<br />
2. Em primeiro lugar, a variedade e a multiplicidade. É veramente<br />
um lugar-comum marcar a variada gama de expressões, formas e<br />
usos de linguagem cinematográfica como marco de uma seleção<br />
para mostra competitiva. Porém, para essa mostra de 2011, há<br />
uma diferença de matiz nessa diversidade, que a faz deixar de ser<br />
simples manifestação evidente da pluralidade inerente ao Brasil e da<br />
extrema difusão da filmagem em digital e passa a ser manifestação<br />
de um estado de percepção e de relação com o estágio atual do fazer<br />
e pensar documentário.<br />
3. Tal variedade tem um ponto de partida e um de chegada: parte-se<br />
de um esgotamento com as formas de se fazer documentário: não se<br />
adere ao formato da entrevista, ao filme de tema, mas também já não<br />
se conforta com o documentário observacional montado à ficção, de<br />
foco repousado na ação dos personagens e que tem como premissa<br />
certa invisibilidade da câmera. O ponto de chegada é a instauração<br />
/ 123
124 \<br />
da consciência do filme como instância que deflagra e captura os<br />
comportamentos, personagens e histórias. A realidade apreendida<br />
só existe enquanto realidade que o filme dispara e absorve: não há<br />
ingênua pretensão a captação espontânea do real. E, se de fato tal<br />
ingenuidade não está presente no documentário desde seu inicio,<br />
sobrevivendo como desvio inconsequente de maus cineastas, nesses<br />
filmes tal consciência adquire a forma explícita. Os filmes parecem<br />
desejar matar o perigo da ingenuidade com excesso, com a ostensiva<br />
reiteração da construção formal e dos processos materiais de um filme<br />
como fundamentais na construção de sentido. E passamos a ver com<br />
frequência expedientes metalinguísticos, imagens de discussões<br />
entre a equipe no processo de montagem, entrevistas claramente<br />
encenadas, reprocessamento de imagens pré-existentes no mundo,<br />
clara presença do diretor, seja em cena, seja como voz por trás<br />
da câmera apontando os caminhos do filme in loco, e, mesmo nos<br />
filmes mais observacionais e de faceta híbrida entre documentário<br />
e ficção (assemelhado, portanto, ao documentário contemporâneo<br />
cujo esgotamento mencionamos) há marcações de cena e montagem<br />
por demais aparente para nos rememorar a presença do filme como<br />
gerador das presenças e significados vistos na tela.<br />
4. Fato necessário é demarcar que o enveredamento pelo caminho<br />
observativo, da contemplação distanciada, de enquadramentos<br />
rígidos e narrativa centrada na evidenciação do cotidiano de<br />
seus personagens não morreu e não poucos filmes nos foram<br />
apresentados seguindo tal proceder. A captura de meros fragmentos<br />
de presença de seus personagens capturados em plano fixo e aberto,<br />
assim como se tornou salvo-conduto para os realizadores fugirem<br />
a relação interpessoal e guardarem o lugar seguro da discrição<br />
observativa. Os filmes que selecionamos como que escapam, pelas<br />
vias da autoconsciência formal e do engajamento intersubjetivo,
da indiferença de uma contemplação pretensamente neutra que,<br />
valendo-se do caráter estático do plano e da duração alongada,<br />
renuncia ao risco de qualquer vínculo intersubjetivo. Dois aspectos,<br />
portanto se assomam nos filmes apresentados: o já citado desejo<br />
de reiterar o filme, a linguagem e forma do cinema como gerador e<br />
receptador do real filmado; e a demarcação de que a representação<br />
da realidade só é possível pelo empenho dos sujeitos defronte à<br />
câmera e mediante ao engajamento do realizador junto aquilo que<br />
filma.<br />
5. Consoante a isso, podemos destacar três eixos de investigações<br />
e procedimentos dos filmes que compõem a competição nacional<br />
do <strong>forumdoc</strong>.bh.2011. A divisão vai se ressentir de certo didatismo<br />
e é necessário desde já ressaltar que certamente tais aspectos não<br />
encerram os filmes e eles mesmos podem apresentar mais de um<br />
simultaneamente. É a escolha de um aspecto de significação de<br />
maior destaque dentro de um filme que guia a separação por meio<br />
desses grupos temáticos.<br />
6.1. A memória, a permanência através do cinema de fatos, pessoas<br />
e tradições que passam e desaparecem na vida concreta é um desses<br />
eixos. A presença fantasmática da morte sempre assombrou a<br />
imagem cinematográfica. Sobretudo, assombrou os olhos dos vivos.<br />
Nesses filmes vemos o intento de salvar os fatos, pessoas e instantes<br />
do implacável passar do tempo. Em Santos-Dumont, pré-cineasta,<br />
vemos a conjugação da vida e do cinema através da memória que<br />
a imagem cinematográfica gera. Sobretudo há a clara demarcação<br />
dessa permanência do tempo no filme como operação técnica,<br />
realizável somente via artifício e maquinaria. Em Santos-Dumont: précineasta,<br />
a memória é construção e narrativa, processo permeado<br />
por escolhas e mediações, tanto da técnica quanto da cultura. Vemos<br />
também filmes que operam com o gesto da preservação: filmes,<br />
/ 125
126 \<br />
fatos, pessoas e situações em risco de desaparecimento, como em<br />
Bicicletas Nhanderú, Som Tximna Yukunang e Olhar passageiro.<br />
São esses filmes conscientes do potencial do cinema de driblar a<br />
morte e instaurar um tempo distinto do tempo da vida. Um tempo<br />
que permanece no material sensível e se repete a cada projeção,<br />
ao invés de passar e acabar. Em Diário de uma busca assistimos a<br />
memória como operação que se realiza por meio da voz do diretor,<br />
em primeira pessoa, perfazendo o registro político como signo<br />
do sofrimento e da perda pessoais em meio a história coletiva.<br />
Ou ainda, em Ovos de dinossauro na sala de estar, filme no qual,<br />
através do ato do personagem iniciar uma projeção de slides de<br />
viagens pessoais, encena-se a operação da imagem do cinema em<br />
registrar e lembrar, bem como nos dá a ver a experiência mesma<br />
dessa lembrança. Lembrança que advém do registro, o qual envolve<br />
limitações e escolhas; e que desse modo nos diz que o fato lembrado<br />
é o que permanece por meio do cinema, resistindo adaptado à sua<br />
linguagem e condição. O olhar voltado ao próprio registro pode<br />
localizar apenas a figuração de uma perda, a evanescência de uma<br />
memória que somente resiste ainda como filme. Vó Maria é um filme<br />
notável por conseguir figurar tal operação das imagens de modo<br />
belo e preciso.<br />
6.2. O anti-naturalismo, a desconfiança perante o caráter espontâneo,<br />
do que se coloca frente à câmera atravessa outro conjunto dos<br />
filmes que exibiremos. Céu sobre os ombros talvez seja dos casos<br />
mais emblemáticos da seleção, pois sua estrutura narrativa de<br />
paulatina constituição das personas que atravessam as experiências<br />
de cotidianeidades filmadas nos dão a certeza de que personagens<br />
de fato se constroem, revelando uma abertura do filme para abrigo<br />
da subjetividade de quem ele filmou e, mais que tudo, uma relação<br />
entre realizador e atores que passou pelo crivo de dar aos últimos
“e suas historias de vida e personalidades” a primazia na construção<br />
do personagem. Em Oferenda, assistiremos um máximo de simbiose<br />
entre o filmador e o filmado, através do expediente de transformar o<br />
próprio filme em objeto de culto do ritual que ele filma. Ao registrar<br />
uma cerimônia de oferendas ao mar para Iemanjá e ao fim revelar<br />
ser o próprio filme a oferenda que a diretora pode jogar às ondas,<br />
o filme instaura curto-ciruito na distância entre o realizador e a<br />
realidade registrada. Mais que documenta a experiência, o filme se<br />
torna a própria, somente possível por meio do processo mesmo do<br />
filme. Já em Brasil de Pero Vaz de caminha e em Ex Isto vemos a<br />
reencenação de uma ficção fundadora de nossa nacionalidade — e<br />
de um pastiche dessa pretensão fundacional — a serviço do encontro<br />
documental com a experiência do outro. Porém um outro somente<br />
presente no filme através da ficção francamente instaurada sobre<br />
ambiente real (Ex isto) ou via procedimento de montagem (Brasil de<br />
Pero Vaz de Caminha). Encontro com o outro que pode ser denso,<br />
repleto de ambigüidades, pondo em questão os limites éticos desse<br />
instrumento de poder, a câmera, como se vê em Laura e Oma. Cruel,<br />
problemático ou doloroso, o encontro com o outro se dá mediante<br />
e por causa do filme. O que seria uma obviedade ganha contornos<br />
mais sérios quando o filme se torna o laço entre a frente e o atrás<br />
da câmera, o disparador de um adensamento de relação que passa<br />
para a vida. Diante disso ou cessa-se o filme e corta-se, então, a<br />
relação (Oma) ou mergulha-se nela sob perigo de por em risco a<br />
personalidade e o talento (Laura). Se o engajamento na experiência<br />
de outrem é uma questão fulcral do universo documental, questão<br />
não apenas fílmica, mas ética, a possibilidade mesma desse encontro<br />
é posta em questão em Filme pornografyzme e As aventuras de<br />
Paulo Bruscky. O diferencial desses filmes é que eles partem de<br />
imagens fundadas na não-relação, seja com apropriação de imagens<br />
produzidas em outro contexto e não pelo realizador (Pornografizme)<br />
/ 127
128 \<br />
e imagens sintéticas, de computador, dispensadas do corpo e do<br />
real (Paulo Bruscky).<br />
6.3. Se os filmes que escolhemos sobretudo presentificam, eles<br />
também tornam visíveis ainda o cotidiano dos silenciados, daquele<br />
cuja voz foi subtraída, como em Acercadacana, filme catalisador<br />
de um confronto que somente o registro cinematográfico tornou<br />
possível, mostrando “o que a Globo não mostra”. Também se tornam<br />
audíveis as vozes periféricas, das experiências dos jovens negros<br />
em uma grande cidade brasileira, como visto em Lá do leste. Ou<br />
ainda daquela cuja vida transcorreu sob a ameaça do poder público,<br />
atravessamento do espaço íntimo da casa pelas forças da história,<br />
como em Morada.<br />
7. Esses fragmentos não representam eixos curatoriais: emergem<br />
do contato com os filmes, sabendo que mais de um dos filmes<br />
citados facilmente poderia ser redescrito através de um outro eixo,<br />
para além do que mencionamos. De tudo, fica a constatação de um<br />
cinema documentário produzido no Brasil recente que questiona a<br />
linguagem do cinema e do documentário, a buscando levar a outros<br />
rumos e formas.<br />
8. Sobretudo, os filmes: cada qual um universo e um mundo próprios,<br />
aos quais não devemos recusar o convite de mergulhar.
\ Acercadacana<br />
/ Acercadacana: the sugar cane hedge<br />
direção director Felipe Peres Calheiros<br />
fotografia photography Felipe Peres Calheiros, Luís Henrique Leal<br />
som sound Rafael Travassos, Sérgio Santos<br />
montagem editing Paulo Sano<br />
produção production Diego Medeiros<br />
contato contact acercadacana@gmail.com<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 20’<br />
Nos anos 90, com a valorização do etanol e a expansão do latifúndio<br />
canavieiro, 15 mil famílias foram expulsas dos seus sítios na zona da<br />
mata de Pernambuco. Maria Francisca decidiu resistir.<br />
In the 1990’s, with the ethanol’s valorization and the growth of<br />
sugarcane agriculture, 15 thousand families were removed from their<br />
estates in Pernambuco’s Zona da mata area. Maria Francisca decided to<br />
resist.<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h<br />
/ 129
130 \<br />
\ As aventuras de Paulo Bruscky<br />
/ The Adventures of Paulo Bruscky<br />
direção director Gabriel Mascaro<br />
fotografia photography Gabriel Mascaro, Tom Tom<br />
som sound Tatiana Almeida, Sonoplastia Second Life<br />
montagem editing Tatiana Almeida<br />
produção production Gabriel Mascaro<br />
contato contact brusckyfilm@gmail.com, gabrielmascaro@gmail.com<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 19’<br />
O artista Paulo Bruscky entra na plataforma de relacionamento virtual<br />
“Second Life” e conhece um ex-diretor de cinema, Gabriel Mascaro,<br />
que hoje vive, se diverte e trabalha fazendo filmes na rede virtual.<br />
Paulo encomenda a Gabriel um registro machinima em formato de<br />
documentário de suas aventuras no “Second Life”<br />
Visual artist Paulo Bruscky joins the virtual social platform “Second Life”<br />
where he meets the former filmmaker Gabriel Mascaro, that nowadays<br />
lives, works and enjoys himself through making movies on the virtual<br />
network. Paulo asks Gabriel for a documentary form machinima of his<br />
adventures on “Second Life”.<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h
\ Bicicletas de Nhanderú<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 45’<br />
direção director Sandro Ariel Ortega e Patrícia Ferreira<br />
fotografia photography Coletivo Mbya-Guarani de Cinema: Ariel Ortega, Patrícia<br />
Ferreira, Alexandre Ferreira, Germano Benites, Jorge Morinico, Cirilo Vilhalba e<br />
Léo Ortega<br />
som sound Coletivo Mbya-Guarani de Cinema: Ariel Ortega, Patrícia Ferreira, Alexandre<br />
Ferreira, Germano Benites, Jorge Morinico, Cirilo Vilhalba, Léo Ortega<br />
montagem editing Tiago Campos Torres<br />
produção production Olívia Sabino, Patrícia Ferreira<br />
contato contact olinda@videonasaldeias.org.br<br />
Uma imersão no cotidiano e na espiritualidade dos Mbya-Guarani da<br />
aldeia Koenju, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul.<br />
An immersion on the everyday events and spirituality of the Mbya-<br />
Guarani on the Koenju village, in São Miguel das Missões, Rio Grande do<br />
Sul.<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h<br />
/ 131
132 \<br />
\ Diário de uma busca<br />
/ Diary, letters, revolutions<br />
direção director Flávia Castro<br />
fotografia photography Paulo Castiglioni<br />
som sound Valéria Ferro<br />
montagem editing Flavia Castro<br />
produção production Estelle Fialon, Flavio Tambellini, Flavia Castro<br />
contato contact flaviacastr@gmail.com<br />
/ Brasil | França \ 2010 / cor \ 105’<br />
Outubro, 1984. Celso Castro, jornalista com uma longa história de<br />
militância de esquerda, é encontrado morto no apartamento de um<br />
suposto ex-oficial nazista, onde entrou à força. A polícia sustenta que<br />
se trata de um suicídio. O episódio, digno de um filme de suspense, é<br />
o ponto de partida de Flávia, filha de Celso e diretora do filme. É uma<br />
viagem no tempo e na geografia: o filme percorre os cenários do exílio<br />
familiar, dos ideais e do fracasso de um projeto político.<br />
October, 1984. Celso Castro, journalist with a long history of left-wing<br />
political activism, is found dead at the apartment of an alleged former<br />
Nazi officer, a place he had broken into. Police sustains the theory of<br />
suicide. The episode, worthy of a thriller, is the starting point for Flavia,<br />
Celso’s daughter and director of the film. It is a journey through time<br />
and geography: the film visits sceneries from the family’s exile, the<br />
ideals and failure of a political project.<br />
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 20h
direção director Cao Guimarães<br />
fotografia photography Cao Guimarães, Beto Magalhães<br />
som sound Marcos M. Marcos<br />
montagem editing Cao Guimarães, Marcelo Gomes<br />
produção production Beto Magalhães<br />
contato contact cinco@caoguimaraes.com, studio@caoguimaraes.com<br />
\ Ex isto<br />
/ Ex it<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 86’<br />
Livremente inspirada na obra Catatau, de Paulo Leminski, a narrativa<br />
parte da hipótese histórica imaginada pelo poeta curitibano: “E se René<br />
Descartes tivesse vindo ao Brasil com Maurício de Nassau?” O filme<br />
realiza essa hipótese e acompanha o pai da filosofia moderna em seu<br />
périplo pelos trópicos. Sob o efeito de ervas alucinógenas, ele investiga<br />
questões da geometria e da óptica diante de um mundo absolutamente<br />
estranho.<br />
Freely inspired by the work Catatau, by Paulo Leminski, the plot begins<br />
with the historical hypothesis imagined by the poet from Curitiba: “What<br />
if René Descartes had come to Brazil with Maurício de Nassau?” The film<br />
materializes this hypothesis and joins the father of modern philosophy<br />
in his journey through the tropics. Under the effect of hallucinatory<br />
herbs, he investigates questions revolving around geometry and optics<br />
in the face of an absolutely strange world.<br />
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 19h<br />
/ 133
134 \<br />
direção director Leo Pyrata<br />
fotografia photography Leo Pyrata<br />
som sound Leo Pyrata<br />
montagem editing Leo Pyrata<br />
produção production Leo Pyrata<br />
contato contact pyrata_bh@yahoo.com<br />
Sobre a política dos afetos em tempos de banda larga.<br />
On the politics of affection on broadband times.<br />
\ Filme pornografizme<br />
/ Pornograflick<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 9’15’’<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h
direção director Fellipe Gamarano Barbosa<br />
fotografia photography Pedro Sotero<br />
som sound Fellipe G. Barbosa<br />
montagem editing Karen Sztajnberg, John Valle, Fellipe G. Barbosa<br />
produção production Fernanda De Capua<br />
contato contact fgamarosa@gmail.com, fgamarosa@gmail.com<br />
Diretor tenta fazer documentário sobre personagem misteriosa.<br />
A filmmaker attempts to make a documentary about a mysterious<br />
character.<br />
\ Laura<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 77’<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 16h<br />
/ 135
136 \<br />
direção director Carolina Caffé, Rose Satiko Gitirana Hikiji<br />
fotografia photography Rafael Nobre<br />
som sound Tomires Ribeiro<br />
montagem editing Karine Binaux<br />
produção production Paulo Dantas<br />
contato contact satiko@usp.br, lisa@usp.br<br />
\ Lá do leste<br />
/ From over on the East Side<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 28’<br />
Lá do Leste, do lugar onde a cidade termina (ou começa), chegam rimas,<br />
gestos e cores que marcam o espaço. A experiência periférica urbana é<br />
a base e o motivo da produção dos artistas de Cidade Tiradentes, que<br />
cresceram junto com o distrito paulista e em suas obras dialogam com<br />
seus desafios e sonhos. O filme segue a vida e as transformações do<br />
street dance, grafite e rap neste lugar considerado o maior complexo de<br />
conjuntos habitacionais populares da América Latina.<br />
From far east, where the city begins (or ends), come rhymes, gestures<br />
and colors that set the space. An urban periphery experience is the basis<br />
and motif for the work of artists from Cidade Tiradentes, who grew up<br />
along with the district, and that establish a dialogue between their work<br />
and the city’s challenges and dreams. The film follows the creation and<br />
development of street dance, graffiti and rap on what is considered to<br />
be the biggest housing complex in Latin America.<br />
/ centro cultural UFMG \ 23 nov / 20h<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 19h
\ Morada<br />
/ Residence<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 78’<br />
direção director Joana Oliveira<br />
fotografia photography Matheus Rocha<br />
som sound Osvaldo Cruz, Gustavo Fioravante<br />
montagem editing Armando Mendz<br />
produção production Joana Oliveira, Cristina Maure, Débora Mattos, Luana Melgaço,<br />
Janaína Patrocínio, Fernanda Magalhães<br />
contato contact contatodavaca@gmail.com, joanapmro@gmail.com<br />
Essa é a história da espera de Dona Virgínia que, há mais de cinquenta<br />
anos, aguarda a desapropriação de sua casa. Ano após ano, o governo<br />
ameaça destruir o lugar onde ela guarda seu passado e suas memórias<br />
vivas.<br />
This is the story of Dona Virgínia that, for over fifty years, waits for<br />
the expropriation of her house. Year after year, the local government<br />
threatens to destroy the place she keeps her past and memories alive.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 15h<br />
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 20h<br />
/ 137
138 \<br />
\ O Brasil de Pero Vaz caminha<br />
/ Brazil by Pero Vaz caminha<br />
direção director Bruno Laet<br />
fotografia photography Fernando Demello, Bruno Laet<br />
som sound Bruno Armelin<br />
montagem editing Antonia Gama, Bruno Laet<br />
produção production Janaina Diniz e Tania Carvalho<br />
contato contact tania@tcproducoes.net, cecivasconcellos@gmail.com<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 17’40’’<br />
Desencontro de 500 anos entre imagem e som. A voz do estrangeiro<br />
retrata um Brasil indígena. A imagem, uma colagem contemporânea.<br />
Um olhar atual revive o documento histórico? Ou seria um olhar antigo<br />
que desembarca no Brasil de hoje? Significados que se alteram para<br />
redescobrir o Brasil do século XXI.<br />
500 years’ dissonance between image and sound. The foreigner’s<br />
voice conveys an indigenous Brazil. Image, a contemporary collage.<br />
Can a current point of view relive a historic document? Or is it an old<br />
regard that lands in Brazil today? Meanings that change themselves to<br />
rediscover the XXI Century Brazil.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
\ O céu sobre os ombros<br />
/ The sky above<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 72’<br />
direção director Sérgio Borges<br />
fotografia photography Ivo Lopes Araújo<br />
som sound Bruno Vasconcelos<br />
montagem editing Ricardo Pretti<br />
produção production Helvécio Marins Jr., Felipe Duarte, Luana Melgaço,<br />
Clarissa Campolina<br />
contato contact contato@teia.art.br<br />
O céu sobre os ombros conta a história de três pessoas anônimas,<br />
comuns. São histórias inventadas pela vida, de pessoas que vivem<br />
num contexto entre o cotidiano, o exótico e a marginalidade. O filme<br />
é um gesto para revelar o quanto somos todos tão humanos, e quão<br />
semelhantes são nossos medos e desejos.<br />
“The sky above” tells the story of three anonymous, ordinary people.<br />
These stories are made up by life itself, about people who live on a<br />
context between everyday life, exoticism and marginality. The film<br />
compresses a gesture that reveals how human we all are, and how alike<br />
are our fears and desires.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 17h<br />
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140 \<br />
\ Oferenda<br />
/ A gift to Iemanjá<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 17’<br />
direção director Ana Bárbara Ramos<br />
fotografia photography Bruno de Sales<br />
som sound Guga S. Rocha<br />
montagem editing Ana Bárbara Ramos, Ely Marques<br />
produção production Ana Bárbara Ramos, Bruno de Sales<br />
contato contact pigmentocinematografico@gmail.com, anavikings@gmail.com<br />
Filme etnográfico ensaístico sobre o ato de entregar presentes a<br />
Iemanjá, divindade mítica de origem africana. Cultuada no Brasil desde a<br />
chegada dos negros escravos, Iemanjá hoje atraí milhares de devotos a<br />
sua festa anual celebrada na beira do mar, no dia 8 de dezembro.<br />
Ethnographic film essay about the act of giving offerings to Iemanjá,<br />
mythic deity of African origins. Worshiped in Brazil since the arrival of<br />
black slaves, Iemanjá attracts today thousands of adorers to her annual<br />
celebration at seashore, at the 8th of December.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
direção director Michael Wahrmann<br />
fotografia photography Michael Wahrmann<br />
som sound Michael Wahrmann<br />
montagem editing Michael Wahrmann<br />
produção production Michael Wahrmann<br />
contato contact sancho@sanchofilmes.com, amina@sanchofilmes.com<br />
\ OMA<br />
/ Brasil \ 2011 / p&b \ 22’<br />
Ela fala alemão. Eu falo espanhol. Ela não escuta. Eu não entendendo.<br />
She speaks german. I speak spanish. She doesn’t listen. I don’t<br />
understand.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 15h<br />
/ centro cultural UFMG \ 30 nov / 20h<br />
/ 141
142 \<br />
direção director Rafael Urban<br />
fotografia photography Eduardo Baggio<br />
som sound Robertinho de Oliveira<br />
montagem editing Ana Lesnovski<br />
produção production Ana Paula Málaga<br />
contato contact atendimento@morocom.com.br<br />
\ Ovos de dinossauro na sala de estar<br />
/ Dinosaur eggs in the living room<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 12’<br />
Ragnhild Borgomanero, 77 anos, estudou fotografia digital e fez cursos<br />
de Photoshop e Premiere para manter viva a memória de seu falecido<br />
esposo, Guido, com quem reuniu a maior coleção particular de fósseis<br />
da América Latina.<br />
Ragnhild Borgomanero, aged 77, studied digital photography and<br />
learned how to operate Photoshop and Premiere softwares to keep the<br />
memory of her late husband, Guido, alive, with whom she gathered the<br />
biggest private fossil collection of Latin America.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 16h
\ Santos Dumont: pré-cineasta?<br />
/ Santos Dumont’s mutoscope: early cinema and<br />
found footage film<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 64’<br />
direção director Carlos Adriano<br />
fotografia photography Carlos Adriano<br />
som sound Carlos Adriano<br />
montagem editing Carlos Adriano<br />
produção production Bernardo Vorobow e Carlos Adriano<br />
contato contact carlos.adriano@ig.com.br<br />
Este documentário parte da descoberta e restauração de um raro<br />
e desconhecido carretel de fotografias reproduzidas de um filme<br />
mutoscópio, produzido em 1901, em Londres, sobre Santos Dumont<br />
(1873-1932). A obra aborda aspectos históricos e artísticos dos<br />
primórdios do cinema (pré-cinema, cinema de atrações) e do cinema de<br />
reapropriação de arquivo (found footage, filme de reciclagem), por meio<br />
de entrevistas, documentos, metáforas visuais e da articulação própria<br />
de um ensaio poético.<br />
The documentary’s starting point is the discovery and restoration of<br />
a rare and unknown photography reel reproduced from a mutoscope<br />
film, made in 1901 in London, about Santos Dumont (1873 - 1932). The<br />
work approaches historic and artistic aspects from the beginning of<br />
Cinema (pre cinema, variety film) and a cinema that appropriates archive<br />
material (found footage, recycled films), through interviews, documents,<br />
visual metaphors and the articulation of a poetic essay.<br />
/ centro cultural UFMG \ 28 nov / 20h<br />
/ cine humberto mauro \ 29 nov / 17h<br />
/ 143
144 \<br />
\ Som Tximna Yukunang / Gravando som<br />
/ Recording sound<br />
direção director Karané Ikpeng, Kamatxi Ikpeng<br />
fotografia photography Karané Ikpeng, Kamatxi Ikpeng<br />
som sound Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng<br />
montagem editing Mari Corrêa<br />
produção production Mari Corrêa<br />
contato contact maricorrea@institutocatitu.org<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 52’<br />
Os Ikpeng decidem gravar em um CD com os cantos do Yumpuno, um<br />
dos momentos mais importantes do grande ritual Moyngo, em que os<br />
meninos têm o rosto tatuado com espinho de tucum e carvão extraído<br />
da resina do jatobá. Três gerações falam sobre a experiência de passar<br />
pelo ritual de iniciação ikpeng, quando deixam a infância para ingressar<br />
na vida adulta.<br />
The Ikpeng decided to record onto a CD containing Yumpuno songs, one<br />
of the most important moments of the great Moyngo ritual, when boys<br />
have their faces tattooed with tucum’s thorn and charcoal extracted<br />
from resin of the jatobá tree. Three generations discuss ikpeng’s<br />
initiation ritual experiences, the moment to leave childhood behind and<br />
enter adult life.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 03 dez / 14h
direção director Pedro Carvalho<br />
fotografia photography Flávia Balbino<br />
som sound Felipe Palmini<br />
montagem editing Felipe Palmini, Pedro Carvalho<br />
produção production Felipe Palmini<br />
contato contact felipepalmini@hotmail.com<br />
\ Um olhar passageiro<br />
/ A fleeting glance<br />
/ Brasil \ 2011 / p&b \ 21’41’’<br />
Um olhar passageiro conta a história de Juarez, um senhor de 76<br />
anos de idade que trabalha com consertos de câmeras fotográficas<br />
analógicas. Com muita simplicidade e humildade Juarez tenta<br />
viver em um mundo onde o avanço da tecnologia resultou em sua<br />
marginalização. Em meio a prateleiras empoeiradas e respeitando<br />
seu próprio ritmo, Juarez resiste ao dia a dia de forma quase poética,<br />
mostrando-se portador de uma lucidez sólida e habilidades admiráveis,<br />
além de ser um legítimo representante de uma geração que parece cada<br />
vez mais fadada ao esquecimento.<br />
Um olhar passageiro tells the story of Juarez, a 76 years old man<br />
who fixes analog cameras. With much simplicity and humility, Juarez<br />
attempts to live in a world where technological advances culminated<br />
in his marginalization. Amidst dusty shelves and respecting his own<br />
rhythm, Juarez resists everyday life in an almost poetic manner, bearer<br />
of a solid lucidity and admirable skills, besides being a legitimate<br />
representative of a generation that seems faded to oblivion.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 18h<br />
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146 \<br />
\ Vó Maria<br />
/ Grandma Maria<br />
direção director Tomás von der Osten<br />
fotografia photography Tomás von der Osten<br />
som sound Tomás von der Osten<br />
montagem editing Tomás von der Osten<br />
produção production Tomás von der Osten<br />
contato contact catataufilmes@gmail.com, tomasvonderosten@gmail.com<br />
Uma memória em três tempos.<br />
Memory in three times.<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 6’<br />
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 17h<br />
/ centro cultural UFMG \ 04 dez / 18h
mostra competitiva internacional<br />
/ 147
148 \<br />
/ júri<br />
\ alexia melo<br />
Bacharel em Comunicação Social e Licenciada em Artes Plásticas. Faz<br />
parte do grupo de sócio-fundadores da Associação Imagem Comunitária<br />
(AIC) e trabalha com produção audiovisual em Belo Horizonte desde 1993.<br />
Participou de diversas intervenções urbanas, entre os anos de 2005 e 2008.<br />
Hoje atua como Diretora de Projetos Sociais da AIC.<br />
/ Cezar migliorin<br />
Professor e ensaísta. Membro do Programa de Pós-Graduação em<br />
Comunicação da Universidade Federal Fluminense e professor adjunto<br />
do Departamento de Cinema e Vídeo. Membro do Conselho Executivo da<br />
Socine. Coordenador do Laboratório Kumã de pesquisa e experimentação<br />
em imagem e som. Mantém o Blog Polis + Arte e é colaborador<br />
da Revista Cinética.<br />
\ theo Duarte<br />
Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense.<br />
É pesquisador e programador de Cinema.
\ É necessário trazer fogo e alimento<br />
/ Bruno Vasconcelos, Carla Maia, Pedro Portella<br />
Os homens estão cá fora, estão na rua.<br />
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.<br />
Mas também a rua não cabe todos os homens.<br />
A rua é menor que o mundo.<br />
O mundo é grande.<br />
(Carlos Drummond de Andrade, “Mundo Grande”)<br />
Nunca um dia assim bonito/<br />
ela e seus fones de ouvido/<br />
a internacional no ouvido<br />
(Fellini, “Greve”)<br />
Um sentimento instável, ainda que certeiro, se reafirma face aos mais<br />
de cento e cinquenta filmes que recebemos para seleção da mostra<br />
competitiva internacional: vivemos tempos de transformações,<br />
revoluções, primaveras. O mundo está inquieto, em chamas, como<br />
comprovam as notícias chegadas das praças do Sol e Tahrir, das<br />
ruas de Israel, Índia, Turquia, Grécia, da toda-poderosa Wall Street<br />
e – por que não – daqui mesmo de Belo Horizonte, cidade que<br />
habitamos, que teve suas ruas tomadas e sua praça tornada praia<br />
para abrigar os descontentes com a atual administração. Tempos<br />
promissores estes, repletos de manifestações de toda ordem - ou a<br />
favor de outras ordens - em que é possível invadir castelos, derrubar<br />
ditadores, atear fogo ao próprio corpo, exigir justiça, lutar por novas<br />
formas de conviver neste velho e vasto mundo, que apesar de tudo,<br />
ainda é nosso.<br />
Menor que o mundo, mas parte dele, o cinema parece responder ao<br />
apelo das multidões em revolta. Isso se tornou bem claro durante<br />
nosso processo seletivo: boa parte dos filmes são movidos pelo<br />
desejo revolucionário de lutar por uma vida mais justa, ausente de<br />
/ 149
150 \<br />
explorações, exclusões, perseguições e preconceitos. Era mesmo de<br />
se esperar - sabemos bem que o cinema, sobretudo o documentário,<br />
está no mundo, nele se inspira, com ele toma forma, age e resiste. A<br />
novidade e a surpresa, entretanto, são as maneiras muito originais<br />
com que os filmes dão conta desta preciosa e difícil tarefa de<br />
expressar as diferentes cores e dores do homem.<br />
A vida – e com ela o cinema - sabe mesmo ser surpreendente e múltipla.<br />
É assim que um homem é transformado pelo canto e pela graça (Moacir);<br />
a surdez ensina a ouvir com pele, olhos, nariz e boca (Sonor); a<br />
escassez motiva a invenção, e o lar se torna a terra (Dom); a memória<br />
se afirma por vestígios em estilhaços que talvez nos demovam da<br />
idéia de buscar nela indícios de verdade (Saskatchewan); um ator<br />
negro resiste a parâmetros convencionais de atuação frente aos<br />
brancos (La mort de Danton); vídeos de Internet promovem partilha<br />
numa nova política tão revolucionária quanto cotidiana (Fragments<br />
of a revolution); sons contrastados e surpreendentes paisagens nos<br />
perguntam em que medida o homem é o centro das preocupações<br />
da arquitetura (Minhocão); fronteiras interditas fazem surgir novos<br />
territórios afetivos (Los Ulisses). Que todos repousem em revolta,<br />
não em paz, pede o cinema, fazendo da sua própria forma um ato de<br />
resistência (Quils reposent en revolte). A matéria bruta – a porção de<br />
mundo à qual os filmes se dedicam – é tão variada quanto as formas<br />
que toma: pode ser uma infância entre ruínas (Shuan Jun’s childhood);<br />
tuaregs - homens sem ocidente - clamando por autodeterminação<br />
no deserto (Amanar Tamasheq), mulheres intocáveis em insurreição<br />
pela fundação de novas tradições na Índia (Pink Saris), o cotidiano<br />
singular no mundo do trabalho (Smolarze).<br />
A boa notícia é que, diante de tudo que representa a destruição e a<br />
diminuição da potência humana, diante dos poderes que insistem<br />
em nos impor sempre mais do mesmo comportamento padronizado,
esterilizado, anestesiado, há quem resista e grite, em nome e a favor<br />
da diferença e da criação. Anunciamos, com alegria e coragem, que<br />
desses somos aliados, aceitando o desafio de continuar inquietos<br />
neste mundo, o grande mundo que, como previa o poeta, continua<br />
crescendo “todos os dias, entre o fogo e o amor”.<br />
/ 151
152 \<br />
\ Qu’ils reposent en révolte (Des figures de guerres I)<br />
/ May they rest in revolt (Figures of wars)<br />
direção director Sylvain George<br />
fotografia photography Sylvain George<br />
som sound Sylvain George<br />
montagem editing Sylvain George<br />
produção production Sylvain George<br />
contato contact sylvaingeorge@free.fr, noirproduction@no-log.org<br />
/ França \ 2010 / p&b \ 153’<br />
Construído a partir de fragmentos que se ligam uns aos outros e<br />
acabam por se confundir, o filme acompanhou durante três anos (de<br />
julho de 2007 a janeiro de 2010) um grupo de imigrantes ilegais<br />
na cidade de Calais. Ao mostrar as condições em que vivem esses<br />
indivíduos, o filme deixa claro que as políticas de imigração adotadas<br />
pelos modernos Estados policiais vão muito além do plano da<br />
legalidade: elas criam áreas cinzentas, fissuras e espaços onde a regra<br />
não se distingue da exceção.<br />
Composed of fragments that refer back and become mixed up with<br />
each other, thus creating multiple games of temporality and spatiality,<br />
this film shows the living conditions of migrant persons in Calais over a<br />
period of three years (July 2007 to January 2010). In so doing, it shows<br />
how the policies engaged by modern police States extend beyond the<br />
law, and cause gray areas, cracks, indistinct places between the rule and<br />
the exception.<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 21h
direção director Raphaël Grisey<br />
fotografia photography Raphaël Grisey<br />
som sound Girjashanker Vohra<br />
montagem editing Raphaël Grisey<br />
produção production Raphaël Grisey<br />
contato contact rgrisey@gmail.com<br />
/ Minhocão<br />
\ The big worm<br />
/ França | Brasil \ 2011 / p&b \ 30’<br />
Um carro com um potente sistema de som reproduz um texto de<br />
Eduardo Affonso Reidy sobre os preceitos da arquitetura moderna<br />
enquanto circula pelo Conjunto Habitacional Pedregulho, um complexo<br />
habitacional projetado por Reidy cuja construção começou em 1946 e é<br />
conhecido por seus moradores como Minhocão. O ballet do carro sendo<br />
guiado, combinado com as entrevistas, os excertos sonoros do filme<br />
“Lúcio Flávio, o passageiro da agonia” e algumas outras cenas criam<br />
o retrato de uma das mais importantes construções do modernismo<br />
brasileiro e do contexto social da zona norte carioca.<br />
A car with a big sound system broadcasts a text of Eduardo Affonso<br />
Reidy on his modern architecture precepts. It drives around the<br />
Conjunto Habitacional Pedregulho, a social housing complex build from<br />
1946 by the same architect and also called Minhocão (the big worm) by<br />
his inhabitants. The ballet of the driving car, combined with interviews,<br />
sound extracts from the fiction film “Lucio Flávio, the passenger of<br />
agony” and other scenes, produce a portrait of a major modernist<br />
Brazilian building and of the popular northern zone´s context of Rio de<br />
Janeiro.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 21h30<br />
/ 153
154 \<br />
direção director Kim Longinotto<br />
fotografia photography Kim Longinotto<br />
som sound Girjashanker Vohra<br />
montagem editing Ollie Huddleston<br />
produção production Kim Longinotto<br />
contato contact kimlonginotto@hotmail.com<br />
/ Pink Saris<br />
/ Reino Unido | India \ 2010 / cor \ 96’<br />
Nos primeiros 20 minutos de Pink Saris, Devi parece ser uma das<br />
mulheres mais duronas que já apareceram nas telas do cinema.<br />
Defensora incansável das mulheres vítimas de maus tratos, não se deixa<br />
intimidar por ninguém. Mas quando começa a parecer que a diretora<br />
Kim Longinotto está enamorada demais de seu objeto para abordar<br />
questões mais delicadas, a megalomania de Devis vem à tona com<br />
força total (“Sou o messias das mulheres”) e a arrogância com que trata<br />
aqueles à sua volta revela uma faceta sua muito pouco louvável.<br />
For the first 20 minutes or so of Pink Saris, Devi comes off as one of<br />
the most kick-ass women ever captured on film. A tireless advocate for<br />
abused women, she backs down from no one. But just as it starts to<br />
seem director Kim Longinotto is too enamored of her subject to pose<br />
hard questions, Devi’s megalomania kicks into high drive (“I’m the<br />
messiah for women”) and her divalike treatment of those around her<br />
reveals her as often far less than noble.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 17h
direção director Levin Peter<br />
fotografia photography Yunus Roy Imer<br />
som sound Stefan Kolbe, Hendrik Schalansky<br />
montagem editing Stephan Bechinger<br />
produção production Elsa Kremser<br />
contato contact elsa.kremser@filmakademie.de<br />
/ Sonor<br />
/ Alemanha \ 2010 / p&b \ 37’<br />
Sonor conta a história do encontro entre uma ex-bailarina, surda de<br />
nascença, e um músico que compõe para o cinema; duas pessoas que,<br />
apesar das aparentemente conflitantes percepções sonoras, iniciam<br />
juntas uma viagem pelo universo acústico. Em busca de sons, eles<br />
exploram espaços sonoros e experimentam diferentes instrumentos,<br />
traduzindo suas experiências por meio de uma improvisação musical.<br />
Sonor convida a audiência a transformar sua própria percepção dos tons<br />
e dos sons.<br />
Sonor tells us about the encounter of a film musician and a former ballet<br />
dancer, who is deaf by birth. Two people with an apparently conflictive<br />
acoustic perception enter the realm of a sound journey. They explore<br />
acoustic spaces, experiment with various instruments and seek for<br />
sounds. Their experiences are interpreted in a musical improvisation.<br />
Sonor is inviting the audience to undergo a chance in its own perception<br />
of tone and sound.<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 15h<br />
/ 155
156 \<br />
direção director Alice Diop<br />
fotografia photography Blaise Harisson<br />
som sound Ludovic Escallier<br />
montagem editing Amritta David<br />
produção production Gilles Padovani<br />
contato contact distribution@mille-et-une-films.fr<br />
/ La mort de Danton<br />
\ The Danton’s Death<br />
/ França \ 2010 / cor \ 64’<br />
Steve tem 25 anos e lembra um daqueles jovens encapuzados que<br />
vemos nos noticiários sobre a violência na periferia. E ele era de fato<br />
um deles, pelo menos até poucos meses atrás - perambulando com os<br />
amigos, dividindo um baseado no vão das escadarias e sonhando com<br />
uma vida melhor. Em setembro de 2008, Steve repentinamente decide<br />
mudar de vida, e começa a frequentar o curso de formação de atores do<br />
Cours Simon, uma das escolas de teatro de maior prestígio na França.<br />
O filme o acompanha nesse momento decisivo da vida, mostrando as<br />
dificuldades de tamanha transformação.<br />
Steve is 25 and looks like one of those hoods spotted in the everyday<br />
news on suburban violence. He was actually one of them few months<br />
ago. He used to hang around in the staircases with his fellows, sharing<br />
joints and dreaming of a better life. In September 2008 he suddenly<br />
decides to change his life and starts training as an actor in one of the<br />
most prestigious drama schools, “le Cours Simon”. The film follows<br />
him at a turning point of his life and depicts the difficulties of such a<br />
metamorphosis.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 15h
direção director Anonymous<br />
fotografia photography Anonymous<br />
som sound Anonymous<br />
montagem editing Anonymous<br />
produção production Gilles Padovani<br />
contato contact distribution@mille-et-une-films.fr<br />
/ Fragments d’une révolution<br />
\ Fragments of a revolution<br />
/ França \ 2010 / cor \ 55’<br />
A história trata dos protestos no Irã, em que cidadãos anônimos<br />
fizeram, de improviso, o papel de jornalistas, e conseguiram por seus<br />
próprios meios burlar a censura oficial.<br />
The story is about of iranian protests in which the anonymous citizens<br />
improvised themselves “journalist” and they succeeded by their own<br />
means to bypass censorship.<br />
/ cine humberto mauro \ 23 nov / 21h30<br />
/ 157
158 \<br />
/ Moacir<br />
/ Argentina \ 2011 / cor \ 75’<br />
direção director Tomas Lipgot<br />
fotografia photography Victor Narvaez, Tomás Lipgot<br />
som sound Rufino Bassavilbaso, Fernando Rivero<br />
montagem editing Bruno López, Javier Zevallos<br />
produção production Tomas Lipgot<br />
contato contact info@duermevela.com.ar, tomas.lipgot@duermevela.com.ar<br />
Moacir dos Santos veio do Brasil há quase três décadas; depois de tanto<br />
tempo já é “brasileiro e argentino”, como ele mesmo diz para um (quase)<br />
conterrâneo na embaixada de Buenos Aires. Desempregado e entregue<br />
a diversos excessos, após diagnóstico de esquizofrenia paranoide, ele<br />
foi internado no Hospital Neuropsiquiátrico Borda onde passou grande<br />
parte da sua estadia em Buenos Aires. Lá, ele conheceu Lipgot, quem<br />
estava trabalhando num outro documentário. É assim que começa a<br />
fantástica história de Moacir.<br />
Moacir dos Santos left Brazil almost three decades ago; after so much<br />
time he is already “Brazilian and Argertinean”, as he himself puts it to an<br />
(almost) fellow countryman at the Buenos Aires embassy. Unemployed<br />
and driven by excesses, he was committed to Borda Neuropsychiatry<br />
Hospital after being diagnosed with paranoid schizophrenia, a place he<br />
spent most of his time in Buenos Aires. There he met Lipgot, who was<br />
working in another documentary. This is how begins he amazing story<br />
of Moacir.<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 15h
Smolarze<br />
\ Charcoal Burners<br />
/ Polônia \ 2010 / cor \ 15’<br />
direção director Piotr Zlotorowicz<br />
fotografia photography Malte Rosenfeld<br />
som sound Ewa Bogusz<br />
montagem editing Barbara Snarska<br />
produção production Joanna Malicka<br />
contato contact swzfilm@filmschool.lodz.pl, piotr.zlotorowicz@gmail.com<br />
“Um olhar delicado sobre o cotidiano de um casal de carvoeiros, como<br />
um conto-de-fadas de um mundo esquecido – porém sem o final feliz<br />
com dinheiro e felicidade” – DOK Leipzig Programmer.<br />
“A tender observation of a couple of charcoal burner’s daily life, like a<br />
fairytale from a lost world – but without the happy end of wealth and<br />
happiness” – DOK Leipzig Programmer<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 17h<br />
/ 159
160 \<br />
direção director Xingzheng Jin<br />
fotografia photography Xingzheng Jin<br />
som sound Xingzheng Jin<br />
montagem editing Xingzheng Jin<br />
produção production Xingzheng Jin<br />
contato contact jin184@163.com<br />
/ Shuai Jun´s Childhood<br />
\ A infância de Shuai Jun<br />
/ China \ 2010 / cor \ 14’<br />
Shuai Jun é uma criança de 5 anos que nasceu e cresceu em uma estação<br />
de triagem de resíduos. Seu pai trabalha como empacotador e sua<br />
mãe faz artesanato. Como as outras crianças, Shuai Jun também quer<br />
frequentar a escola, mas seus pais são pobres e a mensalidade é cara<br />
demais para sua família.<br />
A child, his name is Shuai Jun, 5 years old, who was born and growing<br />
up in a waste collection station of the city. His father packs up waste,<br />
and his mother handcrafts. He’s like other children, also wanna go to<br />
school, but they are poor, they can’t afford the tuition fee.<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 17h
direção director Agatha Maciaszek, Alberto Garcia Ortiz<br />
fotografia photography Alberto Garcia Ortiz<br />
som sound Agatha Maciaszek<br />
montagem editing Cristobal Fernandez<br />
produção production Carlos Esbert<br />
contato contact agathiu@gmail.com<br />
/ Los Ulises<br />
\ The Ulysses<br />
/ Espanha \ 2011 / cor \ 83’<br />
Em meio à abundante vegetação das montanhas de Ceuta, um enclave<br />
espanhol na costa marroquina, 57 imigrantes indianos aguardam seu<br />
destino no acampamento clandestino que construíram para evitar<br />
sua deportação. Com uma linguagem visual exuberante, o filme os<br />
acompanha em sua luta diária pela sobrevivência, enquanto aguardam<br />
o dia em que atravessarão os últimos 14 km que os separam da Europa.<br />
Conseguirão chegar lá?<br />
In the densely forested hills above Ceuta, a Spanish enclave on the<br />
Moroccan coast, 57 young Indian immigrants await their fate in a<br />
shanty community they’ve built to avoid deportation. With lush visual<br />
style, the film accompanies them in their daily trials as they scramble to<br />
survive, waiting to cross the last 14 km that separate them from Europe.<br />
Will they make it there?<br />
/ cine humberto mauro \ 26 nov / 17h<br />
/ 161
162 \<br />
direção director Lluis Escartín<br />
fotografia photography Lluis Escartín<br />
som sound Lluis Escartín<br />
montagem editing Lluis Escartín<br />
produção production Lluis Escartín<br />
contato contact camaraexcentrica@gmail.com<br />
/ Amanar Tamasheq<br />
/ Espanha-Mali \ 2011 / cor \ 14’<br />
Um homem entra no deserto. Um homem vive entre os tuaregs. Um<br />
homem escuta o que outro tem a dizer, e este pede ao primeiro que<br />
filme tudo o que encontrar. Que filme e divulgue além das dunas. Que<br />
filme tudo, mesmo aquilo que não compreenda. Que filme, mesmo que<br />
o mais importante permaneça invisível.<br />
A man walks into the desert. A man lives with the Tuareg. A man listens<br />
to another man, and this one asks the other to film everything he finds.<br />
To film it and spread the word beyond the dunes. Film everything,<br />
even if he does not understand. Film it, even if what’s most important<br />
remains invisible.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 17h
direção director Olga Maurina<br />
fotografia photography Olga Maurina<br />
som sound Alexander Dudarev<br />
montagem editing Vera Nikiforova, Olga Maurina<br />
produção production Anna Kapkina<br />
contato contact olgamaurina@gmail.com<br />
/ Dom<br />
\ Home<br />
/ Rússia \ 2011 / cor \ 95’<br />
Três moradores de rua protegem-se do frio em um abrigo feito de<br />
compensado, ao lado de uma das últimas estações de Moscou. À medida<br />
em que a primavera se aproxima, eles começam a planejar a construção<br />
de algo como uma casa. Mas ter um lar significa, necessariamente, uma<br />
mudança para melhor?<br />
Three homeless hiding from cold in a veneer shelter next to one of<br />
Moscow terminal stations. As spring comes they make plans to construct<br />
something like a house. Once they find home, would their life turn<br />
positive?<br />
/ cine humberto mauro \ 24 nov / 17h<br />
/ 163
164 \<br />
direção director Richard Wiebe<br />
fotografia photography Herb, Olga Wiebe<br />
som sound Richard Wiebe, Andrew Ritchey<br />
montagem editing Richard Wiebe<br />
produção production Richard Wiebe<br />
contato contact rhw6487@yahoo.com<br />
/ Saskatchewan<br />
/ Canadá | EUA \ 2011 / cor \ 18’<br />
Algumas cenas em 16mm e as gravações de um ditafone me apresentam<br />
a uma família que eu jamais conheci. Vejo meu pai em 1943, aos sete<br />
anos, encarando a câmera. Vejo meus avós, minha tia, meu tio e outros<br />
que já se foram. Mesmo tendo nascido décadas depois, na Carolina do<br />
Norte, fico imaginando o filme sobre Saskatchewan que faríamos juntos.<br />
16mm footage and Edison Voicewriter recordings introduce to me a<br />
family I never knew. I see my dad, age 7, in 1943 stand in front of a<br />
movie camera. I see my grandparents, my aunt, my uncle and others<br />
now gone. I was born in North Carolina, and decades later, but I imagine<br />
the movie we would make together about Saskatchewan.<br />
/ cine humberto mauro \ 25 nov / 15h
sessões filmes de quintal<br />
/ 165
166 \<br />
\ Manoki, Pytámãnãnjulipja<br />
/ Luta pela terra<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 36’<br />
direção director Celso Xinuxi, Alonso Irawali, Manoel Kanuxi<br />
montagem editing Carolina Canguçu<br />
produção production Vídeo nas Aldeias e Centro de Memória Indígena Manoki<br />
contato contact olinda@videonasaldeias.org.br<br />
A hidrelétrica construída às margens da Terra Indígena Irantxe /<br />
Manoki acabou com os peixes da região e os latifúndios de soja e gado<br />
destruíram toda a mata nativa ao redor da Terra. A luta atual é pela<br />
homologação da ampliação do território, enfrentando a resistência de<br />
grandes fazendeiros e a morosidade do governo federal.<br />
The hydroelectric plant built at the outskirts of the Irantxe / Manoki<br />
indigenous land has made the fish of the region disappear and the<br />
soy bean estates and cattle cultivations have destroyed all the native<br />
forest surrounding the indigenous land. The present struggle is for the<br />
ratification of the land’s territorial expansion, facing resistance from<br />
landowners and the government’s slowness.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
\ Roda<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’<br />
direção director Carla Maia, Raquel Junqueira<br />
fotografia photography Pedro Aspahan, Sérgio Borges<br />
som sound Bruno Vasconcelos<br />
montagem editing Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira<br />
produção production pesquisa research Marcos Valério Menezes Maia<br />
contato contact filmes@filmesdequintal.org.br<br />
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes e instrumentistas<br />
da Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte fazem roda.<br />
Amidst samba music and memories, composers, performers and<br />
instrumentalists from Belo Horizonte’s old school of Samba put together<br />
a jamming session.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 15h<br />
/ 167
168 \<br />
direção director Daniel Ribeiro Duarte<br />
montagem editing Daniel Ribeiro Duarte<br />
contato contact danielribao@yahoo.com<br />
\ Encontro com São João da Cruz<br />
/ Brasil | Portugal \ 2011 / cor \ 19’35’’<br />
Além de uma grande massa de escritos, a escritora portuguesa Maria<br />
Gabriela Llansol (1931-2008) deixou, como espólio, mais de 2000<br />
fotografias. Este filme parte de uma delas, atraído pela anotação no<br />
verso, onde se lê: “Encontro com São João da Cruz”. A data da fotografia<br />
remete ao começo da escrita d’O Livro das Comunidades, considerado<br />
por Llansol como um ‘livro-fonte’. A imagem da fotografia faz pensar a<br />
leitura como possibilidade de encontro e deixa entrever o processo de<br />
nascimento de uma das figuras fundadoras do texto llansoliano.<br />
Beyond a vast amount of writings, Portuguese writer Maria Gabriela<br />
Llansol (1931-2008) has left, as her estate, more than 2000<br />
photographs. This film uses one of them as a starting point, attracted<br />
by the notes on its back which say: Meeting with São João da Cruz”.<br />
The photograph dates back to the beginning of writing O livro das<br />
comunidades, considered to be a ‘sourcebook’ by Llansol. The photo<br />
makes us see the act of reading as the possibility of an encounter and<br />
allows a glimpse into the creation of one of the founding figures of<br />
Llansol’s writing.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h
direção director Daniel Ribeiro Duarte<br />
fotografia photography Daniel Ribeiro Duarte<br />
montagem editing Pedro Rufino, Daniel Ribeiro Duarte<br />
contato contactdanielribao@yahoo.com<br />
\ Hölder<br />
/ Brasil | Portugal \ 2011 / cor \ 11’<br />
O filme faz parte do projeto Europa em Sobreimpressão – Llansol e as<br />
Dobras da História, e é composto de imagens filmadas em Tübingen,<br />
onde o poeta alemão Hölderlin viveu, encerrado em uma torre, por<br />
aproximadamente 30 anos. Às imagens desta paisagem, acrescentam-se<br />
os cadernos da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol e a leitura<br />
de fragmentos de sua obra relacionadas à do poeta alemão. A loucura, a<br />
fuga dos deuses da Grécia e “a paisagem como terceiro sexo” são alguns<br />
elementos que norteiam a construção do filme.<br />
The movie takes part in the project Europe in Overprints - Llansol and<br />
the Folds of History, and is composed by images filmed in Tübingen,<br />
where the German poet Hölderlin lived, locked away in a tower for<br />
approximately 30 years. Were added to this landscape notebooks from<br />
Portuguese writer Maria Gabriela Llansol and the reading of fragments<br />
from her work related to the German poet. Madness, the escape of gods<br />
from Greece and “the landscape as a third sex” are some of the leading<br />
elements of this film.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h<br />
/ 169
170 \<br />
direção director Renata Otto Diniz<br />
fotografia photography Isael Maxakali<br />
montagem editing Carolina Canguçu<br />
produção production Milene Migliano<br />
contato contact filmes@filmesdequintal.org.br<br />
\ Quando os yãmiy vêm dançar conosco<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 52’<br />
Isael e Suely são um casal maxakali. São professores, em Aldeia Verde,<br />
uma comunidade transferida em 2007 para a Terra Indígena Ad Hãm<br />
Yîxux, no município de Ladainha, MG. Apesar de sua história antiga<br />
de contato com os brancos, os Maxakali mantiveram sua língua e sua<br />
relativa autonomia em relação à sociedade nacional. Muitos velhos,<br />
pajés e lideranças maxakali afirmam que sua força provém das relações<br />
que mantêm com seus Yamiy, seus espíritos. Isael e Suely têm um<br />
desejo ardente de usar a tecnologia em favor de suas tradições, todas<br />
elas herdadas dos Yamiy. Gostam de fazer reveberar por outros meios a<br />
voz do pajé: tudo está bem, quando os Yamiy vêm dançar conosco.<br />
/ cine humberto mauro \ 27 nov / 21h
direção director Umbando<br />
fotografia photography Maurício Rezende<br />
montagem editing Oswaldo Teixeira<br />
desenho de som sound design Bruno Vasconcelos<br />
produção production Rafael Barros, Flávia Camisasca<br />
contato contact filmes@filmesdequintal.org.br<br />
\ Erosões<br />
/ Erosion<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 35’<br />
Quadrilátero ferrífero, região metropolitana de BH. É neste território,<br />
no meio de uma comunidade em desaparecimento, que se trava uma<br />
batalha entre a máquina cinematográfica e as máquinas de exploração<br />
mineradoras.<br />
The Iron Quadrangle, BH metropolitan area. It is in this territory, in the<br />
middle of a vanishing community, that a battle between the cinema and<br />
the mining exploration machine is fought.<br />
/ cine humberto mauro \ 28 nov / 21h<br />
/ 171
172 \
sessão especial<br />
/ 173
174 \
\ A voir absolument (si possible) – dix années aux<br />
Cahiers du Cinema, 1963-1973<br />
direção director Ginette Lavigne, Jean Louis Comolli, Jean Nardoni<br />
fotografia photography Jean-Louis Porte, Marc Séferchian<br />
produção production Ina / Distribution Ina<br />
contato contact gcollas@ina.fr<br />
/ França \ 2011 / cor \ 78’<br />
O filme revê os dez anos, de 1963 a 1973, no qual um grupo de<br />
cineastas, ensaístas, professores e editores se reuniu em torno<br />
da revista Cahiers du cinéma. Entre eles, Jean André Fieschi, Jean<br />
Narboni, Jean Louis Comolli e Serge Daney. Naquela época – escrevem<br />
Comolli e Narboni – a política não era inimiga da beleza, e a teoria,<br />
encarregada de dissipar as ilusões, a ideologia e a alienação, convivia<br />
com a experiência intensa de ver e discutir os filmes. Época em que a<br />
cinefilia e a militância andavam de mãos dadas. E fazer da revista e da<br />
experiência do cinema um “front cultural e revolucionário”.<br />
The film reviews the ten years, between 1963 and 1973, in which a<br />
group of filmmakers, essayists, professors and editors gathered around<br />
Cahiers du cinema magazine. Among them, there were Jean André<br />
Fieschi, Jean Narboni, Jean Louis Comolli e Serge Daney. At that time –<br />
Comolli and Narboni wrote – politics was not an enemy of beauty, and<br />
theory, in charge of dispelling illusions, ideology and alienation, coped<br />
with the intense experience of seeing and discussing films. A time<br />
when cinephilia and militancy walked holding hands. To make both the<br />
magazine and the cinema experience a “cultural and revolutionary front”.<br />
/ cine humberto mauro \ 30 nov / 15h<br />
/ 175
176 \
\ lançamento<br />
/ 177
178 \
\ Revista Devires - cinema e humanidades, vol. 7 n.2<br />
O cinema contemporâneo apresenta-se como uma verdadeira agonística<br />
das representações, na qual a visibilidade torna-se uma arena de disputa<br />
entre diferentes modos de aparição do real e dos sujeitos. Esse embate<br />
está ligado a amplas transformações no âmbito do espetáculo (se nos<br />
filiamos à tradição inaugurada por Guy Debord) e da biopolítica (se<br />
retomamos o conceito de Michel Foucault e seus desdobramentos).<br />
Procurando não reduzir o cinema a um lugar de diagnóstico ou de<br />
mera tematização da política, o conjunto de textos reunidos no dossiê.<br />
Cinema, estética e política” da Revista Devires (v. 7, n. 2) procura<br />
abordar o modo como os filmes incorporam, atualizam e respondem<br />
— em seus próprios moldes, em sua forma expressiva — a essas<br />
transformações.<br />
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 21h<br />
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180 \
\ curso<br />
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182 \
Data 01 a 03 de dezembro de 2011<br />
Horário 14h às 17h<br />
Local Cine Humberto Mauro/ Palácio das Artes<br />
\ Dilemas da observação<br />
três indagações e uma possível resposta<br />
o percurso da observação e a passagem para a ficção<br />
/ Eduardo Escorel *<br />
1ª. Qual é a ruptura em relação a A Janela de esquina do meu<br />
primo, de E.t.a. Hoffmann, 1 realizada em 1840 pelo narrador de<br />
o Homem da multidão, de E.a.poe2 ?<br />
“Com a testa na vidraça, estava deste modo ocupado em perscrutar<br />
a massa, quando de repente apareceu um rosto (o de um velho<br />
decrépito, de uns sessenta e cinco, setenta anos de idade) – um rosto<br />
que imediatamente chamou e absorveu toda a minha atenção, por<br />
causa da absoluta idiossincrasia de sua expressão. […] ‘Que história<br />
fantástica’, pensei comigo mesmo, ‘não estará escrita nesse peito!’<br />
Me veio então um ardente desejo de não perder o homem de vista –<br />
de saber mais sobre ele.”<br />
1 Hoffmann, E.T.A., A Janela de esquina do meu primo. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Concluído em<br />
abril de 1822 e publicado em maio do mesmo ano, foi a última narrativa completada pelo autor,<br />
falecido em junho de 1822 aos 46 anos.<br />
2 Poe, Edgar Allan, O Homem da multidão. Porto Alegre: Editora <strong>Para</strong>ula, 1993. The Man in the Crowd<br />
foi publicado em 1840.<br />
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2ª. o que levou Dziga Vertov, na primavera de 1926, a anotar o<br />
que segue em seu diário?<br />
“Vi Paris adormecida 3 ontem no cine-teatro Ars.<br />
Fez-me sofrer. Há dois anos tracei um plano que coincide exatamente<br />
com esse filme. Tentei seguidamente encontrar uma oportunidade<br />
para implementá-lo. Nunca me foi dada essa oportunidade. E agora<br />
– o realizaram no exterior.<br />
Kino-olho perdeu uma de suas posições de ataque. Intervalo longo<br />
demais entre ideia, concepção e realização. Se não nos permitem<br />
implementar nossas inovações logo, podemos estar correndo perigo<br />
de inventar continuamente e nunca realizarmos nossas invenções na<br />
prática”. 4<br />
3ª Qual é a nova ruptura feita por Jean Epstein em O cinematógrafo<br />
visto do Etna ao descrever a filmagem de Montanha infiel, filme<br />
perdido, realizada em junho de 1923?<br />
“[…] Todo o poço [do elevador] era recoberto de espelhos. Eu<br />
descia rodeado de eu mesmos, de reflexos, de imagens dos meus<br />
gestos, de projeções cinematográficas. Cada volta me surpreendia<br />
de outro ângulo. Há tantas posições diferentes e autônomas entre<br />
um perfil e três quartos de dorso quanto lágrimas no olho. Cada<br />
uma dessas imagens não vivia senão por um instante, assim que<br />
percebida, perdida de vista, já outra. Só minha memória retinha uma<br />
entre infinitas, e perdia duas em cada três. E havia as imagens das<br />
imagens. As imagens terceiras nasciam das imagens segundas.”Cada<br />
percepção é uma surpresa desorientadora que insulta. Nunca eu<br />
3 Paris qui dort (1924), René Clair [primeiro filme do diretor]<br />
4 Michelson, Annette (ed.), Kino-Eye The Writings of Dziga Vertov. Berkeley: University of California<br />
Press, 1984. 1926, 12 de abril, p.163.
tinha me visto tanto e eu me olhava com terror […] me percebendo<br />
outro, esse espetáculo contrariava todos os hábitos de mentir que<br />
eu chegara a me fazer a mim mesmo. Cada um desses espelhos me<br />
apresentava uma perversão de mim, uma inexatidão da esperança<br />
que eu tinha em mim. Esses vidros espectadores me obrigavam a<br />
me olhar com a sua indiferença, sua verdade. Eu aparecia para mim<br />
numa grande retina sem consciência, sem moral, com sete andares<br />
de altura. Eu me via sem ilusões alimentadas, surpreso, desnudado,<br />
arrancado, seco, verdadeiro, peso líquido”.<br />
<strong>Para</strong> tentar responder à primeira indagação, partiremos da (a)<br />
projeção dos 10’ iniciais de Tishe! (2002), de Victor Kossakovsky.<br />
Comentaremos, a seguir, (b) o conto A Janela de esquina do meu<br />
primo, de E.T.A. Hoffmann, publicado em 1822; (c) o registro<br />
heliográfico de Joseph Nicéphore Niépce, Vista da janela do<br />
escritório, feito em 1827; (d) o daguerreótipo de Louis-Jacques-<br />
Mandé Daguerre, Boulevard du Temple, feito em 1838; e (e) o conto<br />
de E.A.Poe, O Homem da Multidão, publicado em 1840. Exibiremos,<br />
finalmente, Da janela do meu quarto (5’, 2004), de Cao Guimarães e<br />
Aterro do Flamengo (2010, 46’), de Alessandra Bergamaschi.<br />
<strong>Para</strong> tentar responder à segunda e à terceira indagação, exibiremos<br />
Paris adormecida (35’, 1924), de René Clair. Tomaremos como<br />
referência para comentar o filme o texto de Annette Michelson, Dr.<br />
Crase and Mr. Clair, publicado em October, Vol 11 (Winter, 1979).<br />
Comentaremos, a seguir, O Cinematógrafo visto do Etna, de Jean<br />
Epstein, publicado em 1926; Las meninas (1656), de Velázquez e Mão<br />
com esfera espelhada (1935), de E.C.Escher. Diante da inexistência<br />
do documentário Montanha infiel, filmado por Epstein em 1923,<br />
poderemos mostrar um trecho de Le tempestaire, dirigido também<br />
por ele em 1947. Exibiremos, finalmente, La Soufrière (30’, 1977 ),<br />
de Werner Herzog.<br />
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<strong>Para</strong> tentar uma resposta sintética às três indagações anteriores,<br />
avaliando os dilemas da observação exibiremos e comentaremos a<br />
versão mais longa do sexto decálogo de Krzysztof Kieslowski, Não<br />
amarás (A Short Film about Love, 83’, 1988), comparando o início<br />
e o fim com os da versão mais curta (58’, 1988), que integra a série<br />
O Decálogo.<br />
* Eduardo Escorel<br />
Cineasta, tendo iniciado sua carreira profissional como assistente de<br />
direção e montador em 1965. Em 1966, dirigiu seu primeiro filme,<br />
o documentário Bethânia bem de perto, a quatro mãos com Julio<br />
Bressane. Montou, entre outros, Terra em Transe (1967), Macunaíma<br />
(1969), Cabra marcado para morrer (1984) e Santiago (2006).<br />
Dirigiu os filmes de ficção Lição de Amor (1976), Ato de Violência<br />
(1981), Cavalinho Azul (1984) e, entre outros, os documentários<br />
Chico Antônio - O herói com caráter (1984), 35 - O assalto ao poder<br />
(2002), Vocação do Poder (2005), e O tempo e o lugar (2008). Publicou<br />
Adivinhadores de Água – pensando no cinema brasileiro, pela Cosac<br />
Naify, em 2005. Desde 2005, coordena curso de especialização em<br />
cinema documentário na FGV, no qual também leciona. Foi crítico de<br />
cinema da revista Piauí de 2009 a 2011. Escreve atualmente para o<br />
blog questões cinematográficas.
direção director René Clair<br />
fotografia photography Maurice Desfassiaux, Paul Guichard<br />
montagem editing René Clair<br />
produção production Henri Diamant-Berger<br />
\ Paris Qui Dort<br />
/ Paris Adormecida<br />
/ França \ 1923 / p&b \ 34’<br />
Um sábio louco imobiliza Paris por meio de um raio diabólico, deixando<br />
todos os parisienses mergulhados num sono letárgico. Apenas um<br />
grupo de jovens, refugiados no alto da Torre Eiffel, escaparam do<br />
sinistro plano. Com ironia e poesia, Clair registrou Paris como nenhum<br />
outro conseguiu fazer.<br />
A wise and crazy man paralyzes Paris through the use of an evil ray,<br />
diving all Parisians into a lethargic dream. Only a young group, who<br />
had taken refuge at the top of the Eiffel Tower, manages to escape this<br />
sinister plan. With the use of irony and poetry, René Clair documented<br />
Paris in a way no other director had intended.<br />
/ cine humberto mauro \ 01 dez / 14h<br />
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direção director Werner Herzog<br />
fotografia photography Edward Lachman, Jörg Schmidt-Reitwein<br />
montagem editing Beate Mainka-Jellinghaus<br />
produção production Werner Herzog Filmproduktion<br />
contato contact office@wernerherzog.com<br />
\ La Soufrière<br />
/ Alemanha \ 1977 / cor \ 30’<br />
Ao saber que a ilha de Basse-Terre foi evacuada devido a possível<br />
erupção do vulcão La Grande Soufrière, Herzog viaja para a ilha deserta<br />
para encontrar um camponês que se recusou a sair<br />
As he became aware of the Basse-Terre island evacuation due to the<br />
possible eruption of the La Grande Soufrière volcano, Herzog travelled<br />
to the deserted island to meet a countryman who refused to leave.<br />
/ cine humberto mauro \ 02 dez / 14h
\ Krótki film o milosci<br />
/ Não amarás<br />
/ Polônia \ 1988 / cor \ 85’<br />
direção director Krystof Kieslowski<br />
fotografia photography Witold Adamek<br />
som sound Nikodem Wolk-Laniewski<br />
montagem editing Ewa Smal<br />
produção production Ryszard Chutkowski<br />
contato contact filmpolski@filmpolski.com.pl<br />
Tomek, um jovem tímido que mora com uma velha senhora, observa<br />
através de uma luneta a bela mulher que mora no prédio em frente, por<br />
quem se apaixona.<br />
Tomek, a shy young man who lives with an old lady, observes through a<br />
telescope the beautiful woman that lives in the opposite building, with<br />
whom he falls in love.<br />
/ cine humberto mauro \ 03 dez / 14h<br />
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\ fórum de debates<br />
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SESSÃo DE aBERtURa<br />
22/11 tERÇa FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19h30 aS HipER mULHERES 80’<br />
Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro<br />
Sessão comentada por Leonardo Sette, Takumã Kuikuro<br />
moStRa FERNaDo CoNi CampoS<br />
mesa redonda<br />
03/12 SÁBaDo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21h o CiNEma DE FERNaNDo CoNi CampoS<br />
Com: Hernane Heffner, Patrícia Moran, Luis Abramo.<br />
Mediação: Ewerton Belico<br />
Sessões comentadas<br />
29/11 tERÇa-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21h LaDRÕES DE CiNEma 127’<br />
Por Jean-Claude Bernardet<br />
01/12 QUiNta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19h ViaGEm ao Fim Do mUNDo 95’<br />
Por Jean-Claude Bernardet<br />
04/12 DomiNGo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19H a piNtURa DE CLaUDio toZZi 9’<br />
o mÁGiCo E o DELEGaDo 103’<br />
Por Jair Fonseca<br />
moStRa CiNEma DoS poVoS oRiGiNÁRioS BoLÍVia/mÉXiCo<br />
mesas redondas<br />
30/11 QUaRta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21H Coletivos Audiovisuais Indígenas: formação de realizadores e<br />
constituição de redes de comunicação na Bolívia, México, Brasil<br />
Com: Ivan Sanjinés, Carlos Pérez Rojas, Vincent Carelli<br />
Mediação: Ruben Caixeta<br />
02/12 SEXta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21H Realização indígena e autoria cinematográfica<br />
Com: Maria Zeladi Mole, Carlos Pérez Rojas, Divino Tserewahu,<br />
Takumã Kuikuro. Mediação: Carolina Canguçu
Sessões comentadas<br />
30/11 QUaRta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19h K’aNCHaRy / paRa ENCENDER La LUZ DEL ESpÍRitU 45´<br />
Reynaldo Yujra<br />
Qati Qati / SUSURRoS DE mUERtE 35´ | Reynaldo Yujra<br />
Por Ivan Sanjinés, Martha Zeladi<br />
02/12 SEXta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19h DULCE CoNViVêNCia 18’ | Filoteo Gómez Martinez<br />
y EL RÍo SiGUE CoRRiENDo 70´<br />
Carlos Peréz Rojas<br />
Comentada pelo diretor<br />
03/12 SÁBaDo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
17h CiNEma poVoS oRiGiNÁRioS/BoLÍVia<br />
EL GRito DE La SELVa 97´ | Direção Coletiva<br />
Por Martha Zeladi Mole, Ivan Sanjinés<br />
04/12 DomiNGo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
17h CiNEma DoS poVoS oRiGiNÁRioS/mÉXiCo<br />
a CiELo aBiERto 37’37’’ | José Luis Matías y Carlos Pérez Rojas<br />
Por Carlos Pérez Rojas<br />
moStRa/SEmiNÁRio FoRUmDoC.BH.2011 o aNimaL E a CÂmERa<br />
Conferências<br />
21/11 SEGUNDa-FEiRa<br />
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
11h Conferência inaugural<br />
Lições de Caça<br />
Por Maurício Yekuana<br />
22/11 tERÇa-FEiRa<br />
UFMG/FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
10h Conferência ii<br />
Autópsia in vivo: aspectos da biopolítica em Primate de Frederick<br />
Wiseman<br />
Por André Dias<br />
24/11 QUiNta-FEiRa<br />
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
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194 \<br />
10h Conferência iii<br />
Revisando a caça de porco do mato juruna<br />
Por Tânia Stolze Lima<br />
messa redondas<br />
25/11 SEXta-FEiRa<br />
UFMG/FAE Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
10h mesa Redonda i<br />
A técnica de caça e o cinema<br />
Por Uirá Garcia, Carlos Sautchuk e Cezar Migliorin<br />
26/11 SÁBaDo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21h30 o aNimaL E a CÂmERa<br />
Com: André Dias, Renato Sztutman, Paulo Maia<br />
Sessões comentadas<br />
23/11 QUaRta-FEiRa – UFMG / FAE Sala de Teleconferência<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
ataKa: o LaDRÃo DE aRmaDiLHaS 10´<br />
Como filmar uma armadilha?<br />
Por Takumã Kuikuro<br />
23/11 QUaRta-FEiRa – CINE HUMBERTO MAURO<br />
19h30 o aNimaL E a CÂmERa<br />
oS CaVaLoS DE GoEtHE oU aLQUimia Da VELoCiDaDE 55’<br />
Arthur Omar<br />
Por Arthur Omar, João Dumans, Paulo Maia<br />
29/11 tERÇa-FEiRa – UFMG / FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
HiStóRiaS DE maWaRy 58’<br />
Ruben Caixeta<br />
Por André Brasil, Ruben Caixeta<br />
SESSÃo FiLmES DE QUiNtaL<br />
27/11 DomiNGo – CINE HUMBERTO MAURO<br />
21h FiLmES DE QUiNtaL<br />
QUaNDo oS yÃmiy Vêm DaNÇaR CoNoSCo 52’<br />
Renata Otto Diniz<br />
Por Isael Maxakali e Suely Maxakali
moStRa CompEtitiVa<br />
28/11 e 30/11 – CINE HUMBERTO MAURO<br />
10h30 ENCoNtRo DE REaLiZaDoRES / CompEtitiVa NaCioNaL<br />
/ andré Brasil<br />
Pesquisador em Comunicação e Cinema. É doutor pela UFRJ e<br />
professor do Departamento de Comunicação da UFMG. Desenvolve<br />
o projeto “Formas de vida na imagem: performatividade no<br />
documentário e na mídia”, abrigado pelo Grupo de Pesquisa<br />
Poéticas da Experiência (UFMG).<br />
\ andré Dias<br />
Doutorando na Universidade Nova de Lisboa/Portugal sobre a<br />
ambiguidade no cinema moderno, cinefilia e filosofia política<br />
contemporânea. Autor de Ainda não começamos a pensar, blog<br />
sobre cinema e pensamento que inclui várias entrevistas com<br />
realizadores contemporâneos. Organizou a conferência sobre<br />
biopolítica com Roberto Esposito e traduziu L’aperto. L’uomo e<br />
l’animale de Giorgio Agamben (Edições 70).<br />
/ arthur omar<br />
Nasceu em Poços de Caldas (MG), em1948. Realizou trabalhos<br />
em cinema, vídeo, fotografia, música, poesia e artes plásticas. O<br />
longa-metragem Triste Trópico, crítica ao discurso da antropologia,<br />
de 1974, é um dos destaques de sua produção audiovisual, que<br />
conta ainda com 11 filmes e 17 vídeos, dentre eles Os cavalos de<br />
Goethe ou A Alquimia da velocidade apresentado nessa edição do<br />
<strong>forumdoc</strong>.<br />
\ Carolina Canguçu<br />
Professora de audiovisual desde 2004. Bacharel em Comunicação<br />
Social pela UFMG e Integrante da Associação Filmes de Quintal.<br />
Atuou em oficinas de formação em vídeo na Pedreira Prado Lopes<br />
(BH), Associação Imagem Comunitária, Escolas Municipais de<br />
Belo Horizonte, Lagoa Santa (RMBH) e com indígenas das etnias<br />
Maxakali, Huni Kuin, Manoki, Pataxó, Xacriabá, Krenak, Suruí,<br />
Xucuru-Kariri, Yawanawá, Kanoê, WaiWai.<br />
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196 \<br />
/ Carlos Emanuel Sautchuk<br />
Professor do Departamento de Antropologia da Universidade<br />
de Brasília. Coordenador do Laboratório de Antropologia da<br />
Ciência e da Técnica (DAN/UnB) e pesquisador do Centro de<br />
Desenvolvimento de Estudos do Esporte e do Lazer (Rede CEDES -<br />
Ministério do Esporte/UnB). Pesquisa temas relativos a pesca, caça,<br />
meio ambiente e sociedades caboclas amazônicas, dentre outros.<br />
\ Carlos pérez Rojas<br />
Carlos Efraín Pérez Rojas, realizador da região de Oaxaca, México,<br />
trabalha com produções audiovisuais desde 1999, primeiramente<br />
como membro do coletivo Video Tamix, posteriormente como<br />
Coordenador de Formação e Produção para o Chiapas Media<br />
Project. Atua na estação regional TV Tamix de sua comunidade<br />
desde 1998. Atualmente, além de dirigir seus próprios filmes,<br />
trabalha como fotógrafo-cinegrafista, editor, produtor e formador<br />
de realizadores indígenas. Seu trabalho vem sendo exibido em<br />
festivais referenciais incluindo Sundance, Wild Spaces Film Festival,<br />
Margaret Mead Film Festival, entre outros.<br />
/ Cezar migliorin<br />
Professor de Departamento de Comunicação da Universidade<br />
Federal Fluminense (UFF), pesquisador e ensaísta concentrado<br />
no cinema e no audiovisual. É membro do Conselho Executivo da<br />
Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual).<br />
Pesquisa e publica sobre o cinema brasileiro, sobretudo aquele<br />
ligado ao campo do documentário em seus aspectos políticos<br />
e estéticos. Organizou o livro, Ensaios no real, editado pela Ed.<br />
Azougue.<br />
\ Divino tserewahú<br />
Divino é diretor, fotógrafo, editor de vários filmes consagrados<br />
em importantes festivais nacionais e internacionais como: Wapté<br />
Mñoño Iniciação do Jovem Xavante, Aprendiz de Curador, O Poder<br />
do Sonho, Mulheres Xavante sem nome. Um dos mais experientes<br />
realizadores ligados ao VNA, atualmente trabalha também como<br />
formador de novos realizadores de diversas etnias no Brasil.
Hernani Heffner<br />
Crítico de cinema e conservador-chefe da Cinemateca do Museu<br />
de Arte Moderna, MAM-RJ. Foi pesquisador da Cinédia Estúdios<br />
Cinematográficos, tendo coordenado a restauração do acervo dessa<br />
produtora. Curou as Mostras “Raízes do Século XXI”, “A Tela Aberta”<br />
e “Miragens do Sertão”. É professor de cinema na PUC-RJ e da FGV-RJ.<br />
\ ivan Sanjinés<br />
Atual coordenador do Conselho Latinoamericano dos Povos<br />
Indígenas CLACPI e diretor do Centro de Formación y Realización<br />
Cinematográfica (Bolívia), especialista em comunicação<br />
intercultural, processos de capacitação audiovisual, fortalecimento<br />
de redes comunicacionais para o desenvolvimento do processo<br />
boliviano de comunicação audiovisual indígena, destacado realizador<br />
e produtor audiovisual.<br />
/ isael maxakali<br />
Fotógrafo de cinema e diretor, co-realizou os filmes Tatakox (2007)<br />
Kotkuphi (2010) entre outros. Assina a fotografia do filme Quando<br />
os Yãmiy vem dançar conosco, lançado no <strong>forumdoc</strong>.bh.2011.<br />
\ Jair Fonseca<br />
Escritor, crítico de cinema, Doutor em Literatura Comparada<br />
pela FALE-UFMG, e professor de literatura brasileira e de cinema<br />
brasileiro na UFSC.<br />
/ Jean-Claude Bernardet<br />
Crítico de cinema, ensaísta, cineasta e escritor. Foi professor de<br />
História do Cinema Brasileiro na ECA-USP e é Doutor em Artes pela<br />
mesma instituição. Escreveu o roteiro de O caso dos Irmãos Naves,<br />
dirigido por Luís Sérgio Person; e dirigiu São Paulo: Sinfonia e<br />
Cacofonia. É autor dos livros Vôo dos anjos: Sganzerla, Bressane -<br />
um estudo sobre a criação cinematográfica, Cineastas e Imagens<br />
do Povo, Aquele Rapaz (ficção), dentre outros. Escreve no blog<br />
jcbernardet.blog.uol.com.br<br />
/ 197
198 \<br />
/ João Dumans<br />
Mestrando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela<br />
UFMG. Pesquisador de cinema. Foi programador do Cine Humberto<br />
Mauro, no Palácio das Artes, e curador do Cineclube Curta Circuito.<br />
Participou de comissões de seleção, programação e júri de festivais<br />
como o <strong>forumdoc</strong>.bh e o Festival Internacional de Curtas de BH.<br />
Atualmente, é um dos programadores da Mostravídeo Itaú Cultural.<br />
\ Júnia tôrres<br />
Antropóloga, mestre em Sociologia da Cultura pela UFMG.<br />
Organizadora do <strong>forumdoc</strong>.bh desde 1997. Em 2010 coordenou a<br />
pesquisa e mapeamento das Comunidades Tradicionais de Terreiro<br />
na Região Metropolitana de Belém, através da Unesco. Como<br />
documentarista dirigiu, entre outros: Nos olhos de Mariquinha (codireção:<br />
Cláudia Mesquita, 2009), Um olhar sobre os quilombos<br />
no Brasil (co-direção Cida Reis, 2007); Aqui favela, o rap<br />
representa (co-direção Rodrigo Siqueira, 2003).<br />
/ Leonardo Sette<br />
Participou de oficinas na Escuela Internacional de Cine y Televisión<br />
(CUBA, 1999), La Fémis (Paris, 2003) e graduou-se em história<br />
do cinema na Sorbonne (2006). Desde 2002 vem participando<br />
intensamente do processo de oficinas do projeto Vídeo nas Aldeias,<br />
tendo contribuído na formação e nas produções de cineastas<br />
indígenas de diferentes povos amazônicos. Em 2008, dirigiu seu<br />
primeiro curta-metragem, Ocidente, que recebeu entre outros o<br />
prêmio de melhor filme do Festival Internacional de Curtas do Rio<br />
de Janeiro (Curtacinema).<br />
\ martha Zeladi mole<br />
Comunicadora e cineasta indígena moxeño trinitaria. É membro<br />
da Coordinadoria Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia<br />
CAIB e integrante da equipe responsável pelo Centro de Medios<br />
Comunitarios com sede na cidade de Trinidad, Beni (Amazônia<br />
boliviana), trabalho imbricado com o Sistema Plurinacional de<br />
Comunicação Indígena. Diretora da Rádio indígena Pedro Ignacio<br />
Muiba, entre 2009 e 2011.
maurício yekuana<br />
Maurício Ye’kuana nasceu em 1984 na aldeia de Fuduwaduinha,<br />
na região de Auaris, Terra Indígena Yanomami, no Estado de<br />
Roraima. Filho do atual vice-tuxaua de Fuduwaaduinha, Maurício<br />
vem desempenhando importante trabalho como Vice-Presidente da<br />
Hutukara Associação Yanomami para defesa dos direitos dos povos<br />
Yanomami e Ye’kuana. Maurício vive hoje em Boa Vista.<br />
\ paulo maia<br />
Etnólogo, professor de antropologia da Faculdade de Educação da<br />
UFMG, é coordenador do programa de extensão <strong>forumdoc</strong>.ufmg e<br />
da mostra/seminário “O animal e a câmera” do <strong>forumdoc</strong>.bh.2011.<br />
Membro fundador da associação Filmes de Quintal é curador e<br />
produtor do <strong>forumdoc</strong> desde 1997.<br />
/ patrícia moran<br />
Ensaísta, crítica de cinema, cineasta e videoartista, dirigiu o filme<br />
Plano-Sequência e o vídeo De Tonacci, dentre outros. É professora<br />
da ECA-USP e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.<br />
\ Renata otto Diniz<br />
Doutoranda pela UnB e mestre pelo Museu Nacional da UFRJ em<br />
antropologia social. Trabalha na Fundação Nacional do Índio com<br />
procedimentos de demarcação de terras indígenas. Realizou filmes<br />
documentários e etnográficos, entre os quais Concórdia de Dona<br />
Isabel e Birinaites sob o Viaduto. Integra a produção do <strong>forumdoc</strong>.<br />
bh desde a sua segunda edição. Junto a Isael e Suely Maxakali<br />
realizou em 2011 o filme Quando os Yãmiy vem dançar conosco,<br />
lançado no <strong>forumdoc</strong>.bh.2011.<br />
/ Renato Sztutman<br />
Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de<br />
São Paulo (USP). Desde 1995, é pesquisador do Núcleo de História<br />
Indígena e do Indigenismo NHII e do Grupo de Antropologia Visual<br />
GRAVI/LISA, ambos da USP. Foi um dos fundadores e co-editou,<br />
entre 1997 e 2007, a revista Sexta-Feira. Suas áreas de atuação<br />
são etnologia e história indígena (com foco no problema das<br />
cosmopolíticas ameríndias), teoria antropológica e antropologia<br />
& cinema.<br />
/ 199
200 \<br />
\ Ruben Caixeta de Queiroz<br />
Antropólogo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais,<br />
coordenador do Laboratório de Etnologia e do Filme Etnográfico.<br />
Realizador de documentários e co-editor da Devires - Revista de<br />
Cinema e Humanidades. Compõe a equipe de organização do<br />
<strong>forumdoc</strong>.bh, do qual é co-fundador.<br />
/ Suely maxakali<br />
Uma das lideranças indígenas da Aldeia Verde, participou dos<br />
projetos de formação em fotografia e realização audiovisual entre<br />
os maxakali.<br />
\ tânia Stolze Lima<br />
Etnóloga e professora associada do PPGA-Programa de Pós-<br />
Graduação de Antropologia e do Departamento de Antropologia da<br />
Universidade Federal Fluminense (UFF). Autora do livro Um peixe<br />
olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva (São Paulo/Rio de<br />
Janeiro: Editora da Unesp/ISA/NuTI. 2005).<br />
/ takumã Kuikuro<br />
Nascido em 1983, Takumã é o filho mais velho de Samuagü Kuikuro<br />
e Tapualu Kalapalo. Ele vive na aldeia de Ipatse, na Terra Indígena<br />
do Xingu, Estado de Mato Grosso. Realizador formado pelo VNA<br />
e integrante do Coletivo Kuikuro de Cinema. Seu filme As hiper<br />
mulheres foi premiado em importantes festivais brasileiros, como<br />
Festival de Cinema de Gramado e Festival de Cinema de Brasília de<br />
2011. Cursa cinema na Escola Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro.<br />
\ Uirá Felippe Garcia<br />
Doutor em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de<br />
São Paulo (2011). Desenvolve pesquisa etnográfica, com ênfase nas<br />
práticas de conhecimento sobre a caça, junto aos Awá-Guajá, grupo<br />
Tupi-Guarani do Maranhão.<br />
/ Vincent Carelli<br />
Indigenista e coordenador do Vídeo nas Aldeias. Realizador de<br />
vários filmes, finalizou em janeiro de 2009, Corumbiara, premiado<br />
em diversos festivais nacionais e internacionais.
\ mostra de extensão<br />
/ 201
202 \<br />
SERRa<br />
13/11 DomiNGo 19h<br />
Local: Bar do Zé Barriga – Rua Bandonion 487<br />
Próximo à Praça do Cardoso<br />
Roda<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’<br />
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira<br />
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges<br />
Som: Bruno Vasconcelos<br />
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira<br />
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia<br />
Contato: filmes@filmesdequintal.org.br<br />
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes<br />
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo<br />
Horizonte fazem roda.<br />
CoNCóRDia<br />
15/11 tERÇa-FEiRa 19h<br />
Local: Guarda de Moçambique e<br />
Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário<br />
Rua Jataí, 1309<br />
Roda<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’<br />
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira<br />
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges<br />
Som: Bruno Vasconcelos<br />
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira<br />
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia<br />
Contato: filmes@filmesdequintal.org.br<br />
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes<br />
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo<br />
Horizonte fazem roda.<br />
aGLomERaDo SaNta LÚCia<br />
18/11 SEXta-FEiRa<br />
15h Local: BH Cidadania – Rua São Tomás de Aquino 640
Roda<br />
/ Brasil \ 2011 / cor \ 72’<br />
Direção: Carla Maia, Raquel Junqueira<br />
Fotografia: Pedro Aspahan, Sérgio Borges<br />
Som: Bruno Vasconcelos<br />
Montagem: Bruno Vasconcelos, Raquel Junqueira<br />
Produção e pesquisa: Marcos Valério Menezes Maia<br />
Contato: filmes@filmesdequintal.org.br<br />
Entre sambas e memórias, compositores, intérpretes<br />
e instrumentistas da Velha Guarda do Samba de Belo<br />
Horizonte fazem roda.<br />
taQUaRiL<br />
27/11 DomiNGo<br />
19h30 Local: Rua Ramiro Siqueira<br />
(ao lado da academia do Montanha) – Taquaril A<br />
Lá do leste<br />
From over on the East Side<br />
/ Brasil \ 2010 / cor \ 28’<br />
Direção: Carolina Caffé e Rose Satiko Gitirana Hikiji<br />
Fotografia: Rafael Nobre<br />
Som: Tomires Ribeiro<br />
Montagem: Karine Binaux<br />
Produção: Paulo Dantas<br />
Contato: satiko@usp.br, lisa@usp.br<br />
Lá do Leste, do lugar onde a cidade termina (ou começa), chegam rimas,<br />
gestos e cores que marcam o espaço. A experiência periférica urbana é<br />
a base e o motivo da produção dos artistas de Cidade Tiradentes, que<br />
cresceram junto com o distrito paulista e em suas obras dialogam com<br />
seus desafios e sonhos. O filme segue a vida e as transformações do<br />
street dance, grafite e rap neste lugar considerado o maior complexo<br />
de conjuntos habitacionais populares da América Latina, marcado pela<br />
exclusão, no qual a população orquestra suas dificuldades com dinâmicas<br />
próprias de sociabilidade, moradia, e apropriação do território.<br />
/ 203
204 \
ensaios<br />
/ 205
206 \
\ Depoimento de uma guerra declarada 1<br />
/ Fernando Coni Campos<br />
Em 1968, o filme Viagem ao fim do mundo de Fernando<br />
Coni Campos, surpreendia por sua forma irreverente; em<br />
1977, Ladrões de cinema, do mesmo diretor, surpreendia por<br />
seu conteúdo estimulante alegórico, crítico-criativo. Dentro<br />
do cinema brasileiro, a posição de Fernando Campos é<br />
bastante singular: sem ter pertencido aos quadros do Cinema<br />
Novo, também não se ligou ao “cinema do lixo”, embora a<br />
proposta estética de Viagem absorvesse um determinado<br />
tipo de tropicalismo, diferente daquele que seria transado<br />
por Joaquim Pedro de Andrade em Macunaíma: o possível<br />
tropicalismo contido em Viagem incorporava elementos<br />
godardianos. Por tudo isso o depoimento de Fernando<br />
Campos - a seguir - parece-nos importante; suas palavras<br />
devem ser ,ouvidas com atenção: “O cinema brasileiro está<br />
sendo contestado pelos exibidores e distribuidores. O nosso<br />
mercado não é nosso. Temos que jazer o que os ‘HOME’<br />
quer. Somos todos marginais no nosso próprio país”.<br />
(Nota da Redação)<br />
Logo depois de ter conseguido terminar o filme Viagem a fim do mundo<br />
escrevi um roteiro que, muito mais que roteiro cinematográfico,<br />
já que dificilmente conseguiria produção para ele, e mesmo que<br />
conseguisse nunca conseguiria passá-lo nas duas censuras (a policial<br />
e a comercial), era um manifesto para uso interno, um plano piloto<br />
para futuras realizações. Tupy or not Tupy, era o seu título. O próprio<br />
título já denuncia as suas origens oswaldianas e antropofágicas<br />
Em 1971, em plena vigência do governo Médici, fui convidado para<br />
dirigir um musical com o cantor Jorge Ben. Apesar da dureza do<br />
regime ter atingido, nesse governo, o ponto mais agudo de repressão,<br />
1 Texto publicado em Revista de Cultura Vozes, v. 72, n. 6, p. 19-22, ago. 1978.<br />
/ 207
208 \<br />
vivíamos momentos de falsa euforia. O Brasil tinha conseguido no<br />
México o tricampeonato de futebol. A maciça propaganda da AERP<br />
tentava nos convencer que “Este é um país que vai pra frente”, do<br />
“Brasil Grande”, do “Ame-o ou deixe-o”. Ninguém conseguiria deter<br />
aquela corrente de noventa milhões dando as mãos. Enquanto isso,<br />
a imprensa estava arrolhada; as cadeias cheias, e nos porões das<br />
cadeias a tortura campeava solta. Mas tudo isso era subterrâneo.<br />
Na superfície, uma grande festa verde-amarela com um com<br />
um presidente que torcia pelo Flamengo e ia assistir os jogos no<br />
Maracanã com um radinho de pilha encostado ao ouvido, vibrando<br />
com o gooooooool e os sujeitos competentes. Jorge Ben nos<br />
garantia que vivíamos num país tropical, abençoado por Deus e feliz<br />
por natureza, que beleza! O enredo que me foi dado para filmar<br />
não refletia essa realidade “edênica”. Era um roteirinho que mais<br />
parecia um script de programa de TV. No entanto, a desorganização<br />
e as deficiências de produção impediam-me de executar o roteiro<br />
proposto e, para não parar o filme, eu era obrigado a fugir do roteiro<br />
e a improvisar. Na realidade, cada vez que eu improvisava estava era<br />
voltando para idéias e sequências do Tupy or not Tupy. Procurava<br />
enfatizar e caricaturar o neo ufanismo que estava nos sendo imposto<br />
e, assim, desmascará-lo. Naquela época, o cinema com preocupações<br />
políticas e sociais tinha se calado, ou, quando muito, refugiado-se<br />
nos subterrâneos do udigrudi. Nos nossos cinemas, apareciam as<br />
pornografias coloridas, as comédias de telefone branco do nosso<br />
fascismo tupiniquim.<br />
Uma nega chamada Teresa, era esse o nome do filme, foi totalmente<br />
remontado e desfigurado pela censura e pela produção. Não<br />
sobrou quase nada da minha versão original. <strong>Para</strong> o espectador<br />
que não soubesse da minha proposta, o filme não passava de um<br />
verdadeiro vexame. Silenciei-me durante cinco anos realizando<br />
tarefas burocráticas. Enquanto isso, amadurecia um projeto que
me era muito caro: a história dos Ladrões de cinema. Em 1976,<br />
surgiu a oportunidade de produção para esse filme. Ainda não eram<br />
as condições ideais que eu desejara, depois de tantas frustrações<br />
em que a má produção refletia-se na realização criando enorme<br />
defasagem entre a concepção e a realização, mas era, pelo menos,<br />
uma produção que se afigurava decente.<br />
Na manhã de domingo de carnaval de 1976, em plena avenida Rio<br />
Branco, rodei a primeira seqüência do filme. Ao ver David Zing, Mário<br />
Carneiro, Ana Maria Nascimento Silva e Ney Santana representando<br />
uma equipe de americanos que documentava o carnaval serem<br />
cercados por um grupo de crioulos fantasiados de índios, a impressão<br />
que tive é que estava não no asfalto da avenida, mas quase à foz<br />
do rio Coruripe com os índios caetés cercando, massacrando e<br />
devorando o bispo Pero Vaz Sardinha. Era o dia 1 do ano 1 da era da<br />
deglutição. Esse sentimento, impressão, dominou todo o filme e me<br />
levou, a mim e ao filme às suas origens: Tupy or not Tupy.<br />
Ladrões de cinema tinha que ser uma experiência radical mas, ao<br />
mesmo tempo, uma proposta contraditória. A contradição estava<br />
em que o filme tinha que assumir a sua condição de marginal -<br />
marginal com a conotação de o que está à margem da lei, mas não<br />
deveria ser marginal na acepção udigrudiana que a palavra ganhou.<br />
Não teria de ser um filme maldito, com a implicação romântica de<br />
artista maldito, mas popular onde a sua marginalidade residisse na<br />
sua criminalidade. Inicia-se um longo processo de desaprendizagem.<br />
Não deveria haver distâncias entre o realizador do filme e Luquinha<br />
e Fuleiro, realizadores do filme-enredo Tiradentes. Toda a postura,<br />
todo o enfoque tinha de ser tão preciso e exato que fizesse com que<br />
as pessoas tomassem alguma providência depois de vê-lo. Se isto<br />
não fosse alcançado, a câmera e o próprio cinema tinham que ser<br />
jogados fora como coisas inúteis e enganadoras.<br />
/ 209
210 \<br />
Lembrava-me de uma história acontecida no sanatório do Engenho<br />
de Dentro quando a Dra. Nise da Silveira reuniu alguns artistas<br />
para fundar com ela o setor de laborterapía no sanatório. Pincéis,<br />
tintas e telas foram distribuídos entre os “doentes”. Coisas muito<br />
bonitas surgiram pintadas pelos Rafaéis, os Egídios, os Fernandos<br />
Dinis, pelos reis Zulus. Um deles pintou um quadro terrível que<br />
denunciava todos os absurdos do pátio do sanatório. Os quadros<br />
foram expostos, críticos sobre eles escreveram. Um sucesso. No<br />
embargo, todavia, senão, no entanto, entretanto, mas o homem que<br />
tinha pintado o Pátio quebrou os pincéis, jogou fora as tintas, rasgou<br />
papéis e telas em branco. Fechou-se. Por quê? Perguntavam todos. Ele<br />
não respondia. Uma hora, depois de muito ser chateado respondeu: -<br />
“Pintar pra quê? Eu pintei aquele pátio e ninguém tomou providência”.<br />
No momento há uma guerra declarada. Valenti a deflagrou. O cinema<br />
brasileiro está sendo contestado pelos exibidores e distribuidores. O<br />
nosso mercado não é nosso. Temos que fazer o que os “HOME” quer.<br />
Somos todos marginais no nosso próprio país. Só resta ao Fuleiro e<br />
ao Luquinha levantarem os braços algemados e os perdigões da vida,<br />
numa atitude augusta, paternalmente chamá-los de doces ladrões.<br />
Ao longe ouve-se a voz de Cauby - que nos states poderia virar uma<br />
vaca que no lugar de leite produz mel - cantando:<br />
Conceição, eu me lembro muito bem<br />
Vivia no morro a sonhar,<br />
Com coisas que o morro não tem ...
\ Ladrões de cinema<br />
/ Fernando Coni Campos<br />
Nunca gostei da fábula da cigarra e da formiga. A sua moral sempre<br />
me pareceu, além de reacionária, profundamente injusta. Mas<br />
conversando com Fúlvio Abramo, que sabe quase tudo sobre plantas<br />
e bichos, vim a saber que La Fontaine não entendia nada de formigas<br />
e muito menos de cigarra. A cigarra não é de maneira alguma a<br />
frívola “porra louca” que canta no verão e que precisa pedir abrigo<br />
à formiga no inverno. <strong>Para</strong> ela, simplesmente, não existe inverno.<br />
Cantar é uma determinação das poucas horas de vida que a cigarra<br />
tem ao ar livre. <strong>Para</strong> que haja esse canto de verão, foi necessário que<br />
a cigarra passasse debaixo da terra sete longos anos. Este longo<br />
período underground é a gestação do canto.<br />
Mas porque estou eu aqui a falar de cigarras e a malhar La Fontaine,<br />
quando o que me pediram foi um texto sobre Ladrões de cinema?<br />
Talvez porque foram precisos oito longos anos para realizar este<br />
filme e até esta realização o escuro, o subterrâneo, o underground,<br />
que chegou a parecer-me o meu país, que virou udigrudi onde estão<br />
até hoje meus amigos Rogério Sganzerla e Julinho Bressane.<br />
Há muitos anos, morei na rua Saint Roman. Lá tinha uma empregada<br />
que morava no morro do Pavãozinho. Chamava-se Natalina e era a<br />
mais carnavalesca das pessoas. Infelizmente, para ela, programava<br />
mal os seus impulsos amorosos e sempre estava nos meses de<br />
janeiro e fevereiro com um barrigão de oito ou nove meses. Invejava<br />
a sabedoria de sua mãe, que sempre conseguia ter filhos na época<br />
do Natal - “Daí o meu nome Natalina”. O que não impedia que, com<br />
barrigão e tudo, ela desfilasse na avenida no bloco do Pavãozinho.<br />
Pois bem, certa vez ela convidou a mim e a Talula para membros do<br />
júri que ia escolher o samba-enredo do bloco. Naturalmente era um<br />
/ 211
212 \<br />
tema histórico. Naquela noite senti vontade de fazer um filme sobre<br />
um episódio da história do Brasil visto pela ótica de um sambista<br />
de escola de samba. As cores do bloco do Pavãozinho são verde<br />
e branco e estas cores me remetiam ao Império Serrano, ao Mano<br />
Décio, a Tiradentes.<br />
“Joaquim José da Silva Xavier”.<br />
Eu tinha que fazer esse filme. Precisava entrar em sincronismo comigo<br />
mesmo. Sempre houve uma enorme defasagem entre a ideação<br />
e a realização. A impressão que eu tive quando vi o filme pronto<br />
era a de que eu tinha realizado o meu primeiro longa-metragem,<br />
longuíssima- metragem com dez anos de duração. E tudo que tinha<br />
feito eram seqüências desse filme. Eu sempre fui muito acusado de<br />
fazer um cinema muito difícil, muito intelectualizado. Quando eu era<br />
muito jovem tive que decidir entre duas coisas que me atraem muito:<br />
artes plásticas e poesia. Fiz a Escola de Belas Artes, artesanato e<br />
poesia ao mesmo tempo. E cinema para mim foi uma tentativa de<br />
conciliar a coisa plástica e a coisa verbal, a palavra. Eu amo a palavra.<br />
Se o cinema continuasse mudo eu não faria cinema. O cinema para<br />
mim era a possibilidade de juntar duas coisas que eu gosto. A minha<br />
formação intelectual é meio sofisticada. Tive formação católica. Com<br />
18 anos passei para o outro lado, tornei-me trotskista. Naquela<br />
época, Trotsky era palavrão. Desenvolvi o amor pelo real e não pela<br />
ideologia. Se me perguntassem o que é que eu odeio, eu diria que<br />
odeio as ideologias e as generalizações. Então os meus trabalhos<br />
sempre refletiram essa briga. O Novais Teixeira brincava comigo<br />
dizendo que eu era um anarquista católico e eu dizia que era o<br />
contrário, um católico anarquista. Um católico que tem uma certa<br />
nostalgia da desordem. Essas coisas sempre se fundiram em tudo<br />
que eu fiz. Além disso eu sou baiano, profundamente baiano.<br />
Na Bahia nasceu Castro Alves, mas também nasceu Junqueira Freire.
Castro Alves socialmente é de uma importância incrível. Defendeu<br />
os escravos. Mas os escravos de Castro Alves têm o cabelo liso.<br />
Castro Alves fala em gondoleiro, e por sinal, eu fiz questão de usar<br />
no filme um poema de Castro Alves musicado, “O gondoleiro”. Mas já<br />
Junqueira Freire fala em saveiro. Junqueira dizia: “canto o povo, me<br />
disseram, canto sim, disse eu. O instinto do povo eu tenho. Eu tenho<br />
o sangue plebeu.” Tudo isso era uma mixórdia, uma bagunça total.<br />
Ladrões de cinema me lembra muito um artigo de Eliot, em que ele<br />
fazia uma comparação entre uma peça de Shakespeare e uma peça<br />
moderna. Ele figurava isso e dizia que uma peça de Shakespeare<br />
tinha sempre uma forma piramidal ou cônica, ao passo que uma peça<br />
moderna é sempre um paralelepípedo ou um cubo. E à medida que<br />
você faz um corte mais em baixo ou mais em cima você tem sempre<br />
figuras repetidas. Até mesmo na obra dele, Eliot, em “A morte na<br />
catedral”, por exemplo, todas as faixas são as mesmas faixas. Já em<br />
“Romeu e Julieta” é diferente. Se você fizer um corte por baixo, você<br />
tem uma história melodramática, que atinge um público de base. Se<br />
corta um pouco mais acima, e aí é pirâmide ou cone,você já tem um<br />
estudo da sociedade mercantilista. Se fizer um corte um pouco mais<br />
em cima ainda, você já tem um estudo sobre as paixões humanas.<br />
Um corte mais em cima ainda, você chega ao domínio da palavra.<br />
Ela pega de cima a baixo vários tipos de público. Isso foi uma coisa<br />
que sempre me impressionou. E há exatamente 12 anos eu venho<br />
tentando fazer um filme. E agora eu acho que consegui fazer o meu<br />
primeiro filme. Tudo que eu fiz antes foi um ensaio.<br />
O filme é uma estrutura aberta. Mas sempre me chateou muito a<br />
palavra diretor. A língua italiana é a única que tem uma palavra que<br />
se aproxima um pouco - regente. Então, eu tinha a ideia do filme, e<br />
por acaso não houve nenhuma discrepância entre a ideia e o filme<br />
realizado. Mas era um filme muito complexo em termos de gente,<br />
/ 213
214 \<br />
de pessoas. Eu tinha ator como o diabo. O que eu tinha pela frente<br />
não era mole. Eu tinha uma coisa muito fechada, um enredo, e uma<br />
liberdade total de realização. Então eu imaginei um negócio louco,<br />
commedia dell’arte, jazz, improviso, desafio, partido alto. E tudo que<br />
mencionei são estruturas abertas. É claro que eu sabia com quem ia<br />
trabalhar. Acho que o lugar de trabalhar não é no set de filmagem. É<br />
antes, muito antes. Eu tenho que saber quem são as pessoas. Então,<br />
quando eu pego um músico popular, o Mano Décio da Viola, eu vejo<br />
uma identificação precisa com o projeto do filme.<br />
Aliás, deu-se um fato muito curioso. No roteiro que eu tinha escrito há<br />
oito anos, havia dois diretores do filme feito na favela, o Luquinha e<br />
o Fuleiro. Luquinha, que é vivido no filme por Milton Gonçalves, era o<br />
cara que curtia a palavra, o negócio mais intelectualizado. E Luquinha<br />
era Luc, Jean-Luc (Godard), e Lucchino (Visconti). Deu Luquinha. E o<br />
Fuleiro, Samuel Fuleiro, vivido por Antonio Pitanga, era o oposto.<br />
Tinha que partir para a ação, que é Samuel Fuller. A primeira vez<br />
que estive com Mano Décio da Viola, ele me deu parabéns e disse:<br />
“puxa vida, o senhor está homenageando o meu compadre Fuleiro,<br />
o fundador do Império Serrano”. Aí eu descobri que havia um Fuleiro<br />
que era fundador de escola de samba. A tranqüilidade com que<br />
Mano Décio musicou os poemas de Castro Alves, era como se fosse a<br />
comissão de frente. Castro Alves, Gonzaga e Alvarenga desfilando na<br />
comissão de frente. Mas aí deu-se um negócio interessante. Entre a<br />
erudição e a cultura meu coração balança. E às vezes eu não acredito<br />
muito nisso, não. Precisava chamar algum erudito para dizer se eu<br />
estava certo ou não. Se inspiração é aquilo que o compositor popular<br />
sente quando ouve uma música erudita, eu apelei para o meu<br />
amigo J. Lins, que é um compositor erudito, a fim de dar o toque<br />
definitivo. Foi assim, mais ou menos, que se aglutinaram em torno<br />
do filme todas as pessoas. Eu quase não dirigi esse filme no sentido<br />
tradicional. Porque eu acho que você só sente qualquer coisa quando
ela não funciona. Você só sente que tem coração quando você tem<br />
uma taquicardia. Tudo no filme correu assim. Eu e o Sergio Sanz, por<br />
exemplo, quase não falamos. Quando eu pensava uma posição da<br />
câmera, ela já estava no lugar. <strong>Para</strong> mim a grande coisa do trabalho<br />
é uma volta ao paraíso, quando o trabalho não custava suor, era uma<br />
coisa lúdica. E esse filme para mim foi uma festa. Só isso.<br />
/ 215
216 \<br />
\ Viagem ao fim do mundo 1<br />
/ Jean-Claude Bernardet<br />
Luis Abramo e Patrícia Moran trabalham sobre a obra do pai de Luis:<br />
Fernando Coni Campos. Me procuraram. Meu contato com FCC foi<br />
breve, se deu principalmente durante a filmagem de Ladrões de<br />
cinema. Pedi que, antes do nosso encontro, me mandassem um<br />
DVD de Viagem ao fim do mundo, filme de FCC de que guardei uma<br />
excelente memória.<br />
Hoje tenho certeza de que, quando vi o filme pela primeira vez,<br />
percebi que não havia nada semelhante no panorama cinematográfico<br />
brasileiro, que ele abria perspectivas em direção ao cinema-ensaio,<br />
à possibilidade de elaborar ensaios em filmes, que o pensamento no<br />
cinema não precisava se ater à ficção, que o pensamento no cinema<br />
podia recorrer à ficção, entre outros instrumentos.<br />
Quando revi o filme neste mês de junho de 2011, fiquei petrificado:<br />
como era possível que eu não tivesse escrito sobre esse filme? Tentei<br />
recompor as circunstâncias da época: - vi o filme pouco depois de<br />
sua realização, mas quando? 1968? Antes ou depois do AI 5?<br />
- ainda escrevíamos Paulo Emilio Salles Gomes e eu no jornal A Gazeta,<br />
ou já tínhamos sido expulsos? N’A Gazeta publiquei cinco crônicas<br />
sobre Bressane. No júri do festival de Brasília de 1968, batalhei até<br />
O Bandido da luz vermelha conseguir o prêmio. No jornal Opinião,<br />
escrevi sobre Triste trópico de Artur Omar, batalhei pelo filme. Eu<br />
batalhava pelos filmes que me pareciam renovadores. Por que não<br />
aconteceu com Viagem?<br />
Teria assistido a Viagem ao fim antes do início de Opinião (novembro<br />
1 Texto originalmente publicado no blog http://jcbernardet.blog.uol.com.br/ em 22/06/11. Consulta<br />
realizada em 17/10/11.
de 1972)? Teria assistido logo depois do AI 5, quando minha situação<br />
ficou particularmente difícil?<br />
Não consigo reconstituir as circunstâncias mas um fato é certo: sobre<br />
esse filme eu não escrevi, e isso eu preciso entender, pois Viagem é<br />
exatamente o tipo de filmes pelos quais batalhei. Revendo-o, senti<br />
um enorme buraco na minha carreira de crítico por não ter escrito e<br />
por não ter participado da sua carreira.<br />
Quando Luis e Patrícia chegaram, eu lhes disse que eu queria falar<br />
desse enorme buraco. Esse filme foi esquecido e eu contribui para<br />
isso, embora o tenha amado quando o vi e tenha percebido nele<br />
um desabrochar futuro. Como é possível que o filme tenha caído no<br />
esquecimento? Como é possível que, quando dei um curso sobre cinema-ensaio<br />
em Porto Alegre, eu não o tenha incluído na programação?<br />
Não havia cópia? Então o citasse como um pioneiro do ensaio<br />
cinematográfico na filmografia brasileira. Nem isso. Como explicar?<br />
Sem dúvida as circunstâncias foram adversas. Mas eu teria encontrado<br />
um meio de fazer ecoar esse filme. Um temor me perturba, 43-44<br />
anos depois: o motivo profundo pelo qual silenciei sobre Viagem ao<br />
fim do mundo. Silenciei não por causa das adversidades, mas por<br />
causa da sua importante vertente religiosa. Não há outra explicação<br />
aceitável.<br />
O pensamento inquieto de Simone Weil não me era de todo desconhecido.<br />
Nem a sua ida à fábrica. Nem o catolicismo operário. A fé<br />
angustiada e em dúvida, embora eu não fosse religioso, não me era<br />
totalmente estranha. Pascal era um dos autores do século XVII que<br />
eu mais tinha lido e com mais paixão. O poema de Aragon “Rien n’est<br />
jamais acquis à l’homme”, eu o sabia de cor. Então por quê? Por que<br />
eu era um crítico de esquerda, na militância contra a ditadura, num<br />
meio cinematográfico e intelectual em que a religião era o ópio do<br />
/ 217
218 \<br />
povo, o que afirmaram vários filmes dos anos 60, numa década em<br />
que não demos a devida atenção ao filme do Vaticano II (O pagador<br />
de promessas). A revirada religiosa do cinema brasileiro se daria nos<br />
anos 70 com Iaô de Geraldo Sarno, O amuleto de Ogum de Nelson<br />
Pereira dos Santos e Anchieta José do Brasil de Paulo César Saraceni.<br />
Não vejo outro motivo consistente para ter relegado o filme ao<br />
esquecimento, ao meu esquecimento, senão a incapacidade em<br />
que eu estive de assimilar a sua angústia religiosa. E com isso<br />
ter ignorado toda a sua potencialidade estética. Pior do que isso:<br />
não ignorei, pois me lembro de ter percebido essa potencialidade,<br />
simplesmente a rejeitei e tranquei o filme a sete chaves por causa da<br />
sua religiosidade.<br />
Revendo Viagem ao fim do mundo, percebi uma falha grave na minha<br />
carreira e me senti culpado. Hoje quero colaborar para a reabilitação<br />
do filme de FCC.
\ Ladrões de cinema, ou: quem faz a história? 1<br />
/ Jean-Claude Bernardet e Alcides Freire Ramos<br />
O filme de Fernando Coni Campos, realizado em 1977, narra a<br />
história de um grupo de favelados que, após roubar uma câmera,<br />
faz um filme sobre a Inconfidência Mineira.<br />
A quebra da representação naturalista deste filme é bastante óbvia,<br />
já que o diretor teve o trabalho de filmar o próprio ato de representar,<br />
produzir a história. Além disso, há uma série de momentos em que<br />
se rompe com o naturalismo ao nível da construção do espaço. Um<br />
bom exemplo disso é a cena na qual Marília declama tendo como<br />
pano de fundo carros passando numa avenida do Rio de Janeiro.<br />
Se comparado com Os Inconfidentes, o processo de heroificação<br />
utilizado em Ladrões de cinema não é tão diferente, se bem que<br />
este filme se apresente como uma espécie de resposta ao filme de<br />
Joaquim Pedro de Andrade. Isto porque Coni Campos insistiu sobre<br />
o fato de que quis preservar o herói e afirmar que, embora goste de<br />
Os Inconfidentes, o tom crítico o irrita.<br />
Tiradentes, em Ladrões de cinema é, indiscutivelmente, portador<br />
de uma mensagem popular. O que fixa mesmo a sua imagem é o<br />
monólogo das duas Bárbaras (o diretor, num recurso estilístico,<br />
desdobrou a personagem Bárbara Heliodora em duas) que, em<br />
oposição aos letrados, colocam-no como um revolucionário autêntico<br />
e popular. Tiradentes afirma-se é no interrogatório e na forca.<br />
Coni Campos conservou a mesma interpretação dos letrados (tal<br />
como em Os Inconfidentes): são vazios, covardes e traidores. O<br />
longo monólogo das duas Bárbaras os apresenta como sibaritas<br />
1 Texto publicado em BERNARDET, Jean-Claude e RAMOS, Alcides Freire. “Cinema e História do Brasil”.<br />
São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988.<br />
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220 \<br />
(pessoas com desejo imoderado de luxo e prazeres). Esta visão dos<br />
inconfidentes intelectuais como falsos revolucionários - que não<br />
ultrapassaram o nível da intriga palaciana - não é uma constante na<br />
arte brasileira.<br />
A heroicidade opõe Tiradentes aos outros personagens do drama.<br />
É sempre ele e os outros, ou eles e o outro, o que se reflete na<br />
construção de vários filmes. Ladrões de cinema não foge à regra.<br />
Uma figura só atinge o status de herói e de mito quando perde<br />
a sua dimensão histórica, para se tornar um modelo ideal. Neste<br />
caso específico, ideal de independência, liberdade e nacionalidade.<br />
A mi(s)tificação de Tiradentes efetua-se pelo, digamos, complexo<br />
crístico que fazem pesar sobre seus ombros. Os cabelos compridos,<br />
em geral a barba, a túnica branca, bem como o fato de perdoar<br />
o carrasco, aproximam-no do Cristo do Calvário, o que fica claro<br />
em diversos filmes: O Mártir da Independência, A Inconfidência<br />
Mineira de Carmem Santos e Ladrões de cinema. E é, provavelmente,<br />
esta imagem (cabelo, barba e túnica) que apresentava o filme de<br />
Paulo Aliano, Tiradentes (1917), a julgar pela fotografia publicada<br />
em O Estado de São Paulo (13/12/1917). A cabeça de Tiradentes,<br />
esquartejado no painel de Portinari, assemelha-se ao Cristo do<br />
Sudário. Coni Campos lembrou que.o ator que interpreta Tiradentes<br />
no seu filme chama-se Jesus e afirmou ter sido este um dos motivos<br />
que o levou a escolhê-lo para representar o papel.<br />
No trabalho de Coni Campos, o filme sobre Tiradentes está sendo<br />
feito por cineastas da favela, que são negros. Muitos atores são<br />
negros, ou mulatos, interpretando personagens brancos, e o filme<br />
preocupa-se com a cultura negra. Por que então o personagem<br />
positivo do filme é branco? Explicou Coni Campos que ele pensou<br />
na possibilidade de colocar um ator negro no papel de Tiradentes,<br />
mas não quis tocar no Tiradentes, justamente para preservar o mito.
Quanto a fazer um Tiradentes negro, então Coni Campos preferiria<br />
fazer Zumbi.<br />
Portanto, quer se trate de Os Inconfidentes quer se trate de Ladrões<br />
de cinema mantém-se uma oposição entre ele (Tiradentes) e os outros<br />
(Cláudio, Alvarenga e Gonzaga). Esta oposição não se dá apenas ao<br />
nível do tratamento dos personagens e dos atores, mas ao nível<br />
mesmo da própria construção dramática. E isto é reforçado pelo fato<br />
de que Tiradentes é sempre tratado com seriedade - quando não<br />
com gravidade -, ao passo que os outros são tratados ironicamente<br />
ou, às vezes, num tom de farsa.<br />
Discutindo a produção da história<br />
Qual a classe social que produz o discurso histórico apresentado<br />
pelo filme? Em Ladrões de cinema, quem produz o filme sobre<br />
Tiradentes são os cineastas da favela. Coni Campos coloca, portanto,<br />
o problema da elaboração da história pelo povo. Esta elaboração<br />
está ligada à questão dos meios de produção artística, um dos temas<br />
fundamentais do filme<br />
O roubo ou desapropriação da câmera que passa das mãos dos<br />
turistas americanos às mãos dos favelados, muda o foco da produção<br />
da história. Como os favelados não possuem uma bagagem cultural<br />
que lhes possibilite fazer o filme, procuram uma bibliografia. Esta<br />
representa a história produzida pela classe dominante e à qual os<br />
favelados têm acesso com dificuldade: é daí que eles vão tirar a SUA<br />
história. Coni Campos insistiu sobre este ponto: dessa história, o<br />
povo sabe tirar o que lhe interessa e deixar o resto.<br />
Verificamos entre Ladrões de cinema e os outros filmes algumas<br />
diferenças sensíveis. Esse é o único filme em que o programa de ação<br />
dos inconfidentes é citado, nele a preocupação com a escravidão é mais<br />
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222 \<br />
desenvolvida, a ponto de, no monólogo final, Tiradentes apresentar<br />
todos os colonizados como escravos que querem se libertar. No<br />
entanto, reencontramos os pontos básicos da interpretação de<br />
Tiradentes apresentados pelos outros filmes. Tiradentes é herói.<br />
Ele se opõe aos outros conjurados e é herói “popular”. É o herói da<br />
independência e da nacionalidade que se impõe, definitivamente, no<br />
processo e no martírio. Ele apresenta traços que lembram a figura de<br />
Cristo, etc. Disto se extrai a indagação: que reavaliação de Tiradentes<br />
o ponto de vista “popular” trouxe - conforme a proposta do filme -<br />
sobre a história? Este ponto de vista não alterou estruturalmente a<br />
interpretação de Tiradentes. Pode-se concluir, então, que os outros<br />
cineastas - e, talvez, particularmente Joaquim Pedro de Andrade -<br />
apresentaram de Tiradentes uma interpretação tão “popular”, quanto<br />
os cineastas da favela, o problema dos meios de produção não se<br />
tornaria, assim, tão relevante para a questão de uma produção<br />
“popular” da história.<br />
Esta abordagem “popular” que o filme propõe só adquire algum<br />
sentido quando contraposta à visão factual da história. No filme,<br />
para caracterizar este tipo de história, Coni Campos utilizou-se<br />
de um programa de televisão tipo “O céu é o limite”, em que as<br />
perguntas a Tiradentes são inócuas, detendo-se em pormenores<br />
totalmente irrelevantes.
04 de dezembro de 1969<br />
\ Viagem ao fim do mundo 1<br />
/ Jairo Ferreira<br />
Entre a palavra e o ato desce a sombra. O objeto identificado. O<br />
encoberto, o disco voador. A semente astral. A morte é a única<br />
liberdade. A única herança deixada pelo Deus desconhecido. O<br />
encoberto. O objeto semi-identificado. O desobjeto. O deus-objeto. Digo<br />
eu: o Deus de consumo. O grifo é um fragmento de uma das últimas<br />
músicas de Gilberto Gil. Poderia se inserir em qualquer momento<br />
de Viagem ao fim do mundo (cartaz do Gazetinha), um dos grandes<br />
filmes do ano. Se a música é basicamente som, em Objeto semiidentificado<br />
a palavra perturba e o som se liberta. Coisa idêntica<br />
acontece nesse filme de Fernando Campos: o cinema falado é o<br />
grande culpado da transformação, dizia Noel. Trata-se de escapar<br />
da redundância: inventar, mesmo que para isso a música passe a<br />
ser jornal falado, o cinema se transforme em “livro aberto”, leitura<br />
delirante interrompida por um pesadelo visual. A II Guerra foi<br />
aquela catástrofe, uma explosão de novas informações em todos os<br />
campos, em particular no cinema. A bomba que está para explodir<br />
na praça é uma questão de linguagem, uma realidade, um signo<br />
visual e, mesmo que o botão não seja acionado, o mito que é o<br />
homem médio do século XX é portador de uma neurose cósmica.<br />
Gil: “a cultura, a civilização, só me interessa enquanto sirvam de<br />
alimento: informação, a loucura, os óculos, a pasta de dentes, a<br />
diferença entre o três e o sete”. E por que não?: a maconha, o LSD.<br />
Nixon, massacre não revelado no Vietnã, Marighela fedendo no<br />
cemitério, o milésimo gol de Pelé, o minicassete, o Volks-Millôr, as<br />
1 Texto originalmente publicado em GAMO, Alessandro. “Crítica de Invenção, os anos do São Paulo<br />
Shimbum”. São Paulo, Imprensa Oficial: 2010. Disponível para consulta – e download – em http://<br />
aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.813.168/12.0.813.168.pdf<br />
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224 \<br />
manchetes de Notícias Populares, Okinawa, Tupamaros, Fellini, um<br />
fígado espremido entre a platéia de um teatro, o foguete RD-107, o<br />
estimulante de 10 centavos, o consumismo maciço, a morte maciça,<br />
e o que mais queiram ou não.<br />
Viagem ao Fim do Mundo sobrevoa o câncer, se é que tudo isso é<br />
um câncer, e, para fundir cucas mil, seu maior defeito é o próprio<br />
espectador. Nesse painel de realidade que já não cabe na realidade, a<br />
arte deixa de ser arte nova, revela sua face oculta. Fernando Campos<br />
partiu de um escritor de século passado, Machado de Assis, para<br />
divagar fatos do século 20, um erro fundamental, responsável pela<br />
chatura dos comentários literários. Cita Elliot, Chesterton, e ignora<br />
Axelos ou Norman Brown, que são do século 20. A visão desse baiano<br />
ainda é deslumbrada, antimaldita. Não há dúvida: é um dos filmes<br />
mais corajosos, e de mais substância cultural já visto no cinema<br />
nacional, mas estaciona na qualidade de painel, sem propulsionar<br />
qualquer desconexão evolutiva na linguagem. Lançar informação de<br />
primeiro grau não é apenas grudar fragmentos de documentários<br />
“chocantes”: inovar mesmo seria concatenar coisa com coisa,<br />
engrenar o desengrenado, organizar a linguagem da desordem para<br />
apresentar a organização tal qual é. Campos se propõe essa tarefa<br />
dificílima, mas para atingi-la faltou-lhe a garra dos grandes gênios do<br />
cinema, e o trabalho fica pela metade. Rogério Sganzerla pode não<br />
se meter num emaranhado de fatos como esse, mas suas desordens<br />
de menor proporção são alinhavadas com planos, enquadramentos<br />
e cortes muito mais cinematográficos, onde fica patente um amor<br />
pela linguagem, um talento cinematográfico deflagrador que não se<br />
encontra presente em Fernando Campos.<br />
Evidente: um experimento é um fato consumado. Fim do mundo<br />
tem todas as maiores dicas do cinema brasileiro: Soy Loco por<br />
ti América e mísseis caindo, Cuba é um câncer?, o câncer é uma
epública independente dentro do organismo, mas qual o sentimento<br />
continental do corpo? Terra é sempre Terra, Pandora (Anik Malvil)<br />
ou o mais belo nu do cinema nacional, o homem que sabe que vai<br />
morrer, e o que importa o filme?, a Terra some no cinema, que<br />
some no Cosmos, que some – ou apenas esse espetáculo é mais um<br />
capítulo da novela Deus e o diabo, etc.<br />
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226 \<br />
\ Ladrão que rouba ladrão tem cem<br />
anos de perdão 1<br />
/ José Carlos Avellar<br />
Com certa freqüência Ladrões de cinema corta a linha central de sua<br />
narrativa para encaixar ligeiros entreatos, para fazer uma sátira às<br />
condições particulares do cinema brasileiro.<br />
Além da cena de abertura (um bloco fantasiado de índios rouba a<br />
câmera e o gravador de uma equipe de americanos que filmava o<br />
carnaval na avenida) e da cena final (os ladrões, algemados saltam<br />
de um carro da polícia para a festiva sessão de estréia do filme com<br />
o equipamento roubado) existem várias outras anotações ao correr<br />
da história.<br />
Há por exemplo, o trecho em que o assistente de direção acompanha<br />
a filmagem de uma cena com o roteiro na mão para recitar, a meia<br />
voz, os diálogos que os atores devem repetir diante da câmera. Ou<br />
o trecho em que o mesmo assistente comanda a movimentação<br />
dos intérpretes, dizendo quando eles devem entrar ou sair de cena,<br />
caminhar para a direita ou esquerda do quadro.<br />
Há, outro exemplo, a cena interrompida por um ator que, meio<br />
zangado, entra de surpresa no palco e avança na direção da camara<br />
para perguntar ao diretor por que motivo ainda não aparecera no<br />
filme. E uma outra cena interrompida por um marido ciumento, que<br />
não resiste ao ver a mulher interpretar a mocinha abraçada e beijada<br />
pelo mocinho, e invade o plano para tirar a mulher da história.<br />
Existem também os incidentes em torno das dificuldades para<br />
conseguir negativo para filmagem e o desespero do diretor, que dá<br />
cabeçadas na parede e pede melhores condições para poder criar, e<br />
1 Texto originalmente publicado no Jornal do Brasil, 1977.
a amargura do artista incompreendido, Rui Zebra, que atravessa a<br />
história abraçado a um roteiro, “O homem do surdo”, que ninguém<br />
deseja financiar.<br />
E ainda mais importante do que qualquer destas situações em<br />
particular, existe um permanente clima de informalidade, de<br />
improvisação, de coisa feita sem planejamento algum e que só<br />
ganha estrutura e forma por mero acaso. Mais importante porque<br />
esse clima representa com perfeição a imagem que a maioria das<br />
pessoas tem do cinema brasileiro desde o dia em que ele proclamou<br />
que a sua existência dependia só de uma idéia na cabeça e de uma<br />
câmera na mão.<br />
Esse clima de coisa desorganizada, resolvida em cima da hora, sem<br />
aquele, digamos assim, rigoroso planejamento que precede a criação<br />
artística que se pretende séria, aparece traduzido com maior clareza<br />
em duas cenas do começo do filme: a súbita decisão de encaixar<br />
uma homenagem aos gringos pelo Bicentenário da Independência<br />
e a apresentação dos atores escolhidos para viver as diversas<br />
personagens da história a ser filmada.<br />
O que verdadeiramente importa, em Ladrões de cinema, é mostrar a<br />
história de Tiradentes encenada em uma favela do Rio, nos caminhos<br />
irregulares e estreitos entre duas filas de barracos, diante do boteco,<br />
no campo de terra aberto para uma pelada, na quadra de ensaios da<br />
escola de samba, ou nos cantos mais sujos do morro, nas valas, na<br />
lama e no lixo, que se entulha por baixo dos barracos.<br />
O que importa, mesmo, é mostrar a história de Tiradentes com os<br />
atores vestindo as fantasias de um desfile de escola de samba. É<br />
mostrar a história de Tiradentes representada por pessoas que nunca<br />
interpretaram antes, e que vivem ali, na favela que serve de cenário,<br />
ou representada por atores que guardem no estilo de interpretação<br />
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228 \<br />
algo da real precariedade e improvisação do cenário: barracos de<br />
madeira e de alguns tijolos descobertos, e mais a lama, o mato, o<br />
chão irregular e sujo, e uns poucos degraus de cimento para tornar<br />
a subida menos penosa.<br />
Nesse filme as relações tradicionais entre o cenário e os personagens<br />
se encontram invertidas. Quase sempre, no cinema, o cenário é<br />
montado para servir ao movimento dos personagens, para tornar<br />
mais clara a ação, para dar apoio às coisas que os personagens<br />
dizem e fazem diante da camara. Aqui, ao contrario, as ações e os<br />
diálogos são montados para tornar o cenário mais visível e o real<br />
ponto de partida parece ter sido o cenário, a favela, e não a história<br />
jogada sobre esse cenário.<br />
Muitas cenas são valorizadas por sinais do mundo real, que se<br />
infiltram no meio da representação quase por acidente, às vezes são<br />
pessoas que atravessam a imagem por trás dos atores que dialogam<br />
em primeiro plano, ou que arriscam um olhar e um sorriso para a<br />
câmera, esticando a cabeça por trás de uma janela ou de uma porta<br />
entreaberta. Às vezes são detalhes dos objetos de cena, o desenho<br />
irregular e a pintura desbotada das tábuas ou dos tijolos de um<br />
barraco, o capim e a sujeira no canto do quadro.<br />
Não se trata com certeza, de coisa encaixada na imagem, por um<br />
excessivo zelo naturalista do realizador ou do cenógrafo, mas sim<br />
de elementos reais que o filme incorpora, assim como se fosse<br />
um documentário sobre uma favela, aberta a todos os sinais do<br />
cotidiano. Esses sinais são mais importantes que os diálogos e que as<br />
ações porque o filme retém da história de Tiradentes apenas alguns<br />
dados essenciais, e conta com a cumplicidade do espectador, que<br />
adiante de um episódio já conhecido desloca sua atenção da ação<br />
propriamente dita para o cenário e para o estilo de interpretação.
A rigor não se trata de propor uma nova interpretação da Inconfidência<br />
Mineira, nem de documentar de que modo esse período de nossa<br />
história vive na memória das pessoas que, como os personagens do<br />
filme, moram numa favela. Trata-se só de tomar a idéia de Tiradentes<br />
como um símbolo de liberdade e jogar essa idéia aí, nesse grupo<br />
mais fortemente oprimido da sociedade brasileira. E deixar que esse<br />
ideal de liberdade revele o morro tal como ele é<br />
O que interessa é mostrar a Inconfidência Mineira encenada numa<br />
favela, e por isso, na maior parte do tempo, o espectador vê a<br />
encenação como se estivesse por trás da câmera roubada, como se<br />
estivesse diretamente diante do filme feito pelos ladrões de cinema<br />
Além disso, no entanto, existem os entreatos, as cenas em que<br />
o espectador vê a encenação de fora, isto é: na tela aparecem os<br />
favelados que vivem a história de Tiradentes e mais os que se<br />
encontram por trás da câmera roubada. E aí a platéia não vê mais<br />
o filme pelos ladrões de cinema, passa a ver algo equivalente a um<br />
documentário sobre a filmagem de uma nova versão da Inconfidência<br />
Mineira.<br />
Já não se trata, portanto, de mostrar apenas a favela, como um meio<br />
oprimido que convive com o ideal libertador, a favela como uma<br />
alegoria de todos os grupos oprimidos no país. Trata-se, ao mesmo<br />
tempo, de saber como fazer cinema, um cinema inspirado, se é que<br />
podemos dizer assim, no exemplo da favela, nessa maneira precária<br />
e improvisada de sobreviver num ambiente hostil. Trata-se de<br />
descobrir como fazer um cinema que sirva de porta-voz desse ideal<br />
de liberdade, um cinema que, para usar a expressão mais comum,<br />
seja popular.<br />
Antes de qualquer outra coisa, Ladrões de cinema parece um filme<br />
diretamente marcado pela preocupação comum a maior parte da<br />
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230 \<br />
produção brasileira contemporânea: como conseguir roubar o público<br />
conquistado pelo cinema feito segundo o modelo imposto pela<br />
indústria americana. Algumas soluções parecem influenciadas pelo<br />
filme à americana (como, por exemplo, a despedida de Tiradentes<br />
antes da viagem para o Rio), ou influenciadas por uma visão distorcida<br />
do que se convencionou julgar como a falta de informação do<br />
homem do povo (a leitura afetada e cheia de tropeços do livro da<br />
Inconfidência).<br />
Mas, na maior parte do tempo, o filme se esforça para conseguir<br />
uma espécie de tradução cinematográfica de um desfile das escolas<br />
de samba.<br />
E aí, nesta tentativa de tradução, os momentos mais interessantes<br />
são aqueles que, à primeira vista, se mostram mais desarticulados, e,<br />
por confronto com o estilo de narração do produto industrializado,<br />
pouco movimentados, de ritmo muito lento. Mais interessantes<br />
porque estas soluções, que se opõem ao rigor e à correção formal<br />
do cinema produzido pela grande indústria internacional, parecem o<br />
ponto de partida para uma maneira de filmar capaz de nos retratar<br />
com maior fidelidade. E, de fato, o que se procura no cinema é um<br />
jeito próprio de filmar, diferente desse comportamento acadêmico<br />
que nos leva aqui e ali a interpretar erradamente um personagem<br />
(a caricaturar, por exemplo, o que lê atrapalhadamente os nomes<br />
franceses), até mesmo os personagens tomados por heróis.
\ As mágicas do delegado 1<br />
/ Celso Amorim<br />
Le fou est mort C’est une ilê de la mer du Sud... Le magicien<br />
blanc joue avec ses serpents dans sa tombe ...<br />
(Georg Trackl. Vingt-quatre Poêmes)<br />
O filme chama-se O Mágico e o delegado. Mas poderia também inti-<br />
tular-se O artista e o estado ou, mais genericamente, O Intelectual<br />
e o Poder.<br />
Sua narrativa é simples: dois artistas nômade - um mágico e uma<br />
bailarina - acabam de deixar, escondidos, um pequeno hotel de interior<br />
sem pagar a conta e chegam a uma cidadezinha às margens do<br />
Rio São Francisco, onde tentarão sua sorte. Encontram um associado<br />
no dono do cinema local, que tem uma natural capacidade ociosa.<br />
Vencidas as resistências da censura, personificada no delegado de<br />
polícia, quanto à ousadia da apresentação da bailarina, o casal se<br />
prepara para o espetáculo. Mas antes disso, em passeio pelas ruas<br />
da cidade, onde se realiza uma feira tipicamente nordestina, o mágico<br />
- imprudentemente – resolve exercitar os seus truques com a<br />
população. O delírio coletivo causado pelo festim imaginário, propiciado<br />
pelo mágico, é seguido de grande frustração, quando o povo<br />
percebe a imaterialidade das benesses. Cria-se um clima de revolta,<br />
o que leva o delegado a agir “com energia”, encarcerando o mágico.<br />
Sua parceira vê-se forçada a refugiar-se numa “casa de moças”. Mas<br />
a ação subversiva do mágico prossegue, ameaçando a ordem do presídio,<br />
apesar de produzir momentos de rara felicidade nos presos.<br />
O prestidigitador é então conduzido a uma solitária, onde cria para<br />
si e para os guardas que o observam cenas de incrível gozo – mas<br />
1 Texto publicado na revista Filme Cultura, n. 44, p. 107-9, abr./ago. 1984.<br />
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que, como as anteriores, não passam de ilusão. <strong>Para</strong>lelamente, a<br />
dançarina feita prostituta consegue transformar radicalmente o ambiente<br />
do bordel, introduzindo nele uma alegria e uma vida antes<br />
inexistentes. A ação repressora do poder não tardará em fazer- se<br />
novamente sentir. As orgias imaginárias do mágico são percebidas<br />
pelo delegado como um acinte à sua autoridade. Na escalada de desafio<br />
e repressão, o tratamento rigoroso imposto ao mágico acaba<br />
por levá-lo à morte por inanição. <strong>Para</strong>lelamente, a policia, perturbada<br />
pela alegria esfuziante do bordel, e instigada por vizinhos pudicos,<br />
faz descer sobre as “meninas” e seus clientes o peso da autoridade.<br />
Ao final, o enterro do mágico se revela uma experiência liberadora.<br />
Diante da insistência de sua companheira, abre-se o caixão: ao invés<br />
do cadáver, uma revoada de pássaros enche a tela.<br />
Um filme bonito e singelo, rico em simbolismos e vazado numa linguagem<br />
cinematográfica simples e direta. Essencialmente poético,<br />
O Mágico e o delegado seria também um filme popular - como os<br />
romances de Jorge Amado ou as estórias de cordel – se o povo, contaminado<br />
pelas fórmulas da TV e impedido de ir aos cinemas, pela<br />
orientação exclusivamente comercial da cadeias exibidoras, ainda<br />
tivesse o hábito de frequentar “os teatros de luz e sombras”. É lugar-<br />
-comum da crítica dizer que um filme (ou livro) permite várias leituras.<br />
Mas sem dúvida este é o caso presente. No plano mais imediato,<br />
trata-se de uma história tragicômica contada com graça e sem malabarismos<br />
formais, que a tornariam inacessível. Alguns personagens<br />
beiram exageradamente o caricatural (o delegado especialmente),<br />
embora possa ver-se, também aí, um esforço de comunicação com o<br />
grande público. Há mesmo, no tom de certas cenas, elementos que<br />
aproximariam o filme de Cony Campos da velha chanchada, naquilo<br />
que ela tinha de melhor, que era justamente a linguagem despretensiosa<br />
e de fácil e imediata apreensão pelo público.
Num outro plano, entretanto, O mágico e o delegado se afigura cor-<br />
no uma parábola em que interagem basicamente três personagens:<br />
o poeta (ou genericamente o artista), o poder e o povo. Um quarto<br />
elemento, que dá concreção aos demais e até os une - na medida em<br />
que os aproxima da realidade do sexo e do amor (sem desfazer o sonho,<br />
no caso da sua relação com o mágico) - é a dançarina encarnada<br />
por Tânia Alves, mais próxima por sua sensualidade telúrica de uma<br />
Gabriela do que da rumbeira de Mestre Cigano, em Bye-Bye Brasil<br />
(em que pese às aparências). Enquanto os outros três são idealtypen<br />
num sentido quase weberiano, Paloma é o real na sua dimensão concreta<br />
de individual e de mulher. O filme, com sua narrativa direta e<br />
clara, nos mostra que o poeta é perigoso - subversivo - porque leva<br />
o povo a sonhar, atividade incompatível com os padrões de comportamento<br />
por cuja observância o delegado tem que zelar. Este, aliás,<br />
é claramente apenas o elo de ligação com uma autoridade superior<br />
cuja ausência/presença ele supre e cujos desígnios não questiona<br />
nem elabora: simplesmente os subscreve. Nesta relação poeta/poder,<br />
o povo aparece mais como objeto do que como sujeito, o que,<br />
se não agrada talvez aos que cultivam dele uma imagem mitificada,<br />
não se afasta muito da realidade dos fatos, como a temos observado<br />
até aqui. Seu grau de consciência é baixíssimo ou mesmo inexistente.<br />
Reage por apetites e desejos, nunca por reflexão, o que não<br />
exclui que tenha a capacidade de discernir entre o sonho do mágico<br />
e a opacidade do poder. Isto, de resto, não lhe chega a ser de grande<br />
valia, pois se o filme mostra que há necessidade de pão e poesia e<br />
indica como esta poderia chegar ao povo, a primeira daquelas necessidades,<br />
afinal a mais básica, não tem como ser suprida. Nem a<br />
mágica do prestidigitador nem o materialismo (prático) do delegado<br />
a atendem.<br />
O Mágico e o Delegado tem limitações que decorrem sobretudo das<br />
restrições orçamentárias com que foi produzido. Mas um sopro de<br />
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poesia e de autenticidade percorre todo o filme e o toma uma obra<br />
valiosa, culturalmente, qualquer que seja o resultado comercial (suponho<br />
que modesto) que venha a obter. Mais que isso, nos propõe<br />
ele a necessidade de reflexão sobre certos paradoxos do cinema<br />
brasileiro e até certo ponto do cinema em geral. Como foi dito antes,<br />
o filme tem uma linguagem acessível: a narrativa flui com facilidade,<br />
os atores são bons, a fotografia é, em geral, correta e adequada ao<br />
que a película se propõe. Em nenhum momento se pode dizer que O<br />
mágico e o delegado se torna arrastado ou que a comunicação com<br />
o público é obstruída por fatores intrínsecos ao filme. Isto sem falar<br />
nos outros méritos apontados. Porque, então, este filme está, como<br />
parece ser o caso, previamente condenado a uma carreira comercial<br />
medíocre a ter sua circulação restrita, praticamente, aos cinemas de<br />
arte e às cinematecas? Uma das razões - a mais óbvia - é que o povo<br />
simplesmente não vai ao cinema; quem vai ao cinema é a classe<br />
média (sobretudo média alta). E aos padrões desta o filme decididamente<br />
não atende. Falta-lhe (o que não é um defeito e sim uma qualidade,<br />
a meu ver) o glamour das produções norte-americanas, hoje<br />
incorporado à imagística nacional pela TV e, até certo ponto, pelo<br />
próprio cinema brasileiro. Por outro lado, não apela para uma abordagem<br />
comercial e reificadora do sexo - embora esse esteja realística<br />
e poeticamente presente. E, infelizmente, aquela abordagem parece<br />
hoje a única forma de arrancar o povo (ou se quiserem o “povão”) do<br />
sono cultural em que pacificamente estiola sua inteligência diante<br />
dos vídeos e de atraí-lo para as salas escuras.<br />
A opção consciente por uma linha popular – mas ao mesmo tempo<br />
fiel ao objeto artístico - parece, assim, alienar a classe média sem<br />
chegar ao povo na acepção mais ampla. Restam, evidentemente, os<br />
intelectuais e os interessados em cinema, mas estes, quando não<br />
contaminados pela pasmaceira geral, não chegam, convenhamos,<br />
a formar um público. Ou, pelo menos, um mercado. São, quando
muito, uma claque. Aliás é uma característica das elites (?) culturais<br />
brasileiras a segregação, em compartimentos estanques, dos seus<br />
segmentos; com algumas exceções, escritores não vêem filmes, músicos<br />
não vão ao teatro (a não ser para ouvir música) e cineastas<br />
pouco lêem, o que não os impede,entretanto de manifestarem frenqüentemente,<br />
de forma equivocada sobra a problemática dos outros<br />
domínios2 .<br />
Este auto-encasulamento em pequenas igrejas torna os nossos<br />
círculos de intelectuais presbitérios mutuamente impermeáveis.<br />
É possível que vá aí certo exagero, mas a verdade não está longe<br />
disto. A fragmentação pode chegar a extremos caricaturais: alguns<br />
curtametragistas só relutantemente vão ver filmes de longametragem<br />
e a recíproca certamente é verdadeira. Seja como for, a tendência<br />
do paroquialismo setorial diminui ainda mais o nosso minguado<br />
público, o que se expressa nas baixas tiragens de livros e no<br />
numero insuficiente de espectadores de filmes. É preciso pensar que<br />
cada intelectual tem, em princípio, um poder de irradiação que vai<br />
muito além de sua própria pessoa para estimar-se o efeito negativo<br />
dessa falta de comunicação efetiva entre as várias áreas de nossa<br />
“intelligentsia”.<br />
A parábola de Cony Campos se reproduz, assim, em um terceiro<br />
nível: o poeta/mágico/cineasta quer levar o sonho/filme ao povo,<br />
mas aqui depende ele do poder/Estado não só por omissão (i.e. “se<br />
a censura deixar”) mas também por ação. Não tenhamos ilusões: o<br />
“mercado” não gerará jamais as condições para que um filme como<br />
1 Texto publicado na revista Filme Cultura, n. 44, p. 107-9, abr./ago. 1984<br />
2 Os nomes mais respeitáveis não ficam livres destas incursões sem base. Ao final da minha gestão,<br />
tive uma troca de canas com Carlos Drummond de Andrade, a qual revelaria, a meu ver, uma visão<br />
distorcida do nosso maior poeta em relação a alguns problemas do cinema brasileiro. Mas isto seria<br />
matéria para outro ensaio.<br />
/ 235
236 \<br />
O mágico e o delegado - como de resto dezenas de outros títulos -<br />
seja produzido. Só uma política cultural do Estado pode fazê-lo, no<br />
caso, fez. Mas até hoje ela não se revelou capaz de garantir que tais<br />
filmes possam ser efetivamente vistos. O que torna inócuo o passo<br />
inicial. Este não é um problema da atual administração. E um problema<br />
estrutural que transcende qualquer gestão.<br />
Glauber Rocha se queixaria amargamente de que A idade da terra<br />
tivesse permanecido um ou dois dias em cartaz no cine Guarany<br />
(hoje - o que não deixa de ser irônico - batizado com seu nome), enquanto<br />
outras produções, rodas fadadas ao êxito em qualquer circuito,<br />
aí permaneceriam quatro ou cinco semanas. Na época, eu dirigia a Embrafilme<br />
e não soube responder à queixa/crítica que Glauber fez por<br />
carta. Não sei se teria condições de fazê-lo agora. Mas estou certo de<br />
que uma reflexão muito mais profunda do que a que foi feita até hoje<br />
é necessária para garantir aos “mágicos” o direito de enfeitiçar suas<br />
platéias potenciais. Isto, é claro, se o Delegado deixar.
\ Depoimento 1<br />
/ Julio Bressane<br />
Fernando foi um mestre muito longevo para mim. Fui conhecê-lo<br />
em meados dos anos sessenta, quando ele me chamou para ser seu<br />
assistente em Viagem ao fim do mundo.<br />
Eu participei da primeira parte da filmagem, depois as gravações<br />
foram interrompidas e só retornaram uns dois anos depois. E eu<br />
aprendi muito com ele.<br />
Mas só fui perceber isso depois, talvez porque naquele tempo eu não<br />
estivesse alerta, ou educado, preparado o suficiente para perceber o<br />
que estava acontecendo, aquela maneira extraordinária de filmar, de<br />
criar, que Fernando tinha, e que me influenciou muito depois.<br />
Porque Fernando tinha uma maneira muito pessoal de fazer cinema:<br />
ele envolvia toda a equipe, os atores, os assistentes, os fotógrafos,<br />
na criação da cena que ia ser filmada. <strong>Para</strong> ele era muito importante<br />
esse trabalho em equipe.<br />
Muitas vezes vi ele filmando o que estava sendo ensaiado, e então,<br />
de repente, já tinha uma cena pronta. As coisas que ele queria já<br />
tinham sido ditas.<br />
Essa maneira de filmar era muito distinta da cartilha de aprendizagem<br />
do cinema convencional.<br />
O resultado também é impressionante: o Viagem ao fim do mundo é<br />
um dos melhores filmes do cinema brasileiro. É um filme de invenção<br />
absoluta. Já é possível ver nele o cinema debruçado sobre si mesmo,<br />
1 Texto publicado em CAMPOS, Fernando Coni. “Cinema: Sonho e Lucidez”. Rio de Janeiro: Azougue,<br />
2003.<br />
/ 237
238 \<br />
se refletindo. Uma parataxe muito viva no filme, que convive com<br />
um lado espiritual.<br />
E tudo isso acabou sendo muito deflagrador para o meu cinema, o<br />
que só mais tarde fui perceber.
\ Fernando Coni Campos<br />
/ 239
240 \<br />
\ Cinema e vídeo indígena como estratégia de<br />
afirmação cultural, social e política dos povos<br />
originários da Bolívia<br />
/ Iván Sanjinés Saavedra - CEFREC Bolívia<br />
E é que se evidencia um diálogo interessante entre<br />
dois campos distintos em que os povos originários da<br />
Bolívia ganharam uma presença significativa. Um deles é<br />
composto por um governo indígena que teve que aprender<br />
a administrar e a renegociar valores e princípios. O outro,<br />
em menor escala, é uma iniciativa de comunicação que<br />
propõe construir espaços próprios nos meios e mensagens<br />
e representar a realidade a partir dos povos indígenas<br />
originários; iniciativas nas quais os protagonistas não são<br />
profissionais formais com estudos universitários e com<br />
títulos, mas representantes comunitários transformados em<br />
comunicadoras e comunicadores que estão sob a orientação<br />
de suas comunidades e que se atrevem a enfrentar desafios<br />
diante das necessidades de suas organizações. Em ambos<br />
campos, as noções de vivência, empoderamento, ideologia<br />
e política próprias são determinadas como elementos<br />
emocionais e mobilizadores através dos quais formas<br />
diferentes de fazer política são introduzidas, construídas,<br />
feitas visíveis, negociadas e, inclusive, legitimadas.<br />
Já há mais de 15 anos, com o impulso das Confederaciones<br />
Nacionales Indígenas Campesinas da Bolívia, 1 se tem trabalhado<br />
na concretização de um Plano Nacional Indígena de Comunicação<br />
Audiovisual, uma experiência autônoma a partir da necessidade e<br />
visão política estratégica das Organizaciones Indígenas de Bolivia, ao<br />
1 Confederación Sindical Unica de Trabajadores Campesinos de Bolivia, CSUTCB; Confederación de Pueblos Indígenas de<br />
Bolivia CIDOB; Confederación Sindical de Comunidades Interculturales de Bolivia CSCIB y desde 2004 la Confederación<br />
Nacional de Mujeres Campesinas Indígenas Originarias de Bolivia Bartolina Sisa y el Consejo Nacional de Ayllus y Markas<br />
del Qollasuyo, CONAMAQ.
lado do CEFREC, Centro de Formación y Realización Cinematográfica<br />
e da Coordinadora Audiovisual Indígena Originaria de Bolivia, CAIB.<br />
O Plano nacional está sendo transformado, desde 2006, em um<br />
Sistema Nacional de Comunicación Indígena Originario y Campesino.<br />
De onde vem essa experiência, de que reflexões se alimenta? O<br />
que acontece quando indígenas e camponeses decidem assumir o<br />
desafio da construção de uma comunicação audiovisual própria?<br />
Que objetivos se apresentam quando se propõe uma difusão ampla<br />
da imagem indígena?.<br />
o plano Nacional indígena de Comunicação audiovisual<br />
São comunicadoras e comunicadores das terras altas e baixas, do<br />
Chaco, da Amazônia ou do Altiplano que desde 1997 – munidos<br />
primeiramente com televisores e motores, depois com projetores de<br />
vídeo – vêm percorrendo as comunidades e chegando aos lugares<br />
mais distantes para estabelecer pontes de diálogo entre as culturas,<br />
de reflexão e de análise; liames de fortalecimento da própria<br />
identidade, de reflexão sobre a realidade e de busca de um caminho,<br />
da possibilidade de futuro em comum, usando câmeras de vídeo<br />
para testemunhar a recuperação e fomento de seu patrimônio vivo,<br />
assim como o resgate da memória histórica e cultural..<br />
Esse processo procura estabelecer o acesso amplo ao uso de meios<br />
e recursos de comunicação e informação para a concretização das<br />
necessidades indígenas, proclamando o direito à comunicação, assim<br />
como o direito a serem protagonistas ativos da sociedade nacional<br />
e não objetos ou receptores passivos dos meios estabelecidos,<br />
propiciando a capacitação, o treinamento e a criatividade indígenas<br />
em um marco comunicativo estratégico.<br />
Trata-se de um processo integral e que implica constante avaliação e<br />
planejamento, assim como metas de médio e longo prazo. Constitui<br />
/ 241
242 \<br />
uma proposta cultural, mas também política, identificada com a luta<br />
dos povos indígenas e camponeses e enraizada em seus processos<br />
internos de reflexão, na afirmação de identidade, na demanda e<br />
necessidade de contato com a sociedade não indígena..<br />
Ultimamente, estamos incursionando por emissões via rádio e<br />
fazendo uso das Nuevas Tecnologías de Información y Comunicación<br />
(NTICs), com o estabelecimento de páginas web e com uma maior<br />
aproximação a outras experiências nesse campo.<br />
Hoje existem Sistemas Regionais em várias zonas do país, como<br />
em Santa Cruz, Beni (Amazônia) ou ao norte de La Paz, onde se<br />
localizam Centros de Produção e Capacitação, e também Unidades<br />
de Televisão e Rádio, como a Radio Pedro Ignacio Muiba – emissora<br />
de maior alcance e potência da região amazônica, criada em 2009<br />
– assim como o Departamento de La Paz, onde está o Centro de<br />
Comunicación Comunitaria, sede do Canal 11 Comunitario Regional,<br />
criado em 2003 (primeira televisão indígena comunitária da Bolívia)<br />
e da Radio Comunidad (criada em 2008).<br />
a produção audiovisual indígena<br />
Geramos processos integrais de produção de materiais audiovisuais<br />
com base em um trabalho teórico/prático no qual se sobressai<br />
uma metodologia de “aprender fazendo”. Por meio desses<br />
processos, fortalecemos os esforços dos povos indígenas no uso<br />
das tecnologias de informação e comunicação com o intuito de<br />
apoiar o fortalecimento de suas culturas, sua autorrepresentação,<br />
recuperação e difusão de sua própria imagem e imaginário. Nesses<br />
processos, o trabalho coletivo tem um papel fundamental, de<br />
compartilhamento permanente com a comunidade que, além de<br />
participar na elaboração dos roteiros, atua e contribui na produção.<br />
Durante e depois das oficinas, os comunicadores e comunicadoras
sugerem histórias, temas e idéias, muitas das quais são desenvolvidas<br />
posteriormente em filmes documentários e de ficção e também em<br />
programas de televisão. A maioria dos filmes e programas centramse<br />
na documentação ou recriação de aspectos tradicionais, políticos<br />
ou históricos da vida dos povos indígenas. Até o momento, foram<br />
elaboradas mais de 400 produções em gêneros como documentário,<br />
ficção, docuficção, vídeo educativo, vídeo carta, entre outros; além<br />
de mais de 600 programas de televisão.<br />
Materiais de ficção ou documentais resultam de um trabalho coletivo<br />
entre indígenas e camponeses de diferentes culturas, de um processo<br />
de reconhecimento entre uns e outros, que se complementa com<br />
sessões noturnas de projeções em comunidades que, em muitas<br />
ocasiões, estavam tendo seu primeiro contato com a magia do cinema<br />
e, muitas vezes, através do testemunho de sua própria imagem...<br />
Quando foi gravado o longa-metragem de ficção El Grito de la Selva,<br />
produzido em 2008, que trata do tema da presença de empresas de<br />
gado e madeireiras em território indígena e da organização e luta dos<br />
povos indígenas em defesa de sua terra, combinavam-se gravações<br />
de dia e projeções durante a noite, a partir das quais se tratava tanto<br />
do que se havia registrado para obter o olhar crítico da comunidade<br />
e suas sugestões, como da melhora dessa ou daquela cena.<br />
Esse que constitui o primeiro longa-metragem de ficção produzido<br />
por uma equipe indígena na América Latina, teve uma ampla difusão<br />
em toda Bolívia e foi um dos materiais mais utilizados para a reflexão<br />
sobre os direitos indígenas, tanto nas comunidades como em muitos<br />
espaços nas áreas urbanas.<br />
Construindo meios e linguagens próprias<br />
Uma motivação central para trabalhar uma estratégia ampla de<br />
produção audiovisual na Bolívia teve relação com a escolha dos tipos<br />
/ 243
244 \<br />
de mensagens e formatos que seriam aqueles que se adequam mais<br />
às necessidades comunitárias..<br />
Nesses 14 anos, existiram muitos espaços de reflexão e de<br />
experimentação, por exemplo, através do trabalho com a vídeo<br />
carta e do intercâmbio de mensagens entre comunidades e culturas,<br />
ou entre regiões, como uma nova visão do educativo. Assim foram<br />
trabalhadas mensagens criativas com base em exemplos concretos,<br />
desenhos, maquetes, música, canções, etc. Do mesmo modo,<br />
muitas produções argumentativas foram trabalhadas, sobretudo<br />
porque esse gênero foi o que teve mais sucesso e entrada nas<br />
comunidades, já que reflete uma tradição de oralidade com uma rica<br />
e permanente transmissão de histórias, mitos, contos e que continua<br />
com a facilidade de representação e encenação que descende do<br />
cerimonialismo e ritualismo indígenas. Dessa experiência fazem<br />
parte filmes que começaram a ganhar prêmios internacionais, ainda<br />
que não tivessem sido feitos para festivais. Muitos clips musicais<br />
também foram elaborados e mais tarde surgiu o desafio da televisão.<br />
Foi importante responder à necessidade de favorecer a presença dos<br />
mais de 30 diferentes idiomas indígenas, se bem que em alguns casos<br />
também evitando, na medida do possível, abusar da legendagem<br />
(pela variedade de idiomas usados) com mensagens que tentam, de<br />
certo modo, favorecer a imagem em detrimento do texto.<br />
Nos primeiros anos, foi desenvolvido um trabalho exclusivamente<br />
focado no interior das comunidades. A reflexão sobre a necessidade<br />
da difusão externa apontou, naquele momento (idos de 1999) no<br />
sentido de que, ao darem-se a conhecer e se fazerem visíveis, os<br />
povos indígenas poderiam ser melhor compreendidos e respeitados,<br />
entendendo que a realização e difusão de vídeos é parte de um<br />
processo amplo de conscientização focado na mudança das<br />
estruturas sociais.
Mais tarde, pelo ano 2002, a chegada da televisão responderá à<br />
necessidade de maior difusão das propostas indígenas no marco<br />
sociopolítico nacional, de interpelação e divulgação ampla das<br />
culturas indígenas e de seus direitos ao resto da sociedade.<br />
Sobre a difusão e distribuição<br />
Tudo isso está integrado: os processos de formação, a produção<br />
de materiais e mensagens e sua posterior difusão, tanto nas<br />
comunidades – o que é uma preocupação central – quanto nas cidades<br />
e em diferentes espaços e meios, como a televisão, as universidades,<br />
salas de projeção acessíveis e centros educativos e culturais.<br />
Além de uma crescente produção de materiais audiovisuais e,<br />
recentemente, também de rádio, o Plan Nacional desenvolveu amplas<br />
estratégias de distribuição que incluem: campanhas para exibir<br />
vídeos nas comunidades indígenas no interior da Bolívia durante<br />
todo o ano; organização de mostras de vídeo; jornadas audiovisuais<br />
e foros públicos de reflexão nas cidades e participação em festivais<br />
regionais, nacionais e internacionais, assim como em seminários<br />
e foros de comunicação alternativa. A distribuição também é feita<br />
através de programas televisivos e de rádio, como Entre Culturas e<br />
Bolivia Constituyente. 2<br />
Por outro lado, a produção do programa televisivo Entre Culturas –<br />
primeiro programa indígena na televisão boliviana iniciado em 2002<br />
e que se emite até hoje semanalmente– é feita com a contribuição<br />
de diferentes equipes de produção para conformar uma vitrine da<br />
realidade, cultura e mobilizações dos povos indígenas de diferentes<br />
2 - El programa televisivo Entre Culturas se transmite 2 veces a la semana en el canal estatal nacional,<br />
Bolivia TV /Canal 7. Una de estas emisiones, llamada Bolivia Constituyente, es un programa especial<br />
con reportajes, entrevistas, debates y notas informativas alrededor del proceso Constituyente. Además,<br />
los programas radiales se transmiten en varias estaciones comunitarias, estatales y nacionales.<br />
/ 245
246 \<br />
regiões da Bolívia. Tendo como base a produção de documentários e<br />
reportagens, constituíram-se em uma escola e um berço importantes<br />
para o treinamento e produção documental e televisiva.<br />
perspectivas deste trabalho na Bolívia<br />
Acreditamos que esta iniciativa, sem dúvida, contribuiu para que<br />
atualmente o movimento indígena na Bolívia tenha conseguido<br />
chegar ao poder, dando outro enfoque para governar, e também para<br />
transformar o sistema tradicional em um sistema social e político<br />
– antes sempre postergado – que garanta uma participação mais<br />
ativa dos diferentes setores na tomada de decisões, de acordo com<br />
suas realidades culturais e em função de um autodesenvolvimento<br />
integral. Acreditamos nisso, ainda que o processo boliviano tenha um<br />
longo caminho pela frente no sentido de vencer os nós das estruturas<br />
coloniais e constituir-se em uma alternativa de transformação e de<br />
uma nova forma de relação entre as pessoas, coletivos e a mãe terra<br />
para concretizar o Viver Bem.<br />
Nesse sentido, é importante refletir sobre o vídeo indígena – que<br />
tem um importante exemplo na Bolívia – como um novo gênero de<br />
produção intelectual que foi sendo constituído buscando superar<br />
as limitações da leitura/escritura, que se rebela contra as amarras<br />
impostas pela lógica ocidental cartesiana e no qual os conhecimentos<br />
tradicionais se reinterpretam e se reavaliam constantemente.<br />
Dessa maneira, desde processos coletivos de reflexão e criação,<br />
o vídeo indígena foi marcando o final da hegemonia de um certo<br />
alfabeto e começando a descolonizar as tecnologias do intelecto.<br />
Desse modo, também se vão gerando conhecimentos sustentáveis<br />
através de um processo coletivo, audiovisual e oral. Tudo isso em<br />
um marco que fala de diálogo intercultural verdadeiro entre iguais<br />
que reclamam respeito pelas culturas indígenas e um diálogo franco
entre as mesmas culturas originárias, sempre desde um ponto de<br />
partida de rejeição à exclusão e à marginalização e da exigência de<br />
maior participação e respeito pleno aos direitos indígenas, e que<br />
já propunha abertamente a necessidade da descolonização, muito<br />
antes da chegada do Governo de Evo Morales.<br />
Hoje trabalhamos na concretização do Sistema Plurinacional de<br />
Comunicación Indígena Originario Campesino e preparamos o<br />
terreno para o nascimento da televisão nacional indígena, resultado<br />
da somatória de esforços e espaços de trabalho já constituídos,<br />
realizando cada dia um pouco mais o sonho cujo marco se estabeleceu<br />
em 1996; sonho de construir um cinema próprio, uma comunicação<br />
a serviço das comunidades.<br />
Tradução: Alessandra Carvalho<br />
/ 247
248 \<br />
\ Vídeo comunitário e autorrepresentação<br />
/ Entrevista com Carlos Efraín Pérez Rojas<br />
Por: Gabriela Zamorano, Assistente de Programas Latino americanos,<br />
Centro de Cine y Video, NMAI<br />
o começo em oaxaca<br />
GZ: Como surgiu seu interesse em fazer filmes e por que é importante<br />
para a sua comunidade e para sua organização que haja indígenas<br />
fazendo cinema e vídeo?<br />
Cp: Meu encontro com o vídeo foi a partir de um chamado de<br />
sangue. Minha mãe é de Oaxaca, mas deixou a comunidade quando<br />
era muito pequena. Então, eu cresci ouvindo os contos e histórias de<br />
minha mãe sobre seu povoado. Quando terminei a fase preparatória<br />
na escola, comecei a ter muito interesse em conhecer minha família<br />
de Oaxaca.<br />
Foi então que iniciei uma busca com o objetivo de me reencontrar<br />
com o povoado de minha mãe, com sua história; e também com<br />
a intenção de conhecê-la melhor. Quando cheguei ema Oaxaca,<br />
conheci TV-Tamix [primeiro projeto de comunicação comunitária em<br />
Tamazulapám Mixes, Oaxaca]. Esse foi meu primeiro encontro com o<br />
vídeo. A partir dele, começou a despertar em mim muita curiosidade<br />
pelo vídeo. Na verdade, tudo começou como uma curiosidade pela<br />
tecnologia do vídeo, por essa ferramenta; e também fui contagiado<br />
pelo entusiasmo e pela experimentação dos que, naquele tempo,<br />
trabalhavam na TV-Tamix.<br />
GZ: Você pode falar um pouco sobre TV-Tamix? O que é? Como<br />
surgiu?
Cp: A TV-Tamix é uma organização comunitária que surge em<br />
1994 e que se dedicou a fazer rádio e televisão comunitária em<br />
Tamazulapám. Lá contávamos com um transmissor de televisão de<br />
10 watts de potência. E desde lá, todo fim de semana transmitíamos<br />
alguns programas: um que se chamava Espacio Sagrado e outro que<br />
eu mesmo fiz mais tarde, e que se chamava Hoy en la Comunidad.<br />
Esse era um programa com crianças.<br />
GZ: Eram programas de rádio?<br />
Cp: De televisão. Também eram feitos documentários sobre os<br />
costumes e tradições da comunidade. O encontro que tive com a<br />
TV-Tamix me iniciou na realização de documentários. Trabalhando<br />
na TV-Tamix fiz câmera para alguns documentários como, por<br />
exemplo, o de Këdukj adj (Servir al Pueblo), Permaneciendo (Hoy en<br />
la comunidad), e também para esse programa de televisão que eu<br />
fazia com as crianças da comunidade. Mas sinto que a experiência<br />
que tive na TV-Tamix foi mais como um primeiro contato, no sentido<br />
de entender o uso que pode ter o vídeo numa comunidade indígena.<br />
Então, eu me somei ao esforço que a TV-Tamix estava fazendo de<br />
difundir, por meio do vídeo, a cultura dos Mixes. Resumindo, esse<br />
foi o primeiro uso que dei ao vídeo estando em Oaxaca. Mas foi em<br />
Chiapas onde me envolvi cem por cento com o vídeo e isso teve<br />
a ver com a proposta dos municípios autônomos em resistência.<br />
Isso só aconteceu quando fui trabalhar com o projeto Promedios de<br />
Comunicación comuni pela autorrepresentação<br />
GZ: Como você desenvolveu essa semente, o potencial do uso do<br />
vídeo em uma comunidade indígena, estando em Chiapas? Era uma<br />
pergunta concreta ou era algo, no vídeo, que te emocionava? <strong>Para</strong><br />
que serve o vídeo nas comunidades indígenas?<br />
/ 249
250 \<br />
Cp: Quando eu cheguei a Chiapas era uma só uma faísca, ainda<br />
prevalecia a curiosidade de conhecer o meio. Mesmo já tendo<br />
participado em alguns documentários, ainda não tinha muita certeza<br />
sobre aonde podia chegar com o vídeo. Estou falando isso de Chiapas<br />
porque cheguei lá para dar oficinas de capacitação a pessoas de<br />
comunidades, trabalhando com elas e com as autoridades zapatistas.<br />
E, ao conviver com eles, conheci a abordagem que estavam dando ao<br />
vídeo e achei importante: o vídeo como uma ferramenta de denúncia<br />
a violações dos direitos humanos. Esse era um dos objetivos que eles<br />
se propunham naquele momento para o uso do vídeo. Havia uma<br />
parte muito importante que girava em torno à defesa e denúncia.<br />
Acho também que, naquela época (falo de mais ou menos 1998) a<br />
guerra de baixa intensidade era um pouco mais crua com relação<br />
aos municípios autônomos do que é agora. Talvez seja arriscado<br />
afirmar isso, mas o contexto era diferente.<br />
Então, fui por esse caminho. Tem um vídeo que fiz para a Red de<br />
Defensores Comunitarios, de uso interno, que utilizaram para<br />
capacitar e conscientizar comunidades. E, mais adiante, começamos<br />
um trabalho coletivo do qual fiz parte, sobre como vincular o vídeo ao<br />
processo de autonomia nos municípios indígenas de Chiapas; como<br />
ver isso funcionando já como um meio nas mãos das comunidades<br />
indígenas, um meio que pudesse ter diferentes usos, além da<br />
denúncia e da defesa e que, na minha opinião, teria a ver com o<br />
direito à autorrepresentação.<br />
O que discutimos a partir disso é a importância de que os povos<br />
indígenas contem com seus próprios meios para, desde aí e em<br />
primeiro lugar, reivindicar seus direitos como povos e para, em<br />
segundo lugar, poder representar-se da maneira como quiserem.<br />
Acontece que, estando em Chiapas, víamos que chegava muita gente<br />
de fora das comunidades para fazer filmes, documentários, escrever
livros, fazer fotos, rádio, música, o que eu acho muito importante e<br />
que foi muito importante para o movimento zapatista. Mas víamos<br />
a necessidade de que também os povos indígenas de Chiapas<br />
contassem sua história com sua própria voz e com seus próprios meios.<br />
GZ: Isso que você diz sobre a autorrepresentação tem referência com<br />
a outra pergunta: por que é importante para sua comunidade, para<br />
sua organização ou para o projeto no qual você participa que haja<br />
indígenas fazendo cinema e vídeo? Você pode falar mais sobre o<br />
direito à autorrepresentação? Quais são as vantagens ou problemas<br />
que você vê nesse conceito?<br />
Cp: Bem, na minha opinião, o trabalho que os povos indígenas de<br />
Chiapas estão fazendo não substitui a expressão das pessoas de fora<br />
que chegam nessas comunidades. O vídeo é como uma olhada, como<br />
uma voz muito importante para poder compreender a complicada<br />
realidade dos indígenas, não só de Chiapas, mas também em nível<br />
nacional.<br />
Por exemplo, para mim, um dos vídeos que eu acho mais importantes<br />
dos feitos em Chiapas é Mujeres Unidas, não sei se você viu. Esse<br />
vídeo foi feito pelo Município 17 de Noviembre e foi feito porque,<br />
naquela época, estavam dando palestras em todas as comunidades<br />
do Município sobre a importância das mulheres se organizarem. Elas<br />
se organizavam para trabalhar na horta, nos campos de milho e com<br />
o feijão. E tiveram a ideia de fazer um vídeo sobre uma comunidade<br />
que já estava organizada e funcionando bem para mostrá-lo às<br />
outras, onde não havia organização, e assim poder motivá-las. Na<br />
minha opinião, esse trabalho é uma experiência bem importante de<br />
como o vídeo pode, além de ser uma projeção para os de fora, ter<br />
um uso comunitário.<br />
GZ: Como um diálogo direcionado às questões internas?<br />
/ 251
252 \<br />
Cp: Exato. Vou me enfocar um pouco no caso de Chiapas. Os vídeos<br />
que vi feitos por gente de fora estão enfocados nos ícones: no<br />
subcomandante, no EZLN [Ejército Zapatista de Liberación Nacional].<br />
E se você os compara com um vídeo realizado por uma comunidade<br />
indígena, vai ver que as pessoas que aparecem nele são as de bases,<br />
as que estão lá todos os dias vendo o campo de milho, pessoas que<br />
não andam com seu gorro ninja nem com sua arma nas costas.<br />
Por um lado, para mim o importante de que eles estejam se<br />
autorrepresentando é poder mostrar uma faceta do movimento que<br />
não se conhece e que, às vezes, acho que nem se quer conhecer, em<br />
parte porque o movimento foi bastante idealizado, não é?<br />
Novos Direcionamentos<br />
GZ: Como você vê seu próprio papel dentro desse processo chamado<br />
“vídeo indígena”?<br />
Cp: Vamos ver se conversando com você eu entendo melhor, porque<br />
eu também estou me perguntando. Porque eu me vejo como um...<br />
“ativista do vídeo”, por assim dizer. Porque, como você disse, a<br />
maior parte do meu trabalho foi capacitar e assessorar comunidades<br />
indígenas para que eles realizem vídeos. E ainda que eu também<br />
tenha feito documentários, só fiz sobre movimentos sociais. É um<br />
tema que eu gosto e com o qual assumi um compromisso. De fato,<br />
cada vídeo que fiz – fiz três – são compromissos assumidos com<br />
organizações sociais.<br />
Algo muito importante e que é necessário dizer é que nas<br />
comunidades indígenas não só tem fome, pobreza, dor, mas também<br />
propostas. Propostas muito criativas em termos políticos, sociais,<br />
econômicos, culturais. E voltando ao tema da autorrepresentação, já<br />
vi que representam os índios, em muitos casos, como vítimas, não
é? O olhar está sempre focado no huarache, ou no menino pelado<br />
ou sujo. Eu acho esse olhar muito estreito com relação ao que está<br />
acontecendo no interior das comunidades. E, por um lado, o fato de<br />
que as comunidades indígenas estejam se mostrando por si mesmas<br />
é muito digno. E isso é o que eles falam. Eu pude participar em<br />
alguns vídeos feitos em Chiapas e quando as autoridades falavam<br />
com o responsável pelo vídeo, que era alguém da comunidade pago<br />
para isso, diziam: “faz aí, mas a gente quer aparecer bem na fita”,<br />
“que nos mostrem bem fortes”. Porque se os mostrávamos fracos e<br />
chorando os outros diriam: “esses Zapatistas não são de nada.”<br />
O trabalho que faço sobre os movimentos sociais dos povos<br />
indígenas tem a ver com as propostas em nível nacional e também<br />
com a situação interna das comunidades. Claro que estou falando<br />
dos problemas que existem, mas sempre vou dar uma mensagem<br />
que propõe esperança. Porque a ideia é como o vídeo, pode despertar<br />
a solidariedade nas pessoas que estão assistindo. <strong>Para</strong> mim é algo<br />
que acompanha o filme: provocar uma reação.<br />
Então, no momento me considero um ativista do vídeo. Quando<br />
ganhei a bolsa Rockefeller me diziam que eu era um realizador,<br />
me faziam acreditar que era um artista. A minha verdadeira crença<br />
e o que ultimamente tem me tocado muito é que me parece<br />
importante que se façam documentários com um enfoque social,<br />
com compromisso social. Mas também percebi que, incluindo meus<br />
vídeos, em termos audiovisuais estamos muito longe da criatividade<br />
com que as comunidades se organizam e se movimentam.<br />
Vejo meus vídeos e os de outros realizadores sobre esses temas e<br />
percebo que, muitas vezes, são muito frios, muito quadrados. E o<br />
que eu quero fazer agora é poder captar a criatividade que é característica<br />
dos movimentos sociais do México.<br />
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254 \<br />
GZ: Isso soa como um objetivo...<br />
Cp: É, porque, por um lado, acho que muitos espaços se abriram<br />
para o que se chama “vídeo indígena”. Eu não o chamaria assim...<br />
na minha opinião é como um vídeo comunitário porque, em quase<br />
todos os vídeos – acho que poderia afirmar que em todos – tem um<br />
grau de participação da comunidade. As pessoas que eu conheço<br />
sempre participam com a comunidade, seja para decidir o tema, na<br />
produção, na edição ou em algum momento da realização. E, para<br />
mim, esse é o jeito como decidi trabalhar, retomando a coletividade<br />
das comunidades, retomando essa forma de trabalho.<br />
GZ: Você acha mais interessante reforçar o fato de que é um produto<br />
comunitário ao invés de um produto indígena?<br />
Cp: Sim, sobre isso já se falou um pouquinho. Uma vez estive numa<br />
palestra dada por Guillermo [Monteforte] no primeiro Encuentro<br />
Hispanoamericano de Video Independiente: Contra el silencio todas<br />
las voces. Convidaram Guillermo para falar sobre vídeo indígena. Me<br />
lembro que ele dizia que, naquele momento, para ele, não havia<br />
vídeo indígena porque, como ele o concebia, era como toda uma<br />
expressão e que esse nome não podia estar determinado só pelo fato<br />
de que são vídeos feitos por pessoas de uma comunidade indígena.<br />
Foi uma palestra muito bonita. Estávamos Guillermo Roberto<br />
[Olivares] e eu. Então, eu pensei que algo parecido tinha acontecido<br />
com as bandas filarmônicas, a música de instrumentos de vento<br />
que chegou da Europa e através da Igreja. Na Serra Mixe está<br />
documentado que os primeiros mixes tocaram música soprada com<br />
instrumentos europeus para celebrar uma missa. Naquele tempo<br />
eram até celebradas em latim. Logo aprenderam a tocar marchas,<br />
valsas, aberturas e tudo mais. Mas eles foram “pegando” esse<br />
instrumento de procedência europeia e houve um momento em que
começaram a fazar sua própria música e de lá vem os sones e jarabes<br />
mixes, chinantecos, zapotecos. Se apropriaram do instrumento e<br />
expressaram suas histórias, suas vidas, suas imagens e sons.<br />
Então, nesse encontro, eu dizia que é a mesma coisa o que está<br />
acontecendo com o vídeo nas comunidades indígenas, que estamos<br />
tendo acesso, ou seja, tivemos a chance de acessar essa tecnologia<br />
e estamos num processo de aprendizagem. Vai chegar um momento<br />
em que isso será uma expressão própria. Eu queria alcançar isso,<br />
e por esse motivo o vídeo sobre movimentos sociais – que é frio,<br />
quadrado, com a voz em off – ainda que seja muito importante, me<br />
parece que falta criatividade.<br />
Eu acho que o termo “vídeo indígena” está mais para o discurso<br />
dos antropólogos que fazem vídeo, ou dos cineastas que fizeram<br />
vídeo sobre populações indígenas. Acho que alguns dos objetivos<br />
era preservar, difundir. São objetivos importantes, mas a verdade,<br />
pela minha experiência e pelo que vejo na TV-Tamix, é que não os<br />
alcançamos.<br />
GZ: Ou que estão reformulando esses objetivos?<br />
Cp: Exato. De fato chegamos a um ponto em que achamos que já<br />
basta de bater na mesma tecla e que devemos fazer coisas mais<br />
voltadas para os nossos sentimentos, de expressão mais individual.<br />
É o que você falou: repensar.<br />
GZ: Então, boa sorte com essa busca.<br />
Cp: Sim, agora estou vendo que vou ficar aqui em Guerrero um ano<br />
ou mais e já estou pensando no que vou fazer no próximo ano. E<br />
algo que eu gostaria de fazer é juntar o Gordo [Hermenegildo Rojas],<br />
o Charapa [Carlos Martínez], o Noé [Aguilar], e também me incluir<br />
nesse grupo. Nos juntarmos uns dois dias para fazer um roteiro<br />
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256 \<br />
no qual cada um possa viajar e soltar-se. Que seja mais como uma<br />
criação livre, sem convencionalismos, e que a gente comece a trabalhar<br />
nisso.<br />
É que eles são uns talentos natos: o Gordo é um bom músico, faz<br />
bons vídeos; Genaro é uma pessoa muito querida e Charapa é louco<br />
por computadores. E eu, acho que não me saio mal com a câmera.<br />
Então poderíamos formar uma equipe interessane.<br />
Tradução: Alessandra Carvalho
\ Fora da ótica indígena: zapatistas e<br />
realizadores autônomos.<br />
/ Alexandra Halkin 1<br />
O trabalho com o vídeo realmente nos comoveu: tem grande<br />
importância para ajudar a construir a nossa história indígena.<br />
Dá para ver que seremos capazes de fazer muitas coisas pelo<br />
nosso bem-estar e pelo futuro de nossos filhos.<br />
(Estella, videasta zapatista, abril 2003.)<br />
Este é um artigo sobre a importância dos meios de comunicação<br />
indígena – tanto em termos de produto como de processo – que oferece<br />
um modelo para fazer um meio de comunicação indígena de “boa<br />
prática”, cooperativo, transnacional. 2 Estas observações baseiam-se<br />
em minha experiência pessoal com o Chiapas Media Project (CMP)/<br />
Promedios, uma ONG binacional que provê comunidades indígenas<br />
de Chiapas e Guerrero, no México, 3 de vídeos, computadores e<br />
treinamento. CMP/Promedios treinou mais de 200 índios, homens<br />
e mulheres, na produção básica de vídeos, construiu e equipou<br />
cinco Centros Regionales de Medios de Comunicación no território<br />
zapatista com produção digital de vídeos, pós-produção, áudio e<br />
acesso via satélite à Internet; permitiu a produção de 22 vídeos de<br />
distribuição internacional e forneceu os meios para a produção de<br />
centenas de vídeos utilizados em âmbito interno pelas comunidades<br />
indígenas de Chiapas. Sou fundadora, anteriormente diretora e,<br />
no momento, coordenadora do Chiapas Media Project/ Promedios.<br />
Não acredito – e tampouco é minha intenção afirmar– que CMP/<br />
Promedios seja o único instrumento para facilitar e promover os<br />
1 Documentarista, ex-diretora e atual coordenadora internacional do Chiapas Media Project.<br />
2 Meu agradecimento a Shayna Plaut, que me ajudou a editar este artigo.<br />
3 Em 2000, começamos o trabalho em Guerrero com a Asociación de Campesinos Medioambientalistas<br />
de la Sierra de Petatlán.<br />
/ 257
258 \<br />
meios de comunicação audiovisual indígena. Ao contrário, espero<br />
compartilhar minha história, incluindo os equívocos, durante os<br />
últimos 10 anos, para incentivar outras pessoas no intuito de que<br />
se unam a essa luta. Utilizo a palavra “luta” muito conscientemente,<br />
já que qualquer pessoa envolvida na mudança social – como um<br />
artista, um acadêmico, um ativista ou todos os anteriores – devem<br />
estar conscientes do papel que representam na defesa dos Direitos<br />
Humanos, especialmente no que diz respeito à apresentação dessas<br />
realidades. Neste artigo, enfatizarei os contextos nos quais os meios<br />
de comunicação operam como agentes de mudança social: local,<br />
doméstica e global.<br />
Fui documentarista por mais de 25 anos e, muito cedo em minha<br />
carreira, entendi o poder dos meios de comunicação na criação<br />
de mudança social. Produzi vídeos sobre a AIDS, sobre os direitos<br />
reprodutivos da mulher, sobre desemprego e desapropriação, além<br />
de vídeos feitos em Cuba. Através da minha carreira cheguei à<br />
conclusão de que os documentários não estão focados só no produto<br />
final, mas também no processo.<br />
Isso se fez mais claro no final do ano de 1980 quando vi uma pequena<br />
produção do Video Sewa, uma organização sediada em Ahmedabad,<br />
India, que usa o vídeo como um meio para dar maior poder a mulheres<br />
analfabetas, desempregadas ou camponesas autônomas. O vídeo foi<br />
filmado por uma mulher que tinha pouca experiência na produção de<br />
filmes, portanto a qualidade era pobre. Mas havia algo nas imagens<br />
que me tocava. Ficava claro que a diretora não era uma estranha<br />
apresentando a história de outra pessoa, mas alguém fazendo um<br />
documentário sobre sua própria experiência. Ver esse vídeo me<br />
deu a ideia do poder que significaria dar a pessoas marginalizadas<br />
acesso à tecnologia audiovisual para que contassem sua história;<br />
uma história que não poderia ser contada por mais ninguém.
os Zapatistas<br />
“Somos índios de diferentes línguas e culturas, descendentes<br />
dos antigos povos Maias. Os índios de Chiapas e todos os índios<br />
do México sofrem grandes injustiças – saques, humilhação,<br />
discriminação e marginalização – há muitos séculos; muitas pessoas<br />
em outros lugares do mundo também vivem na mesa situação, na<br />
América e também em lugares mais distantes, como consequência da<br />
violenta conquista espanhola e, posteriormente, das invasões norteamericanas.<br />
Ficamos na mais completa miséria, a ponto de sermos<br />
exterminados. Razões que nos obrigaram a que nos levantássemos<br />
em armas em 1º de janeiro de 1994 para dizer ‘basta’”. (Comandante<br />
David, Oventic, Chiapas, 2003)<br />
O Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN/Zapatistas) é uma<br />
organização indígena Maia sediada em Chiapas, México. No dia 1º<br />
de janeiro de 1994, o EZLN declarou guerra ao Governo mexicano<br />
em um levante armado que tomou mais de seis povoados em<br />
Chiapas. A razão desse levante foi o fato de que os índios, seus<br />
direitos e sua cultura, não eram reconhecidos pela Constituição<br />
mexicana e, portanto, eram tratados socialmente e através das leis<br />
como cidadãos de segunda classe. A eles eram (e são) negados os<br />
direitos garantidos a todos os mexicanos pela Constituição do país.<br />
É significativo que os zapatistas tenham escolhido o dia 1º de janeiro<br />
de 1994 para o levante, já que essa foi a data em que o Tratado<br />
Norte- Americano de Livre Comércio (NAFTA) começou a ter vigência.<br />
Sendo essencialmente agricultores, o prospecto do NAFTA teria um<br />
impacto significativo na vida dos indígenas de todo México e, mesmo<br />
assim, suas preocupações não foram levadas em consideração e sua<br />
opinião tampouco foi solicitada. 4.<br />
4 O EZLN disse que o NAFTA não beneficiaria os indígenas em particular, nem os pobres de maneira<br />
geral, no México. Infelizmente essa previsão tornou-se verdadeira.<br />
/ 259
260 \<br />
Os meios de comunicação sempre foram parte do “arsenal” zapatista.<br />
De fato, nos dias que seguiram-se ao levante, os zapatistas (via<br />
partidários simpatizantes) usaram a Internet para transmitir sua<br />
causa ao mundo. Esse uso estratégico dos meios de comunicação foi<br />
para fazer um chamado à sociedade civil internacional no sentido de<br />
unirem-se a eles na construção de um novo mundo. Essa apropriação<br />
da internet gerou muito interesse internacional e uma investigação<br />
em nível global a que, frequentemente, se dá o crédito de ter forçado<br />
o governo mexicano a uma trégua, 12 dias mais tarde, e a uma<br />
negociação com os zapatistas.<br />
mapeando o território<br />
Desde 1994, os zapatistas chegaram a ser um “espetáculo”, gerando<br />
desde teses de doutorado a conferências e letras de rock. 5 Baseandose<br />
na grande quantidade de pedidos de entrevistas, visitas oficiais<br />
e acesso às comunidades, nossa organização teve que criar um<br />
mecanismo para filtrar e controlar nosso tempo e concentração.<br />
Apreciamos o interesse no nosso trabalho, mas lutamos para<br />
assegurar a reciprocidade.<br />
“O que pedimos aos que não são zapatistas, aos que não estão de<br />
acordo conosco ou não entendem a justa causa de nossa luta é que<br />
respeitem nossa organização. Que respeitem nossas comunidades e<br />
municípios autônomos e suas autoridades. E que respeitem as Juntas<br />
de Buen Gobierno de todas as regiões, de todas as zonas, que a<br />
partir de hoje ficam formalmente constituídas sob o testemunho de<br />
milhares de irmãos e irmãs indígenas e não indígenas do México e<br />
de muitos países do mundo.” (Comandante David, Oventic, Chiapas,<br />
2003)<br />
5 Uma recente pesquisa no Google usando a palavra “zapatista” mostrou uma lista com 649.000<br />
registros, 740.000 para a sigla “EZLN”.
Nem todas as comunidades indígenas em Chiapas são zapatistas.<br />
As comunidades com as quais trabalhamos são as que se<br />
identificam claramente com o zapatismo, também conhecidas como<br />
“comunidades civiles zapatistas”, e que se distinguem do braço<br />
armado dos zapatistas, o EZLN.<br />
Essas comunidades se organizam via autoridades locais, regionais e<br />
municipais elegidas através de consenso popular. Elas também têm<br />
um sistema de rodízio de governo, as Juntas de Buen Gobierno, que<br />
tratam de todos os assuntos relativos à tomada de decisão em seus<br />
municípios autônomos. Os membros das Juntas de Buen Gobierno<br />
são substituídos a cada 15 dias e são pessoas das comunidades que<br />
fazem parte de cada município autônomo. Em algumas regiões, as<br />
Juntas de Buen Gobierno tiveram tanto êxito ao mediar conflitos<br />
locais (roubo de gado, disputas de terras, etc.) que agora são citadas<br />
pelo Gobierno Judicial Local mexicano para mediar questões entre<br />
indivíduos zapatistas e não zapatistas.<br />
Existem outras comunidades que são partidárias dos zapatistas, mas<br />
que não se identificam como tal. No outro lado do espectro estão as<br />
comunidades não zapatistas que podem variar de comunidades que<br />
se identificam com partidos políticos (PAN, PRD, PRI) a comunidades<br />
que apoiam, abertamente, os paramilitares. Muitas dessas<br />
organizações paramilitares recebem apoio de fazendeiros locais e,<br />
em muitos casos, do Estado e de fundos federais. 6<br />
Esse contexto sociopolítico mais amplo é essencial para entender<br />
o ambiente em que a CMP/Promedios opera. Em dezembro de<br />
1997, um mês antes de que se fizessem as primeiras oficinas, 45<br />
6 O papel dos paramilitares é promover uma constante ameaça de violência e desestabilização nas<br />
comunidades zapatistas. O governo mexicano manipula a situação como se tudo se tratasse de um<br />
eterno conflito entre as comunidades ao mesmo tempo em que instiga as cisões internas.<br />
/ 261
262 \<br />
indígenas, na maioria mulheres e crianças, foram assassinados pelas<br />
forças paramilitares treinadas pelo governo, ação que é conhecida<br />
hoje como o Masacre Acteal. Ao mesmo tempo, o governo mexicano<br />
começou a expulsar estrangeiros de Chiapas, incluindo pessoas que<br />
trabalhavam pelos Direitos Humanos, com o pretexto de violação da<br />
Constituição e por envolverem-se na política interna7 .<br />
Envolvimento pessoal<br />
“Com o propósito de criar um diálogo intercultural – desde o âmbito<br />
da comunidade até o âmbito nacional – que possa permitir uma<br />
relação positiva entre a variedade de grupos indígenas e entre esses<br />
grupos e o resto da sociedade, é essencial dotar essas comunidades<br />
de seus próprios meios de comunicação, que também funcionam<br />
como mecanismos chave para o desenvolvimento de sua cultura.<br />
Portanto, será proposto às autoridades nacionais respectivas que<br />
elaborem novas leis com relação às comunicações que possam<br />
permitir que os povos indígenas adquiram, operem e administrem<br />
seus próprios meios de comunicação.” (Artigo III dos Acuerdos de<br />
San Andrés) 8<br />
Foi nesse ambiente e com uma, aparentemente impenetrável, capa<br />
de censura que os zapatistas reconheceram o poder dos meios de<br />
comunicação. Esse era também o ambiente que eles necessitavam<br />
para contar sua própria história. Na primavera de 1995, estava<br />
7 Tom Hansen, assessor da CMP/Promedios no seu começo, foi sequestrado e expulso pelas<br />
autoridades mexicanas de imigração durante a chegada de uma delegação que trazia equipamento de<br />
vídeo para Ejido Morelia em fevereiro de 1998.<br />
8 Os Acuerdos de San Andrés foram documentos assinados entre os zapatistas e o governo mexicano<br />
em 1996. Embora os acordos nunca tenham sido reconhecidos pela constituição mexicana, as<br />
comunidades zapatistas os utilizaram como um marco para o trabalho, ação que assumiram desde<br />
1996. O vídeo é um exemplo dessas ações.
produzindo um documentário para uma ONG com sede nos Estados<br />
Unidos que levava uma caravana de ajuda humanitária a uma região<br />
zapatista. Assim foi como fiz minha primeira viagem ao Chiapas.<br />
Durante a produção, terminamos numa comunidade zapatista que<br />
tinha cobertura jornalística da imprensa (nacional e internacional),<br />
com fotógrafos e câmeras de televisão e de noticiários, todos eles<br />
“capturando a história” dos representantes zapatistas e dos membros<br />
da comunidade que estavam por ali. É importante destacar que essa<br />
presença midiática não era um subproduto da luta zapatista, ao<br />
contrário, era fruto de uma intenção meditada por parte da imprensa<br />
e dos meios de comunicação (tanto em massa como independentes).<br />
Ficava bastante claro que os zapatistas tinham a história; o que não<br />
tinham eram os meios para transmiti-la por si mesmos.<br />
Enquanto os jornalistas “de fora” estavam “obtendo sua história”,<br />
muitas pessoas da comunidade se aproximaram de mim para<br />
perguntar sobre minha câmera Hi8 (onde a havia comprado, quanto<br />
custava, etc.), demonstrando um claro interesse e consciência sobre<br />
esse tipo de tecnologia. Fiquei impressionada com a organização<br />
zapatista e com seu interesse óbvio em comunicar sua mensagem<br />
ao mundo. Então pensei: aqui tem um grupo de pessoas que, com<br />
certeza, se beneficiaria ao ter acesso à tecnologia do vídeo. Antes<br />
de ir embora de Chiapas, comecei a conversar com as autoridades<br />
zapatistas no sentido de trazer a tecnologia audiovisual para as<br />
comunidades e eles se mostraram muito interessados. 9 Também<br />
falei com os representantes locais das ONGs que tinham relação de<br />
trabalho com as comunidades zapatistas. Eles também se mostraram<br />
partidários da ideia. Sua relação pré-existente ajudou a facilitar nossa<br />
comunicação e nos deu credibilidade dentro das comunidades.<br />
9 O projeto não teria sido possível sem a relação com as ONGs locais. Sempre trabalhamos muito<br />
para manter essas relações.<br />
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264 \<br />
Então, voltei aos Estados Unidos com a semente de uma ideia e<br />
também com o consentimento dos zapatistas para pô-la em prática.<br />
Nessa etapa do projeto, só imaginava uma oficina ou uma série delas<br />
numa região, nunca imaginei que chegaria a ser como foi realmente.<br />
organizando-se<br />
“Sempre quis prover as pessoas da região zapatista com equipamentos<br />
de vídeo de maneira que eles pudessem comunicar com sons e<br />
filmes gravados por eles mesmos aquilo que está acontecendo e o<br />
que não está acontecendo no interior de suas comunidades. Estou<br />
imensamente satisfeito ao saber que isso, finalmente, vai acontecer.”<br />
(Guillermo Monteforte, primeira correspondência, outubro, 1997)<br />
Voltei ao México no outono de 1995 e, durante esse período,<br />
comecei a fazer contato com pessoas que seriam cruciais para o<br />
êxito do projeto. Através de uma série de conexões internacionais,<br />
conheci Guillermo Monteforte, um realizador e instrutor que se<br />
revelou indispensável. Guillermo estava envolvido com uma iniciativa<br />
de fundos governamentais administrada pelo Instituto Nacional<br />
Indígena (INI), uma instituição governamental que dava treinamento<br />
e tecnologia audiovisual a comunidades indígenas em todo México<br />
desde o final dos anos 1980 e começo de 1990. 10 Ele também era<br />
diretor e fundador do Centro de Video Indígena (CVI), em Oaxaca, um<br />
centro criado como parte do programa INI. Guillermo não só estava<br />
familiarizado com o trabalho em comunidades indígenas mexicanas,<br />
mas também era um realizador profissional muito hábil e com uma<br />
sensibilidade especial para ensinar essas habilidades.<br />
10 O Instituto Nacional Indígena agora é conhecido como Comisión Nacional para el Desarrollo de los<br />
Pueblos Indígenas (CDI).
Com base em muitos anos de trabalho exitoso com os realizadores<br />
indígenas e suas comunidades, Guillermo foi capaz de criar contatos<br />
para potenciais instrutores de vídeo. Naquele tempo, continuávamos<br />
pensando que isso só seria uma oficina de duas semanas. Já que<br />
ele era o expert, deixei que organizasse o programa de treinamento<br />
enquanto eu me concentrava na logística e no financiamento dos<br />
equipamentos, tal como foi requerido pelas comunidades.<br />
Nessa mesma viagem, conheci David, autoridade zapatista que vivia<br />
em Oventic (nas terras altas). Depois de ouvir nossa ideia sobre uma<br />
oficina de vídeo, mostrou-se muito interessado e entusiasmado<br />
em nos apoiar. Foi também providencial o fato de que Oventic é<br />
o Caracol zapatista mais próximo (lugar e centro de reunião para<br />
os zapatistas) ao povoado de San Cristóbal de las Casas, onde<br />
estávamos nos hospedando e onde finalmente instalamos nosso<br />
primeiro escritório. 11 David nos sugeriu que entrássemos em contato<br />
com as autoridades de Ejido Morelia (localizada perto de Altamirano,<br />
nas Cañadas), cidade que estava, em média, seis horas em carro de<br />
Oventic. 12 Antes de ir embora do México para os Estados Unidos,<br />
enviamos uma mensagem através de uma ONG em San Cristóbal<br />
para dizer que estávamos interessados em ter uma reunião com as<br />
autoridades de Ejido Morelia.<br />
Quando voltei aos Estados Unidos, para mim estava claro que<br />
a estratégia mIdiática dos zapatistas era um sucesso. Havia<br />
informações sobre eles em todo lugar. Rapidamente, percebi que<br />
podia utilizar esse interesse para conseguir um suporte financeiro<br />
para essa importante iniciativa. Já de volta a Chicago, decidi que<br />
a melhor maneira de garantir os fundos para essa oficina seria<br />
organizá-la como um intercâmbio cultural juvenil. Como isso<br />
11 Caracol foi previamente conhecida como Aguas Calientes; existem cinco no total.<br />
12 Las cañadas (cânones) foram as zonas onde as novas comunidades zapatistas se localizavam.<br />
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266 \<br />
acontecia em 1995 – só um ano depois do levante – com muitos<br />
dos meios de massa ainda retratando aos zapatistas como lutadores<br />
guerrilheiros tratando de tomar o México, senti que seria muito<br />
mais fácil conseguir, em primeiro lugar, fundos para estabelecer<br />
um intercâmbio cultural, depois equipar e treinar zapatistas como<br />
realizadores de vídeo.<br />
atores centrais<br />
“É profundamente motivador ver gente jovem reunir-se para construir<br />
laços de amizade, cooperação e comunicação. Eu aplaudo sua visão<br />
e espero que este projeto inspire futuros intercâmbios culturais com<br />
grupos de jovens ao redor do mundo.” (Carol Moseley-Braun, Ex-<br />
Senadora dos Estados Unidos, carta de apoio, 7 de janeiro, 1998)<br />
Uma figura chave no recolhimento de fundos para tornar realidade<br />
esse projeto foi Tom Hansen (atualmente coordenador nacional da<br />
Red Solidaria con México) que, na época, era diretor de Pastores por<br />
la Paz, uma ONG com base nos Estados Unidos que havia estado<br />
trabalhando em Chiapas desde o levante. Tom ajudou-me a fazer<br />
os contatos para recolher fundos para o equipamento inicial. Essa<br />
primeira lista de indivíduos foi a base para prover um significativo<br />
apoio inicial e até hoje continuam sendo nossos apoiadores. 13<br />
Através de um dos contatos de Tom na Cidade do México, conheci<br />
José Manuel Pintado, um produtor de vídeo independente que havia<br />
me apresentado a Guillermo Monteforte e a Fábio Meltis, que também<br />
trabalhava com jovens indígenas na Cidade do México. Fábio me<br />
ajudou a organizar os jovens que participaram nessa primeira oficina.<br />
13 Nossa mala direta se compõe de uma lista de pessoas a quem enviamos cartas solicitando doações<br />
duas vezes ao ano.
Outro personagem essencial na formação de CMP/Promedios foi<br />
Francisco (Paco) Vázquez, um jovem nahua das proximidades da<br />
Cidade do México que participou da primeira oficina. Paco havia<br />
estado envolvido nos projetos coletivos de sua comunidade e tinha<br />
uma sensibilidade bem formada acerca de como tratar com as<br />
comunidades de Chiapas. Sem Paco, o projeto nunca teria avançado<br />
além da primeira oficina. Quando o conheci, ele falava fluentemente<br />
o inglês – através de aprendizado autodidata – e passou a ser meu<br />
companheiro/tradutor, já que eu falava muito pouco o espanhol<br />
durante o primeiro ano e meio de projeto. Paco me ajudou a navegar<br />
na cultura indígena mexicana e a entender a burocracia do país.<br />
Foi, de muitas maneiras, meu protetor nas numerosas vezes que fui<br />
detida em barreiras de imigração e pontos de controle do Exército.<br />
Street Level Youth Media era a organização de jovens com base em<br />
Chicago com a qual entrei em contato para participar na primeira<br />
oficina. Era formada por jovens da parte central e mais povoada<br />
da cidade, na maioria chicanos. Através de Street Level consegui<br />
a isenção do imposto 501-c-3, o que foi muito útil para solicitar<br />
fundos. Por outro lado, envolver a Street Level em nossa primeira<br />
oficina foi problemático, e depois que terminou esse processo e o<br />
cumprimento do requerimento de doação, CMP/Promedios decidiu<br />
terminar a relação.<br />
primeira oficina<br />
“<strong>Para</strong> mim é um despertar, porque nem sequer tínhamos visto<br />
equipamentos como os que estão agora nas nossas mãos. Agora<br />
vemos que podemos fazer esse trabalho.” (Emilio, primeira oficina<br />
em Ejido Morelia, fevereiro, 1998)<br />
A primeira oficina aconteceu no município autônomo de Ejido Morelia.<br />
Através de nossa rede de contatos, fomos apresentados a Miguel, que<br />
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foi nossa primeira conexão com a comunidade e com as autoridades<br />
regionais e locais. Ele foi uma figura central no planejamento e na<br />
evolução do projeto. Foi através dele que começamos a compreender<br />
a estrutura de governo das autoridades civis zapatistas. Descobrimos<br />
que comunicação e logística eram muito mais fáceis quando uma<br />
pessoa da comunidade atuava como “pessoa chave”.<br />
Por causa dos grandes eventos políticos e militares promovidos pelo<br />
governo mexicano em todo território de Chiapas, demorou dois anos<br />
para que fundássemos e organizássemos nossas primeiras oficinas.<br />
O massacre de Acteal, em 1977, criou pânico dentro do grupo Street<br />
Level Youth Media e tivemos que reorganizar alguns dos nossos<br />
planos iniciais14 . Em fevereiro de 1998, promovemos as primeiras<br />
oficinas binacionais como parte do nosso projeto de intercâmbio<br />
cultural juvenil com o nome de Chiapas Youth Media Project;<br />
os participantes eram da Street Level Youth Media de Chicago, o<br />
grupo de jovens indígenas que trabalhavam com Fábio na Cidade<br />
do México e o grupo de realizadores indígenas de Guillermo, vindo<br />
de Oaxaca. Essas primeiras oficinas foram realizadas com o suporte<br />
de uma doação do Fondo para la Cultura de México-Estados Unidos,<br />
com sede na Cidade do México.<br />
Chegamos a Ejido Morelia em um momento em que havia muita tensão<br />
por causa da extração ilegal de madeira e que finalmente resultou<br />
em um enfrentamento físico. Todo incidente ilustrou a dificuldade<br />
para organizar o intercâmbio cultural em áreas de muito conflito. A<br />
equipe de Street Level queria completa e constante garantia de que<br />
“nada aconteceria” e quando aconteceu algo, um incidente menor,<br />
entraram em pânico agregando tensão à já tensa situação.<br />
14 Como reação ao ambiente político interno mexicano, cada vez mais volátil, decidimos garantir a<br />
segurança da delegação juvenil pedindo aos deputados do Partido Democrático Revolucionario (PDR)<br />
que escoltassem nosso grupo dos pontos de imigração até Ejido Morelia.
o que podemos introduzir e onde podemos fazê-lo?<br />
“Estamos dando uma mão aos companheiros aqui em Chiapas que<br />
estão interessados em receber essa oficina... A luz acabou e tivemos<br />
que usar geradores elétricos da clínica, aí pudemos começar. E os<br />
cachorros comeram nossa comida durante a noite anterior e tivemos<br />
que voltar (a San Cristóbal) para buscar mais comida. Esses foram<br />
diferentes problemas que tivemos ao fazer as oficinas.” (Sergio<br />
Julián, indígena mixteco instrutor de vídeo durante a primeira oficina<br />
em Oventic, fevereiro, 1998)<br />
Durante essas primeiras reuniões com David e Miguel, autoridades<br />
zapatistas, perguntamos muitas coisas sobre temas relacionados<br />
à infraestrutura, como eletricidade, edifícios a prova de condições<br />
climáticas (pelo menos em termos), segurança para a equipe, etc.<br />
Em ambos os lugares, Oventic e Ejido Morelia, só havia energia<br />
sem cabos, linhas trazidas da rede elétrica da área. Os líderes<br />
comunitários explicaram que não havia garantia de eletricidade ou<br />
voltagem constante, pelo que entendemos que haveria interrupções<br />
inevitáveis no decorrer das oficinas.<br />
O primeiro equipamento adquirido foi uma câmera S-VHS, uma<br />
de vídeo VHS e sistemas de edição S-VHS. A princípio, aceitamos<br />
equipamento usado de nossos simpatizantes, todos dos Estados<br />
Unidos. Mas percebemos, rapidamente, que essas doações tinham<br />
um período de vida útil muito curto e que se transformavam em um<br />
problema. Reconhecemos que as pessoas tentavam ser altruístas ao<br />
nos enviar seus equipamentos, mas, rapidamente, aprendi a dizer: “se<br />
você não os usa, nós também não precisamos deles!” Os zapatistas<br />
precisam de bom equipamento e treinamento, não daquilo que os<br />
consumistas norte-americanos, saturados de tecnologia, jogavam fora.<br />
/ 269
270 \<br />
Como nos organizamos?<br />
“Percebemos que a televisão estava dizendo só mentiras sobre o<br />
que acontecia na nossa Chiapas. Ou colocam ou tiram palavras, mas<br />
nunca dizem a verdade. Também achamos que seria bom ter uma<br />
câmera porque tem muitos soldados nas nossas terras, em qualquer<br />
momento pode acontecer algo. Isso significa que quando os<br />
soldados estão batendo em alguém podemos filmar ele, gravar um<br />
testemunho e denunciar” (Moisés, realizador zapatista entrevistado<br />
em La Jornada, outubro, 2000).<br />
Com o sucesso da primeiras oficinas de vídeo de Ejido Morelia e<br />
de Oventic, ficou claro que as comunidades zapatistas estavam<br />
interessadas em continuar o treinamento. Em março de 1998,<br />
decidimos formalizar o projeto como Chiapas Media Project (CMP),<br />
uma organização sem fim lucrativos com sede nos Estados Unidos.<br />
Apenas iniciado o projeto, percebi claramente que certos aspectos<br />
de minha condição cultural (branca, de classe média, educada<br />
na universidade, mulher, norte - americana) estavam causando<br />
problemas. A minha frustração era mais notória nas longas reuniões<br />
com as autoridades zapatistas locais e diante da lentidão na<br />
tomada de decisões dentro das comunidades. Minha insatisfação<br />
com esse processo criou um atrito no interior do grupo e percebi<br />
que minhas forças poderiam ser melhor utilizadas em outra parte.<br />
Nesse momento, me desliguei das decisões diárias no México e me<br />
concentrei na distribuição e promoção internacional do projeto.<br />
Em 2001, nos firmamos no México como Promedios de Comunicación<br />
Comunitaria e agora nos referimos a nós mesmos como Chiapas<br />
Media Project/ Promedios. Estamos organizados como um coletivo,<br />
sem diretor e sem estrutura hierárquica. Temos três pessoas<br />
trabalhando em tempo integral e outra em tempo parcial em Chiapas,
e uma outra que trabalha em tempo integral nos Estados Unidos.<br />
Nossa organização tenta refletir a estrutura organizacional das<br />
próprias comunidades zapatistas com as que trabalhamos.<br />
Nosso trabalho atual em Chiapas é ajudar as comunidades a construir<br />
e equipar cinco Centros Regionales de Medios. Vemos nosso papel<br />
no sentido de guiá-los para criar uma rede autônoma de meios de<br />
comunicação que seja reflexo de suas necessidades.<br />
Como ensinamos?<br />
“Não é fácil traduzir do ‘castelhano indígena’ ao inglês. <strong>Para</strong> os<br />
que não compreendem alguma língua originária, ao traduzir-se<br />
ao castelhano, para começar, tem-se uma mistura complexa de<br />
expressões e estruturas que aparentam uma falta de habilidade no<br />
falar. No entanto, através desses erros na fala se podem vislumbrar<br />
profundas sabedorias, conhecimento e história”. (Guillermo<br />
Monteforte, correspondência, abril, 1998)<br />
Cheguei ao projeto com muito pouco conhecimento dos meios de<br />
comunicação indígenas ou de seus processos. Minha visão primária<br />
de CMP/Promedios vinha da minha história como documentarista/<br />
artista e meu interesse e curiosidade estavam enfocados na pergunta:<br />
“Que tipo de vídeos produziriam os zapatistas se tivessem os meios<br />
e equipamentos necessários?” Na minha cabeça, estava facilitando a<br />
formação de realizadores, estava transmitindo habilidades técnicas<br />
aos meus companheiros. No verão de 1998, demos a primeira<br />
oficina de produção no povoado de La Realidad. Eu estava sentada<br />
ao lado de Manuel, uma autoridade zapatista local, que segurava<br />
uma câmera nas mãos, quando ele se virou para mim e perguntou:<br />
“Não precisamos de permissão especial do governo para usar este<br />
equipamento?” Fiquei surpresa com a pergunta e quis saber porque<br />
ele estava me perguntando aquilo. Ele respondeu: “Porque todas as<br />
/ 271
272 \<br />
pessoas que vêm aqui sempre têm crachás dependurados que foram<br />
dados pelo governo”. Ele estava se referindo à imprensa e, mais<br />
tarde durante a discussão, percebi que Manuel pensava que a posse<br />
de equipamentos deveria ser antes autorizada pelo governo.<br />
No princípio do processo de treinamento em vídeo, éramos bastante<br />
conscientes do perigo de trazer “forasteiros” temporais para fazer o<br />
treinamento, particularmente na qualidade de “instrutores”. Trazer<br />
gente de fora do México não ia funcionar nem do ponto de vista<br />
econômico, nem sociopolítico; não queríamos reproduzir o modelo<br />
colonial. Com raras exceções, todas as oficinas iniciais de vídeo e de<br />
computação, durante os primeiros dois anos, foram dadas por realizadores<br />
de Oaxaca ou por parte da equipe mexicana de CMP/Promedios.<br />
Nas primeiras oficinas, os alunos eram, principalmente, autoridades<br />
locais postos ali para observar e ter certeza de que “não estávamos<br />
fazendo nada de mal”. Descobrimos isso logo depois de ter<br />
trabalhado com as comunidades por um tempo; percebemos que<br />
certas pessoas abandonavam o curso e descobríamos, mais tarde,<br />
que eram pessoas em posições de liderança. 15 Outra dinâmica que<br />
acontecia era a presença de muitos “forasteiros”.<br />
Muitas pessoas chegaram e continuam chegando a Chiapas com<br />
intenções de ajudar as comunidades. Existe uma tendência nas<br />
pessoas que chegam de fazer muitas promessas que não podem<br />
cumprir; por isso não voltam. Isso deixa os comunitários alertas com<br />
relação aos visitantes que vêm pela primeira vez. Sabíamos, desde<br />
o princípio, que não podíamos fazer promessas que não tínhamos<br />
condições de cumprir e que o mais importante era a continuidade,<br />
manter a presença.<br />
15 Era compreensível que nos tratassem assim considerando a situação em Chiapas quando<br />
começamos o primeiro trabalho lá: eram os forasteiros os que, potencialmente, causariam problemas.
Nunca fui instrutora em nenhuma oficina de produção formal de<br />
vídeo ou em trabalhos de pós-produção nas comunidades. Meu<br />
papel sempre foi o de consultora técnica, aconselhando sobre<br />
equipamentos e conversando com os instrutores. Todos sentíamos<br />
que era extremamente importante que os instrutores fossem<br />
mexicanos ou, ainda melhor, que fossem indígenas mexicanos.<br />
Isso daria continuidade ao processo utilizando gente local que<br />
também conectaria os realizadores zapatistas à mais ampla rede<br />
de realizadores indígenas no México e na América Latina. Minha<br />
intenção sempre foi fazer o projeto crescer o suficiente para que eu<br />
pudesse deixar o trabalho nas mãos dos mexicanos. Uma vez que<br />
formalizamos o processo, percebemos que isso era um compromisso<br />
a longo prazo. Necessitaríamos criar autossustentabilidade onde<br />
fosse possível e ter relações de proximidade com os realizadores<br />
indígenas em Oaxaca, que facilitariam nossa continuidade no<br />
treinamento, fortaleceriam e ampliariam a rede audiovisual indígena.<br />
o monstro do financiamento<br />
“O Comité Ejecutivo de Fondos fechou acordo para doar $21.400<br />
(USD) para o desenvolvimento do projeto mencionado anteriormente<br />
(Chiapas Youth Media Project). A concessão dos fundos designados<br />
aos projetos de doação está estabelecida através de um acordo<br />
assinado pelo Fondo e pela pessoa que responde como gerente<br />
do projeto, que será responsável por assinar o acordo, receber os<br />
cheques e manter o Fondo informado sobre o desenvolvimento do<br />
processo assim como sobre a aplicação dos valores designados”.<br />
(Marcela S. Madariaga, coordenadora do programa. Fondo para la<br />
Cultura México-Estados Unidos, carta de notificação do primeiro<br />
pagamento, agosto, 1997)<br />
/ 273
274 \<br />
Desde o começo, reconhecemos a vulnerabilidade do projeto e<br />
percebemos que precisávamos de elementos de autossustentabilidade<br />
e que eles deveriam ser um produto midiático que pudesse ser<br />
mostrado, distribuído e vendido. Infelizmente, vender vídeos feitos<br />
por indígenas como iniciativa isolada não sustentava o projeto.<br />
Sabíamos que estávamos trabalhando dentro de um processo político<br />
que era extremamente crítico com o capitalismo internacional<br />
e que os zapatistas desconfiavam do apoio governamental e dos<br />
interesses corporativos. Precisávamos respeitar esse marco político,<br />
equilibrando-o com a realidade da necessidade constante de fundos.<br />
Portanto, durante os primeiros cinco anos, a parte norte-americana<br />
do projeto se encarregou de assegurar os fundos. 16<br />
Como realizadora, eu entendia os custos envolvidos na manutenção<br />
do equipamento e sabia que necessitaríamos estratégias criativas<br />
para autogerar os fundos. Além de fundos corporativos e de<br />
altruísmo pessoal, criamos um sistema de autogeração de fontes de<br />
ingresso: venda de vídeos e apresentações universitárias.<br />
Quando começamos a discutir com as comunidades sobre o projeto,<br />
explicamos que o equipamento era deles e que poderiam fazer o que<br />
quisessem, mas se decidissem que não queriam fazer vídeos para<br />
consumo externo (como produto para vender fora das comunidades),<br />
seria bastante difícil manter o financiamento. Portanto, foi um<br />
acordo básico desde o princípio que, para gerar entrada, alguns<br />
vídeos deveriam ser vendidos. O primeiro vídeo produzido pelas<br />
comunidade, La Familia Indígena, foi feito durante a primeira série<br />
16 Durante os primeiros 18 meses do projeto, recebemos também doações individuais no México via<br />
contatos pessoais. Essa decisão foi tomada por inúmeras razões: sustentávamos o perfil de “sem fins<br />
de lucro” nos Estados Unidos; as propostas precisavam ser escritas em inglês; eu tinha experiência<br />
prévia como produtora e sabia como buscar subvenções; tínhamos alguns contatos de financiamento<br />
estabelecidos nos Estados Unidos.
de oficinas, na primavera de 1998, em Ejido Morelia. Foi bastante<br />
simples, um vídeo direto sobre os diferentes papéis e trabalhos de<br />
homens e mulheres dentro das comunidades. As pessoas falavam<br />
em espanhol (isso foi muito antes de começarem a gravar em seu<br />
próprio idioma para melhor distribuição internacional) 17 . Essa fita<br />
foi usada como primeiro vídeo promocional pela CMP/Promedios.<br />
Organizamos nosso primeiro tour pelos Estados Unidos com esse<br />
vídeo e desenvolvemos um modelo viável para fazer apresentações<br />
que geraram caixa e aumentaram a visibilidade do projeto.<br />
Através dos anos, houve uma mudança significativa na qualidade<br />
de produção dos vídeos. Todas as produções (tanto as de uso<br />
interno como externo) são submetidas a algum tipo de consenso<br />
comunitário sobre temas e conteúdos. 18 O que sempre me pareceu<br />
interessante é a diferença entre o que as comunidades produzem<br />
sobre si mesmas e o que produzem os “forasteiros” sobre eles. Houve<br />
uma tendência nos “que vêm de fora” a focalizar a militarização e<br />
violência em Chiapas, enquanto as pessoas das comunidades se<br />
retratam a si mesmas como sobreviventes envolvidas no aspecto<br />
da luta e resistência contra a globalização e o neocolonialismo.<br />
As produções em distribuição internacional são documentários<br />
focalizados em projetos coletivos como o café, têxteis, educação,<br />
agricultura orgânica, etc. 19 A grande maioria dos vídeos produzidos<br />
para o consumo interno são de reuniões, celebrações, encontros<br />
culturais em línguas maias. As pessoas do CMP/Promedios raramente<br />
assistem a essas produções.<br />
17 O castelhano foi usado nas primeiras produções porque os vídeos foram exibidos em todas os<br />
municípios zapatistas autônomos, nos quais essa é a língua comum. Como o projeto começou a se<br />
integrar mais em nível local e regional, as línguas locais começaram também a ser usadas.<br />
18 Essas discussões podem acontecer em âmbito local, regional ou municipal. Os produtores zapatistas<br />
fazem vídeos em colaboração com sua comunidade, região e/ou municipalidade.<br />
19 Todos os vídeos de distribuição internacional são traduzidos ao inglês, castelhano e francês.<br />
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276 \<br />
Atualmente, estamos distribuindo – principalmente através de nosso<br />
escritório em Chicago – 24 vídeos produzidos internacionalmente<br />
em Chiapas e Guerrero. As vendas de vídeo em 2005 excederam<br />
os U$17.000, sendo as universidades os locais que mais garantem<br />
essas entradas. Foi só nos últimos anos que as comunidades<br />
puderam ver o benefício econômico direto. Atualmente, as vendas<br />
de vídeos cobrem as tarifas de conexão via satélite à internet nos<br />
cinco Centros Regionales de Medios. 20<br />
Em 2003, comecei a tomar parte em grandes conferências acadêmicas<br />
como a American Anthopological Association (AAA) e Latin American<br />
Studies Association (LASA). A presença nessas conferências tem<br />
sido um instrumento para aumentar nossa visibilidade no âmbito<br />
acadêmico, incrementando fortemente nossas vendas de vídeo e<br />
agregando nomes à nossa mailing list. Uma de nossas principais<br />
fontes de entrada autogerada vem dos honorários das apresentações<br />
em universidades.<br />
Um benefício adicional de fazer essas apresentações em ambiente<br />
acadêmico é o contato direto com os estudantes universitários norteamericanos.<br />
<strong>Para</strong> muitos deles, é a primeira vez que ouviram falar<br />
de meios de comunicação indígenas. Eles se veem, frequentemente,<br />
afetados pelo poder da autorrepresentação. Os vídeos produzidos<br />
pelos zapatistas podem ter um efeito muito poderoso, inclusive<br />
nos estudantes mais desinteressados. Ver gente organizando-se<br />
coletivamente para trabalhar em hortas orgânicas municipais (sem<br />
máscaras ou armas), falando de como desejam ser autossuficientes,<br />
de não usar fertilizantes químicos e de não aceitar as migalhas<br />
20 Os Centros Regionales de Medios possuem acesso a Internet via satélite. Isso requer um computador<br />
que controle a posição e programação da fonte do satélite. As comunidades usam internet para se<br />
corresponder, para participar de feiras comerciais distribuindo seus produtos, para estar por dentro<br />
das notícias e comunicar-se com outros Centros Regionales de Medios.
do governo, vai completamente contra a imagem preconcebida<br />
(e a desinformação midiática corporativa) dos zapatistas como<br />
guerrilheiros armados e interessados só no poder do Estado. Essas<br />
apresentações acadêmicas beneficiam a CMP/Promedios de muitas<br />
maneiras: aumentando as vendas de vídeos, promovendo, de boca<br />
em boca, futuras apresentações, recrutando estudantes e criando<br />
sensibilidade com relação à luta indígena e à autorrepresentação.<br />
A CMP/Promedios também capta fundos através de recursos<br />
filantrópicos. No começo do projeto, decidimos que consideraríamos<br />
as doações sempre e quando não estivessem ligadas a influências e<br />
que o programa político da fundação em questão não estivesse em<br />
choque com os programas políticos das comunidades. Consideramos<br />
doações de fundações que não estejam ligadas a programas políticos<br />
externos e que, ao mesmo tempo, não estejam em conflito com<br />
nosso trabalho. 21<br />
Levou tempo identificar que fundações tinham prioridades para doar<br />
fundos, as que estavam de acordo com nosso trabalho e que queriam<br />
arriscar-se em um projeto como o nosso. O apoio dessas fundações<br />
privadas fez possível nosso crescimento como organização.<br />
Através dos anos, nos relacionamos com fundações que<br />
nos trouxeram problemas. Esses problemas tinham sua origem na<br />
necessidade que essas instituições tinham de recriar um contexto<br />
cultural preconcebido e, com frequência, totalmente desconectado<br />
21 O que mais nos foi pedido é que colocássemos o nome da fundação em nossos materiais impressos,<br />
o que, certamente, estamos felizes em fazer.<br />
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278 \<br />
do contexto cultural no qual operávamos. 22 Percebemos que o apoio<br />
de fundações não ia durar para sempre, mas tínhamos a esperança<br />
de manter essas relações tempo suficiente para estabelecer a<br />
infraestrutura necessária para tornar todos os Centros Regionales de<br />
Medios completamente operativos e autossuficientes.<br />
Desde o princípio do projeto, temos mantido posições coincidentes<br />
sobre o modo de pedir apoios corporativos e, até pouco tempo,<br />
decidimos não optar por essa possibilidade. Com a pressão<br />
crescente no sentido de gerar grandes quantidades de dinheiro para<br />
sustentar os Centros Regionales de Medios e seus equipamentos –<br />
que são bastante caros – além de suas necessidades de treinamento<br />
avançado, finalmente decidimos buscar fundos corporativos. Em<br />
2004, indiquei uma pessoa da nossa equipe para um prêmio de<br />
alto grau em Direitos Humanos auspiciado por uma corporação nos<br />
Estados Unidos e conseguimos o prêmio. Ele foi dado a uma pessoa,<br />
mas o dinheiro vai para sua organização. Os subsídios corporativos<br />
têm seus benefícios, mas também suas desvantagens: normalmente<br />
estão cercados de contradição, e o espetáculo e a individualização<br />
deles vai contra a filosofia indígena. Buscaremos outro patrocínio<br />
corporativo? Acho que é algo que ainda estamos avaliando. Sabemos<br />
que, no futuro, precisaremos procurar corporações cujas filosofias<br />
sejam mais parecidas às nossas.<br />
22 Muitas fundações têm um foco específico em relações de gênero e querem garantias igualitárias de<br />
participação das mulheres. Há uns anos atrás, tínhamos um funcionário de programação que, durante<br />
uma reunião com as autoridades locais zapatistas nas regiões de montanha, nos chamou a atenção<br />
por não incluir mais mulheres nas oficinas. A insensibilidade cultural assustava (a ideia de que se pode<br />
ignorar os processos da comunidade, o contexto cultural em prol de exigir um resultado específico). O<br />
incidente criou uma tensão com as autoridades zapatistas que têm, desde 1994, uma Declaración de<br />
Igualdad de Derechos e que estão – no contexto de papéis de gênero nas comunidades indígenas no<br />
México – a anos luz diante da maioria.
Conclusão<br />
“Instalamos o projetor e um lençol branco sobre a parede de uma<br />
das salas de aula. Estava escurecendo e as pessoas começaram a sair<br />
e sentar-se na grama... apareceu a primeira imagem: as barras de<br />
cores, e escutei “oohs e aahs” ... mas o que impressionou ainda mais<br />
que as barras de cores foi ver essas pessoas comovidas por um vídeo<br />
produzido em sua própria língua e por sua própria gente: homens,<br />
mulheres e crianças com um senso de orgulho e também emoção<br />
por serem capazes de ver-se a si mesmos falando de seu trabalho, de<br />
sua organização e de sua luta”. (Cruz Ángeles, realizador e voluntário<br />
de CMP/Promedios, 2000)<br />
Como disse antes, não consigo ver a CMP/Promedios como o único<br />
modelo para apoiar as iniciativas midiáticas indígenas, é só um<br />
exemplo das inúmeras possibilidades. Na América Latina inteira,<br />
existe um número importante e bem sucedido de projetos midiáticos<br />
indígenas. Na Bolívia, uma iniciativa nacional de vídeo indígena é a<br />
CAIB (Coordinador Audiovisual Indígena de Bolivia), que produziu<br />
mais de 150 vídeos em centenas de comunidades envolvidas. No<br />
Brasil, o Vídeo nas Aldeias está trabalhando com populações indígenas<br />
para produzir documentários de grande feitura demonstrando<br />
importantes práticas culturais e a vida comunitária. No Equador,<br />
a CONAIE (Confederación de Naciones Indígenas de Ecuador) está<br />
produzindo vídeos indígenas por vários anos. Além do mais, há<br />
um grande número de pequenas iniciativas cujo trabalho não tem<br />
nem reconhecimento nem distribuição. A produção de vídeos e sua<br />
disseminação nas comunidades já chegou a ser um traço regular na<br />
vida indígena..<br />
Muitos me perguntam como me sinto – como mulher branca, de classe<br />
média – trabalhando com comunidades indígenas no México. Aprendi<br />
que há um importante papel para os “forasteiros” como colaboradores<br />
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280 \<br />
das organizações/comunidades indígenas fomentando as iniciativas<br />
midiáticas, na transferência inicial de tecnologia audiovisual, na<br />
criação de infraestrutura e na sua sustentabilidade. Como pude ver,<br />
minha contribuição mais importante foi minha capacidade de reunir<br />
fundos iniciais que apoiaram a criação de infraestrutura permanente<br />
e meu papel atual na distribuição dos vídeos para uma audiência<br />
o mais ampla possível. Utilizando os recursos disponíveis aqui nos<br />
Estados Unidos, o fomento do trabalho colaborativo posterior foi a<br />
minha contribuição mais importante.<br />
Através de meu trabalho com a CMP/Promedios, testemunhei como<br />
as comunidades em Chiapas adaptam a tecnologia audiovisual como<br />
uma importante ferramenta de comunicação interna, preservação<br />
cultural, direitos humanos e como um veículo para comunicar suas<br />
próprias verdades, histórias e realidades ao mundo exterior. A<br />
habilidade de gravar, editar e distribuir a própria história é vital para<br />
o funcionamento da sociedade. Os vídeos controlados pelos povos<br />
indígenas têm o poder de fazer conexões entre as comunidades e<br />
de propagar a comunicação/informação internacionalmente entre os<br />
não indígenas. Todos temos um papel a cumprir no apoio desses<br />
importantes processos.<br />
“A partir deste grupo de gente jovem, ou de gente não tão jovem, é<br />
minha intenção insistir em que aprendam mais, em que se preparem<br />
mais para que sejam capazes de dar um testemunho e contar uma<br />
história, tudo gravado de maneira que as pessoas possam ver um<br />
trabalho que está indo adiante.” (Miguel, autoridade zapatista local,<br />
Ejido Morelia, fevereiro, 1998)<br />
Tradução: Alessandra Carvalho
\ O outro olhar. Vídeo indígena e<br />
descolonização<br />
/ Freya Schiwy 1<br />
Embora Hollywood siga sendo espaço de produções importantes,<br />
com um investimento de capital imenso, agora tem que enfrentar<br />
a competição com outras indústrias cinematográficas (Hong Kong,<br />
Bollywood) e compartilhar o espaço midiático global com filmes<br />
de procedência antes considerada marginal como, por exemplo,<br />
o cinema latinoamericano da última década. Além do mais, filmes<br />
como Smoke signals (EUA, 1998), Atanarjuat, the fast runner<br />
(Canadá, 2001) e Whale rider (Nova Zelândia, 2002) chegaram às<br />
salas de exibição comercial, dando sinal de que o cinema e vídeo<br />
indígenas também estão fazendo parte dos fluxos midiáticos globais<br />
que criam novas geografias audiovisuais. Não só as produções de<br />
grande acolhida global são as que chamam a atenção da crítica.<br />
<strong>Para</strong>lelamente ao enorme aumento na produção do cinema argentino,<br />
brasileiro, mexicano e do cinema indígena do norte, os movimentos<br />
e organizações indígenas na América Latina foram desenvolvendo<br />
processos de comunicação com base no vídeo, primeiro analógico e<br />
agora, principalmente, digital.<br />
A produção e difusão do vídeo cria redes de intercâmbio audiovisual<br />
que ultrapassam as fronteiras da nação ao colocar em contato<br />
diversas comunidades indígenas e camponesas. Desse processo,<br />
emerge a criação de uma vasta quantidade de documentários,<br />
docuficções, ficções e também de representações videográficas que<br />
escapam a essa classificação convencional.<br />
Ainda que o uso da tecnologia audiovisual por organizações indígenas<br />
seja múltiplo e descentralizado, até este momento as produções<br />
1 Freya Schiwy é professora da Universidade da Califórnia, Riverside, EUA. Se especializou em cultura e<br />
literatura andina, cinema latinoamericano e estudos de gênero.<br />
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282 \<br />
mais contínuas vêm da Bolívia, do Brasil e do Equador, com filmagens<br />
muito diversas também no México e uma crescente atividade<br />
videográfica no Chile.<br />
Os processos de comunicação audiovisual na América Latina, em<br />
sua maioria, foram apoiados pelo CLACPI (Consejo Latinoamericano<br />
del Cine y Video de los Pueblos Indígenas), fundado em 1985 por<br />
antropólogos visuais e cineastas independentes. No entanto, a<br />
produção de vídeo indígena é descentralizada. Em âmbito regional, a<br />
tecnologia é usada por organizações indígenas locais cujos membros<br />
criam redes de intercâmbio e processos de comunicação audiovisuais<br />
distintos, ainda que não sejam isolados. Na Colômbia, por exemplo,<br />
o CRIC (Consejo Regional Indígena del Cauca) foi o responsável pela<br />
produção de uma série de vídeos que fazem parte de seu programa<br />
de educação bilíngue. No Equador, o CONAIE (Consejo Nacional<br />
Indígena de Ecuador) foi centro da produção e intercâmbio de vídeos<br />
entre diversas culturas indígenas do país. Na Bolívia, CEFREC/CAIB<br />
formaram uma rede intercultural e organizaram festivais regionais<br />
que extrapolaram as fronteiras nacionais ao difundir documentários,<br />
ficções, vídeos educativos e vídeo cartas de lugares diversos do país.<br />
Seus “vídeo-pacotes”, compilações de vários vídeos curtos em fita<br />
VHS que circulam através de sua rede, incluem também seleções<br />
de curtas de Cuba, México e ainda do Canadá. Todos têm também<br />
maneiras variadas de aproveitar-se e relacionar-se com as instituições<br />
estatais. No México, por exemplo, experimenta-se um processo<br />
paulatino de tornar essas instituições independentes do estado e<br />
do Instituto Indigenista como promotor de capacitação tecnológica<br />
(Cusi-Wortham; Brígido-Corachán). Na Bolívia, manteve-se uma<br />
grande distância, além de uma suspeita com relação às instituições<br />
estatais. Desde o princípio, trabalharam com bolsas internacionais<br />
de organizações governamentais e não governamentais como AECI<br />
(Agencia Española de Cooperación Internacional), Mugarik Gabe
(ONG do país basco) e SEPHIS (organização holandesa Himpele,<br />
“Packaging”). No Equador, por outro lado, existe a CONAIE que é uma<br />
organização independente do Estado, mas os próprios movimentos<br />
indígenas participaram, durante certos períodos, do governo<br />
(Walsh). Esses são só uns poucos exemplos. A produção total de<br />
vídeos indígenas na América Latina é, certamente, muito mais vasta<br />
e complexa e está em constante mudança e expansão. Em vez de<br />
oferecer um panorama comparativo – tentativa talvez impossível<br />
dadas as dinâmicas às que acabo de aludir – este ensaio está<br />
enfocado no trabalho dos comunicadores audiovisuais organizados<br />
em torno a CEFREC e CAIB, ressaltando alguns elementos cruciais do<br />
impacto e da importância do meio audiovisual para os processos de<br />
descolonização que os movimentos indígenas do continente estão<br />
levando a cabo.<br />
Os vídeos do CEFREC/CAIB, na Bolívia, se destacam por seguir<br />
um plano coordenado para a comunicação audiovisual dos povos<br />
indígenas na região andino-amazônica. Essas instituições também<br />
são conhecidas por uma série de curtas de ficção. Esses curtas, cuja<br />
duração varia entre 25 e 50 minutos, compartilham com cineastas<br />
do Brasil, do México e da Argentina o desejo em comum de entreter<br />
o seu público. No entanto, enquanto a nova geração de realizadores<br />
latinoamericanos, como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles<br />
e estrelas como Gael García (só para citar os mais óbvios) desejam<br />
fazer parte da produção cinematográfica em grande escala e<br />
aproveitam tanto a estética como também as possibilidades de<br />
produção hollywoodianas, os processos de comunicação audiovisual<br />
indígena não procuram integrar-se aos espaços comerciais.<br />
Comunicadores indígenas, como Reynaldo Yujra, Marcelina Cárdenas,<br />
Patricio Luna ou Julia Mosúa, entre tantos outros, fazem uso do<br />
vídeo digital para resgatar e reavaliar tradições culturais que foram<br />
colocadas em posição subalterna pelo colonialismo e seu legado,<br />
/ 283
284 \<br />
ou integrados ao mercado multicultural como produtos de consumo<br />
folclórico. Em vez de buscar uma integração à ordem existente,<br />
os comunicadores criaram redes alternativas nas quais se discute<br />
o potencial das diversas culturas indígenas do continente como<br />
recurso para imaginar alternativas à modernidade neoliberal. Na<br />
página web do CEFREC, destaca-se que o Plan Nacional Indígena<br />
Originario de Comunicación Audiovisual “está possibilitando a<br />
formulação de métodos e instrumentos de comunicação apropriados<br />
(e apropriáveis) para a participação, informação e capacitação;<br />
a fim de que os povos indígenas possam estar em melhores<br />
condições de participar de maneira mais ativa nos processos de<br />
desenvolvimento, para que gerem propostas e reflexões conjuntas e<br />
influam nos processos de mudança que enfrentam. Por outro lado, o<br />
conhecimento e a sabedoria indígenas compartilhados a partir desse<br />
plano proporcionam elementos à busca solidária de possíveis pautas<br />
de solução para os muitos problemas indígenas em diferentes áreas”<br />
(CEFREC, “Plan”, p. 2-3).<br />
A comunicação audiovisual indígena faz parte de um processo<br />
complexo de descolonização, tanto do próprio olhar como também<br />
da maneira como a sociedade nacional percebe as comunidades<br />
camponesas e indígenas; esse olhar, como é bem sabido, foi<br />
se formando sob a influência de representações literárias,<br />
cinematográficas e, cada vez mais, também televisivas.<br />
Vários aspectos chamam atenção nas produções indígenas.<br />
Primeiro: em vez de destacar uma confrontação entre a sociedade<br />
discriminatória e a resistência coletiva ou individual contra os legados<br />
coloniais, a maioria dos vídeos representa processos culturais no<br />
interior das comunidades indígenas e rurais. Filmes como En busca<br />
del guerrero ou Ángeles de la tierra exploram também a pressão<br />
urbana sobre os que migram para as cidades e acabam por desejar
egressar às suas comunidades (En busca del guerrero), ou a história<br />
dos que assumem a consciência colonial e negam sua origem<br />
étnico-cultural (Ángeles de la tierra). Segundo: com frequência<br />
a representação ou “execução” da tradição indígena se faz visível<br />
através do corpo feminino, enquanto a perda ou negação cultural<br />
se vincula ao corpo masculino. Em vídeos como Qati Qati e Nuestra<br />
palabra, essas concepções e execuções de gênero sexual são centrais<br />
no processo de descolonização encenado na tela. A construção da<br />
diferença racial desliza, por outro lado, em direção a um segundo<br />
plano, refletindo um processo de recuperação étnico-cultural que<br />
complica qualquer aproximação essencialista à noção de identidade.<br />
Além do mais, chama a atenção que tanto os documentários como<br />
também as ficções indígenas empreguem uma estética audiovisual<br />
muito distinta da representação realista e experimental do cinema<br />
de testemunho e anticolonial dos anos sessenta. É mais provável<br />
que se “indianizem” os gêneros cinematográficos convencionais,<br />
como o filme de terror e melodrama Schiwy, Decolonizing, ao<br />
integrá-los, tanto nas tradições de contar e transmitir visualmente a<br />
memória social como também a um sistema ético e epistêmico panindígena<br />
em construção. Essa assimilação, assim como a negociação<br />
com o sistema de estrelas e diretores, aponta para um processo<br />
de transformação que não rejeita a modernidade, mas que antes<br />
a integra a sistemas culturais e socioeconômicos distintos. Não<br />
se defende aqui um retorno a um passado indígena pré-colonial,<br />
ainda que a memória social inspire a imaginação com alternativas ao<br />
capitalismo neoliberal e sua comodidade do multicultural.<br />
Vídeo indígena, a crítica de cinema e os legados coloniais<br />
A crítica de cinema latinoamericana basicamente ignorou o campo<br />
de produção audiovisual indígena devido, entre outros motivos, ao<br />
acesso limitado a esses vídeos, que são distribuídos principalmente<br />
/ 285
286 \<br />
através de redes de comunicação rurais entre comunidades<br />
camponesas e indígenas. Apesar disso, seleções da vasta criação<br />
indígena também foram mostradas e premiadas em festivais<br />
internacionais de cinema e vídeo dos povos indígenas, tanto na<br />
América Latina (o último festival aconteceu em Santiago do Chile, em<br />
junho de 2004), na Europa (Expo 2000), como também no Canadá<br />
(Montreal) e nos Estados Unidos (Nova York, Taos). Já foram exibidas<br />
seleções de vídeo indígena da Bolívia em ocasiões como o Festival<br />
de Nuevo Cine Latinoamericano em Providence (Rhode Island), em<br />
abril de 2003. A razão da pouca atenção crítica direcionada a esses<br />
filmes parece provir mais de uma divisão tradicional de disciplinas na<br />
qual aquilo que se associa aos índios é considerado antropológico;<br />
oposto à criatividade artística do cinema experimental ou comercial.<br />
<strong>Para</strong> a antropologia, essa produção audiovisual também cria<br />
dificuldades dada a longa tradição de produção etnográfica visual<br />
(que começa com a invenção do cinema) na qual os que carregam<br />
a câmera são os antropólogos e não as comunidades indígenas<br />
que se vêm na tela (MacDougall, p. 65). A tecnologia audiovisual<br />
frequentemente é considerada produto paradigmático da sociedade<br />
do espetáculo, e seu uso, como alguns afirmam, só pode levar a<br />
sociedades não midiáticas a converterem-se em sociedades ocidentais<br />
(Weiner). O tradicional enfoque antropológico nas culturas não<br />
ocidentais mascarou a construção do indígena como pré-moderno,<br />
crença a partir da qual a investigação antropológica buscou, durante<br />
muitos anos, as comunidades mais autênticas, negligenciando ou<br />
eliminando de suas reportagens o híbrido ou “transculturalizado”<br />
(Starn). Como afirmou James Clifford, anthropological culture<br />
collectors have typically gathered what seems ‘tradition’ – what by<br />
definition is opposed to modernity. From a complex historical reality<br />
(which includes current ethnographic encounters) they select what<br />
gives form, structure and continuity to a world. What is hybrid or
‘historical’ in an emergent sense has been less commonly collected and<br />
presented as system of authenticity. “Os antropólogos compiladores<br />
de cultura juntaram como amostragem típica o que parece ser<br />
“tradicional” – o que por definição é oposto à modernidade. De<br />
uma realidade histórica complexa (que inclui os próprios encontros<br />
etnográficos) selecionam o que dá forma, estrutura e continuidade a<br />
um universo. Aquilo que é híbrido ou “histórico” em um novo sentido<br />
foi menos comumente abarcado e apresentado como um sistema de<br />
autenticidade.” (Clifford, Predicament of Culture, 1988, citado em<br />
Polen “Auteur desire”, p. 15).<br />
Um dos casos mais famosos é o documentário dramatizado<br />
Nanook, o esquimó (1922), dirigido por Robert Flaherty, no qual<br />
os protagonistas executam na tela um modo de viver antigo que já<br />
não corresponde à vida atual (Ginsburg, p. 39). A sensação de que<br />
a tecnologia audiovisual seja algo novo para as culturas indígenas<br />
é in part the product of the deliberate erasure of indigenous<br />
ethnographic subjects as actual or potential participants in their own<br />
screen representations “em parte produto da supressão deliberada<br />
dos sujeitos etnográficos indígenas como participantes reais ou<br />
potenciais de suas próprias representações cinematográficas”<br />
(Ginsburg, p. 40). Dados os vínculos íntimos entre esses olhares<br />
etnográficos e a construção do imaginário patriarcal e colonial<br />
em filmes de ficção hollywoodianos (Kaplan), por um lado, e a<br />
participação ou prática de devolver o olhar por parte dos supostos<br />
objetos frente à câmera (Rony), é difícil sustentar que o audiovisual<br />
seja, de fato, um meio “ocidental”.<br />
O suposto esquema binário entre tecnologia audiovisual e culturas<br />
indígenas também se dissolve desde o próprio campo da antropologia.<br />
Com o autoquestionamento de suas raízes coloniais, a partir<br />
dos anos setenta muitos antropólogos se posicionam de acordo com<br />
/ 287
288 \<br />
os movimentos sociais indígenas quanto ao fato de que as culturas<br />
indígenas não estão fora da história, senão que elas mesmas são<br />
parte da globalização que começa com a conquista das Américas e a<br />
partir da qual eles também, como as culturas ocidentais e orientais,<br />
experimentaram câmbios e adaptações. Sendo assim, pesquisadores<br />
como Faye Ginsburg e Terence Turner se dedicaram a redefinir<br />
o campo da antropologia visual que estuda as mudanças de identidade<br />
e os usos criativos do vídeo pelas comunidades aborígenes<br />
e indígenas. Eles procuram, além do mais, desenvolver uma teoria<br />
transnacional dos meios que ajude a abarcar a presença e difusão de<br />
diversas formas midiáticas (Ginsburg, Abu-Lughod y Larkin, p. 14).<br />
A crítica cinematográfica latinoamericana também assistiu a<br />
mudanças de perspectiva. Antes, a ênfase recaía no terceiro cinema,<br />
o cinema novo ou o cinema imperfeito, quer dizer, nas estratégias<br />
estéticas e práticas de criar um cinema revolucionário e antiimperialista.<br />
Agora, muitos enfocam na crítica mais sutil –talvez<br />
produzida mais desde o interior– da indústria cinematográfica e dos<br />
filmes comerciais ou de baixa qualidade mas de grande acolhida por<br />
parte do público. Por outro lado, a noção de um cinema nacional<br />
que resiste através da produção destacada de alguns artistas e<br />
realizadores – o imperialismo cultural de Hollywood – também se<br />
complicou devido às colaborações transnacionais, não só atuais mas<br />
também do passado (Alemán). Ao mesmo tempo, se multiplicam<br />
no continente as produções em vídeo digital (alguns deles depois<br />
são passados a 35mm), rompendo assim as fronteiras tecnológicas<br />
(cinema vs. vídeo) e o que sobrevive da distinção entre cultura de<br />
elite e cultura de massa, e criando um contexto no qual o meio<br />
audiovisual se faz mais e mais acessível.<br />
Uma aproximação ao vídeo indígena desde o campo interdisciplinar<br />
dos estudos culturais e da teoria de cinema torna
pos sível contextualizá-lo em uma longa tradição de busca de<br />
práticas anticoloniais, ainda que seja através desse meio que tem<br />
sido, principalmente, promotor do capitalismo e do imperialismo<br />
hollywoodiano e da construção do imaginário patriarcal e colonial;<br />
quebra da separação entre produção criativa intelectual nacional<br />
versus arte e pensamento indígenas. Dessa maneira, o vídeo<br />
indígena contribui com os debates sobre as novas tendências<br />
cinematográficas na América Latina e sua negociação com o mundo<br />
globalizado. Também cria aberturas para dar a ver a complexa<br />
produção cultural da região em um contexto global no qual os<br />
legados coloniais continuam demandando um questionamento<br />
crítico sobre o potencial do multicultural.<br />
apropriação midiática e descolonização da alma<br />
No entanto, a genealogia que acabo de esboçar aqui (cinema<br />
latinoamericano e antropologia visual) corre o risco de perder<br />
de vista uma das dimensões mais importantes do vídeo indígena<br />
latinoamericano, uma dimensão que os próprios realizadores<br />
indígenas enfatizam: a comunicação audiovisual é considerada como<br />
uma extensão do uso de outros meios, como a rádio comunitária<br />
(“Plan” 1; Iván Sanjinés). Em vez de apreciar o acesso à tecnologia<br />
promovido pelo CLACPI em um âmbito continental como um gesto<br />
ocidental de dar a câmera aos nativos, aqui se insiste no agenciamento<br />
próprio. Quando o vídeo foi apresentado como possibilidade, as<br />
comunidades tiraram proveito do meio (Mosúa et al). Selecionaram<br />
pessoas interessadas, ou já envolvidas em comunicação, para<br />
serem treinadas na produção de vídeo e continuar um processo de<br />
reivindicação étnica que já estava em marcha, pelo menos, desde o<br />
fim dos anos sessenta, mas que tem suas origens mais remotas nas<br />
lutas de sobrevivência e resistência dos povos indígenas durante os<br />
mais de 500 anos de colonização. O vídeo, além do mais, é extensão<br />
/ 289
290 \<br />
de uma antiga tradição de transmissão de conhecimentos, memória<br />
social e do sentido da identidade étnica através das diversas práticas<br />
do corpo (festas, danças, rituais, roupa, comida), através dos contos<br />
e mitos, e também através de uma complexa produção visual; por<br />
exemplo, em tecidos, cestaria, desenho de cerâmica e inscrição de<br />
significados na paisagem. Como formula o CEFREC, “(o) vídeo é um<br />
instrumento adaptado às formas tradicionais de transmissão cultural<br />
indígena” (CEFREC, “Etapa”).<br />
O vídeo indígena latinoamericano, com suas redes transnacionais e<br />
suas produções digitais e de baixo orçamento, compartilha o desejo<br />
do cinema comercial recente de agradar ao seu público. Se o cinema<br />
anticolonial dos anos sessenta experimentava a estética neorrealista,<br />
o formato documental e novos gêneros cinematográficos, o vídeo<br />
digital indígena usa com frequência um formato documental<br />
convencional (alternância de cabeças “talking heads”), e os curtas de<br />
ficção fazem amplo uso de elementos hollywoodianos, desde o gênero<br />
cinematográfico do terror e do melodrama, até o uso de primeiros<br />
planos, que eram rejeitados pelo terceiro cinema anticolonial de Jorge<br />
Sanjinés e Grupo Ukamau, que também procuravam dar voz aos povos<br />
indígenas da América. No entanto, os comunicadores audiovisuais<br />
da Bolívia, Equador, Colômbia, Brasil ou México não se dirigem a<br />
um mercado generalizado nem muito menos buscam a maximização<br />
dos ganhos. Grande parte do movimento indígena pensa o problema<br />
da descolonização a partir de um contexto global no qual já não<br />
faz sentido a expulsão do colonizador. Do contrário, o processo da<br />
descolonização baseia-se, por um lado, na descolonização da alma;<br />
ou seja, em resistir aos efeitos da autodepreciação do capitalismo e<br />
seu legado. Por outro lado, baseia-se na integração da modernidade<br />
(do colonialismo e seus representantes) a uma ordem alternativa. O<br />
líder político aymara, Felipe Quispe, formulou o que se disse antes<br />
como a tarefa de “indianizar al q’ara.” (Sanjinés; Mestizaje, p. 165).
A experiência colonial criou uma divisão entre a cultura latino-<br />
ame ricana ocidental e as muitas e diversas culturas indígenas.<br />
Diferença que o processo de comunicação audiovisual reafirma e<br />
converte em recurso para pensar. A “diferença colonial” (Mignolo,<br />
p. 14) produz, então, um espaço limítrofe em que o pan-indígena<br />
se constrói e se reivindica como alternativa ética às tendências de<br />
incorporação ao sistema global, que alguns caracterizam como<br />
totalizante e no qual aquilo que está “fora” já não é possível. O<br />
cinema e o vídeo não são, nesse contexto, meramente meios de<br />
representação. São também performances corporais e práticas sociais.<br />
O meio se transforma, em todas as suas dimensões, em expressão<br />
da vitalidade das culturas indígenas. A noção de alfabeto como<br />
tecnologia do intelecto, culminação de um suposto desenvolvimento<br />
civilizatório desde a oralidade, é obsoleta, resíduo do pensamento<br />
colonial (Schiwy, “Reframing Knowledge”, especialmente capítulo<br />
4). O vídeo permite um intercâmbio de olhares e perspectivas entre<br />
diversos povos indígenas.<br />
A estética videográfica de ficção em vídeos como Qulqi, Qati,<br />
Oro, Espíritu, Llanthupi, etc., segue essa estratégia de incorporar<br />
e transformar o que é útil da cultura ocidental em vez de rejeitar<br />
completamente seus códigos (Schiwy, Decolonizing). Os gêneros<br />
cinematográficos ocidentais, como o filme de terror, se integram<br />
às formas de contos de fantasmas do Altiplano; os elementos<br />
dramáticos vinculam-se aos da comédia e dos contos tradicionais<br />
sobre a relação entre este mundo e o dos mortos. Como já afirmei<br />
em outra ocasião, essa lógica se estende ao processo de edição e ao<br />
uso da trilha sonora.<br />
Descolonização e gênero sexual<br />
Na tela, a ética pan-indígena alternativa é figurada através do corpo.<br />
Docuficções como Nuestra palabra, da zona oriental das terras<br />
/ 291
292 \<br />
baixas (Moxos), e ficções como Qati Qati, assinada por Reynaldo<br />
Yujra e filmada em sua comunidade de origem no Altiplano Aymara,<br />
associam a memória histórica e cultural ao corpo feminino. A<br />
encenação corresponde, assim, ao papel social através do qual as<br />
mulheres são vistas como mais próximas às raízes culturais – suas<br />
práticas sociais na comunidade, a preparação da comida, o cuidado<br />
com as crianças e o uso do idioma originário. Em outra ficção do<br />
Altiplano, Qulqi chaliku, os que perdem a cultura e transgridem seus<br />
princípios éticos ao se tornarem avaros – Satuco (Reynaldo Yujra)<br />
– ou ao desejar acumular capital – Cihualcollo (Jesús Tapia) – são<br />
todos homens, enquanto que as mulheres encarnam o papel da voz<br />
tradicional ameaçada, muitas vezes, violentamente.<br />
Por um lado, esse enfoque no gênero insiste na necessidade<br />
de pensar os legados coloniais, ou melhor, “no colonialismo do<br />
poder”, como um sistema que não só se baseia na construção da<br />
raça, numa epistemologia eurocêntrica e numa ordem mundial<br />
econômica de profunda desigualdade. Muitos vídeos de ficção do<br />
CEFREC/CAIB invertem, assim, o significado de estereótipos de<br />
gênero que se empregavam no imaginário colonial. É esse complexo<br />
que a descolonização indígena confronta e que também coproduz<br />
a ansiedade masculina nos processos de descolonização da alma.<br />
No entanto, por outro lado, a participação feminina no mesmo<br />
processo videográfico e nos movimentos de mulheres indígenas está<br />
mudando, ou começando a questionar, os papéis e responsabilidades<br />
tradicionais.<br />
Realizadores, responsáveis e estrelas – o outro mercado<br />
O filme Llanthupi inaugura o fenômeno da “estrela” no cinema<br />
indígena. Aideé Álvarez interpreta, como em El oro maldito, a mulher<br />
jovem desejada pelo homem. Seu corpo e seu rosto são destacados
em primeiros planos e sua figura enfeitava o fotograma de produção<br />
que anunciava, em 2001, o filme na página web do CEFREC (CEFREC,<br />
“Amor”). No entanto, isso não é cinema comercial e a promoção de<br />
Llanthupi faz parte de uma lógica econômica diferente. As culturas<br />
indígenas incorporaram, ao longo dos séculos, muitas influências<br />
(inclusive as da cultura ocidental dominante). Mesmo assim, a<br />
economia do mercado que surge como alternativa ao neoliberal,<br />
baseada na reciprocidade e em obrigações mútuas, continua vivendo<br />
um processo em que, às vezes, essas relações se transformam e,<br />
outras, se reafirmam e se reinventam (Larson, Rivera).<br />
Nos anúncios do CEFREC, a imagem feminina atrai os espectadores<br />
potenciais das comunidades através de processos de identificação<br />
complexos (desejo heterossexual e homossexual, identificação<br />
feminina com a protagonista) que emolduram o filme em um olhar<br />
patriarcal. Por outro lado, os filmes destacados na página web são<br />
distribuídos, em primeiro lugar de importância, por critérios não<br />
comerciais, da rede ou em alguns contextos educativos universitários.<br />
Os preços variam segundo os recursos dos interessados e nem<br />
todos os filmes estão à venda. Sua difusão entre as comunidades<br />
conectadas pela rede é grátis. Os próprios vídeos são produzidos<br />
através de complicadas relações de reciprocidade e responsabilidade<br />
com relação às comunidades. Às vezes, os interessados de fora<br />
também são tratados através de relações similares de reciprocidade.<br />
Ao mesmo tempo, o fato de que nem todo material em vídeo está<br />
disponível para a venda é reflexo de processos ainda não resolvidos<br />
de propriedade intelectual das imagens. Essa difusão limitada<br />
é também resultado de uma convicção que caracteriza o terceiro<br />
cinema boliviano; em particular, a política de distribuição Ukamau.<br />
Acredita-se que a recepção dos vídeos, ou seja, a maneira como<br />
são interpretados, pode ser controlada através dos contextos em<br />
que são exibidos. Sendo assim, uma mostra em uma comunidade<br />
/ 293
294 \<br />
rural apresenta resultados distintos que os de uma mostra para<br />
universitários. E esse contexto se diferencia, sem dúvida, de uma<br />
mostra comercial organizada ou da difusão privada por pirataria.<br />
A criação de “estrelas”, ao se orientar pelo type-casting ou ao<br />
reconhecer o talento de alguns comunicadores audiovisuais para<br />
atuação (como é o caso de Aidée Álvarez, que executa o mesmo<br />
papel de jovem sedutora em Llanthupi e em El oro…), é parte de<br />
um processo autorreflexivo que busca possibilidades de incorporar<br />
aspectos ocidentais à ordem indígena, em vez de deixar a ordem<br />
indígena ser incorporada à ocidental.<br />
Acontece algo parecido com a figura do realizador Marcelino Pinto,<br />
do Chapare boliviano, zona de cultivo de coca, é responsável pelo<br />
roteiro de El oro maldito. Algumas ideias técnicas, como o uso do<br />
travelling para enfatizar certa suspensão, foram suas. No entanto,<br />
Marcelino insiste em que o vídeo é resultado da produção coletiva<br />
do CEFREC, CAIB e da comunidade que participa das filmagens.<br />
Antes de que El oro maldito fosse aprovado, seus roteiros foram<br />
rejeitados várias vezes pelo coletivo por serem, ou prejudiciais ao<br />
projeto de fortalecer a estima das culturas indígenas, ou demasiado<br />
arriscados no panorama nacional e internacional de luta contra a<br />
cocaína (Mosúa et al; Flores).<br />
Reynaldo Yujra, ao contrário, insiste que a ideia do roteiro de Qati<br />
Qati está baseada na tradição oral, em contos antigos que não<br />
se associam a um único autor individual, mas sim a uma longa<br />
história de narradores orais (durante a exibição do filme no festival<br />
internacional de Nova Iorque, em 2000). Porém, o diretor também<br />
inscreve sua responsabilidade pelo produto fílmico na própria tela.<br />
Em Qati, Qati se vê o rosto de Yujra brevemente por duas vezes:<br />
de perfil ou em primeiro plano iluminado pela luz azul da lua, que<br />
introduz o ambiente misterioso desse conto aterrorizante. Em seu
documentário K’anchariy (2002), Yujra insiste na figura do diretor<br />
documentarista aymara que viaja para pesquisar práticas medicinais<br />
entre os Kallawaya Quechua, que falam como personagens diferentes<br />
do antropólogo, que ocupa o mesmo lado da diferença colonial que<br />
a comunidade que visita. A informação documentada, ao mesmo<br />
tempo, faz parte do intercâmbio cultural indígena em vez de se<br />
converter em parte do arquivo etnográfico. Esse é um exemplo de<br />
comunicação intercultural nas comunidades indígenas que cresce<br />
com a produção e distribuição de vídeos; mas também é exemplo<br />
de coexistência de indivíduo e coletividade ligados por sistemas de<br />
reciprocidade e responsabilidade (e que as perspectivas ocidentais<br />
costumam reduzir a mera coletividade protossocialista).<br />
Os comunicadores indígenas não se cansam de repetir que o processo<br />
audiovisual é coletivo. Os papéis distintos são compartilhados; as<br />
decisões sobre roteiro, edição, trilha sonora, estilo cinematográfico<br />
ou ainda sobre certas técnicas adaptadas do cinema comercial são<br />
discutidas com o grupo intercultural de realizadores indígenas, com<br />
os membros do CEFREC e também com as próprias comunidades<br />
onde se filma. Por outra parte, se admite a necessidade de tomar<br />
uma decisão final sobre o filme. Sendo assim, Marcelina Cárdenas<br />
é responsável por Llanthupi e Faustino Peña é o responsável por<br />
Espíritú. O CEFREC/CAIB prefere usar o termo “responsável” em vez<br />
de “diretor” para marcar a distância com a figura do “diretor-estrela”<br />
ocidental. Rejeita-se a ideia romântica do auteur e criador de cinema<br />
como arte – que expressa sua personalidade através do meio – em<br />
favor de uma conceitualização mais adequada ao “processo integral”<br />
que constitui o vídeo indígena (Himpele, p. 358).<br />
A comunicação audiovisual indígena redefine o modo como grande<br />
parte da América Latina se pensa e se imagina. À medida em que<br />
vão expandindo-se as redes de comunicação descentralizadas e os<br />
/ 295
296 \<br />
contatos com as salas de cinema e a televisão nacional, o impacto<br />
dos meios indígenas cresce. Nesse processo, os índios já não são<br />
marginais nem folclóricos, mas os protagonistas do imaginário<br />
e da prática de uma modernidade diferente. O processo contém<br />
seus próprios conflitos, lutas pelo poder e diferenças de opiniões.<br />
Embora o vídeo indígena, em seus vínculos com as organizações do<br />
movimento social, não seja um meio ao alcance de todos, consegue<br />
ser expressão de uma visão política, cultural e epistemológica que<br />
busca alternativas em vez de assimilação. Os processos de recepção<br />
constituem novos espaços para o intercâmbio de ideias, dentro e<br />
entre as comunidades e, de maneira crescente, também com as<br />
populações urbanas e nos contextos em que se debatem alternativas<br />
de integração à ordem dominante.<br />
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\ Três paradigmas para pensar o vídeo<br />
entre os Kayapó 1<br />
/ Diego Madi Dias 2<br />
O relato da primeira experiência de filmagem com os Kayapó<br />
está disponível em publicação de 1987 no Caderno de textos -<br />
Antropologia Visual, Museu do Índio (RJ). A produtora Veneta Vídeo,<br />
conduzida por equipe interdisciplinar (antropólogos envolvidos com<br />
a produção de imagens e profissionais de televisão), permaneceu<br />
45 dias entre os Kayapó-Txukarramãe em 1985 e, já no relato dessa<br />
experiência, mas também no trabalho mais sistemático realizado por<br />
Terence Turner no início dos anos 1990, aparecem muitos elementos<br />
que pude verificar, quase 25 anos depois, em minha pesquisa com<br />
os Kayapó da aldeia Môxkarakô. Destacam-se, desde o início, (1)<br />
uma preocupação em “registrar o conhecimento”; (2) a “mediação<br />
política desempenhada pelo vídeo” e (3) o estabelecimento de uma<br />
“comunicação por imagens”. São dinâmicas que procurei descrever e<br />
compreender a partir dos verbos “guardar” (a cultura), “estar” (com o<br />
corpo) e “comunicar” (cf. Madi Dias 2011).<br />
1 A terra indígena Kayapó (TI KAYAPÓ) está localizada ao sul do estado do Pará e ao norte do Mato Grosso.<br />
Autodenominados Mebêngôkre, são cerca de 6 mil pessoas (Funasa 2006) espalhadas por diversas aldeias ao<br />
longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá, Fresco, Riozinho e outros afluentes do rio Xingu. Minha pesquisa<br />
sobre os usos do vídeo entre os Kayapó esteve diretamente relacionada às atividades do Museu do Índio, no<br />
Rio de Janeiro, e ao Programa de documentação de línguas e culturas indígenas - PROGDOC. Agradeço pelo<br />
apoio de José Carlos Levinho e a parceria de André Demarchi. Eliska Altmann, Els Lagrou, José Reginaldo<br />
Gonçalves, Octávio Bonet, Ruben Caixeta de Queiroz e, especialmente, Marco Antonio Gonçalves contribuiram<br />
decisivamente com comentários instigantes e enorme generosidade intelectual.<br />
2 Doutorando em Antropologia pelo PPGSA-UFRJ. Faz parte do Núcleo de Experimentações em Etnografia e<br />
Imagem (NEXTimagem) e do Núcleo de Arte, Imagem e Pesquisa Etnológica (NAIPE); Esteve associado ao<br />
Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas - PROGDOC, Museu do Índio - FUNAI (2009-<br />
2011). Colaborador da Mostra Internacional do Filme Etnográfico desde 2008.
Cultura<br />
“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la”<br />
A produção audiovisual em contextos indígenas atinge, nesse<br />
início de século, um momento de consolidação que parece estar<br />
relacionado a um cenário de crescente interesse (geral e indígena)<br />
acerca da ideia de cultura. 3 A primeira experiência nesse sentido<br />
aconteceu em 1966, quando uma série de seis documentários em<br />
curta-metragem foi produzida por estudantes indígenas do Navajo’s<br />
Project, conduzido em Pine Springs (Arizona, EUA) por Sol Worth e<br />
John Adair. Na ocasião, eles se perguntavam<br />
what would happen if someone with a culture that makes and<br />
uses motion pictures taught people who had never made or used<br />
motion pictures to do so for the first time?<br />
(Worth & Adair, 1972, p.3)<br />
Desde então, iniciativas como essa ganham força em um contexto<br />
de hibridismo que marca a contemporaneidade indígena. As mais<br />
expressivas envolvem povos nativos norte-americanos, australianos<br />
e da bacia amazônica (ver Shohat & Stam 2006, p. 70). A produção<br />
indígena de mídia se coloca como um objeto interessante justamente<br />
na medida em que faz parte do encontro interétnico, mobilizando<br />
problemas essenciais, tais como: tradição e modernidade, representação<br />
e autoridade, autenticidade, patrimonialização da cultura, autoria e<br />
propriedade intelectual etc.<br />
A problemática na qual se insere a presente discussão equivale<br />
àquela colocada por José Reginaldo Gonçalves (2007, p. 235-<br />
249) ao tratar do potencial paradigmático que adquire o conceito<br />
3 Cf. “Zonas de contato: quando ‘cultura’ se torna um conceito nativo (os índios na contemporaneidade)”.<br />
Marco Antonio Gonçalves 2010a p. 87-104.<br />
/ 301
302 \<br />
de “cultura”, especialmente a partir da segunda metade do século<br />
XIX, para a interpretação da experiência humana. Caracterizando<br />
uma tensão clássica entre concepções “universalistas” e outras<br />
“relativistas” (p. 240-241), o autor procura obter rendimentos que -<br />
para além de reeditar a “velha oposição” - possam “iluminar um outro<br />
aspecto: o reconhecimento ou não do caráter ficcional da cultura”<br />
(p. 242). Desenvolve uma concepção de cultura como linguagem e<br />
representação, enfatizando sua dimensão de “criatividade”. Chega,<br />
portanto, à formulação de Roy Wagner, segundo a qual “a antropologia<br />
é o estudo do homem ‘como se’ existisse cultura”. Avança em uma<br />
discussão sobre “a cultura como conversação”, conforme proposta<br />
de Kenneth Burke: a história cultural poderia ser pensada como uma<br />
interminável conversa que inclui vários participantes, mobilizando<br />
alianças e embates entre diferentes pontos de vista. Sugere então<br />
a imagem de uma “sala de debates”, onde entram e saem pessoas.<br />
Nenhum dos participantes seria capaz de remontar toda a discussão,<br />
uma vez que ela é anterior a cada um daqueles que conversam.<br />
Ainda, o diálogo permanecerá em desenvolvimento após que cada<br />
um deixe a sala<br />
Duas dimensões dessa “conversa” merecem ser exploradas aqui, a<br />
saber: (1) a entrada dos índios na “sala de debates” e (2) o modo<br />
como a “conversa” tem se estabelecido a partir de novos recursos<br />
técnicos e discursivos.<br />
<strong>Para</strong> tratar do primeiro ponto, faremos alusão ao texto recente de<br />
Manuela Carneiro da Cunha (2009, p. 311-373) que, ao analisar<br />
questões relativas ao direito intelectual sobre conhecimentos<br />
tradicionais, parece ajudar com a distinção proposta entre cultura<br />
e “cultura”, em que o uso entre aspas permite tratar do conceito<br />
considerando a apropriação nativa de um paradigma, até então, caro<br />
à teoria ocidental. A autora esclarece que os termos não se referem
a conteúdos diferenciados, mas também não pertencem ao mesmo<br />
universo discursivo. Em um esforço de maior precisão conceitual,<br />
sugere que o uso entre aspas se refira às “unidades num sistema<br />
interétnico” (p. 356). É flagrante, portanto, a partir dessa perspectiva,<br />
o acionamento da categoria “cultura” como canal dialógico que<br />
possibilita estabelecer uma relação performatizada (mostrar a<br />
cultura para o outro). Tal dialogismo está bem colocado pela ideia<br />
de contact zone, de James Clifford, em que o vídeo aparece como<br />
um modo de abordar o contato cultural em um sentido que valorize<br />
o compartilhamento de códigos a partir de mútua inteligibilidade.<br />
Tal formulação “nos permite escapar de uma redução do contato à<br />
definição de conjuntos fechados que fazem trocas sempre desiguais”<br />
(Gonçalves 2010, p. 87).<br />
O segundo ponto se refere justamente ao modo como se estabelecem<br />
essas relações. Se estamos tratando da “cultura” como instrumento<br />
de afirmação (em que importa a performance), e até como invenção,<br />
um paradigma visual parece bastante conveniente como maneira de<br />
dar visibilidade aos diferentes pontos de vista em uma “conversa”<br />
que passa a incluir novos participantes. O vídeo, então, faz jus ao<br />
profetismo de Jean Rouch: “o antropólogo não terá mais o monopólio<br />
da observação”, “o filme etnográfico nos ajudará a compartilhar a<br />
Antropologia” (cf. Piault, 1996, p. 55).<br />
Deve-se assumir, porém, que o desenvolvimento de determinada<br />
tecnologia está necessariamente vinculado às circunstâncias sociais<br />
e culturais que o sustentam. Em outras palavras, pode se dizer que<br />
o audiovisual chega aos povos indígenas como um modo eficaz<br />
de relação com a sociedade envolvente justamente em função<br />
da importância que a imagem assume, cada vez mais, no mundo<br />
contemporâneo. Marco Antonio Gonçalves (2010b), em artigo<br />
que analisa diferentes leituras acerca das imagens, identifica uma<br />
/ 303
304 \<br />
passagem da oralidade para a ênfase na cultura visual. Recuperando<br />
diferentes concepções da imagem, desde Platão, sublinha o caráter<br />
ambíguo das imagens como capaz de colocar questões fundamentais:<br />
as leituras imagéticas nos ajudam a compreender conceitos<br />
cruciais como os de realidade, representação, simulação, falso,<br />
verdadeiro, cópia, original – conceitos que nos guiam na percepção<br />
do mundo e na forma como construímos nossas relações sociais.<br />
(p. 14)<br />
Um grande interesse pela visualidade estaria construindo um mundo<br />
“superpovoado por imagens” (p. 17), onde as relações sociais<br />
passariam justamente por mediações imagéticas como uma nova<br />
forma, por excelência, de concebermos e nos apropriarmos do<br />
mundo.<br />
Guardar a cultura<br />
Ao serem perguntados sobre filmagem, os Kayapó sempre me<br />
diziam estar guardando a cultura para seus filhos e netos. A despeito<br />
de uma razão prática, no entanto, procurei compreender justamente<br />
como guardam por imagens. E uma primeira observação se referiu<br />
ao potencial infinito de consumo das fitas, sem que necessariamente<br />
conseguíssemos realizar filmagens planejadas, sem que pudéssemos<br />
gerar um “bom material” (as aspas relativizam as minhas razões<br />
práticas e os meus conceitos nativos).<br />
Percebi logo que o consumo das fitas estava diretamente relacionado<br />
com uma ênfase na produção de imagens como etapa que se justifica<br />
em si mesma, deslocando a importância do conteúdo para a forma,<br />
ou melhor, para o processo, para a própria atividade de filmagem,<br />
e colocando uma questão sobre o armazenamento, ou seja, sobre o<br />
modo como os Kayapó guardam por imagens, já que produzem uma
quantidade tão grande de material audiovisual. Cumpre destacar<br />
que as condições em que as fitas são armazenadas não são ideais,<br />
fazendo com que o material filmado se torne rapidamente inutilizável<br />
(questão já apontada em Turner, 1992, p. 7). Tendo identificado o<br />
problema de armazenamento, notei que o verbo “guardar” merecia<br />
ter seu sentido investigado. E então pude relacionar o modo como os<br />
Kayapó guardam por imagens a uma dinâmica de (re)produção e uso<br />
constantes, algo expresso pelo poema de Antônio Cícero, Guardar,<br />
conforme o trecho que segue:<br />
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.<br />
Em cofre não se guarda coisa alguma.<br />
Em cofre perde-se a coisa à vista.<br />
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por<br />
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.<br />
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por<br />
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,<br />
isto é, estar por ela ou ser por ela.<br />
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro<br />
Do que de um pássaro sem vôos.<br />
Guardar a cultura, para os Kayapó, parece se referir ao potencial<br />
das imagens em “colocar aspas na cultura”, ou seja, sublinham uma<br />
potência da imagem em objetivar e mobilizar juízo, apresentando<br />
um mundo hiperrealista - uma “representação mais perfeita que<br />
o real”, cf. talvez sugerisse Diderot. 4 Com a câmera ligada, as<br />
concepções nativas de beleza [mejx] são postas em jogo, indicando<br />
também um modo correto de se apresentar. Nesse registro, às vezes<br />
se tornam problemáticos alguns elementos que na vida cotidiana<br />
não são tidos como contraditórios do ponto de vista da autoimagem:<br />
etnopensar, como queria Jean Rouch. É nesse sentido que<br />
4 Ver “L’imperfection du vrai”. Gefen, A. (Ed.) La mimèsis. Paris: Flammarion, 2002.<br />
/ 305
306 \<br />
penso ser interessante compreender as imagens como estímulos à<br />
criação de contextos rituais e culturais que procuram eliminar as<br />
contradições, guardando a cultura em sua sincronia, na medida em<br />
que se proliferam as práticas culturais para a filmagem. O vídeo faz<br />
as pessoas fazerem as coisas, em uma espécie de devir imagético<br />
(Gonçalves & Head, 2009) que produz consciência e reflexividade,<br />
destacando as práticas de um fluxo vivido e as objetivando enquanto<br />
representações.<br />
Uma ênfase na produção das imagens trará complicações<br />
interessantes para a tarefa de guardar por imagens. Isso porque as<br />
imagens colocam uma ambiguidade própria ao regime imagético<br />
na medida em que apontam para a realidade ao mesmo tempo em<br />
que não se confundem com ela. Ao explorar o caráter processual do<br />
vídeo, em última instância, os Kayapó estão destacando o trabalho<br />
do cinegrafista, fazendo questão de não esquecer que aquelas<br />
imagens são produtos de um momento pretérito, ou seja, “isso<br />
é um filme”. Declaram, assim, uma profunda descrença quanto à<br />
capacidade de uma imagem em substituir a realidade, ou seja, “isso<br />
não é a realidade”. E então está colocada mais uma questão sobre<br />
como guardar por imagens - se as imagens são cópias e, portanto,<br />
são falsas (ver Xavier, 2003).<br />
o vídeo como alegoria<br />
O paradoxo do “guardar por imagens” aparece na medida em<br />
que a filmagem denuncia um empreendimento ativo no sentido<br />
de preservar, colocando aquilo que se pretende registrar como<br />
tradicional no regime do extraordinário. Essa excepcionalidade<br />
se torna evidente no riso, que instaura a moldura da brincadeira<br />
(Bateson, 1972, p. 138-148). Recorrendo às interações não verbais,<br />
Bateson sugeriu a compreensão da mensagem meta-comunicativa<br />
“isso é uma brincadeira” a partir de sua eficácia em termos de
framing (enquadramento). Talvez a mensagem “isso é um filme”<br />
possa explicar o riso escandaloso das mulheres e a diversão das<br />
crianças, por exemplo, ao verem, em uma televisão, os homens<br />
pelados na mata, vestindo apenas um estojo peniano, a “cueca<br />
dos antigos”. A transição entre os domínios de cultura e “cultura”,<br />
passagem operada pelo vídeo através de uma mudança de contexto,<br />
altera profundamente o sentido dos termos:<br />
Fazer com que as coisas pareçam exatamente iguais àquilo que<br />
eram dá trabalho, já que a dinâmica cultural, se for deixada por<br />
sua própria conta, provavelmente fará com que as coisas pareçam<br />
diferentes. A mudança se manifesta de fato no esforço para<br />
permanecer igual. (Carneiro da Cunha, 2009, p. 372)<br />
O vídeo, para além de indicar uma realidade à qual faz referência,<br />
enuncia algo sobre a natureza do que está sendo filmado, a saber:<br />
seu caráter transitório e de perda. Trata-se, em verdade, de um<br />
enunciado indireto que informa e institui uma condição contingente.<br />
Nessa mesma direção, recorrendo às definições da teoria literária,<br />
e recuperando a sugestão de James Clifford (2008, p. 59-91), 5<br />
José Reginaldo Gonçalves caracterizou os discursos de patrimônio<br />
cultural como alegorias da nação:<br />
As alegorias não apenas ilustram ou expressam uma tal situação<br />
de perda, mas também atualizam, em sua própria estrutura, essa<br />
combinação de um sentido de transitoriedade e um desejo de<br />
redenção. Desse modo, elas não somente expressam um desejo por<br />
um passado glorioso e autêntico; elas, simultaneamente, expõem<br />
o seu desaparecimento. Estruturalmente, trata-se de uma forma<br />
de representação que está baseada na própria desconstrução do<br />
seu referente. (Gonçalves, 2002, p. 27)<br />
5 A saber: explorar a dimensão alegórica da etnografia como gênero discursivo.<br />
/ 307
308 \<br />
Nessa perspectiva, os discursos sobre patrimônio podem ser<br />
pensados como portadores de um sentido duplo: “desaparecimento e<br />
reconstrução imaginativa, perda e apropriação, dispersão e coleção,<br />
destruição e preservação, contingência e redenção” (p. 30).<br />
O registro das “tradições” kayapó a partir do que “os antigos faziam”<br />
torna logo evidente o fato de que as coisas mudaram. Não há mais<br />
guerra. O estojo peniano não é mais utilizado. Estamos diante da<br />
contradição posta pela atividade de guardar por imagens, uma vez<br />
que o vídeo não apenas sugere, mas efetivamente cria um cenário de<br />
contingência. O processo de perda não é algo exterior ao discurso<br />
de redenção, mas é mesmo constitutivo dessa forma discursiva<br />
que mobiliza os sentidos de destruição e preservação de maneira<br />
indissociável.<br />
Devemos então nos perguntar sobre o quê é guardado pelas imagens.<br />
Eu diria que o vídeo coloca-se como uma ferramenta poderosa para<br />
guardar a cultura em sua dimensão sincrônica (e não diacrônica).<br />
Guardam-se os saberes, as práticas e os fazeres para a câmera. O<br />
vídeo faz as coisas acontecerem, encontrando um lugar providencial<br />
no interior de uma sociedade Jê, que está sempre lidando com<br />
modos performatizados e aparentes de expressão, formas corporais<br />
e visíveis, talvez concebendo de forma nativa a cultura com aspas.<br />
Corpo<br />
“O ciborgue é nossa ontologia; ele nos fornece a nossa política” 6<br />
<strong>Para</strong> a compreensão do trabalho de um cinegrafista Kayapó, não<br />
podemos prescindir da dimensão política, ou melhor, biopolítica<br />
da relação entre corpo, câmera e um horizonte de alteridade.<br />
Acompanhando Donna Haraway, para quem “o conceito de biopolítica<br />
6 Haraway, 2009, p. 37.
de Michel Foucault é uma frouxa premonição da política do ciborgue”<br />
(2009, p. 37), trataremos da relação entre corpo e câmera como<br />
um circuito integrado que confunde as noções de “subjetividade” e<br />
“objetividade”. Meu objetivo central é apresentar o uso da câmera de<br />
vídeo entre os Kayapó como um modo privilegiado de tecer relações<br />
com a alteridade em uma perspectiva de “‘alter-objetificação’ e ‘autosubjetificação’”<br />
(Gordon, 2006, p. 218). 7<br />
Terence Turner já havia descrito um uso do vídeo que faz parte do<br />
encontro dos Kayapó com representantes dos governos regional ou<br />
nacional, ou mesmo com outros setores da sociedade envolvente. 8<br />
Trata-se de um modo de sugerir presença através da mediação<br />
política proporcionada pelos recursos audiovisuais, deslocando a<br />
atenção para o fato de que os índios passam a operar equipamentos<br />
de filmagem e fotografia (ser sujeito ao manipular objetos) e<br />
disseminando uma imagem vinculada ao ethos guerreiro kayapó<br />
nas mídias nacional e internacional. “Kayapo, in short, quickly made<br />
the transition from seeing video as a means of recording events to<br />
seeing it as an event to be recorded” (Turner, 1992, p. 7).<br />
A ideia de estar através de imagens está profundamente relacionada<br />
a uma discussão sobre corporalidade e a uma concepção nativa<br />
que privilegia o papel do realizador (cinegrafista) na produção das<br />
7 Seria interessante traçar uma relação entre essas ideias e a teoria de Gregory Bateson, o que não<br />
farei aqui por falta de espaço. Sugiro apenas que consideremos níveis diversos de integração sistêmica:<br />
o corpo e a câmera como objetos de uma cismogênese simétrica (em que o corpo busca repetir a<br />
qualidade da câmera); o “eu” e o “outro” como sujeitos potenciais de uma cismogênese complementar<br />
(em que a identidade adquire sujeição em relação com a alteridade-objetivada).<br />
8 A maneira como os Kayapó utilizam o vídeo para marcar presença foi objeto de reflexão de Terence<br />
Turner em Defiant Images – The Kayapo appropriation of video, artigo publicado na Anthropology<br />
Today em dezembro de 1992 e resultado da palestra de Turner na ocasião da visita de Mokuká Kayapó<br />
e Tamok Kayapó ao RAI’s Third International Festival of Ethnographic Film, patrocinado pela Granada<br />
Television.<br />
/ 309
310 \<br />
imagens, tratando-se de um processo de construção de corpos e<br />
imagens ao mesmo tempo. Investirei, portanto, em uma chave<br />
analítica que possa alocar a câmera de vídeo em um regime sóciocosmológico<br />
que está baseado no princípio de fabricação dos<br />
corpos, mais especificamente tratando do endurecimento do corpo<br />
como um processo inerente ao ciclo de vida e, então, sugerindo uma<br />
dupla eficácia da câmera: tanto na constituição desse corpo quanto<br />
em tornar visível sua qualidade rígida que, por sua vez, informa<br />
uma condição específica de sujeito mebêngôkre: sua passagem de<br />
objeto a sujeito em um contexto de relação assimétrica. O discurso<br />
de Mokuká, proferido na ocasião do RAI’s Third International Festival<br />
of Ethnographic Film, é ilustrativo nesse sentido:<br />
Do whites alone have the understanding to be able to operate this<br />
equipment? Not at all! We Kayapo, all of us, have the intelligence.<br />
We all have the hands, the eyes, the heads that it takes to do this<br />
work. (Mokuká Kayapó apud Turner, 1992, p. 8)<br />
Assim, a pesquisa com vídeo entre os Kayapó coloca a necessidade<br />
de atentarmos não exatamente para os filmes que são feitos, mas<br />
para aquilo que é feito quando se está filmando. O discurso de<br />
Mokuká, na medida em que nos remete a uma relação entre corpo e<br />
técnica, permitirá a reelaboração de nossas preocupações: trata-se<br />
de entender o que é feito com o corpo por meio de sua relação com<br />
a câmera.<br />
Essa relação está bem colocada na história sobre o primeiro contato<br />
de Mokuká com uma câmera de vídeo, em 1989. Um amigo teria<br />
deixado uma câmera com ele no encontro de Altamira, ocasião<br />
que congregou diferentes povos indígenas contrários à construção<br />
de hidrelétricas na região do Rio Xingu. Em sua narrativa, Mokuká<br />
dá ênfase ao fato de que não teve instruções para manipular o
equipamento. Conta que desenvolveu inicialmente uma relação<br />
experimental com a câmera, até que pudesse “se acostumar” com<br />
ela. Por fim, em suas palavras, “minha mente entrou na câmera e a<br />
câmera entrou em mim”.<br />
Quero argumentar que, para os Kayapó, o ato de filmar supõe uma<br />
atividade corporal mais do que uma ação baseada na assimilação<br />
de gêneros narrativos ou padrões técnicos e estéticos. 9 A imagem<br />
filmada aparece como produto do desempenho do corpo.<br />
Corpos que fazem imagens que fazem corpos 10<br />
Uma primeira reflexão sobre imagem e desempenho pode ser<br />
empreendida a partir dos termos utilizados para designar as atividades<br />
de fotografia e filmagem. Foto e filme são igualmente traduzidos<br />
9 Ver Ingold (2000) para uma concepção instrumental de sujeito (que aparece como influência da<br />
filosofia de Heidegger - dasein, ser-no-mundo). Em outra ocasião (Madi Dias, 2011), busquei relações<br />
entre o trabalho do cinegrafista Kayapó e a estética do construtivismo russo dos anos 1920. Tal relação<br />
é possível no sentido de uma arte anônima, mecânica, que oculta o sujeito. As aproximações são<br />
instigantes na medida em que possibilitam aceder à imagem do ciborgue (Haraway, 2009), explorando<br />
um potencial agentivo não-humano (Ingold, 2000) e conceituando essas imagens como diretamente<br />
relacionadas a um dispositivo sensório-motor (Deleuze 1985; sobre o cinema de Dziga Vertov).<br />
10 As discussões sobre corporalidade se desenvolvem, no interior da etnologia sulamericana, como<br />
decorrentes de uma questão colocada por Joana Overing no simpósio Social Time and Social Space,<br />
realizado no Congresso de Americanistas de 1976. Se o trabalho dos africanistas havia demonstrado a<br />
importância das linhagens e dos grupos de descendência para aquele continente; se as sociedades do<br />
Pacífico se encontravam caracterizadas pelos seus circuitos de troca como um fato social total; Overing<br />
perguntava “o que é, então, que estrutura as sociedades amazônicas?”. Em artigo clássico de 1979,<br />
Seeger et al. sugerem que “as noções ligadas à corporalidade e construção da pessoa são algo básico”<br />
(p. 10); ver também Viveiros de Castro 1987. A partir de então, o corpo passa a desempenhar um lugar<br />
central como idioma para definir identidade e diferença, objetivando relações sociais nas terras baixas<br />
da América do Sul. As reflexões ora apresentadas se valem desse corpus de discussão e exploram o<br />
“caráter artefatual do corpo ameríndio” (Cf. Lagrou 2009, cap. 2). <strong>Para</strong> além do contexto amazônico,<br />
lembremo-nos do conceito hegeliano de “objetivação”, revisitado por Daniel Miller (2005) para tratar de<br />
um surgimento coincidente entre sujeito e objeto; ou, ainda, da proposição maussiana segundo a qual<br />
o corpo é “o primeiro e o mais natural objeto técnico” (Mauss, 2003, p. 407).<br />
/ 311
312 \<br />
por mekaron, palavra que também designa alma/ espírito/ duplo.<br />
A atividade de produção dessas imagens, no entanto, apresenta<br />
uma diferença importante: fotografia - mekaron kabá; filmagem -<br />
mekaron ipêx. O ato de tirar fotos, mekaron kabá, remete à ideia<br />
de cópia, é também como se referem às cópias de DVDs ou mesmo<br />
pode significar “xerox” (de um documento, por exemplo). Filmar,<br />
mekaron ipêx, apresenta a dimensão de desempenho da qual nos<br />
ocuparemos aqui. Isso porque ipêx está ligado ao ato de construir/<br />
fazer/ desempenhar (construir uma casa, por exemplo). A imagem<br />
filmada, diferente da fotografia, é por definição um produto do<br />
desempenho humano. E a apreciação dessas imagens pelos índios,<br />
bem como o julgamento direcionado a elas, ajuda a compreender a<br />
relação estabelecida entre a câmera e o corpo do cinegrafista.<br />
Entre os Kayapó, ser um bom cinegrafista não significa necessariamente<br />
fazer bons planos, mas ser capaz de manter o quadro e a sequência.<br />
A imagem bela tem um caráter menos substantivo que adverbial: a<br />
beleza não está na imagem, mas em como ela foi filmada. Em outras<br />
palavras, o contexto narrado está em direta relação com o contexto<br />
de enunciação. Não raro, ao assistirem a um vídeo, desejam saber<br />
quem foi o cinegrafista: por isso, essa é mesmo uma maneira<br />
de estar através das imagens - uma vez que a mão do mediador<br />
permanece presente, compondo o produto final sobre o qual recairá<br />
o julgamento estético. O que deve ser julgado é justamente a<br />
condição de produção (a capacidade de quem filma). A reclamação<br />
recorrente se dá quando o cinegrafista “treme” (não mantém bem o<br />
quadro e/ou a sequência). O julgamento não recai sobre o fim (filme,<br />
em seu aspecto de unidade narrativa e coesão interna), mas sobre<br />
o processo que deu origem a ele. Valorizam não uma concepção de<br />
“criatividade”, em si mesma, mas antes o êxito no cumprimento
de aspectos formais a serem seguidos, ou seja, um virtuosismo no<br />
desempenho da técnica. 11<br />
Desse modo, a reclamação de que uma imagem não está boa<br />
(punure) pode ser entendida como julgamento à condição do corpo<br />
que a realizou: um corpo mole, fraco (rerekre). Ao contrário, uma<br />
imagem bonita, realizada de forma correta (mejx), corresponde a um<br />
corpo rígido, forte (töjx). A relação entre corpo e imagem sugere que<br />
tenhamos simultaneamente uma imagem bela (mejx) e um corpo<br />
rígido (töjx) – em oposição ao par imagem ruim (punure) / corpo<br />
fraco (rerekre) Tal relação se sustenta em um conceito de beleza que,<br />
conforme demonstrado pela literatura mebêngôkre, deve ser tomado<br />
em uma perspectiva abrangente – indicando tanto coisas e pessoas<br />
belas quanto sentidos moral e eticamente corretos. O gosto por uma<br />
imagem bonita/correta poderá dizer sobre uma postura corporal<br />
desejável e mesmo necessária à execução da atividade de filmagem.<br />
Passemos à contextualização da prática de vídeo na ocasião dos<br />
encontros políticos entre os Kayapó e os representantes do governo<br />
regional ou nacional. Foi justamente nessas situações em que Terence<br />
Turner notou a capacidade dos índios em se fazer presente através<br />
do ato da filmagem. Cesar Gordon (2006, p. 209-210) chamou a<br />
atenção para o fato de os índios Kayapó serem tão conhecidos pela<br />
presença e, ainda mais, pelo exercício de sua bravura em situações<br />
notáveis de encontro político com a frente de expansão brasileira,<br />
mesmo após o processo de pacificação. O célebre encontro de<br />
Altamira, ocorrido em 1989, permanece como exemplo clássico<br />
dessa relação entre índios e brancos, marcada por hostilidade, tendo<br />
sido descrito por Turner como o equivalente simbólico a uma caçada<br />
coletiva (cf. 1991, p. 337-338, Baridjumoko em Altamira).<br />
11 Alfred Gell (2005) descreveu algo semelhante com relação ao trabalho do escultor de madeira nas<br />
ilhas Trobriand.<br />
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314 \<br />
Conforme notou Gordon, nessas reuniões fora da aldeia, os índios<br />
se preparam diferente de como normalmente vão à cidade. Em<br />
situações cotidianas, utilizam “roupas de branco”, procurando<br />
demonstrar civilidade; procuram se apresentar de modo domesticado<br />
ou pacífico (uabô ou djuabô). Nas situações de encontro político,<br />
então, os “guerreiros” assumem uma postura feroz (àkrê ou djàkrê),<br />
tratando da relação com o estrangeiro a partir da lógica da guerra e<br />
da predação. Caracterizando essas duas qualidades do ser Kayapó<br />
(uabô, àkrê), Cesar Gordon chama atenção para o fato de que<br />
Essas características são efetivamente produzidas nas pessoas,<br />
mediante uma série de procedimentos controlados de transformação<br />
“afeto-corporal”, a que são submetidas desde crianças, e que<br />
incluem: ingestão de certos alimentos, ordálios e provas de fogo<br />
(no caso da qualidade agressiva); desenvolvimento da audição, do<br />
entendimento e do respeito/vergonha (pia’àm), enfim, de uma<br />
moralidade comunitária (no caso da qualidade domesticada ou<br />
mansa). (Gordon, 2006, p. 218)<br />
Desejo chamar atenção para o caráter ambivalente da prática de<br />
vídeo no que diz respeito à produção do corpo: não apenas dá<br />
visibilidade à condição corporal mas atua também como um modo<br />
de constituição da subjetividade àkrê e a consequente objetivação do<br />
outro. Opera justamente a passagem de objeto a sujeito e, portanto,<br />
mobiliza esses diferentes estados do ser Kayapó, estabelecendo,<br />
respectivamente via bravura e mansidão, os pares nós/sujeito<br />
(bravos) X eles/objeto (mansos) em uma relação assimétrica.<br />
Reside aqui o que Cesar Gordon (2006, p. 218) chamou de “uma<br />
inflexão perspectivista do pensamento mebêngôkre”, algo relacionado<br />
à alternância entre “dois vetores da relação” com a alteridade e tão<br />
bem expresso pelo mito de Àkti, que conta a origem da bravura:
Antigamente os índios eram mansos, fracos e não tinham armas.<br />
Eles viviam a mercê de Àkti, o gavião gigante, que os caçava,<br />
carregava-os pelo céu até seu ninho e os devorava. Um dia uma<br />
mulher velha foi ao mato com seus dois sobrinhos (netos) pequenos<br />
para tirar palmito. Ali ela foi atacada por Àkti diante dos meninos,<br />
que fugiram aterrorizados para a aldeia. O pai (ou tio) dos meninos<br />
(irmão da mulher devorada pelo grande gavião), movido pelo<br />
sentimento de vingança, descobre um meio de liquidar o monstro,<br />
transformando seus sobrinhos em super-homens. Ele coloca os<br />
meninos dentro de um grotão, alimentando-os com beiju, banana<br />
e tubérculos para que cresçam bastante e fiquem fortes. Passamse<br />
os dias e é como se os meninos fermentassem dentro d’água.<br />
Depois de um tempo eles haviam crescido e se tornado enormes,<br />
mais fortes e capazes que qualquer índio. Caçavam antas e outras<br />
caças grandes como se elas fossem pequenos roedores. Um dia,<br />
então, Kukry-uire e Kukry-Kakrô saem para caçar Àkti munidos<br />
de borduna, lança e um apito de taquara, armas feitas pelo tio.<br />
Ergueram um abrigo de palha no chão, de onde se via o ninho<br />
do gavião. Ao pé da árvore havia uma pilha de restos humanos<br />
como ossos e cabelos. Os irmãos atraíram Àkti soprando o apito.<br />
A imensa ave descia pronta para o ataque, mas eles escondiam-se<br />
no abrigo, deixando-a desnorteada. Fizeram assim muitas vezes,<br />
deixando o pássaro cada vez mais furioso e desorientado, até que<br />
mostrou sinais de cansaço. Os irmãos, então mataram-no com<br />
lança e borduna. Como troféu tiraram as penas de Àkti e puseram<br />
na cabeça. Cantaram. Celebraram. Depois depenaram a ave e<br />
retalharam-na em pedaços pequenos. Sopraram as penas e elas<br />
foram transformando-se em pássaro. As penas maiores deram<br />
origem às aves maiores (gavião, urubu, arara) as plumas menores<br />
deram aos pequenos pássaros como o beija-flor.<br />
(Gordon, 2006, p. 213-214)<br />
Gordon passa a examinar a relação entre o mito de Àkti e o mito da<br />
origem do fogo, que teria sido roubado da onça (Lévi-Strauss, 1964<br />
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316 \<br />
[2004]). “Ambos tematizam ideias mebêngôkre sobre a importância<br />
de predar e não ser predado” (Gordon, 2006, p. 216).<br />
A atividade do cinegrafista, pensada no contexto do encontro<br />
com a alteridade, não pode deixar de acionar um jogo relacional<br />
entre objeto e sujeito - posições não marcadas, não absolutas, mas<br />
contextuais. O que está em questão é justamente um modo de marcar<br />
essas posições e de se fazer sujeito frente ao outro. A câmera como<br />
recurso dialógico, que opera uma passagem de objeto para sujeito,<br />
só pode ser conduzida por um corpo duro, um corpo firme. Isso<br />
porque a qualidade àkrê é aquela que importa para o relacionamento<br />
com a alteridade. “É a qualidade da ‘alter-objetificação’ e da ‘autosubjetificação’”<br />
(Gordon, 206, p. 218).<br />
<strong>Para</strong> se tornarem “agentes”, os heróis do mito recebem uma dieta<br />
especial a base de bananas, beiju e tubérculos. Em outra versão desta<br />
narrativa, coletada por Vidal (1977, p. 225), pode-se ler que, além<br />
da dieta, os corpos dos garotos foram submetidos a um tratamento<br />
com urucum e côco, depois de serem limpos “da sujeira e do melado<br />
do peixe” com talhas de palmeiras. Essa preparação do corpo visa ao<br />
seu aumento e ao seu fortalecimento para um momento especial de<br />
enfrentamento com o inimigo. Depois de matarem o grande gavião,<br />
os heróis roubam-lhe as penas, dançam e celebram. Apoderam-se<br />
da beleza do inimigo e rapidamente a colocam para funcionar no<br />
sistema cerimonial kayapó. A partir dessa perspectiva, podemos<br />
compreender a importância da alteridade como horizonte de<br />
conquista, em que o vídeo se coloca como um dispositivo de relação.<br />
A relação entre o corpo e a câmera ajuda a pensar a prática de vídeo<br />
em suas dimensões de permanência e variação: se, por um lado,<br />
como demonstrei até aqui, os corpos passam por um processo<br />
social de endurecimento/embelezamento; por outro lado, a câmera<br />
impõe ao cinegrafista um modo específico de corporalidade,
proporcionando mesmo a reelaboração das técnicas corporais<br />
(Mauss, 2003, p. 399-422). O cinegrafista deve ser capaz de assimilar<br />
a agência da câmera, anexando ao próprio corpo as capacidades<br />
técnicas do equipamento. A estética do ciborgue (Haraway, 2009)<br />
parece ser útil ao sugerir acoplamento, a adição de agentividades<br />
ao corpo através de conexões entre matérias heterogêneas e que<br />
determinam corporalidades específicas. A especificidade aqui reside<br />
na construção de uma capacidade visual que está baseada em todo<br />
o corpo (e não em um órgão específico, o olho). Isso porque, para<br />
atingir um parâmetro de perfeição dado pelo olho, todo o corpo deve<br />
estar engajado na ação de filmagem. A ênfase na ação é importante,<br />
pois é justamente o movimento que permite a avaliação estética do<br />
corpo através da imagem12 . Em uma linguagem cinematográfica, os<br />
Kayapó têm no travelling a possibilidade de executar juízo sobre a<br />
imagem e, portanto, sobre o corpo que a produziu.<br />
Os termos que embasam o julgamento kayapó sobre o vídeo são<br />
tanto a rigidez da imagem quanto seu movimento. O quadro deve,<br />
então, não tremer e se movimentar. Podemos entender, assim, a<br />
recusa pelo uso do tripé. Embora tenhamos sugerido, nas oficinas,<br />
o seu manuseio, os alunos preferiam, explicitamente, trabalhar com<br />
a câmera na mão, transferindo para o corpo a tarefa e a capacidade<br />
do objeto técnico. Axuapé, um dos melhores cinegrafistas, chegou a<br />
ser apelidado de Axuapé-mão-de-tripé.<br />
12 É preciso considerar, certamente, a dimensão temporal envolvida no julgamento. Quanto maior<br />
a duração de um plano, mais difícil será manter o corpo-câmera em movimento rígido. No entanto,<br />
entre os Kayapó, essa percepção do tempo estará necessariamente subjugada ao movimento, pois se<br />
trata justamente de apreciar a dispersão do movimento no tempo. Não estamos falando, então, de um<br />
tempo puro - conforme aquele caracterizado por Deleuze (1990) como livre da ação e do movimento.<br />
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318 \<br />
a imagem cronicamente imperfeita<br />
Vimos que uma imagem bela terá sido necessariamente produzida<br />
por um corpo duro. Estabelecemos, assim, uma classe semântica<br />
ampla, que reúne as ideias de auto-sujeição (àkrê), desempenho<br />
(ipêx), rigidez (töjx) e produção de beleza (mejx). Resta dizer que<br />
a imagem perfeita permanece cronicamente como uma imagem<br />
ideal, impossível de ser realizada. A impossibilidade da perfeição<br />
continuará falando de dinâmicas próprias aos Jê e aos Kayapó,<br />
mobilizando a relação de hierarquia etária. É importante destacar<br />
que, entre os Kayapó, “o desenvolvimento afeto-corporal de uma<br />
pessoa, do nascimento à morte, pode ser visto como um processo<br />
de ‘endurecimento’” (Gordon, 2006, p. 316) – o que nos permitirá<br />
relacionar juízo estético e ciclo de vida. 13<br />
Algumas pessoas mais velhas eventualmente possuem uma câmera<br />
e, com ela, realizam procedimentos de filmagem. Invariavelmente,<br />
porém, o uso das câmeras dos projetos se dão por jovens escolhidos<br />
pelo conselho dos homens. É preciso, então, diferenciar os usos da<br />
câmera realizados pelas diferentes faixas etárias. Os mais velhos<br />
parecem exibir um objeto de consumo diferenciado a que tiveram<br />
acesso por meio de suas relações particulares, evidenciando uma<br />
lógica consequentemente mais pessoalizada. Os mais jovens são os<br />
escolhidos para a participação nos “projetos”, são designados pela<br />
comunidade para o acesso a recursos disponíveis a partir do contato<br />
com os brancos, assunto definitivamente público. O que acontece<br />
quando essas imagens, provenientes dos “projetos”, que dizem<br />
respeito a toda a comunidade e que são frequentemente exibidas em<br />
sessões noturnas, são avaliadas por um público interno? Deparamo-<br />
13 Diferencia-se aqui, através das categorias “jovens” e “velhos”, dois grupos etários presentes no<br />
interior de uma mesma classe de idade, a dos Mekrare, “aqueles que já possuem filhos”. <strong>Para</strong> mais<br />
informações sobre ciclo de vida entre os Mebêngôkre, ver: Gordon, 2006, p. 316-321.
nos aqui com um ciclo vicioso que não permitirá a execução da<br />
beleza plena.<br />
Isso ocorre porque, como vimos, a imagem bela deverá estar ligada<br />
ao desempenho de um corpo duro – que, em sua rigidez, revela a<br />
condição de sujeito/bravura. Acontece que os jovens jamais poderão<br />
ser tão bons guerreiros quanto os mais velhos. A afirmativa pode ser<br />
confirmada pelo uso da palavra “guerreiro”. A princípio, ela se aplica<br />
a todos os homens, tanto que o ngà, espaço que ocupa o pátio central<br />
da aldeia e classicamente traduzido pela literatura como a “casa dos<br />
homens”, é quase sempre proferido pelos índios como a “casa dos<br />
guerreiros”. No contexto de divisão e comparação etárias, como<br />
nos casos de divisão de alimentos, a palavra tem seu uso reservado<br />
aos mais velhos, com a formação de dois grupos: “os guerreiros” e<br />
“os jovens”. Dizer que os mais velhos são mais guerreiros significa<br />
dizer que são mais bravos/fortes, tendo sua subjetividade àkre mais<br />
desenvolvida.<br />
A dinâmica descrita pode ser entendida a partir de formulações, já<br />
clássicas sobre as sociedades Jê, que destacam sua complexidade<br />
sócio-cosmológica e enfatizam o detalhe, a segmentação e a<br />
hierarquia (Nimuendaju, 1946; Lévi-Strauss, 1958 [2008, VIII];<br />
DaMatta, 1976; Carneiro da Cunha, 1978; Maybury-Lewis, 1979).<br />
A importância da segmentação etária, evidente em diversas<br />
atividades rituais e cotidianas, impede que tenhamos uma sessão<br />
de visionamento sem as críticas detalhistas dos mais velhos sobre<br />
as imagens filmadas pelos jovens participantes dos projetos. Essas<br />
críticas são realizadas tanto informalmente quanto em discursos<br />
formais proferidos na casa dos homens, onde justamente os mais<br />
velhos detêm o poder da palavra. <strong>Para</strong> os mais velhos, a imagem<br />
sempre estará ruim, entenda-se, tremida. Em alguns momentos,<br />
a sessão de visionamento parece mesmo um jogo de encontrar<br />
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defeitos, através do qual se exerce a diferenciação e a hierarquia.<br />
Aí reside, muitas vezes, a maior diversão dos Kayapó: assistir a uma<br />
imagem que enfatiza a diferença e a segmentalidade internas e que,<br />
assim, por meio de uma dimensão formal, fala da sociedade.<br />
Comunicação<br />
“Siga as valas que a água escavou, e assim conhecerá a direção do<br />
escoamento” 14<br />
Se “guardar” (a cultura) permite entender a relação entre a prática<br />
audiovisual e um modo de consciência histórica, “comunicar” sugere<br />
um uso do vídeo que está preocupado com a geografia. Enquanto<br />
utilizam o vídeo para guardar a cultura através do tempo, os Kayapó,<br />
ao filmar e comunicar, estão proporcionando dispersão e mesmo a<br />
ligação entre diferentes espaços.<br />
Se antes tratamos do consumo das fitas mini-DV pelos cinegrafistas<br />
(em função de uma demanda colocada pelo visionamento, é verdade),<br />
devo dizer que algo consumido ainda com mais avidez pelos Kayapó<br />
são os DVDs graváveis. Isso porque para cada fita que se gasta com<br />
a filmagem de sessenta minutos, aproximadamente, muitos DVDs<br />
serão gravados para que cada um tenha aquelas imagens e, ainda,<br />
para que cada pessoa possa enviá-las para seus parentes próximos<br />
ou distantes, muitas vezes em outras aldeias, acionando e criando<br />
redes dentro e fora da aldeia, mobilizando o sistema de parentesco e<br />
de amizade entre os Kayapó, entre si, e com relação aos seus outros<br />
Sobre a reprodutibilidade técnica<br />
Encontramos uma relação profunda entre as atividades de guardar<br />
e comunicar, demonstrando como se tratam mesmo de processos<br />
14 Carlos Castañeda apud Deleuze & Guattari, 1995, p. 20.
indissociáveis. Isso porque a reprodutibilidade técnica, como definiu<br />
Walter Benjamin (2008), na medida em que “permite a reprodução<br />
vir ao encontro do espectador, (...) atualiza o objeto reproduzido”<br />
(p.168-169). Vimos que essa atualização constante é o que<br />
caracteriza o guardar por imagens. É também o que possibilita uma<br />
comunicação por imagens que está baseada fundamentalmente no<br />
estabelecimento de relações sociais, acionando e também criando<br />
redes por meio de um “valor de exposição” (Benjamin, 2008, p. 172).<br />
<strong>Para</strong> Benjamin, podemos compreender a história da arte a partir<br />
da variação do peso conferido aos dois vetores, inversamente<br />
proporcionais: valor de culto e valor de exposição. “A produção<br />
artística começa com imagens a serviço da magia. O que importa,<br />
nessas imagens, é que elas existem, e não que sejam vistas” (p.<br />
173). Com o passar do tempo, e com o advento da reprodutibilidade<br />
técnica, teríamos assistido ao enfraquecimento do valor de culto<br />
e ao consequente fortalecimento do valor de exposição das obras<br />
de arte. O cinema e a fotografia radicalizam esse movimento,<br />
fazendo da exibição um momento privilegiado para que as imagens<br />
encontrem sua razão de ser – algo que parece fazer bastante sentido<br />
para os Kayapó. Procurei então extrair rendimentos diversos de um<br />
mesmo fenômeno: encontrei, conforme descrito sobre a imagem<br />
guardada, um uso constante e imediato, evocando uma dimensão<br />
espaço-temporal da imagem que aparece aqui decomposta: se antes<br />
procurei caracterizá-la quanto ao tempo, agora pretendo analisar<br />
seus desdobramentos quanto a mobilidade, dispersão, transmissão,<br />
deslocamento.<br />
imagem como mekaron<br />
A questão da distribuição nos ajudará a desenvolver uma reflexão<br />
sobre imagem como mekaron. Essa é a palavra utilizada na língua<br />
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322 \<br />
kayapó para designar imagem, fotos e filmes. Aplica-se também,<br />
e originalmente, a alma/ duplo/ espírito. Propus anteriormente<br />
(Madi Dias, 2011) um desprendimento deste termo (mekaron) com<br />
relação àquela noção (imagem) e sugeri que o uso das palavras<br />
em português (“imagem”, “filme”) aponta para concepções que<br />
não são substancialmente distintas (encontram correspondência<br />
em um sistema de signos, langue) mas que se referem a campos<br />
diferenciados de aplicação discursiva (parole).<br />
Se antes investi em uma variação quanto ao significado desses termos,<br />
aqui investigo justamente as aproximações possíveis. Nesse sentido,<br />
o exame da relação entre imagem e mekaron poderá contribuir pra o<br />
entendimento da dimensão de mobilidade que, em detrimento de um<br />
paradigma narrativo, informa a prática audiovisual entre os Kayapó.<br />
Em outras palavras, quero argumentar que as imagens kayapó são<br />
essencialmente anti-narrativas e essa característica estará bem<br />
expressa na concepção de imagem como mekaron, isto é, alma/<br />
duplo/ espírito. Façamos antes uma digressão em direção ao que<br />
seria uma concepção imagética efetivamente narrativa. Vejamos o<br />
que nos conta Etienne Samain sobre o caso kamayurá:<br />
Os Kamayurá não possuem um termo específico para conotar<br />
o que glossamos por “mito” ou, ainda, por “história”, “estória”<br />
e “narrativa”. Utilizam a palavra “moroneta”, mais abrangente e<br />
genérica, para designar toda forma de “explanação”, antes de tudo<br />
verbal e narrativa mas que pode ser também de ordem visual e<br />
pictórica. É por isso que um “desenho” (ta’angap) traçado sobre<br />
o chão (por ex., o nome-tabu de uma pessoa) ou uma “fotografia”<br />
serão também designados como moroneta, não somente porque,<br />
como observa bem R. J. Menezes (1978, p. 89, nota 9) “são capazes<br />
de, desacompanhados da expressão falada, explanar o que<br />
registram” mas sobretudo – quero acrescentar – porque ambos<br />
são as “réplicas” de uma realidade que somente podem “evocar”
ou retratar. Em outras palavras, moroneta (história, desenhos,<br />
retratos) não são a realidade, mas apenas as representações e as<br />
figuras dela, o que remete a um original presente ou ausente sem<br />
o qual não existiriam. (Samain, 1991, p. 73)<br />
Dois aspectos mencionados por Samain merecem nossa atenção. O<br />
primeiro se refere ao estatuto da imagem que, por seu turno, aparece<br />
como um ponto possível de encontro entre as concepções kamayurá<br />
e kayapó. Trata-se, para os indígenas, de não confundir imagem e<br />
realidade – mas destacar a existência de dois termos de uma relação<br />
(signo e referente, para utilizar uma linguagem semiótica). Quanto<br />
ao segundo ponto, devemos nos perguntar sobre o modo como se<br />
estabelece a ligação entre imagem e realidade. Esse ponto expressa o<br />
que poderíamos chamar de uma eficácia imagética (o que a imagem<br />
faz), em que podemos perceber uma diferença crucial colocada na<br />
comparação entre os casos kamayurá e kayapó quanto ao modo de<br />
operação da imagem em um regime comunitário. <strong>Para</strong> os Kamayurá,<br />
a relação entre imagem e realidade parece ter base discursiva: ao<br />
reunir histórias, desenhos e fotografias em torno de um mesmo<br />
significante linguístico (moroneta), temos o compartilhamento<br />
de uma classe semântica que indica explanação, estendendo esse<br />
sentido a diferentes modos de constituição do discurso e justamente<br />
identificando discursividade e imagem. A moroneta se refere a uma<br />
realidade original e, assim, aciona um discurso sobre ela. No caso<br />
kayapó, a maneira como imagem e realidade se conectam adquire<br />
uma dinâmica diferenciada. Axuapé me contou que<br />
o mekaron pode aparecer em outro lugar. Quando você está<br />
andando na mata sozinho... ou então no meio da noite, quando<br />
você acorda e anda pra fora da casa e você vê o mekaron. O filme<br />
é a mesma coisa. O filme leva a pessoa pra outro lugar. E aí você<br />
pode ver essa pessoa em outro lugar.<br />
(diário de campo, 30-07-2010)<br />
/ 323
324 \<br />
Podemos concluir que duas características do mekaron foram<br />
emprestadas à imagem: visibilidade (você vê o mekaron) e<br />
deslocamento/dispersão (aparece em outro lugar). As imagens,<br />
mekaron, não se referem ao mundo a partir de um discurso sobre<br />
ele. Elas fazem ver ao mesmo tempo em que levam para outro lugar.<br />
Ainda no que diz respeito à relação entre imagem e mekaron, Ana<br />
Gabriela Morim de Lima já havia me falado sobre a imagem ser “o<br />
pirata da pessoa” – dado obtido em sua etnografia Krahô15 na ocasião<br />
em que viajava para a cidade com o objetivo de comprar DVDs para<br />
copiar vídeos. Seu informante se referia aos CDs e DVDs piratas,<br />
que permitem copiar e difundir materiais originais. “A imagem é o<br />
pirata da pessoa” aponta, então, tanto para a problemática da cópia<br />
quanto para a dimensão dispersiva que essas cópias assumem em<br />
um contexto de rede intra e interétnica. Isso porque um atributo<br />
da cópia é o de justamente prover a proliferação e elevar o valor de<br />
exposição de uma obra de arte por meio da reprodutibilidade técnica<br />
(Benjamin, 2008, p. 165-196).<br />
É interessante notar que Manuela Carneiro da Cunha, estabelecendo<br />
a oposição entre vivos e mortos como um importante operador<br />
classificatório para os Krahô (1978), havia descrito os mekaron<br />
justamente por seu caráter estático. Essa estaticidade percorreria<br />
toda a fisiologia dos mekaron, que estariam marcados pela ausência<br />
de movimento próprio, sendo conduzidos pelo vento. Essa última<br />
observação é extremamente importante por demonstrar que, mesmo<br />
sendo caracterizado por uma estaticidade intrínseca, o mekaron<br />
está necessariamente vinculado ao movimento. Talvez pudéssemos<br />
sugerir que o movimento ocasionado pelo vento se identifica com<br />
um movimento dado “naturalmente”, ou sem maiores esforços (uma<br />
15 Povo indígena do Tocantins, também pertencente ao tronco linguístico macro-Jê. Dado obtido em<br />
comunicação pessoal. Ver Morim de Lima 2010.
espécie de dispersão por natureza, cf. Madi Dias 2011, item 12 -<br />
“Difusão por natureza, uma concepção de informação pública”).<br />
Considero, por fim, extremamente interessante o modo pelo<br />
qual o audiovisual dinamiza as relações sociais entre os Kayapó,<br />
tanto internamente (guardando) quanto para com os seus outros<br />
(comunicando). Isso porque, se voltarmos à descrição de Walter<br />
Benjamin sobre a obra de Proust, chegaremos ao potencial realmente<br />
incrível das imagens em propiciar sociabilidade:<br />
REFERêNCiaS<br />
um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na<br />
esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado (leia-se<br />
também “o acontecimento comunicado”, eu sugiro) é sem limites,<br />
porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.<br />
(Benjamin, 2008, p. 37)<br />
BATESON, Gregory. A theory of play and fantasy. Steps to an ecology of mind.<br />
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funerário e da noção de pessoa entre os Krahó. São Paulo: Hucitec, 1978.<br />
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revelação e engano)
\ Como filmei Nanook do Norte<br />
Aventuras com os Esquimós para Conseguir Imagens da Sua Vida<br />
Original e Suas Batalhas com a Natureza para Conseguir Comida.<br />
A Luta da Morsa<br />
/ Robert J. Flaherty, [F.R.G.S] (1922)<br />
Em agosto de 1910, Sir William MacKenzie, cuja ferrovia transcontinental<br />
no Canadá setentrional estava nos estágios iniciais de<br />
construção, contratou este escritor para levar a cabo uma expedição<br />
até a costa oriental da Baía de Hudson, para examinar sedimentos de<br />
certas ilhas, nas quais se supunha que poderia jazer minério de ferro.<br />
No total, fiz quatro expedições em nome de Sir William, ao longo de<br />
um período de seis anos, junto à costa oriental da Baía de Hudson,<br />
através das terras estéreis da até então inexplorada península de<br />
Ungava, seguindo a costa ocidental da baía de Ungava e a costa<br />
austral da Terra de Baffin. Este trabalho culminou com a descoberta<br />
do arquipélago da Ilha Belcher na Baía de Hudson — uma massa de<br />
terra que ocupa 5.000 milhas quadradas — massa de terra sobre<br />
a qual foram descobertas extensos sedimentos de minério de<br />
ferro, mas todos de baixa qualidade, embora de futura importância<br />
econômica. Como parte do meu equipamento de exploração nestas<br />
expedições, incluía-se uma aparelhagem para produção de imagens<br />
em movimento. Esperava-se assegurar filmes do Norte e da vida<br />
Esquimó, que, de algum modo, poderia ter valor suficiente para<br />
ajudar a custear algumas das despesas das explorações.<br />
Enquanto invernava na Terra de Baffin, entre 1913 e 1914, foram<br />
feitos filmes do país e dos nativos, assim como na expedição<br />
seguinte, às ilhas Belcher. Na conclusão das sondagens, o filme, num<br />
total de 30.000 pés, foi trazido de volta a salvo, a Toronto, onde,<br />
durante a edição do material, tive o azar de perdê-lo completamente<br />
por causa do fogo. Embora isso, naquele momento, parecesse uma<br />
/ 329
330 \<br />
tragédia, não estou certo de que não se tratou de uma pequena sorte<br />
que ele tenha se queimado, posto que era bastante amador.<br />
Meu interesse pelos filmes, daí em diante, cresceu.<br />
Novas formas de filme de viagens foram surgindo e o filme da Ilha<br />
Johnson do Mar do Sul pareceu-me particularmente ser uma boa<br />
amostra do que seria feito no Norte. Comecei a crer que um bom<br />
filme, apresentando os Esquimós e sua luta pela existência, no<br />
dramaticamente inóspito Norte, poderia possuir um bom valor. <strong>Para</strong><br />
resumir a história, decidi ir para o Norte novamente — desta vez,<br />
completamente devotado ao propósito de fazer filmes.<br />
O Sr. John Revillon e o capitão Thierry Mallet, dos Irmãos Revillon,<br />
ficaram interessados e decidiram financiar meu projeto. Provouse<br />
ser este um acordo feliz, posto que através do vasto sistema<br />
de entrepostos peleiros dos Irmãos Revillon que se espalham pelo<br />
Canadá setentrional, pude utilizar um destes entrepostos como o<br />
núcleo do meu trabalho. Este entreposto estava situado no Cabo<br />
Dufferin, no nordeste da Baía de Hudson, a aproximadamente 800<br />
milhas ao norte da fronteira ferroviária setentrional de Ontario. A<br />
jornada para lá iniciou-se no dia dezoito de junho de 1920.<br />
De canoa com os índios, segui o Rio Moose até à Feitoria Moose na<br />
Baía James. Daí para norte, uma pequena escuna me conduziu até<br />
meu destino, ao qual cheguei no meio de agosto. Os recursos do<br />
entreposto comercial peleiro dos Irmãos Revillon, no Cabo Dufferin,<br />
estavam à minha disposição. Um dos alojamentos que compunham<br />
o entreposto tornou-se meu, reunindo dormitório e laboratório<br />
cinematográfico.<br />
Meu equipamento incluía 75.000 pés de filme, um gerador e projetor<br />
elétrico Haulberg, duas câmaras Akeley e uma máquina copiadora<br />
para que eu pudesse fazer cópias do filme enquanto ele era exposto,<br />
e projetar as imagens na tela de modo que os esquimós da região
pudessem enxergar e compreender quaisquer enganos que viessem<br />
a cometer.<br />
Dos esquimós que eram conhecidos no entreposto, para o filme<br />
escolhi, no total, uma dúzia. Destes, Nanook, um personagem famoso<br />
na nação, era meu principal homem. A seu lado, e bem conforme sua<br />
aprovação, escolhi três jovens como ajudantes. Isso incluía também<br />
suas esposas e famílias, cães em número de aproximadamente vinte<br />
cinco, seus trenós, caiaques e apetrechos de caça.<br />
Como se por sorte, o primeiro filme feito foi da caça à morsa. Foi de<br />
Nanook que primeiro ouvi falar da “Ilha da Morsa”, que é uma ilhota<br />
perdida no mar e inacessível aos esquimós durante a estação de<br />
águas abertas, pois é longínqua o bastante para não ser visível da terra.<br />
Na extremidade sul da ilha, em uma praia batida por ondas, havia, no<br />
verão, segundo Nanook, várias morsas, julgando pelos vestígios que<br />
foram vistos no inverno por um grupo de esquimós caçando focas,<br />
os quais, pegos por uma fratura no gelo, foram forçados a morar<br />
lá até a primavera seguinte, ocasião em que eles só conseguiram<br />
alcançar o continente ao construir um umiak de peles de foca e<br />
troncos, escavando as massas de gelo no mar aberto, que ainda<br />
restavam presas à costa. Nanook estava bastante entusiasmado com<br />
minha ida, pois, como ele disse “Há muitas luas que eu não caço a<br />
morsa do verão”.<br />
Quando resolvi fazer a viagem, todo o interior ficou interessado. Já<br />
não havia falta de candidatos para a viagem. Todo mundo me fornecia<br />
alguma razão particular pela qual deveria ser incluído na expedição.<br />
Com um barco de mar aberto de vinte e cinco pés de comprimento<br />
equipado com uma vela Leg-O-Mutton (uma vela triangular, como as<br />
de windsurf), partimos, com uma multidão de esquimós, suas esposas,<br />
crianças e cães aglomerados na praia para nos ver sair. Algumas<br />
milhas a partir do entreposto, alcançamos o mar aberto, quando<br />
/ 331
332 \<br />
então por três dias tivemos de ficar na costa esperando por tempo<br />
bom o bastante para fazer a travessia. Finalmente alcançamos a ilha<br />
em um dia, ao pôr do sol, e desembarcamos naquilo que nada mais<br />
era que um amontoado de destroços de pedregulhos e rochedos,<br />
de uma milha e meia de comprimento, com espuma de ondas<br />
em toda a borda. Em torno do privilégio de uma fogueira de troncos<br />
a deriva (troncos são raros no continente), ficamos em vigília até<br />
tarde da noite, especulando principalmente sobre as chances de<br />
encontrar polvos.<br />
Como se a sorte chegasse exatamente na hora em que iríamos<br />
nos recolher, de repente veio de Nanook uma exclamação “Iviuk!<br />
Iviuk!” e o ladrar de um cardume de morsas ressoou no ar. Quando,<br />
cedo na manhã seguinte, nos levantamos, dê-mo-nos conta, para<br />
nossa decepção, que a manada de morsas havia retornado ao mar<br />
novamente, mas logo depois, e bem próximos da praia, os líderes<br />
de um grande cardume de morsas lançavam-se sobre o mar, com<br />
suas presas malvadas lampejando no sol. Enquanto estivessem<br />
dentro d’água, não haveria filmes a fazer, e então voltamos ao<br />
acampamento. Nos dois dias seguintes, fizemos quase uma<br />
viagem a cada hora até que finalmente as encontrássemos — uma<br />
manada de vinte — adormecidas, refestelando-se na areia da praia.<br />
Ainda mais afortunadamente, elas jaziam em um lugar no qual,<br />
ao nos aproximarmos, poderiam ser enquadradas de uma visada<br />
ligeiramente elevada acima do solo. Atrás da elevação, montei a<br />
câmara enquanto Nanook passou o fio no seu arpão, começando<br />
a nos esgueirar lentamente sobre o topo. Deste topo até onde elas<br />
jaziam, havia não mais do que cinquenta pés, e, até que Nanook<br />
engatinhasse até metade desta distância na direção delas, nenhuma<br />
das morsas havia se assustado. No resto do caminho, toda vez que<br />
a sentinela da manada erguia lentamente a cabeça para olhar ao<br />
redor, Nanook deitava-se inerte no chão. Então, quando sua cabeça
inclinava-se de volta e caia no sono, outra vez Nanook minhocava<br />
seu caminho lentamente. Devo também acrescentar aqui que as<br />
morsas têm, em terra, uma visão limitada. Pois, para se proteger, ela<br />
depende do seu nariz e, uma vez que o vento seja favorável, pode<br />
ser seguida bem de perto. Quando estava quase entre elas, Nanook<br />
divisou o maior macho, levantou-se rapidamente e com toda força<br />
lançou seu arpão. O macho ferido urrou de fúria, com sua enorme<br />
massa mergulhando e rebentando no mar (ele pesava mais de 2.000<br />
libras), os gritos dos homens arriscando suas vidas na tentativa<br />
de segurá-lo, os berros de combate da manada nos rodeando,<br />
companheiros do macho ferido que enxameavam ao redor, presas<br />
travadas, numa tentativa de resgate — foi a maior briga que eu já<br />
havia visto. Por um longo tempo, ficou-se em um perde-ganha – a<br />
equipe repetidamente pedindo-me que usasse a pistola –, mas como<br />
a manivela da câmara era então o meu único interesse, fingi que não<br />
entendia. Finalmente, Nanook empenhou-se na querela, e foi puxado<br />
em direção à rebentação, onde ele era batido pelos pesados mares,<br />
incapaz de lograr vantagens na água. Por pelo menos vinte minutos,<br />
ficou-se neste cabo-de-guerra. Eu afirmo que eram vinte minutos<br />
com segurança, posto que arranquei dali 1.200 pés de filme.<br />
Em nosso barco, carregado de carne de morsa e marfim — foi uma<br />
tripulação feliz que me trouxe de volta ao entreposto, no qual<br />
Nanook e seus amigos foram saudados com fervor. Não perdi tempo<br />
para revelar e copiar o filme. A luta da morsa foi o primeiro filme que<br />
estes esquimós jamais haviam visto e, na linguagem dos negócios,<br />
foi um “nocaute”.<br />
A audiência — que se amontoava na cozinha do entreposto quase<br />
a ponto de se sufocar, esqueceu-se completamente da imagem –<br />
para eles a morsa era real e viva. As mulheres e crianças, nas suas<br />
vozes agudas estridentes, juntaram-se aos homens na gritaria de<br />
admoestações, avisos e conselhos a Nanook e a sua equipe, à medida<br />
/ 333
334 \<br />
que o filme se desdobrava na tela. A fama deste filme espalhou-se<br />
por todo o território. E por todo o ano em que eu lá permaneci, cada<br />
família que passava pelo entreposto me suplicava para que lhe fosse<br />
exibido o Iviuk Aggie.<br />
Depois disso, não demorou para que meus esquimós vissem o<br />
aspecto prático dos filmes, de modo que logo abandonaram a sua<br />
atitude inicial de riso e troça em relação ao Angecak, isto é, ao Mestre<br />
Branco que queria imagens deles — os mais comuns objetos de todo<br />
mundo! Daquele momento em diante, estavam todos do meu lado.<br />
Quando, em dezembro, a neve começou a cair pesadamente no solo,<br />
os Esquimós abandonaram seus topecks de pele de foca e a vila de<br />
iglus de neve ergueu-se ao redor do meu entreposto de invernada.<br />
Eles cercaram de neve minha pequena cabana até o ocaso com<br />
espessos blocos de neve. Ele ficou tão espessamente murado quanto<br />
uma fortaleza. Minha cozinha tornou-se seu salão de encontros —<br />
havia sempre um balde de cinco galões de chá pousado no fogão, e<br />
bolachas-do-mar no barril.<br />
Também o meu pequeno gramofone era propriedade comunal.<br />
Caruso Farrar, Ricardo-Martin e McCormick alternavam-se com as<br />
orquestras de Harry Lauder, Al Jolson e Jazz King. O prólogo de<br />
Caruso no Pagliacci, com sua trágica conclusão, era para eles a<br />
gravação mais cômica do conjunto. Levava-os a rebentar de rir até<br />
rolar no chão.<br />
As dificuldades para revelar e copiar o filme durante o inverno eram<br />
muitas. A conveniência da civilização da qual mais senti falta era a<br />
água corrente. Por exemplo, a lavagem do filme, requeria três barris<br />
de água para cada cem pés. O buraco de água, então de oito pés de<br />
gelo, tinha de ser mantido aberto durante todo o inverno e a água,<br />
coagulada em partículas de gelo, precisava ser retirada, um barril de<br />
cada vez, de uma distância de mais de um quarto de milha. Quando
digo que mais de 50.000 pés de filme foram revelados durante o<br />
inverno, sem nenhuma ajuda além da dos meus Esquimós, e na<br />
lenta taxa de oitocentos metros por dia, pode-se de algum modo<br />
compreender o volume de tempo e de labuta envolvidos.<br />
A caça da morsa mostrou-se de tal sucesso que Nanook passou<br />
a aspirar coisas maiores. A primeira das coisas maiores iria ser<br />
uma caça ao urso no Cabo Sir Thomas Smith, que jaz em torno de<br />
duzentas milhas ao norte de nós. “Aqui”, disse Nanook, “é onde a<br />
ursa hiberna no inverno. Eu sei, porque já as cacei lá, e me parece<br />
que lá poderíamos ter a grande, grande aggle (imagem).”<br />
Ele passou então a descrever como, no início de dezembro, a ursa<br />
hiberna em vastos aterros de neve à deriva. Não há nada que indique<br />
o refúgio, exceto a pequena ventarola ou buraco de ar que é derretido<br />
pelo calor corporal do animal. Ele passou então a avisar que ninguém<br />
deve andar por ali, pois poderia cair dentro, situação na qual a ursa<br />
ficaria furiosa! Seus companheiros permaneceriam junto de mim,<br />
cada um de um lado, rifles nas mãos, enquanto eu filmasse (ele<br />
estaria, ao menos, garantindo a minha segurança neste negócio).<br />
Ele, com sua faca de neve, abriria o refúgio bloco por bloco. Os cães,<br />
neste meio-tempo, seriam todos soltos e, como uma alcateia de<br />
lobos rodeando a presa, juntar-se-iam ao redor dela, uivando para<br />
os céus. Com a porta do refúgio da Senhora Ursa aberto, Nanook,<br />
com nada além do seu arpão, estaria preparado e esperando.<br />
Os cães acossando a mina — alguns deles arremessados pelo ar<br />
por patadas-relâmpago da ursa — Nanook dançando lá e cá (ele<br />
encenava a cena no chão da minha cabana usando o arco do meu<br />
violino como arpão) esperando para lançar um arremesso de curta<br />
distância — este, ele tinha certeza, seria uma grande, grande imagem<br />
(aggie peerualluk). Concordei com ele. Depois de duas semanas de<br />
preparação, partimos. Nanook, com três companheiros, dois trenós<br />
/ 335
336 \<br />
pesadamente carregados e dois times de uma dúzia de cães. Meu<br />
suprimento alimentar compreendia cem libras de porco com feijão,<br />
que havia sido cozido em enormes caldeiras no meu entreposto, e<br />
então colocados em um saco de lona e congelados. Estes feijões,<br />
arrancados com um machado da massa congelada, junto com frutas<br />
secas, bolachas-do-mar e chá, compraziam minha provisão de<br />
comida.<br />
A dieta de Nanook e de seus companheiros era foca e morsa,<br />
acrescidas de chá e de açúcar do meu suprimento e, o mais<br />
importante de tudo, de tabaco, aquele mais valorizado tesouro do<br />
homem branco. Nós partimos em um dia de frio cortante — o dia 17<br />
de janeiro —, com cada contorno de paisagem borrado pelo vento<br />
nevado. Por dois dias fizemos um bom progresso, pois o solo em<br />
que viajamos estava duro e bem batido pelo vento. Depois deste<br />
período, porém, um poderoso vendaval com precipitação de neve<br />
arruinou nosso bom curso. Dia após dia, seguimos lentamente nossa<br />
jornada. Dez milhas, ou menos, era a média diária de deslocamento.<br />
Havíamos esperado cobrir as 200 milhas até Cabo Smith em oito dias,<br />
mas depois de passados doze deles, descobrimos que estávamos<br />
apenas a meio caminho. Ficamos desencorajados, com todos os cães<br />
completamente exaustos e, para piorar ainda, com as provisões de<br />
foca e comida para os cães próximas do ponto de esgotamento.<br />
A baixa linha costeira a partir da qual havíamos viajado por dias<br />
revelou-se, no final, uma miragem enganadora, pendurada no céu, de<br />
modo que Nanook não conhecia sua própria localização, e tampouco<br />
a nossa posição em relação ao Cabo Smith. Constantemente, à<br />
medida que caminhávamos ao longo da monotonia dos dias, nossa<br />
proximidade do Cabo Smith tornava-se o assunto supremo de<br />
nossas mentes. “Quão próximos estamos?”, a pergunta que vinha de<br />
hora em hora, tornou-se o suplício da pobre existência de Nanook.<br />
Nas poucas vezes em que ele tentou prever, estava invariavelmente
errado. Finalmente, viajamos até um ponto onde o Cabo, Nanook<br />
estava certo, se encontrava a não mais do que alguns dias de jornada,<br />
pois ele estava certo que o havia divisado através da névoa e geada<br />
o antigo território de caça de anos anteriores. Durante o dia, seus<br />
companheiros acharam que ele estava outra vez enganado. Eles não<br />
podiam conter sua impaciência e irritação. O pobre Nanook ficou<br />
indignado e, à medida que continuávamos, ele mantinha sua cabeça<br />
erguida, recusando-se firmemente a olhar novamente para aquele<br />
continente enganador.<br />
Estávamos já no limite do nosso feijão quando finalmente alcançamos<br />
o Cabo Smith. Nossa cadela líder, de couro marrom, que estivemos<br />
nos três dias anteriores carregando em cima do trenó na tentativa<br />
de salvá-la, estava morrendo de inanição. Nanook sacrificou-a com<br />
seu arpão e, enquanto lançava longe a carcaça, disse: “Acabou-se<br />
a comida para os cães”. Bem, de todo modo, havia focas no Cabo,<br />
disso estávamos seguros, e além do mais teríamos que permanecer<br />
ali durante o dia, de modo que continuamos otimistas o suficiente.<br />
A grande massa de terra do Cabo, elevando-se a meros 1.800 pés,<br />
postava-se desafiadoramente diante de nós. Pelo cair da noite,<br />
alcançamos nossa terra preciosa de ursos e focas e abundância.<br />
Estacamos ante a elevação de um antigo terreno de acampamento<br />
de Nanook e, abandonando trenós e cães, subimos ansiosamente<br />
até um mirante, em busca de uma vista de boas-vindas dos terrenos<br />
de foca. Apreciamos lá um momento ou mais, antes de percebermos<br />
que o terreno de focas que havíamos procurado era exatamente<br />
igual a todo o terreno atravancado pelo qual havíamos viajado —<br />
um sólido campo branco, e em nenhum lugar uma pista de caça de<br />
águas abertas. Esquecemos sobre a caça ao urso; por duas semanas<br />
e meia, buscamos por focas vagando dia após dia seguindo o sopé<br />
de gelo quebrado do Cabo. Neste intervalo, duas pequenas focas<br />
foram mortas e elas eram exatamente o suficiente para manter os<br />
/ 337
338 \<br />
cães vivos. Por quatro dias, certa feita, ficamos sem óleo de foca e<br />
nosso iglu ficou mergulhado na escuridão. Os cães estavam no limite<br />
do cansaço, dormindo no túnel do iglu. Sempre que eu quisesse<br />
engatinhar porta afora, tinha que levantá-los de lado como se fossem<br />
sacas de farinha, pois estavam demasiado cansados e indiferentes<br />
para se afastar. A ironia disso tudo é que ursos, havia por toda parte,<br />
certa noite, quatro deles passaram a uma centena de pés de nosso<br />
iglu, mas os cães estavam fracos demais para uivar para eles ou<br />
para detê-los. O meu estoque de comida estava se aproximando das<br />
raspas. Por alguns dias estive partilhando-o com os homens.<br />
Jamais esquecerei uma manhã amarga, na qual Nanook e seus<br />
homens começavam a sair para um dia de caça nos campos de gelo<br />
marinhos. Descobri, de repente, que nenhum deles havia tocado<br />
minha comida na hora do desjejum. Quando protestei com Nanook,<br />
ele respondeu que ele temia que eu ficasse sem! Todavia, nossa sorte<br />
mudou no cair da noite, quando Nanook engatinhou para dentro do<br />
iglu exibindo um sorriso de orelha a orelha, enquanto gritava as<br />
bem-vindas palavras “Ojuk! Ojuk!” (a grande foca). Ele havia abatido<br />
uma foca adulta, que era “muito, muito grande” e suficiente para que<br />
nós e os cães fizéssemos a jornada, de volta ao sul. Que banquete<br />
estes homens fizeram, ao longo daquela noite memorável! Quando<br />
acabou, Nanook disse em profundo contentamento, “Agora, estamos<br />
fortes de novo e quentes. A comida do homem branco nos deixou<br />
muito fracos e frios”. A carne de foca é certamente fonte de calorias<br />
no mais alto grau. Quando eu acordei na manhã seguinte, estavam<br />
todos ainda adormecidos, com os corpos cobertos de cristais de<br />
gelo, com uma camada de vapor flutuando sobre eles no frio ar do iglu.<br />
Muito embora o problema do suprimento de comida tivesse sido<br />
por ora solucionado, ainda não éramos capazes de viajar, posto que<br />
os cães necessitavam serem alimentados. Neste ínterim, caçamos
por sinais de tocas de urso, seguindo os gigantescos flancos do<br />
cabo. Havia rastros em toda parte, mas de tocas, apenas uma, e<br />
ainda assim, abandonada. Tivéssemos tempo sobrando, seria<br />
apenas questão de dias antes que encontrássemos uma, mas eu<br />
tinha uma grande quantidade de filme para fazer no meu entreposto<br />
de inverno, e como não houvesse mais tempo para desperdiçar,<br />
bastante relutantemente, então, deixamos o Cabo e começamos a<br />
trilhar a viagem para casa. Chegamos lá no décimo dia de março<br />
e assim terminaram as seiscentas milhas e cinquenta e cinco dias<br />
da jornada da “grande imagem” do nosso Nanook. Mas de maneira<br />
nenhuma ela foi perdida: eu estava mais rico de um conhecimento<br />
mais pleno das excelentes qualidades dos meus valiosos amigos, os<br />
esquimós.<br />
Tradução: Bráulio de Britto Neves<br />
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340 \<br />
\ Banghawi: caça ao hipopótamo com o arpão<br />
pelos pescadores Sorko do Médio-Níger 1<br />
/ Jean Rouch<br />
Um dos primeiros estudos etnográficos publicados pelo<br />
então jovem antropólogo Jean Rouch, quatro anos antes da<br />
defesa de sua tese de Doutorado de Estado na Sorbonne<br />
(Essai sur la Religion Songhay, 1952), este artigo até aqui<br />
inédito em português constitui um texto modesto mas<br />
importante no conjunto de seus trabalhos sobre a prática da<br />
caça pelos Songhay. Relatando e explicando exatamente os<br />
mesmos fenômenos que ele filmou em 1947 e que seriam<br />
desvirtuados na montagem, feita à sua revelia, de No país<br />
dos magos negros [Au pays des mages noirs, 1947], o<br />
artigo nos permite imaginar precisamente o que deveria ter<br />
sido o comentário verbal daquele primeiro filme de Rouch<br />
se ele mesmo tivesse podido montá-lo e sonorizá-lo à sua<br />
maneira, sem a intervenção das Actualités Françaises. Ele<br />
constitui assim uma peça-chave do dossiê que compreende<br />
aquele primeiro filme de 1947, o outro filme sobre a caça<br />
ao hipopótamo feito como uma resposta a ele, Batalha no<br />
grande rio (Bataille sur le grand fleuve, 1950-51), e um<br />
terceiro filme, bem posterior (Jean Rouch premier film:<br />
1947-1991, de Dominique Dubosc e Jean Rouch), no qual um<br />
Rouch já velho evoca as desventuras do seu primeiro filme e<br />
improvisa na sala de projeção um novo comentário para seu<br />
bloco final mostrando a sequência das danças de possessão.<br />
(Nota de Mateus Araújo)<br />
1 Artigo publicado originalmente no Bulletin de l’Institut Français d’Afrique Noire, Dakar, Tome X,<br />
année 1948, p. 361-377, e recolhido bem mais tarde em Jean Rouch, Les Hommes et les dieux du<br />
fleuve: Essai ethnographique sur les populations Songhay du moyen Niger (1941-1983). Paris: Editions<br />
Artcom’, 1997, p. 63-78. A versão traduzida aqui é a do volume de 1997, sem as 9 fotografias que<br />
acompanhavam o texto. [N. dos T.]
A caça ao hipopótamo com o arpão é uma especialidade dos povos<br />
pescadores do Níger. Mas os Somono, Bozo, Sorkawa ou Noupawa<br />
reconhecem todos que os Sorko, pescadores Songhay do Norte da<br />
curva (boucle) do rio, lhes são superiores nesta pesca especial. De<br />
fato, uns são antes de tudo pescadores com a rede, com a cesta<br />
(nasse) ou com o anzol, isto é, pescadores de peixes, ao passo que os<br />
outros se servem quase exclusivamente do arpão, com o qual pegam<br />
alguns peixes grandes, os lamantins, os crocodilos e, sobretudo, os<br />
hipopótamos.<br />
Os antigos cronistas, Ibn Batouta, El Bekri e Léon, o Africano, já<br />
tinham se impressionado com essa pesca especial. Eis o que diz<br />
dela Ibn Batouta: “As pessoas desta região se servem para pegar os<br />
hipopótamos de um belo expediente. Elas têm lanças perfuradas em<br />
cujos buracos passaram fortes cordas. Elas ferem os animais com<br />
estas armas. Se o golpe atinge a perna ou o pescoço, a lança penetra<br />
nessas partes do anfíbio que elas puxam por meio de cordas até a<br />
margem onde o matam e comem a sua carne...” E, como se verá,<br />
cerca de dez séculos depois, a descrição ainda continua válida.<br />
Inumeráveis canções songhay tematizam a caça ao hipopótamo. A<br />
maior parte descreve os altos feitos de Faran Maka, o ancestral de<br />
todos os Sorko. Mas, se a habilidade incrível daquele que matava<br />
quarenta hipopótamos por dia é particularmente elogiada, é<br />
sobretudo a força mágica do primeiro pescador que constitui o tema<br />
dessas canções. Nelas, a caça aparece como uma competição mágica<br />
entre o hipopótamo e o seu caçador, cujos feitiços acabam sempre<br />
por obter a decisão favorável das forças invisíveis.<br />
Mas, desde a chegada dos franceses, a caça ao hipopótamo foi proibida,<br />
e, apesar de algumas fraudes, desapareceu quase inteiramente. E<br />
os Sorko, privados de sua principal atividade, recusando-se muitas<br />
vezes com orgulho a aprender a técnica da pesca com a rede,<br />
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voltaram-se para necessidades mais espirituais, como a de padre<br />
da religião dos espíritos, privilégio de sua hereditariedade; mas os<br />
velhos conservaram em toda parte a nostalgia e as tradições intactas<br />
dessa grande pesca...<br />
Tendo obtido a permissão para matar dois hipopótamos, meus<br />
companheiros e eu decidimos caçar esses animais com os pescadores<br />
Sorko da região de Firkoun, tentando fazer um filme. O texto que<br />
segue é o resumo desta caça.<br />
LUGaR<br />
Trecho [Bief] Labbezenga-Firkoun (Colônia do Niger, circunscrição<br />
de Tillabéry, cantão de Ayorou, na fronteira do Sudão e do Niger)<br />
Este trecho do rio Níger, de uns quinze quilômetros de comprimento,<br />
se situa entre as correntezas de Labbezenga e as de Firkoun. Ali,<br />
vivem em permanência uns cinqüenta hipopótamos, cuja residência<br />
preferida é a bacia de Yassane.<br />
Data<br />
Em 23 de agosto de 1946, uma tentativa de caça se fazia com alguns<br />
Sorko do vilarejo de Ayorou. Um animal foi isolado, mas conseguiu<br />
retornar ao rebanho antes de ser arpoado. Os Sorko desistiram. Essa<br />
tentativa infrutífera deixava muitas lições: ela nos ensinou que a<br />
caça ao hipopótamo requeria uma minuciosa preparação técnica e<br />
religiosa. Nós marcamos um encontro com os Sorko alguns meses<br />
mais tarde.<br />
Em 13 de janeiro de 1947, descendo o Níger em piroga, encontramos<br />
todos os Sorko dos vilarejos de Ayorou, Firkoun, Koutougou,<br />
reunidos no vilarejo de Firkoun para construírem lá uma grande<br />
piroga especial para a caça ao hipopótamo.
Na segunda-feira 27 de janeiro de 1947, lançamento desta piroga,<br />
depois festa dos espíritos. Na quarta-feira 29 de janeiro, sacrifício<br />
sobre os arpões. Na quinta-feira 30 e na sexta-feira 31 de janeiro,<br />
caça propriamente dita. No sábado 1º de fevereiro, corte em pedaços<br />
do animal morto.<br />
paRtiCipaNtES<br />
O chefe do cantão de Ayorou, Yabouka (cuja ajuda e amizade nos<br />
foram particularmente úteis), reunira sob a autoridade do Sorko<br />
Oumarou, do vilarejo de Firkoun, todos os Sorko de seu cantão,<br />
ou seja, 12 Sorko do vilarejo de Koutougou, 9 Sorko do vilarejo de<br />
Firkoun, 10 Sorko do vilarejo de Ayorou, perfazendo um total de 31<br />
Sorko (eu lembro que para ser Sorko é preciso ser filho de Sorko).<br />
piRoGaS<br />
Esses 31 Sorko dispõem de 10 pirogas comuns de pesca. São<br />
pirogas estreitas chamadas “de Gothey”, do nome do mercado onde<br />
se compram, formadas de 2 troncos escavados e unidos por uma<br />
costura central. Os meios de propulsão são os remos e as varas. <strong>Para</strong><br />
a navegação rápida nas ervas, as varas são especialmente munidas<br />
de uma forquilha de madeira numa de suas pontas.<br />
A tripulação é composta de dois ou três Sorko.<br />
Uma grande piroga com pranchas costuradas foi construída. Propulsada<br />
a vara, sua tripulação é de três homens (os velhos).<br />
Construção da grande piroga<br />
Desde o mês de setembro, os Sorko foram à savana cortar troncos<br />
de garbey (Acacia vereck?), que eles cortaram com machado em<br />
pranchas de uns dez centímetros de espessura. Essas pranchas<br />
eram conservadas e desbastadas sob a água. Um tronco de tockay<br />
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foi cortado e conservado inteiro para formar a proa da piroga. Fibras<br />
de disima (da) eram trançadas e enroladas numa cordinha.<br />
Em dezembro, o chefe Oumarou e o zarolho Issaka começavam<br />
a construir a piroga. Um plano era desenhado sobre o solo e<br />
partindo da base da proa segura e erguida, as pranchas eram<br />
costuradas formando o fundo (dari) de 5 metros por 1,20 m, com<br />
três pranchas unidas. Depois o lado (dewe) de 1,50m de altura era<br />
erguido com 4 pranchas superpostas e juntas desencontradas para<br />
aumentar a solidez. A popa (likko) terminava a embarcação com três<br />
pranchas verticalmente unidas. Todas essas pranchas, talhadas sob<br />
encomenda, tinham sido perfuradas com buracos para permitir a<br />
costura com corda fina.<br />
Esse trabalho foi todo executado pelos Sorko, cujas ferramentas<br />
eram machados, enxós, tesouras e facões.<br />
Esterco de cavalo fresco era disposto entre as pranchas antes de seu<br />
ajuntamento, e em seguida a vedação era feita a faca com ervas lalla,<br />
impregnadas de lodo (vedação feita do interior do barco).<br />
Três barras de afastamento foram enfim fixadas para aumentar a<br />
rigidez desse conjunto volumoso (comprimento: 5m, largura: 1,20m,<br />
altura: 1,50m).<br />
Esta piroga foi concebida para resistir aos assaltos do hipopótamo,<br />
às suas mordidas e às suas investidas. As pranchas são espessas<br />
demais para que ele possa quebrá-las, os lados são altos demais<br />
para que ele possa derrubar a piroga, que navega muito facilmente,<br />
e cujo balanço em caso de ataque muito brutal é ainda acentuado<br />
pela tripulação que se coloca sobre o lado oposto ao animal.<br />
Normalmente, a construção desta piroga leva um ano. Pronta, ela<br />
dura dois anos sem reparo. Em seguida ela se repara por partes, pela<br />
substituição de suas peças à medida que elas vão estragando.
aS aRmaS<br />
A arma é o zogu, arpão cujo ferro farpado é ligado por uma corda a<br />
um flutuador terminal. No momento em que o arpão atinge o animal,<br />
o ferro se destaca da haste, a corda se desenrola e o flutuador indica<br />
na superfície da água o lugar onde se encontra o animal. Quando<br />
um grande número de arpões o atingem, ele fica quase imobilizado,<br />
enlaçado nos flutuadores e cordas.<br />
Cada Sorko possuía em média três arpões, o que levava a uns cem o<br />
número total de arpões.<br />
Os próprios Sorko fabricam os arpões. <strong>Para</strong> esta caça eles completaram<br />
o estoque, trabalhando nos arpões durante alguns dias que se<br />
seguiram ao lançamento da grande piroga.<br />
O ferro (nadyi) farpado de duas ou três pontas foi forjado por um<br />
ferreiro. Ele foi gravado com um desenho geométrico, que permite ao<br />
seu proprietário reconhecê-lo. O ferro é encabado, madeira em ferro,<br />
numa haste (aydonto) de 1,50m, de madeira de kaba. Essa haste foi<br />
por sua vez enfiada no flutuador (sede), de madeira de Kollo, espécie<br />
de sabugueiro muito leve, cortado em fuso, ou ajuntado em feixe.<br />
Uma corda (kerfu) de fibra de disima, com 4m de comprimento,<br />
liga o ferro ao flutuador. Ela é enrolada com cuidado graças a pinos<br />
enfiados no flutuador.<br />
Zogu (a: haste ; b: ferro destacável; c: corda; d: flutuador; e: pino)<br />
Uma lança comum (yagyi) fortemente encabada serve para dar o<br />
golpe final no animal.<br />
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oS RitoS<br />
Lançamento da grande piroga<br />
Em 27 de janeiro, por volta de 15 horas, todos os habitantes da aldeia<br />
de Firkoun se reuniram para assistir ao lançamento da grande piroga.<br />
O Sorko Bilo amarra uma pequena campainha numa prancha da popa<br />
(simples enfeite, diz ele). Depois os Sorko empurram a embarcação para<br />
a água. Quatro pescadores sobem a bordo para os testes de estabilidade<br />
e balanço que se mostram muito satisfatórios, o barco parecendo muito<br />
estável na água. Os dois engenheiros, Issaka e Oumarou, se declaram<br />
satisfeitos. Depois a grande piroga é deixada no porto por alguns dias,<br />
a fim de que a madeira inche e as costuras se enrijeçam.<br />
Festa dos espíritos (hole hori)<br />
Assim que a grande piroga é lançada, os tambores se põem a tocar para<br />
convidar as pessoas à festa dos espíritos. Esta cerimônia visa provocar<br />
a possessão de um dançarino pelo espírito da água, Harakoy Dikko, e<br />
pedir a este dono da água, dos peixes e dos hipopótamos, a autorização<br />
para matar um dos animais de seu rebanho.<br />
A orquestra é composta por quatro tocadores de tambor e um violinista.<br />
Ele fica de costas para o sol numa pequena praça na beira do rio. Os<br />
espectadores fecham o círculo. Um zima (agente de culto inferior) oficia<br />
até o momento em que, a operação estando bem lançada, os Sorko,<br />
ocupados em construir seu arpão, se encarregam dela. O zima se põe a<br />
dançar, logo seguido pelos seis dançarinos rituais (um homem e cinco<br />
mulheres). A orquestra toca sucessivamente as músicas dos diferentes<br />
espíritos. E é só ao cair do sol que a jovem dançarina Haddidya é tomada<br />
pela crise sagrada. Ela geme, ela chora, ela rola no chão urrando. Ela é<br />
possuída pelo espírito Niaberi. Depois, é a velha Gitu que é possuída<br />
pelo espírito da água, Harakoy Dikko; Somau, pelo espírito do trovão,
Dongo; e Mata pelo espírito Haussakoy. Os Sorko se precipitam, cercam<br />
o espírito da água e o ajudam a se assentar numa esteira com uma<br />
almofada. Os Sorko tomam lugar ao redor. O Sorko Nuhu recita as<br />
preces rituais, depois o chefe Oumarou começa o interrogatório.<br />
Oumarou – “Nós pedimos para matar o hipopótamo”.<br />
Harakoy – “Oumarou, você e seu irmão, o que vocês me fizeram eu não<br />
esquecerei jamais (trata-se da tentativa de caça do mês de agosto), eu o<br />
protegi e tirei todos os zogu que vocês lhe teriam lançado. Assim, vocês<br />
não pegarão nenhum hipopótamo dessa vez<br />
Oumarou: “Eu lhe peço perdão. Depois dessa caça eu vou criar um<br />
carneiro branco para você”.<br />
Harakoy – “Aceito suas desculpas. Há 4 anos que vim a Firkoun, e hoje<br />
vou ficar por mais tempo”. (Nesse momento, Harakoy fala com o Sorko<br />
Daoudou Gaoudel, que se torna o novo interlocutor): “Se Deus quiser, e<br />
se vocês seguirem seu chefe Oumarou, tudo o que caçarem ganharão”.<br />
Daoudou – “É isso que eu quero, para ser feliz”.<br />
Harakoy – “Sigam Deus e Oumarou. Se ele lhes disser para se levantarem<br />
no meio da noite para ir caçar, é preciso se levantar e partir. Se vocês<br />
seguirem Oumarou, em um dia, dez Sorko vão lançar seu zogu sobre<br />
o hipopótamo e se vocês não discutirem muito entre si, poderão matar<br />
dez hipopótamos”.<br />
Daoudou –“ Obrigado”.<br />
Harakoy – “Estou sozinho no mundo e sempre segui seu avô e todos os<br />
seus filhos”.<br />
Nesse momento os espíritos Dongo e Haussakoy se assentaram sobre<br />
os joelhos de Harakoy que parte lentamente para ser substituído por<br />
Bandarou, o espírito cativo. Numerosos espíritos Hauka giram em torno<br />
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fazendo um barulho pavoroso. Depois, pouco a pouco, um após o outro,<br />
os espíritos abandonam seu médium que fica prostrado e esgotado no<br />
chão. É noite alta.<br />
o sacrifício de consagração dos arpões<br />
Na quarta-feira 29 de janeiro, à tarde, os Sorko reúnem todos os arpões<br />
em um só feixe, com as pontas todas reunidas. Três remos novos são<br />
também colocados sob os ferros. Um carneiro branco, cor de Harakoy,<br />
deve ser sacrificado sobre os ferros dos arpões para consagrá-los.<br />
Todos os Sorko se reuniram em volta dos arpões. Bilo Gaoudel coloca<br />
o carneiro branco em cima dos ferros. Nouhou lhe corta a garganta.<br />
O sangue corre, e para que cada ferro o receba, Bilo passeia o animal<br />
degolado em cima deles. Eu não ouvi ninguém pronunciar nenhuma<br />
fórmula especial. Os Sorko retomam seus arpões lambuzados de<br />
sangue. À noite, o carneiro é comido.<br />
a CaÇa<br />
Na quinta-feira 30, desde a aurora, os Sorko deixam a aldeia, a princípio<br />
pelos seis dias que durará a campanha. Eles vão se estabelecer um<br />
pouco a montante numa pequena ilha próxima das colônias de<br />
hipopótamos. Lá, durante uma grande parte da manhã, eles verificam,<br />
amolam, equilibram seus arpões e os colocam com cuidado em sua<br />
piroga. Em seguida, após uma refeição, partem nas pequenas pirogas a<br />
reconhecer o habitat dos hipopótamos.<br />
Um hipopótamo é localizado por volta das 11 horas sob as folhas<br />
da erva do bourgou. Mas os jovens Sorko que jamais caçaram essa<br />
presa, perseguem-na em desordem. O animal mergulha e desaparece.<br />
Oumarou, o chefe, grita suas ordens. Seguem-se intermináveis<br />
discussões. Os Sorko seguem os rastros do hipopótamo, cuja passagem<br />
é bastante nítida no meio das ervas. Mas logo que o animal é avistado, os
mesmos erros recomeçam: com a ajuda do remo, um dos jovens Sorko<br />
se aproxima a 20 m, lança seu arpão e erra. O hipopótamo mergulha<br />
e, imerso, torna a chegar até a água livre onde tem a superioridade<br />
da velocidade. Oumarou, furioso, decide interromper a caça. Todo o<br />
mundo volta à ilha.<br />
No dia seguinte, sexta 31, toda a flotilha, grande piroga à frente, se<br />
dirige para a bacia de Yassane, atualmente inundada. Em torno de<br />
10 horas, a grande piroga acosta numa pequena ilhota onde crescem<br />
algumas árvores. Ao longe, ouve-se grunhir os hipopótamos. Ao meio<br />
dia, Oumarou dá ordens precisas: as pequenas pirogas se separarão em<br />
dois grupos, umas passarão pela água livre, as outras pelas ervas do<br />
bourgou. Elas formarão um círculo e cercarão os hipopótamos. A grande<br />
piroga se colocará no lugar em que “o caminho dos hipopótamos”<br />
encontra a água livre. Sem poder falar, eles deverão avançar muito<br />
lentamente para não fazerem barulho e atirar seu zogu com um golpe<br />
seguro.<br />
Alguns minutos depois, o dispositivo está no lugar. As pirogas formam<br />
um círculo de 500m de raio, que se afunila lentamente. Todos os<br />
Sorko estão de pé em suas pirogas. O Sorko da frente segura seu<br />
arpão erguido, pronto para o arremesso. Durante quase uma hora,<br />
imperceptivelmente, as pirogas avançam. No silêncio total só se ouve<br />
de vez em quando a respiração barulhenta de um hipopótamo...<br />
Enfim um grito ressoa: “mikri mi sangay moni” 2 . O Sorko Laritou de<br />
Ayorou viu um hipopótamo sair para respirar a três metros diante dele,<br />
atirou seu arpão que atingiu o animal no meio da cabeça. O animal<br />
mergulhou, mas o flutuador que ele arrasta atrás de si movimenta as<br />
ervas e indica sua posição. Laritou se retira rapidamente do círculo dos<br />
2 O significado desse grito ritual não é claro. Issaka me dissera em 1942 que era um elogio ao ferro do<br />
arpão em “língua sorko”. O chefe Sorko Saley Isa da aldeia de Bosia, na saída do “W” do rio, me declarou<br />
que era uma deformação de “sangay mono kursu bani” que são as divisas dos flutuadores.<br />
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pescadores, pois é ele, dizem, que o hipopótamo vai tentar atacar. Sob<br />
a água, o hipopótamo nada rumo ao lugar onde se encontra Oumarou,<br />
que o evita rapidamente: o animal salta fora da água, Oumarou lhe<br />
crava um segundo arpão. Agora todas as pirogas se dirigem para o<br />
animal ferido, numa desordem indescritível, e os outros hipopótamos<br />
despertados em sobressalto fogem de modo tumultuoso. Logo que o<br />
animal ferido se mostra, uma verdadeira chuva de arpões cai sobre ele.<br />
Depois, as pirogas recuam a toda velocidade para evitar seu ataque.<br />
A grande piroga se aproxima. Os três velhos Sorko que a conduzem<br />
choram literalmente de alegria. À frente, o zarolho Issaka canta com<br />
toda sua força o elogio ao espírito da água “issa beri bulanga...” (o<br />
karité do grande rio...), e na popa Kambé e Alidou cantam os elogios<br />
ao hipopótamo que vai morrer: “Kurnya dimba nya...” (mãe das<br />
correntes...).<br />
Os Sorko que esgotaram suas munições se precipitam para a grande<br />
piroga para se reabastecerem com novas munições. 3<br />
O hipopótamo está agora crivado de arpões. Ele salta no ar, debate-se,<br />
mas as cordas dos arpões misturadas às ervas o mantêm prisioneiro.<br />
Em alguns minutos o hipopótamo não passa de um emaranhado de<br />
arpões entrelaçados. Ele respira com dificuldade. O Sorko Saïdou<br />
armado com a lança se desloca usando as cordas e, mirando com<br />
cuidado no meio dos arpões, crava fundo a lança atrás da nuca do<br />
hipopótamo. O animal esmorece sob uma onda de sangue.<br />
Toda essa caça durou alguns minutos, mas quase três horas serão<br />
3 Normalmente os Sorko só deveriam ter lançado alguns arpões e deixado o animal voltar para a água<br />
livre onde a grande piroga o teria atacado sozinha: o Sorko da frente agarra um dos flutuadores e deixa<br />
o hipopótamo arrastar a grande piroga, esgotar-se em arremetidas vãs sobre essa pesada embarcação,<br />
arpoando-o logo que ele re-emerge e matando-o a golpes de lança. Isso simplifica consideravelmente a<br />
recuperação do animal morto. É o que foi feito no curso de caças posteriores, mas nesta primeira caça<br />
os jovens e ardentes Sorko queriam todos ter um arpão espetado no animal.
necessárias para recuperar o animal. Os Sorko mergulham para<br />
amarrar cordas ao redor das patas do hipopótamo, trazem-no à<br />
superfície e retiram com faca essa incrível cabeleira de arpões e de<br />
cordas. Depois eles o rebocam até a ilha aonde chegam somente<br />
depois do cair da noite.<br />
CoRtE<br />
No dia seguinte, 1º de fevereiro, o animal é cortado em pedaços.<br />
Os Sorko se revelam açougueiros muito adestrados. Os fogos<br />
se acendem, a carne grelha alegremente. Tudo é comido: pele,<br />
intestinos... A carne não consumida imediatamente (não há desta<br />
vez) é secada ao sol para ser conservada. A gordura é recolhida com<br />
cuidado pelos velhos Sorko que untam com ela sua pele enrugada, e<br />
reencontram assim um pouco de sua juventude perdida.<br />
CoNCLUSÕES<br />
Desde fevereiro de 1947 ocorreram duas ou três caças, organizadas<br />
por um dos administradores de Tillabéry.<br />
Antes das proibições administrativas, os Sorko desta região matavam<br />
em média seis hipopótamos por ano. Em todas as outras regiões<br />
do Niger onde vivem Sorkos (Egguedesh, Kermachawé, Bamba, Gao,<br />
Fafa, Karé kapto Bentia...) nossas informações confirmaram esse<br />
fato: os Sorko praticavam antes de nossa chegada uma caça que<br />
era quase uma criação de animais. Os rebanhos eram muito bem<br />
conhecidos, os próprios animais eram identificados, ganhavam um<br />
nome. As caças ao hipopótamo eram como aquela a que assistimos,<br />
campanhas coletivas, em que o número de animais a matar era<br />
/ 351
352 \<br />
fixado com precisão. Assim o rebanho se reproduzia normalmente. 4<br />
Mas há algo ainda mais grave. Os velhos Sorko são unânimes em dizer<br />
que os hipopótamos eram bem mais numerosos antes da chegada<br />
dos europeus que eles acusam pela sua desaparição. 5 Esse problema é<br />
provavelmente muito mais complexo, mas é certo que foram cometidos<br />
verdadeiros massacres de hipopótamos com fuzil. Essa caça com o<br />
fuzil permite, de fato, sem nenhum perigo, por um simples tiro ao alvo<br />
desde a margem matar “a grande caça”. É o tipo exato da caça boba<br />
e vaidosa que se reserva à personagem importante ou aos hóspedes<br />
distintos em tournée (os Sorko chamam-na de “caça do governador”).<br />
Dada a importância que esta caça tem para os pescadores Sorko (razão<br />
de existência, prestígio, religião), o entusiasmo com o qual eles a<br />
praticam (eles me suplicaram por toda a parte para pedir autorizações<br />
de caça) e também a absoluta falta de interesse esportivo que existe<br />
em matar com o fuzil esse animal, eu creio que seria bom revisar a<br />
regulamentação de sua caça no sentido seguinte: proibição absoluta<br />
da caça com o fuzil, autorização de uma ou duas campanhas de caça<br />
todos os anos pelos pescadores nativos, com o controle do número de<br />
animais abatidos. Isto seria ao mesmo tempo suprimir uma covardia<br />
estúpida e devolver a pessoas simples e corajosas o ofício do qual elas<br />
se orgulham.<br />
Traduzido do francês por Íris Araújo e Mateus Araújo<br />
4 Essa preocupação com a garantia da reprodução do animal que se caça encontra-se hoje entre os pescadores<br />
Bozo e Somono da região de Mopti. Zonas reservadas (anamye) existem nos lugares mais profundos do rio (é<br />
aí que os peixes se refugiam nas águas fundas). A pesca nestes lugares é muito frutífera, mas como se arrisca<br />
por isso mesmo a despovoar o rio, ela é proibida, exceto durante um dia do ano.<br />
5 Félix Dubois escrevia já em 1911 (Notre beau Niger: “Entretanto outras visões amadas se esvaeceram.<br />
No fim do dia não vejo mais emergir os grandes focinhos de hipopótamos pesadões e bonachões...”<br />
navegando entre Tombouctou e Mopti).
\ Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade<br />
/ Arthur Omar<br />
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354 \
355
356 \
\ O Afeganistão é inconquistável<br />
/ Arthur Omar<br />
Filmes são ginástica para os olhos, uma espécie de musculação<br />
ótica. A viagem que fiz ao Afeganistão, em 2002, atravessando<br />
regiões devastadas pela guerra, e olhando o povo afegão nos olhos,<br />
sem pauta jornalística, foi para mim uma viagem sensorial, e não<br />
uma viagem da razão. Haveria alguma outra maneira de falar sobre<br />
o Afeganistão? Foi o que procurei fazer com o meu novo filme Os<br />
cavalos de Goethe.<br />
Em Os cavalos de Goethe, resolvi mostrar do Afeganistão, não uma<br />
visão geral ou sintética, mas, ao contrário, partir apenas de um único<br />
objeto, o cavalo. O cavalo estaria presente em todas as variações<br />
possíveis durante uma hora diante dos olhos do espectador, como<br />
uma dança repetida até o ponto do êxtase. O cavalo: olhar para ele<br />
com tanta intensidade e com tanta atenção que as cores e formas se<br />
tornassem irreais e se dissolvessem para formar novos seres que vão<br />
alimentar o nosso olhar com outras informações que a televisão não<br />
é capaz de transmitir.<br />
<strong>Para</strong> isso eu tinha que distender o tempo (que é a base da percepção<br />
cinematográfica), e assim interferir na velocidade das imagens, para<br />
tornar tudo um grande quadro, onde o tempo pareceria suspenso,<br />
e às vezes, literalmente pararia. <strong>Para</strong>do o tempo, o olhar penetra na<br />
imagem como o bisturi de um cirurgião na carne de um paciente<br />
anestesiado. As posições sujeito e objeto se alteram e se fundem.<br />
Não mais um documentário sobre a guerra, mas um documentário<br />
com efeitos especiais. <strong>Para</strong> flexionar os músculos visuais na academia<br />
dos sentidos. A título de paradoxo, eu poderia acrescentar à<br />
experiência fragmentos de um poema de T. S. Eliot, sobre o tempo<br />
suspenso, citar quase na íntegra um quarteto de cordas de Morton<br />
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358 \<br />
Feldman, e o grito artaudiano de um ator afegão recitando um poema<br />
em língua dari, sem legendas.<br />
Foram três semanas de aventura, medo e êxtase. Como Delacroix no<br />
Marrocos em 1830, Manet no Rio de Janeiro em 1848, Gauguin no<br />
Tahiti em 1891, ou Matisse nas ilhas Tuamotu em 1930, também eu,<br />
em Bamyian, no Afeganistão central, fui fortemente modificado pela<br />
percepção direta da cor. Os ocres do deserto. O degradé dos cinzas<br />
nas pedras imensas, que pareciam caídas da Lua. O azul celeste das<br />
burkas das mulheres invisíveis, que iam mudando de cor à medida em<br />
que nosso comboio avançava para o interior, amarelas, alaranjadas,<br />
vermelhas, segundo codificações tribais. E, principalmente, o azul<br />
do céu, onde não chove nunca.<br />
Goethe construiu sua teoria da cor, no século XVIII, só para explicar<br />
o azul do céu. Eu poderia construir um filme inteiro em torno do azul<br />
e do amarelo só para explicar a destruição do Afeganistão. Lá, eu<br />
descobri o ponto G do azul, se é que isso é possível. Levar a cor azul<br />
ao seu ponto máximo, ao orgasmo. Todas as fotos que fiz depois<br />
incorporaram essa transfiguração cromática. <strong>Para</strong> o artista, a guerra<br />
e o azul são faces de uma mesma moeda, porque ambos, entre o<br />
horror e o sublime, não têm limites na potência da sua intensidade.<br />
Em meu trabalho etnográfico em filme e vídeo, sempre retorno à<br />
caligrafia árabe ou a pintura chinesa monocromática para buscar<br />
inspiração. <strong>Para</strong> realizar as fotografias e filmes que fiz no Afeganistão,<br />
roubei da pintura japonesa uma ideia fabulosa, a de “força do pincel”,<br />
tecnicamente o fude no chikara, técnica onde se aprende que quando<br />
um objeto é vigoroso, devemos invocar a força presente nesse objeto<br />
através da a força física que se aplica no pincel. Ou seja, ele tem que<br />
ser pintado vigorosamente, quase que violentamente, aplicando-se<br />
“força no pincel”. Seja uma raiz contorcida, a pata de um tigre, uma
tempestade, as ondas do mar, um rochedo escarpado.<br />
Assim, por analogia, criei para mim a ideia, tecnicamente nova, da<br />
“força da câmera”. Uma maneira de segurar e movimentar a câmera<br />
fotográfica, nada estática, nada realista, manipulada como a técnica<br />
do pincel, capaz de dar conta da minha reação emocional diante de<br />
certas coisas muito violentas.<br />
Trata-se, neste método, menos de escolher um ângulo diferente<br />
do assunto, que saber dosar em mim mesmo a força expressiva,<br />
maior ou menor, desse “pincel”. Uma técnica dificílima de controle<br />
da energia muscular. O que conta é a concentração da mente, e o<br />
controle do punho, e não tanto o objeto que o olho está vendo. Filmando<br />
um combate, combater junto. Filmando uma dança, dançar junto. Sem<br />
procurar reproduzir nada, apenas ser penetrado pelo ritmo.<br />
<strong>Para</strong> filmar o buskashi, o jogo violento de cavaleiros afegãos lutando<br />
pela posse de uma carcaça decepada de um bode, eu usei essa “força<br />
da câmera”. Isto é, usar a câmera com força, ou a câmera como força,<br />
e a força como câmera. Uma técnica onde eu praticamente incorporei,<br />
no meu próprio corpo, o movimento dos cavaleiros na arena.<br />
Filmei tudo muito de perto, dentro da ação. Muitas vezes, fui atacado<br />
com pedradas pela plateia que queria que eu saísse da frente, ou<br />
recebendo o peso dos cavalos quando eles resvalavam uns sobre<br />
os outros, relinchando. No Afeganistão, logo após a guerra, tudo<br />
era tão descontrolado e livre que só quase no final é que eu fui<br />
descoberto perdido entre as patas dos animais selvagens, e retirado<br />
da pista. Um êxtase só. Tornado possível porque eu carregava uma<br />
câmera pequena, que cabia na palma da minha mão, sem equipe,<br />
sem plano, e sem o compromisso de fazer belas imagens para um<br />
documentário. Só importava a “força do pincel”.<br />
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Com o material bruto ali captado, reduzido numa primeira edição<br />
a apenas alguns minutos cruciais, por vezes a alguns fotogramas<br />
brevíssimos, simples “pinceladas” de luz e carne, comecei a planejar<br />
Os cavalos de Goethe, ou Alquimia da velocidade. A ideia era nova para<br />
mim, um desafio, porque ia contra a minha natureza rápida. Realizar<br />
um filme que fosse lentíssimo, à beira da imobilidade total, e mesmo<br />
assim prender a atenção do espectador como se estivéssemos dentro<br />
de um filme de ação. E mais, sem dizer uma palavra sobre a guerra,<br />
realizar um filme político onde o espectador pudesse receber através<br />
dos sentidos, e não da razão, toda a mensagem do filme.
\ O cinematógrafo visto do Etna 1 (1926)<br />
/ Jean Epstein<br />
Sicília! A noite era um olho cheio de olhar. Todos os perfumes<br />
gritavam ao mesmo tempo. Uma mola desmontada parou nosso carro<br />
cercado de lua como de um mosquiteiro. Fazia calor. Impacientes,<br />
os motoristas interromperam a mais bela novela para bater na<br />
carroceria a grandes golpes de chave inglesa, injuriando o Cristo<br />
e sua mãe com uma fé cega. Diante de nós: o Etna, grande ator<br />
que faz brilhar seu espetáculo duas ou três vezes no século e cuja<br />
fantasia trágica eu chegava para cinematografar. Toda uma vertente<br />
da montanha era somente uma gala de fogo. O incêndio se alastrava<br />
ao canto avermelhado do céu. A vinte quilômetros de distância, o<br />
rumor chegava por instantes como de um longínquo triunfo, de<br />
milhares de aplausos, de uma imensa ovação. Qual ator trágico de<br />
qual teatro já conheceu tamanha tempestade de sucesso? A terra<br />
doente, mas dominada, abrindo-se em aclamações. Um calafrio seco<br />
correu subitamente no solo onde pousávamos nossos pés. O Etna<br />
telegrafava os extremos solavancos de seu desastre. Depois fezse<br />
um grande silêncio no qual se estendeu novamente o canto dos<br />
motoristas.<br />
As estradas do Piemonte subetniano tinham sido fechadas por<br />
precaução. A cada cruzamento, camisas pretas nos pediam nossa<br />
autorização para circular. Mas estes soldados, na sua maioria, não<br />
sabiam ler e o prospecto multicor, com que eu embrulhara meu tubo<br />
de aspirina, impressionava-os mais do que a autêntica assinatura do<br />
Prefeito de Catânia.<br />
1 Até então inédito em português, este texto corresponde ao primeiro capítulo do livro de Epstein<br />
Le cinématographe vu de l’Etna (Paris: Les Écrivains Réunis, 1926), traduzido aqui em sua versão<br />
reeditada no volume Jean Epstein, Écrits sur le cinéma, tome 1 (1921-1953), Paris: Seghers, 1974,<br />
p.131-137.<br />
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Em Linguaglossa, os muladeiros nos esperavam diante do front de<br />
lava negro, sulcado de púrpura como um belo tapete. Essa parede de<br />
brasa avançava por desmoronamentos sucessivos. Sob seu impacto,<br />
as casas, mal protegidas por imagens santas, estilhaçavam com um<br />
barulho de nozes quebradas. Grandes árvores, tocadas em seu pé,<br />
inflamavam-se de repente, da raiz até a copa e queimavam como<br />
tochas, roncando. Amanhecia. Mulas inquietas, ventas esticadas,<br />
deitavam as orelhas. Homens impotentes rondavam.<br />
Belo vulcão! Às suas, eu não vi expressões comparáveis. A queima<br />
cobrira tudo da mesma cor sem cor, cinza, fosca, morta. Cada folha<br />
de cada árvore, a olhos vistos, passava por todas as tintas e todas
as rachaduras do outono, retorcida, torrada, até cair enfim, ao sopro<br />
do fogo. E a árvore nua, negra, ficava de pé por um instante em seu<br />
inverno ardente. Não havia mais pássaros, não havia mais insetos.<br />
Como o arcabouço de uma ponte sob um caminhão muito pesado,<br />
a terra estriada com finos sulcos era atravessada por um frêmito<br />
contínuo. A lava se propagava com o barulho de milhões de pratos<br />
quebrados de um só golpe. Bolsas de gás se rasgavam assoviando<br />
docemente como serpentes. O cheiro do braseiro, um cheiro sem<br />
cheiro, mas cheio de pontadas2 e de amargor, envenenava os peitos<br />
até o fundo. Sob o céu, pálido e seco, a verdadeira morte reinava.<br />
Batalhões, funcionários, engenheiros, geólogos, contemplavam<br />
essa personagem natural de qualidade, que lhes inspirava, a esses<br />
democratas, uma idéia do poder absoluto e do direito divino.<br />
Como, paralelamente à enxurrada de lava e nas costas de mulas,<br />
nós subíamos em direção à cratera em atividade, eu pensava em<br />
você, Canudo, que punha tanta alma nas coisas. Você foi o primeiro,<br />
eu creio, a sentir que o cinema une todos os reinos da natureza<br />
em um só, o da maior vida. Ele põe Deus em toda a parte. Diante<br />
de mim, em Nancy, uma sala de trezentas pessoas gemeu em voz<br />
alta, vendo na tela um grão de trigo germinar. Surgido de repente,<br />
o verdadeiro rosto da vida e da morte, o do terrível amor, arranca<br />
tais gritos religiosos. Que igrejas, se nós soubéssemos construílas,<br />
deveriam abrigar esse espetáculo em que a vida é revelada?<br />
Descobrir inopinadamente, como pela primeira vez, todas as coisas<br />
sob o seu ângulo divino, com seu perfil de símbolo e o seu mais<br />
vasto sentido de analogia, com um ar de vida pessoal, tal é a grande<br />
alegria do cinema. Provavelmente, houve jogos na Antiguidade, e<br />
“mistérios” na Idade Média, que suscitavam assim, ao mesmo tempo,<br />
tanta piedade e tanto divertimento. Na água crescem cristais, belos<br />
2 No original, «picotements». [N.d.T.]<br />
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como Vênus, como ela nascidos, cheios de graças, de simetrias e<br />
das mais secretas correspondências. Jogos do céu, assim mundos<br />
caem - de onde?- , num espaço de luz. Assim os pensamentos e as<br />
palavras. Toda a vida se cobre de signos ordenados. As pedras têm,<br />
para crescer e se unir, gestos bonitos e regulares como os encontros<br />
de lembranças amadas. Anjos submarinos, órgãos de volúpia,<br />
as medusas secretas dançam. Insetos aparecem grandes como<br />
couraçados, cruéis como a inteligência, e se entre-devoram. Ah!<br />
Temo os futuristas que têm a tentação de substituir os verdadeiros<br />
dramas pelos falsos, feitos com qualquer coisa: a aviação e o fogo<br />
central, as hóstias consagradas e a guerra mundial. Receio que eles<br />
escrevam um drama de cabotinagem para os cristais e as medusas<br />
do cinema. O que é necessário imaginar aí? Os cascos de nossas<br />
mulas arranhavam o lugar de uma verdadeira tragédia. A terra tinha<br />
uma figura humana e obstinada. Nos sentíamos em presença de<br />
alguém e à sua espera. Os risos e os apelos deslumbrantes de nossos<br />
oito muladeiros tinham se calado. Caminhávamos no silêncio de um<br />
pensamento tão comum [a nós todos] que eu o sentia diante de nós<br />
como uma décima primeira e enorme pessoa. Não sei se consigo<br />
fazer compreender bem a que ponto isto é cinema, esse personagem<br />
de nossa preocupação. E que personagem? Acontece de estarmos<br />
em presença de um homem idoso e poderoso, apressado, míope e<br />
ruim de ouvido. Você espera uma resposta dele, mas o compreende<br />
menos ainda do que ele a você, provavelmente porque as respectivas<br />
línguas são diferentes e os pensamentos desconhecidos. Eu tinha<br />
também como camarada um chinês muito europeu. Uma manhã<br />
nós estudávamos as flores do jardim botânico: subitamente meu<br />
camarada se enfureceu para valer. Nunca pude penetrar essa cólera<br />
e essa tristeza intransponíveis de que ele se cercou, como seu país<br />
da grande muralha. Assim, frequentemente, a ponta extrema das<br />
sensibilidades nos é inacessível e às vezes uma alma inteira, cheia de
força e astúcia, nos é vedada. Como diante de uma destas, eu estava<br />
diante do Etna.<br />
Uma das maiores forças do cinema é o seu animismo. Na tela não<br />
há natureza morta. Os objetos têm atitudes. As árvores gesticulam.<br />
As montanhas, como este Etna, significam. Cada acessório se<br />
torna um personagem. Os cenários se fragmentam e cada um de<br />
seus pedaços ganha uma expressão particular. Um panteísmo<br />
surpreendente renasce no mundo e o satura. A erva da pradaria é<br />
um gênio sorridente e feminino. Anêmonas cheias de ritmo e de<br />
personalidade evoluem com a majestade dos planetas. A mão se<br />
separa do homem, vive sozinha, sozinha sofre e se alegra. E o<br />
dedo se separa da mão. Toda uma vida se concentra subitamente<br />
e encontra sua expressão mais aguda nessa unha que atormenta<br />
maquinalmente uma caneta carregada de tempestade. Houve um<br />
tempo, ainda recente, em que não havia dramas americanos sem<br />
a cena do revólver que alguém retirava lentamente de uma gaveta<br />
meio aberta. Eu amava esse revólver. Ele aparecia como o símbolo de<br />
mil possibilidades. Os desejos e os desesperos que ele representava:<br />
a multidão de combinações das quais ele era uma chave; todos os<br />
fins, todos os começos que ele permitia imaginar, tudo isso lhe<br />
conferia uma espécie de liberdade e uma personalidade moral. Uma<br />
tal liberdade, uma alma assim são mais epifenomenais do que as que<br />
supomos nossas?<br />
Enfim, quando o homem aparece inteiro é a primeira vez que o vemos<br />
com um olho que não é, ele tampouco, um olho humano. O lugar para<br />
mim de pensar a mais amada máquina viva foi essa zona de morte<br />
quase absoluta que cercava a um ou dois quilômetros as primeiras<br />
crateras. Os cirurgiões mais cuidadosos preparam campos operatórios<br />
menos assépticos. Eu estava deitado na cinza morna e móvel como<br />
um pelo de animal grande. A duzentos metros, as correntezas do<br />
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fogo surgiam de uma fenda quase circular e desciam a encosta,<br />
formando um rio vermelho como as cerejas maduras e largo como<br />
o Sena em Rouen. Os vapores cobriam o céu inteiro com um branco<br />
de porcelana. Pequenas rajadas de vento bravo e fétido levantavam<br />
turbilhões de cinza que volteavam rentes ao solo, estranhas gaivotas<br />
vivendo nas beiras da labareda maior. Os muladeiros seguravam<br />
pelas ventas as mulas que não havia onde amarrar e que queriam<br />
fugir. Guichard, meu operador, como as crianças que brincam muito<br />
perto do fogo e a quem, dizem, vai acontecer desgraça, filmava uma<br />
fusão cujo valor ninguém adivinhou. Um homem alto apareceu de<br />
repente através das fumaças, saltando com uma incrível temeridade,<br />
de rochedo em rochedo, à beira da cratera, como o anjo da guarda<br />
bizarro desse lugar, é bem verdade, mais propício do que qualquer<br />
outro às transmutações da magia. Ele se aproximava a grandes<br />
passadas. Era idoso e seco, coberto de cinza até entre os pelos de<br />
sua barbicha, com o branco dos olhos muito vermelho, roupas aqui<br />
e ali arruivascadas e o ar geralmente feiticeiro. Não estou certo se<br />
não era um verdadeiro diabo, mas ele se dizia um geólogo sueco.<br />
Falando comigo, ele fazia gestos com um termômetro metálico<br />
comprido como um guarda-chuva. Há uma semana este homem vivia<br />
muito calmo, na única e imediata companhia do vulcão. A alguns<br />
passos de lá ele acampava sob uma tenda onde se via a noite tão<br />
claramente como o dia e que o frêmito do solo sacudia com uma<br />
corrente de ar contínua. Seus bolsos estavam cheios de pedaços<br />
de lava e de papeis. Puxando seu relógio, ele anotou exatamente a<br />
hora de nosso encontro. Ele fez com a sua mão em corneta um alto<br />
falante e com a boca quase sobre a minha orelha, gritou palavras<br />
que eu quase não ouvi: “Hoje parece que tudo deve ficar calmo. Mas<br />
ontem, um jornalista italiano desceu daqui meio louco”. Eu já o sabia:<br />
ao subirmos, nós o cruzamos descendo com seus guias, abalado e<br />
falante. Onde nós estávamos, o barulho era o de uma centena de
correntezas queimando um viaduto metálico. Em alguns minutos,<br />
tal estrondo se tornou silêncio, propício à imaginação. E por toda a<br />
parte se estendiam as cinzas.<br />
Na antevéspera pela manhã, como eu deixava o hotel para essa<br />
viagem, o elevador estava parado desde as seis horas e meia, entre<br />
o terceiro e o quarto andares. O porteiro da noite, já por três horas<br />
prisioneiro da cabine, agitava sua figura deplorável e soprava suas<br />
queixas na altura do tapete. <strong>Para</strong> descer, tive que tomar a escada<br />
grande ainda sem rampa, onde os operários cantavam injúrias a<br />
Mussolini. Essa imensa espiral de degraus dizia a vertigem. Todo<br />
o poço da escada estava coberto de espelhos. Eu descia cercado de<br />
mim-mesmos3 , de reflexos, de imagens de meus gestos, de projeções<br />
cinematográficas. Cada curva me surpreendia sob outro ângulo. Há<br />
tantas posições diferentes e autônomas entre um perfil e um três<br />
quartos de costas quantas são as lágrimas no olho. Cada uma dessas<br />
imagens só vivia por um instante. Tão logo percebida, logo perdida<br />
de vista, já outra. Só minha memória fixava uma delas em meio à sua<br />
infinitude, e tornava a perder duas a cada três. E havia as imagens<br />
das imagens. As terceiras imagens nasciam das segundas. A álgebra<br />
e a geometria descritiva dos versos apareciam. Certos movimentos<br />
se dividiam nestas repetições: outros se multiplicavam. Eu deslocava<br />
a cabeça e, à direita, só via a raiz desse gesto, mas à esquerda ele<br />
se elevava à sua oitava potência. Olhando um depois o outro, eu<br />
tomava uma outra consciência de meu perfil. Vistas paralelas se<br />
respondiam exatamente, repercutiam, reforçavam-se, apagavam-se<br />
como um eco, com uma rapidez bem maior que a dos fenômenos da<br />
acústica. Gestos pequeníssimos tornavam-se muito grandes, assim<br />
como na Latomia do <strong>Para</strong>íso, graças à sensibilidade da rocha, as<br />
3 No original, «entouré de moi-mêmes», a expressão moi-même usada com valor expressivo como um<br />
substantivo no plural [N.d.T.].<br />
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368 \<br />
palavras sussurradas na Orelha de Dionísio, o tirano, se avolumam<br />
e urram com toda a força4 . Essa escada sendo o olho de outro<br />
tirano, ainda mais espião. Eu o descia como que através das facetas<br />
óticas de um imenso inseto. Outras imagens, por seus ângulos<br />
contrários, se recortavam e se amputavam; diminuídas, parciais, elas<br />
me humilhavam. Pois é o efeito moral de um tal espetáculo que é<br />
extraordinário. Cada vista é uma surpresa desconcertante que ultraja.<br />
Jamais eu me vira tanto, e me olhava com terror. Eu compreendia<br />
esses cães que latem e esses macacos que babam de raiva diante<br />
de um espelho. Eu me acreditava um, e percebendo-me outro, esse<br />
espetáculo rompia todos os hábitos de mentira que eu chegara a criar<br />
para mim mesmo. Cada um desses espelhos me apresentava uma<br />
perversão de mim, uma inexatidão da esperança que eu tinha em<br />
mim. Esses vidros espectadores me obrigavam a me olhar com sua<br />
indiferença, sua verdade. Eu aparecia para mim numa grande retina<br />
sem consciência, sem moral, com sete andares de altura. Eu me via<br />
privado de ilusões alimentadas, surpreso, desnudado, arrancado,<br />
seco, verdadeiro, peso líquido. Eu teria corrido longe para escapar a<br />
esse movimento de parafuso em que eu parecia afundar rumo a um<br />
centro horrível de mim mesmo. Uma tal lição de egoísmo às avessas<br />
é impiedosa. Uma educação, uma instrução, uma religião, tinham me<br />
consolado pacientemente de existir. Tudo devia recomeçar.<br />
O cinematógrafo, bem melhor ainda que um jogo de espelhos<br />
inclinados, proporciona tais encontros inesperados consigo mesmo.<br />
A inquietude diante de sua própria cinematografia é súbita e geral. É<br />
uma anedota agora comum a dessas pequenas milionárias americanas<br />
que choraram ao se verem pela primeira vez na tela. E aqueles que<br />
4 Epstein alude aqui a uma antiga prisão de Siracusa, hoje sítio histórico e arqueológico muito visitado,<br />
em que um fenômeno de propagação acústica permitiria, segundo a lenda, ao tirano Dionísio (431-367<br />
a.C.) escutar do lado de fora da caverna (num ponto batizado assim de “Orelha de Dionísio”) o que<br />
diziam os presos do lado de dentro. [N.d.T.]
não choram perturbam-se. Não se deve ver nisso um mero efeito<br />
da presunção de si próprio e de uma vaidade exagerada. Pois a<br />
missão do cinema não parece ter sido compreendida exatamente.<br />
A objetiva da câmera é um olho que Apollinaire teria qualificado<br />
de surreal (sem nenhuma relação com esse surrealismo de hoje),<br />
um olho dotado de propriedades analíticas inumanas. É um olho<br />
sem preconceitos, sem moral, isento de influências, e ele vê no rosto<br />
e no movimento humanos traços que nós, carregados de simpatias<br />
e antipatias, de hábitos e reflexões, não sabemos mais ver. Por<br />
/ 369
370 \<br />
pouco que se detenha nessa constatação, toda comparação entre<br />
o teatro e o cinema se torna impossível. A essência mesma desses<br />
dois modos de expressão é diferente. Assim, a outra propriedade<br />
original da objetiva cinematográfica é essa força analítica. A arte<br />
cinematográfica deveria depender dela. Que pena!<br />
Se o primeiro movimento diante de nossa própria reprodução<br />
cinematográfica é uma espécie de horror, é que, civilizados,<br />
mentimos cotidianamente os nove décimos de nós mesmos (sem<br />
que seja necessário citar as teorias de Jules de Gaultier ou as de<br />
Freud). Mentimos sem mais saber. Bruscamente este olhar de vidro<br />
nos penetra com sua luz amperizada5. É nessa potência analítica<br />
que se encontra a fonte inesgotável do futuro cinematográfico.<br />
Villiers nunca sonhou uma tal máquina de confessar as almas. E vejo<br />
bem futuras inquisições arrancarem provas comprometedoras de<br />
um filme em que um suspeito aparecerá capturado, esfolado, traído<br />
minuciosamente e sem parti pris por esse tão sutil olhar do vidro.<br />
Traduzido do francês por Íris Araújo e Mateus Araújo.<br />
5 No original, «ce regard de verre nous perce à son jour d’ampères». [N.d.T.].
\ Nossos anos Cahiers<br />
/ Jean-Louis Comolli e Jean Narboni<br />
Era agosto de 2010. Nós tivemos o desejo – nós, Comolli e Narboni –,<br />
tivemos o desejo de reencontrar alguns de nossos antigos camaradas<br />
dos Cahiers para filmá-los. Regressar a essa história, a nossa. 1963-<br />
1973. Dez anos, ricos de todas as promessas, de todos os perigos.<br />
Perguntar o que poderia restar ainda hoje. Jean-André Fieschi havia<br />
morrido um ano antes, tendo sido um dos nossos entre 1962 e<br />
1968. Antes de Jean-André, havia Jean-Pierre Biesse, Serge Daney,<br />
Pierre Baudry, Jean-Claude Biette...<br />
Por que regressar hoje a esses dez anos, aqueles onde nós tínhamos<br />
entrado na equipe da revista, aqueles onde nos encontramos juntos<br />
na chefia de redação? O que havia se tornado os membros desse<br />
grupo que formávamos? Cineastas, professores, ensaístas, diretores<br />
de revistas, seus caminhos não tinham se perdido fora dos trilhos<br />
do cinema. O quão diferentes eles poderiam ter sido e o poderiam<br />
ser hoje, como uns e outros teriam vivido e sustentado a experiência<br />
desse grupo? O que restou das questões que nos eram comuns?<br />
Ontem, nós diríamos “nós”; hoje nós diremos “nós”. Esse grupo<br />
pertence ao passado e, no entanto, não o enterramos. A nós, é<br />
preciso tentar compreender o que foi isso em nossa história, dessa<br />
juventude. De um lado, apreciamos como nunca as últimas chamas<br />
do grande cinema americano, Ford e suas Seven Women; analisamos<br />
e apreciamos, de uma outra maneira, Ford e seu Young Mister Lincoln.<br />
Do outro lado, caminhamos pelas ruas de Paris contra o imperialismo<br />
americano e protestamos contra a guerra do Vietnã. Um cineasta<br />
americano de nosso tempo juntou esses dois lados da moeda; ele foi<br />
Robert Kramer. Os filmes dos cineastas principiantes, de Iosseliani<br />
a Bertolucci, de Bellocchio a Jancso, de Oshima a Glauber Rocha, de<br />
Gilles Groulx a Pierre Perrault, seus filmes nos chegavam de todos<br />
/ 371
372 \<br />
os lados. Em todo lugar, nasciam os cineastas. Os monopólios de<br />
Hollywood e da Cinecittà, os estúdios de Boulogne ou de Babelsberg<br />
eram contornados. Os impérios se fragmentavam. O espantoso,<br />
nós nos dizíamos, era que isso acontecia em todo lugar no mesmo<br />
momento ou quase, no mesmo período histórico, 1965-1970, e que<br />
tudo isso era contemporâneo das revoltas políticas que, do Japão a<br />
Berkeley, da Sorbonne a Fiat, empurraram o mundo.<br />
Nós apreciamos o primeiro filme de Philippe Garrel, Marie pour<br />
mémoire.<br />
Nós apreciamos o primeiro filme de Jerzy Skolimowski, Rysopis<br />
(Signes particuliers: néant/Sinais particulares: nenhum).<br />
Nós fomos os únicos a apreciar os primeiros filmes de Danièle Huillet<br />
e Jean-Marie Straub, Nicht Versöhnt e Othon.<br />
Nós pudemos apreciar ao mesmo tempo Nostra signora dei Turchi<br />
de Carmelo Bene e Uccelacci e uccellini de Pasolini. Nós pudemos<br />
apreciar ao mesmo tempo Gertrud de Dreyer e Les petites marguerites<br />
de Vera Chytilova, os irmãos inimigos Vertov e Eisenstein, Godard e<br />
Jerry Lewis. Sem ver aí contradição, e isso em tempos de alto teor<br />
político.<br />
O novo não matava o antigo, mas o realizava, dando-lhe uma nova<br />
profundidade, um lugar na história. Parecia-nos ter se tornado<br />
impossível pensar a proliferação de novas salas de cinema sem<br />
vinculá-la às lutas políticas que lhe eram contemporâneas. Era o<br />
momento de força total da visão política do mundo e, à primazia<br />
da teoria, deveriam dissipar-se a ignorância, a ilusão, a alienação,<br />
a ideologia. A política, então, não era para nós inimiga da beleza.<br />
Quando Louis Althusser analisou os aparelhos ideológicos do estado,<br />
os AIE, estava ali a ferramenta que precisávamos.
Nós apreciávamos mostrar aos outros os filmes que nós apreciávamos,<br />
os difundir, os fazer conhecidos, correr o mundo para revelá-los.<br />
Nós fomos pegos dentro de um movimento conjunto, conduzidos na<br />
insurreição geral.<br />
Já não gostávamos das negações. Os erros, o dogmatismo, as<br />
cegueiras, os impasses da crença politista ou maoísta que foram<br />
nossos, seguem o sendo e ainda ficaram por analisar e meditar, e a<br />
negação não ajuda em nada.<br />
Eis do que nós desejamos falar com nossos antigos camaradas dos<br />
Cahiers... Quais eram nossas paixões? Quais, nossas loucuras? Como<br />
nós chegamos a juntar a mais exigente cinefilia e a tomada de posição<br />
política extrema? Questões que nos colocamos. E depois – entre nós<br />
– atuavam também a intimidação ou a pressão das inteligências e das<br />
capacidades. O terror, sim, o terror mesmo da amizade rival a mais<br />
exigente, o medo exterior e interior ao grupo.<br />
Terror também que o exterior político exercia sobre nós, pouco<br />
prevenidos que estávamos e pouco praticantes do exercício de<br />
conquista do poder, de tomada do poder, de manutenção no poder.<br />
Muito ao contrário, esse “poder” nós não queríamos. Supressão, no<br />
ano anterior, da “redação em chefe”, instituição de um comitê de<br />
redação sem hierarquia nem diferença de salário. Mas também escassez<br />
de fotos, estereótipos de escrita, aridez da língua política, isolamento<br />
e uma crescente vertigem na fuga em direção à própria armadilha.<br />
A revista se tornou uma jangada, que arriscava afundar. Alguns<br />
meses sem imagens, alguns números ditos “brancos”, uma sorte de<br />
regime seco. Não havíamos nós construído em conjunto uma teoria<br />
da frustração do espectador no cinema? Daí a nossa paixão pela<br />
prática. Nós quisemos criar com alguns outros um “fronte cultural<br />
revo lucioná rio”. Isso remeteu ao “fronte de esquerda da arte” dos<br />
/ 373
374 \<br />
formalistas russos. Esse fronte, o nosso, desmoronou na primeira<br />
reunião, em Avignon, no verão de 1973. O tempo não estava mais<br />
para as utopias. O movimento de insurgência que havia feito sacudir<br />
o velho mundo estava em refluxo. De um lado, iluminavam as velhas<br />
lanternas do cinema de qualidade francesa, sempre lá, quinze anos<br />
depois do panfleto de Truffaut. E com ele todo um cortejo crítico<br />
muitas vezes pouco atento. De outro lado, a “boa” esquerda, boa e<br />
bem pensante, boa consciência e bons sentimentos, que era aquela,<br />
infelizmente, dos militantes os mais aguerridos, os quais sempre<br />
haviam preferido uma mensagem bem quadrada numa forma<br />
bem redonda. Ali talvez resida, em toda sua ingênua esperança, o<br />
gérmen do que devia se tornar o “fronte cultural”: seus militantes,<br />
seus animadores sociais ou culturais, que nós sonhamos trazer a<br />
nossas visões, a nossas lógicas, a nossas escolhas. Era certamente<br />
impossível, e sem dúvida, vão. Antes do fracasso político do<br />
esquerdismo, todas as tendências se confundiram, houve em toda<br />
pequena escala o fracasso dessa utopia: amarrar na mesma trama o<br />
militantismo político e o militantismo cinéfilo – o nosso.<br />
Pierre Overney, militante maoísta, foi assassinado em fevereiro de<br />
72. Seu enterro é a última das grandes manifestações da extrema<br />
esquerda na França.<br />
Tradução: Douglas Resende
programação<br />
/ 375
376 \
CiNE HUmBERto maURo<br />
22/11 tERÇa FEiRa<br />
19h30 SESSÃo DE aBERtURa<br />
aS HipER mULHERES 80’<br />
Carlos Fausto, Leonardo Sette,<br />
Takumã Kuikuro<br />
Sessão comentada por Leonardo<br />
Sette, Takumã Kuikuro<br />
22h30<br />
dj anônimo<br />
Jardins internos do Palácio das Artes<br />
23/11 QUaRta-FEiRa<br />
15h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS / BoLÍVia<br />
QULQi CHaLECo/<br />
CHaLECo DE pLata 22´<br />
Patricio Luna<br />
Wiñay QamaN paCHa –<br />
CoSmoViSióN DE LoS pUEBLoS<br />
iNDÍGENaS oRiGiNÁRioS 30´<br />
Direção coletiva<br />
GUayÉ – La LUCHa DEL pUEBLo<br />
ayoREo 31´<br />
Direção coletiva<br />
Sessão comentada por Júnia Torres<br />
17h o aNimaL E a CÂmERa<br />
LioN GamE 4’<br />
John Marshall<br />
!KUNG BUSHmEN<br />
HUNtiNG EQUipmENt 37’<br />
John Marshall<br />
tHE HUNtERS 72’<br />
John Marshall<br />
19h30 o aNimaL E a CÂmERa<br />
oS CaVaLoS DE GoEtHE oU<br />
aLQUimia Da VELoCiDaDE 55’<br />
Arthur Omar<br />
Sessão comentada por<br />
Arthur Omar,<br />
João Dumans, Paulo Maia<br />
21h30 CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
miNHoCÃo / tHE BiG<br />
WoRm 30’<br />
Raphaël Grisey<br />
FRaGmENtS D’UNE<br />
RÉVoLUtioN/<br />
FRaGmENtoS DE Uma<br />
REVoLUÇÃo 55’<br />
Anonymous<br />
24/11 QUiNta-FEiRa<br />
15h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS - mÉXiCo/BoLÍVia<br />
CHUL StES-BiL LUm QUi, NaL /<br />
tiERRa SaGRaDa 19’<br />
Direção coletiva Tzotzil - Chiapas<br />
Media Project/Promedios<br />
pLaNtiNG a SEED: aUtoNomoUS<br />
HEaLtH iN CHiapaS 42´<br />
Direção coletiva Tzotzil, Tzeltal,<br />
Tojolabal - Chiapas Media Project/<br />
Promedios<br />
SUma QUamaña, SUmaK KaUSay,<br />
tEKo KaVi / paRa ViViR BiEN 55´<br />
Direção Coletiva<br />
/ 377
378 \<br />
17h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
SHUai JUN´S CHiLDHooD / a<br />
iNFÂNCia DE SHUai JUN 14’<br />
Xingzheng Jin<br />
Dom / LaR 95’<br />
Olga Maurina<br />
19h o aNimaL E a CÂmERa<br />
pRimatE 105’<br />
Frederick Wiseman<br />
21h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
QU’iLS REpoSENt EN RÉVoLtE<br />
(DES FiGURES DE GUERRES i)/ QUE<br />
DESCaNSEm SEm paZ (imaGENS<br />
Da GUERRa) 153’<br />
Sylvain George<br />
25/11 – SEXta-FEiRa<br />
15h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
SaSKatCHEWaN 18’<br />
Richard Wiebe<br />
La moRt DE DaNtoN / a moRtE<br />
DE DaNtoN 64’<br />
Alice Diop<br />
17h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
amaNaR tamaSHEQ 14’<br />
Lluis Escartín<br />
piNK SaRiS 96’<br />
Kim Longinotto<br />
19H CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS / mÉXiCo<br />
NiKaN iKoN ti topaJCHa/ aQUÍ<br />
aSÍ NoS CURamoS 15´<br />
José Luís Matías<br />
EL REBoZo DE mi maDRE 75´<br />
Itandehui Jansen<br />
21h o aNimaL E a CÂmERa<br />
La BêtE LUmiNEUSE 127’<br />
Pierre Perrault<br />
23h Festa praba(i)lar 2<br />
Sharawadji<br />
Dj Alexandre de Sena –<br />
Radiola Picumãh<br />
Dj Guto Lovers<br />
Nelson Bordello<br />
Av. Aarão Reis, 554, Centro<br />
26/11 SÁBaDo<br />
15h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
SoNoR 37’<br />
Levin Peter<br />
moaCiR 75’<br />
Tomas Lipgot<br />
17h CompEtitiVa<br />
iNtERNaCioNaL<br />
SmoLaRZE / CaRVoEiRoS 15’<br />
Piotr Zlotorowicz<br />
LoS ULiSES / oS ULiSSES 83’<br />
Agatha Maciaszek, Alberto Garcia<br />
Ortiz
19h o aNimaL E a CÂmERa<br />
La CoURSE DE taUREaUX /<br />
moRtE toDaS aS taRDES 75’<br />
Pierre e Myriam<br />
Braunberger<br />
20h30 o aNimaL E a<br />
CÂmERa<br />
BataiLLE SUR LE GRaND<br />
FLEUVE / BataLHa No<br />
GRaNDE Rio 33’<br />
Jean Rouch<br />
JEaN RoUCH, pREmiÉRE<br />
FiLm / JEaN RoUCH,<br />
pRimEiRo FiLmE 27’<br />
Jean Rouch<br />
21H30 FóRUm DE<br />
DEBatES<br />
MESA REDONDA: “O animal<br />
e a Câmera” Com: André<br />
Dias, Renato Sztutman,<br />
Paulo Maia<br />
27/11 DomiNGo<br />
15h SESSÃo FiLmES DE QUiNtaL<br />
RoDa 72´<br />
Carla Maia, Raquel<br />
Junqueira<br />
17h CompEtitiVa<br />
NaCioNaL<br />
oFERENDa 17’<br />
Ana Bárbara Ramos<br />
o BRaSiL DE pERo VaZ CamiNHa<br />
17’40’’<br />
Bruno Laet<br />
Som tXimNa yUKUNaNG/<br />
GRaVaNDo Som 52’<br />
Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng<br />
19h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS CHiLE/mÉXiCo/<br />
BoLÍVia<br />
pUNaLKa: EL aLto BÍoBÍo 26´<br />
Jeannette Paillán<br />
K’iN SaNto ta SotZ’LEB / Dia DE<br />
mUERtoS EN La tiERRa DE LoS<br />
mURCiÉLaGoS 32´<br />
Pedro Daniel López López<br />
SiRioNó 56´<br />
Direção coletiva<br />
21h SESSÃo FiLmES DE QUiNtaL<br />
QUaNDo oS yÃmiy Vêm DaNÇaR<br />
CoNoSCo 52’<br />
Renata Otto Diniz<br />
Sessão comentada por Isael<br />
Maxakali e Suely Maxakali<br />
28/11 SEGUNDa-FEiRa<br />
10h30 ENCoNtRo DE<br />
REaLiZaDoRES/ CompEtitiVa<br />
NaCioNaL<br />
15h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
oma 22’<br />
Michael Wahrmann<br />
morada 78’<br />
Joana Oliveira<br />
17h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
oVoS DE DiNoSSaURo Na SaLa<br />
DE EStaR 12’<br />
Rafael Urban<br />
/ 379
380 \<br />
LaURa 77’<br />
Fellipe Gamarano Barbosa<br />
19h FERNaNDo CoNi CampoS<br />
pELo SERtao 8’<br />
o BRaSiL DE pEDRo a pEDRo 9’<br />
aRt NoUVEaU 9´<br />
SaNGUE QUENtE Em<br />
taRDE FRia 87’<br />
Fernando Coni Campos,<br />
Renato Neumann<br />
21h SESSÃo FiLmES DE QUiNtaL<br />
maNoKi, pytÁmÃNÃNJULipJa/<br />
LUta pELa tERRa 39’<br />
Celso Xinuxi, Alonso Irawali e<br />
Manoel Kanuxi<br />
ENCoNtRo Com SÃo JoÃo Da<br />
CRUZ 19’35”<br />
Daniel Ribeiro Duarte<br />
HÖLDER 11’<br />
Daniel Ribeiro Duarte<br />
ERoSÕES 35’<br />
Umbando<br />
29/11 tERÇa-FEiRa<br />
15h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS mÉXiCo<br />
CUaNDo La JUStiCia SE HaCE<br />
pUEBLo/ RECLaimiNG JUStiCE:<br />
GUERRERo’S iNDiGENoUS<br />
CommUNity poLiCE 26´<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
La LUCHa DEL aGUa / WatER<br />
aND aUtoNomy 14´<br />
Chiapas Media Project<br />
La ViDa DE La mUJER EN<br />
RESiStENCia / WE aRE EQUaL:<br />
ZapatiSta WomEN SpEaK 19´<br />
Chiapas Media Project<br />
17h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
FiLmE poRNoGRaFiZmE 9’15’’<br />
Leo Pyrata<br />
aS aVENtURaS DE paULo<br />
BRUSCKy 19’<br />
Gabriel Mascaro<br />
SaNtoS DUmoNt:<br />
pRÉ-CiNEaSta? 64’<br />
Carlos Adriano<br />
19h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
BiCiCLEtaS DE NHaNDERÚ 45’<br />
Sandro Ariel Ortega e<br />
Patrícia Ferreira<br />
LÁ Do LEStE 28’<br />
Carolina Caffé e<br />
Rose Satiko Gitirana Hikiji<br />
aCERCaDaCaNa 20’<br />
Felipe Peres Calheiros<br />
21h FERNaNDo CoNi CampoS<br />
LaDRÕES DE CiNEma 127’<br />
Sessão comentada por Jean-Claude<br />
Bernardet<br />
30/11 QUaRta-FEiRa<br />
10h30 ENCoNtRo DE<br />
REaLiZaDoRES/ CompEtitiVa<br />
NaCioNaL<br />
15h SESSÃo ESpECiaL
a VoiR aBSoLUmENt (Si<br />
poSSiBLE) DiX aNNÉES aUX<br />
CaHiERS DU CiNÉma,<br />
1963-1973 78´<br />
Ginette Lavigne, Jean Narboni,<br />
Jean-Louis Comolli<br />
17h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
Um oLHaR paSSaGEiRo 21’41’’<br />
Pedro Carvalho<br />
o CÉU SoBRE oS omBRoS 72’<br />
Sérgio Borges<br />
19h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/BoLÍVia<br />
K’aNCHaRy / paRa ENCENDER La<br />
LUZ DEL ESpÍRitU 45´<br />
Reynaldo Yujra<br />
Qati Qati / SUSURRoS DE<br />
mUERtE 35´<br />
Reynaldo Yujra<br />
Sessão Comentada por Ivan<br />
Sanjinés, Martha Zeladi<br />
21h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS BoLÍVia/mÉXiCo<br />
La tiERRa ES DE QUiEN La<br />
tRaBaJa 15´<br />
Direção coletiva Tzotzil<br />
FóRUm DE DEBatES mESa<br />
REDoNDa: “Coletivos Audiovisuais<br />
Indígenas: formação de realizadores<br />
e constituição de redes de<br />
comunicação na Bolívia,<br />
México, Brasil”<br />
Com Ivan Sanjinés, Carlos Pérez<br />
Rojas, Vincent Carelli<br />
Mediação: Ruben Caixeta<br />
01/12 QUiNta-FEiRa<br />
14h CURSo DiLEmaS Da<br />
oBSERVaÇÃo<br />
Com Eduardo Escorel<br />
paRiS QUi DoRt / paRiS<br />
aDoRmECiDa 34’<br />
René Clair<br />
17h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
DiÁRio DE Uma BUSCa 105’<br />
Flávia Castro<br />
19h FERNaNDo CoNi CampoS<br />
ViaGEm ao Fim Do mUNDo 95’<br />
Sessão Comentada por Jean-Claude<br />
Bernardet<br />
21h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/BoLÍVia<br />
La NaCióN CLaNDEStiNa 128´<br />
Jorge Sanjinés<br />
Sessão comentada por Ivan Sanjinés<br />
02/12 SEXta-FEiRa<br />
14h CURSo DiLEmaS Da<br />
oBSERVaÇÃo<br />
Com Eduardo Escorel<br />
LA SOUFRIÈRE 30’<br />
Werner Herzog<br />
17h CompEtitVa NaCioNaL<br />
Vó maRia 6’<br />
Tomás von der Osten<br />
EX iSto 86’<br />
Cao Guimarães<br />
/ 381
382 \<br />
19h CiNEma poVoS oRiGiNÁRioS/<br />
mÉXiCo<br />
DULCE CoNViVENCia 18´<br />
Filoteo Gómez Martinez<br />
y EL RÍo SiGUE CoRRiENDo 70´<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
Sessão comentada por<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
21h FóRUm DE DEBatES<br />
CiNEma poVoS oRiGiNÁRioS<br />
BoLÍVia/mÉXiCo<br />
mESa REDoNDA: “Realização<br />
indígena e autoria cinematográfica”<br />
Com Maria Zeladi Mole,<br />
Carlos Pérez Rojas, Divino<br />
Tserewahu,<br />
Takumã Kuikuro.<br />
Mediação:<br />
Carolina Canguçu<br />
03/12 SÁBaDo<br />
14h CURSo DiLEmaS Da<br />
oBSERVaÇÃo<br />
Com Eduardo Escorel<br />
NÃo amaRÁS 85’<br />
Kristof Kieslowski<br />
17h CiNEma poVoS oRiGiNÁRioS/<br />
BoLÍVia<br />
EL GRito DE La SELVa 97´<br />
Direção Coletiva<br />
Sessão Comentada por Martha<br />
Zeladi Mole, Ivan Sanjinés<br />
19h FERNaNDo CoNi CampoS<br />
taRSiLa Do amaRaL 12’<br />
Um HomEm E SUa JaULa 73’<br />
Fernando Coni Campos,<br />
Paulo Gil Soares<br />
21h FóRUm DE DEBatES<br />
LaNÇamENto REViSta DEViRES<br />
mESa REDoNDa: “O Cinema de<br />
Fernando Coni Campos”<br />
Com Hernani Heffner, Patrícia<br />
Moran. Mediação: Ewerton Belico<br />
22h FESta FoRUmDoC.BH.2011<br />
Baile Comemorativo aos 15 anos do<br />
festival! Senta a Pua!<br />
Rafael no Som<br />
Quadra da Escola de<br />
Samba Cidade Jardim<br />
Rua do Mercado s/número<br />
Conjunto Santa Maria (Luxemburgo)<br />
04/12 DomiNGo<br />
15h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/mÉXiCo<br />
KÉVUJELta JtEKLUm, CaNCióN DE<br />
NUEStRa tiERRa 36´<br />
Pedro Daniel López López<br />
NoStaLGia DE SaN<br />
CaRaLampio 44´<br />
Comunidade San Caralampio, Pedro<br />
Daniel López López, Juan Diego<br />
Méndez, Javier Méndez Córdoba,<br />
Xochitl Leyva y Axel Köhler<br />
17h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/mÉXiCo<br />
SoN DE La tiERRa 17’<br />
Direção coletiva Tzotzil - Chiapas<br />
Media Project/Promedios
miRaNDo HaCia aDENtRo. La<br />
miLitaRiZaCióN<br />
EN GUERRERo 34´<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
a CiELo aBiERto 37’37’’<br />
José Luis Matías, Carlos Pérez Rojas<br />
Sessão comentada por Carlos<br />
Pérez Rojas<br />
19h FERNaNDo CoNi CampoS<br />
a piNtURa DE CLaUDio toZZi 9’<br />
o mÁGiCo E o DELEGaDo 103’<br />
Sessão Comentada por Jair Fonseca<br />
21h SESSÃo DE ENCERRamENto<br />
o aNimaL E a CÂmERa<br />
DERSU UZALA 144’<br />
Akira Kurosawa<br />
\ CENtRo CULtURaL UFmG<br />
23/11 QUaRta-FEiRa<br />
18h o aNimaL E a CÂmERa<br />
aRRaiaL Do CaBo 17´<br />
Mário Carneiro, Paulo César Saraceni<br />
RaStEJaDoR, SUBStaNtiVo<br />
maSCULiNo 8´<br />
Sérgio Muniz<br />
mEmóRia Do CaNGaÇo 26´<br />
Paulo Gil Soares<br />
20h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
BiCiCLEtaS DE NHaNDERÚ 45’<br />
Sandro Ariel Ortega e Patrícia<br />
Ferreira<br />
LÁ Do LEStE 28’<br />
Carolina Caffé e Rose Satiko Gitirana<br />
Hikiji<br />
aCERCaDaCaNa 20’<br />
Felipe Peres Calheiros<br />
25/11 SEXta-FEiRa<br />
18h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS mÉXiCo<br />
CUaNDo La JUStiCia SE HaCE<br />
pUEBLo / RECLaimiNG JUStiCE:<br />
GUERRERo’S iNDiGENoUS<br />
CommUNity poLiCE 26´<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
y EL RÍo SiGUE CoRRiENDo 70´<br />
Carlos Pérez Rojas<br />
20h o mÁGiCo E o DELEGaDo<br />
Fernando Coni Campos<br />
28/11 SEGUNDa-FEiRa<br />
18h o aNimaL E a CÂmERa<br />
yaKWÁ / o BaNQUEtE DoS<br />
ESpÍRitoS 54´<br />
Virgínia Valadão<br />
20h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
FiLmE poRNoGRaFiZmE 9’15’’<br />
Leo Pyrata<br />
aS aVENtURaS DE paULo<br />
BRUSCKy 19’<br />
Gabriel Mascaro<br />
SaNtoS DUmoNt:<br />
pRÉ-CiNEaSta? 64’<br />
Carlos Adriano<br />
/ 383
384 \<br />
30/11 QUaRta-FEiRa<br />
18h o aNimaL E a CÂmERa<br />
ataKa: o LaDRÃo DE<br />
aRmaDiLHaS 10´<br />
Coletivo Kuikuro de Cinema<br />
KUXaKUK XaK / CaÇaNDo<br />
CapiVaRa 57’<br />
Derli Maxakali, Marilton Maxakali,<br />
Juninha Maxakali, Janaina Maxakali,<br />
20h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
OMA 22’<br />
Michael Wahrmann<br />
moRaDa 78’<br />
Joana Oliveira<br />
02/12 SEXta-FEiRa<br />
18h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS BoLÍVia/CHiLE<br />
QULQi CHaLECo / CHaLECo DE<br />
pLata 22´<br />
Patricio Luna<br />
pUNaLKa: EL aLto BÍoBÍo 26´<br />
Jeannette Paillán<br />
CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/BoLÍVia<br />
K’ANCHARY / PARA ENCENDER LA<br />
LUZ DEL ESPÍRITU 45´<br />
Reynaldo Yujra<br />
03/12 SÁBaDo<br />
14h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
oFERENDa 17’<br />
Ana Bárbara Ramos<br />
o BRaSiL DE pERo VaZ CamiNHa<br />
17’40’’<br />
Bruno Laet<br />
Som tXimNa yUKUNaNG/<br />
GRaVaNDo Som 52’<br />
Karané Ikpeng e Kamatxi Ikpeng<br />
16h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
oVoS DE DiNoSSaURo Na SaLa<br />
DE EStaR 12’<br />
Rafael Urban<br />
LaURa 77’<br />
Fellipe Gamarano Barbosa<br />
18h CiNEma DoS poVoS<br />
oRiGiNÁRioS/mÉXiCo<br />
La tiERRa ES DE QUiEN La<br />
tRaBaJa 15´<br />
Direção coletiva Tzotzil<br />
La LUCHa DEL aGUa / WatER<br />
aND aUtoNomy 14´<br />
Direção coletiva Tzeltal<br />
La ViDa DE La mUJER EN<br />
RESiStENCia / WE aRE EQUaL:<br />
ZapatiSta WomEN SpEaK 19´<br />
Direção coletiva Tzeltal<br />
DULCE CoNViVENCia 18´<br />
Filoteo Gómez Martinez<br />
20h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
DiÁRio DE Uma BUSCa 105’<br />
Flávia Castro<br />
04/12 DomiNGo<br />
18h CompEtitVa NaCioNaL<br />
Vó maRia 6’<br />
Tomás von der Osten
Um oLHaR paSSaGEiRo 21’41’’<br />
Pedro Carvalho<br />
19h CompEtitiVa NaCioNaL<br />
EX iSto 86’<br />
Cao Guimarães<br />
/ FoRUmDoC.UFmG<br />
CampUS UFmG<br />
FaE/EBa/FaFiCH<br />
21/11 SEGUNDa-FEiRa<br />
FAE<br />
Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
11h o aNimaL E a CÂmERa<br />
Conferência Inaugural: “Lições de<br />
Caça”, por Maurício Yekuana<br />
FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
14h o aNimaL E a CÂmERa<br />
NaNooK, o ESQUimó 65´<br />
Robert Flaherty<br />
DRiFtERS 61´<br />
John Grierson<br />
22/11 tERÇa-FEiRa<br />
FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
Conferência II: “Autópsia ‘in vivo’:<br />
aspectos da biopolítica em ‘Primate’<br />
de Frederick Wiseman”,<br />
por André Dias<br />
Escola de Belas Artes/Auditório<br />
14h o aNimaL E a CÂmERa<br />
La CHaSSE aU LioN À L´aRC/ a<br />
CaÇa ao LEÃo Com aRCo 77´25’’<br />
Jean Rouch<br />
UN LioN NommÉ LamERiCaiN/Um<br />
LEÃo CHamaDo<br />
amERiCaNo 19´52’’<br />
Jean Rouch<br />
23/11 QUaRta-FEiRa<br />
FAE Sala de Teleconferência<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
ataKa: o LaDRÃo DE<br />
aRmaDiLHaS 10´<br />
Filme comentado: “Como filmar uma<br />
armadilha?”, por Takumã Kuikuro<br />
Escola de Belas Artes/Auditório<br />
14h O ANIMAL E A CÂMERA<br />
POUR LA SUÍTE DU MONDE 106´<br />
Pierre Perrault, Michel Brault<br />
24/11 QUiNta-FEiRa<br />
FAE<br />
Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
Conferência III: “Revisando a caça<br />
de porco do mato juruna”, por Tânia<br />
Stolze Lima<br />
Escola de Belas Artes/Auditório<br />
14h o aNimaL E a CÂmERa<br />
oS aRaRa 150´<br />
Andrea Tonacci<br />
25/11 SEXta-FEiRa<br />
FAE<br />
Auditório Luiz Pompeu de Castro<br />
10h o aNimaL E a CÂmERa<br />
Mesa Redonda I: “A técnica de caça<br />
e o cinema”, por Uirá Garcia, Carlos<br />
Sautchuk e Cezar Migliorin<br />
/ 385
386 \<br />
Escola de Belas Artes/Auditório<br />
14h o aNimaL E a CÂmERa<br />
aRRaiaL Do CaBo 17’<br />
Mário Carneiro Paulo César Saracen<br />
RaStEJaDoR, SUBStaNtiVo<br />
maSCULiNo 8’<br />
Sérgio Muniz<br />
mEmóRia Do CaNGaÇo 26’<br />
Paulo Gil Soares<br />
28/11 SEGUNDa-FEiRa<br />
FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
11h o aNimaL E a CÂmERa<br />
pEiXE pEQUENo 3’33’’<br />
Vincent Carelli, Altair Paixão<br />
yaKWÁ/o BaNQUEtE DoS<br />
ESpÍRitoS 54’<br />
Virgínia Valadão<br />
29/11 tERÇa-FEiRa<br />
FAFICH Auditório Sônia Viegas<br />
10h O ANIMAL E A CÂMERA<br />
SESSÃo DE ENCERRamENto<br />
HiStóRiaS DE maWaRy 56’<br />
Ruben Caixeta<br />
Sessão comentada por André Brasil<br />
e Ruben Caixeta
endereços<br />
CINE HUMBERTO MAURO<br />
Avenida Afonso Pena | 1.537 | Centro<br />
CENTRO CULTURAL UFMG<br />
Avenida Santos Dumont | 147 | Centro<br />
CAMPUS UFMG<br />
Avenida Antônio Carlos | 6627<br />
/ 387
388 \
\ índice de filmes e diretores<br />
/ 389
390 \
A cielo abierto / 74<br />
A pintura de Cláudio Tozzi / 42<br />
Acercadacana / 129<br />
Amanar Tamasheq / 162<br />
Arraial do cabo / 111<br />
Art nouveau / 43<br />
As aventuras de Paulo Bruscky / 130<br />
As hiper mulheres / 29<br />
Ataka: o ladrão de armadilhas / 114<br />
\ índice de filmes<br />
A voir absolument (si possible)<br />
dix années aux Cahiers du Cinema, 1963-1973 / 175<br />
Bataille sur le grand fleuve / 99<br />
Bicicletas de Nhanderú / 131<br />
Chul stes-bil lum qui, nal / Tierra sagrada / 66<br />
Cuando la justicia se hace pueblo / 68<br />
Dersu Uzala / 120<br />
Diário de uma busca / 132<br />
Dom / 163<br />
Drifters / 98<br />
Dulce convivencia / 78<br />
El grito de la selva / 61<br />
El rebozo de mi madre / 76<br />
Encontro com São João da Cruz / 168<br />
Ex Isto / 133<br />
Filme pornografizme / 134<br />
Fragments d’une révolution / 157<br />
Guayé – La lucha del pueblo Ayoreo / 63<br />
Histórias de Mawary / 117<br />
Hölder / 169<br />
Jean Rouch, primeiro fillme: 1947-1991 / 118<br />
K’anchary / <strong>Para</strong> encender la luz del espíritu / 59<br />
Kévujelta Jteklum / Canción de nuestra tierra. / 80<br />
K’in santo ta sotz’leb / Dia de muertos n la tierra de los murciélagos / 79<br />
Krótki film o milosci / Não amarás / 189<br />
!Kung bushmen hunting equipment / 103<br />
Kuxakuk Xak / Caçando capivara / 115<br />
La bête lumineuse / 106<br />
La chasse au lion à l’arc / 100<br />
/ 391
392 \<br />
La course de taureaux / 108<br />
Lá do leste / 136<br />
La lucha del agua / 69<br />
La mort de Danton / 156<br />
La nación clandestina / 65<br />
La soufrière / 188<br />
La tierra es de quien la trabaja / 72<br />
La vida de la mujer en resistencia / 70<br />
Ladrões de cinema / 41<br />
Laura / 135<br />
Lion game / 104<br />
Los Ulises / 161<br />
Manoki, Pytámãnãnjulipja / Luta pela terra / 166<br />
Memória do cangaço / 109<br />
Minhocão / 153<br />
Mirando hacia adentro. La militarización en Guerrero / 71<br />
Moacir / 158<br />
Morada / 137<br />
Nanook of the North / 97<br />
Nikan ikon ti topajcha/ Aquí así nos curamos / 77<br />
Nostalgia de San Caralampio / 81<br />
O Brasil de Pedro a Pedro / 43<br />
O Brasil de Pero Vaz caminha / 138<br />
O céu sobre os ombros / Pink saris / 139<br />
Oferenda / 140<br />
OMA / 141<br />
Os Arara / 119<br />
Os cavalos de Goethe ou Alquimia da velocidade / 118<br />
Ovos de dinossauro na sala de estar / 142<br />
Paris qui dort /187<br />
Peixe pequeno / 112<br />
Pelo sertão / 43<br />
Pink saris / 154<br />
Planting a seed: autonomous health in Chiapas / 73<br />
Pour la suite du monde / 105<br />
Primate / 107<br />
Punalka: el alto Bíobío / 82<br />
Qati Qati / Susurros de muerte / 54
Quando os yãmiy vem dançar conosco / 170<br />
Qu’ils reposent en révolte (Des figures de guerres I) / 152<br />
Qulqi chaleco / Chaleco de plata / 58<br />
Rastejador, substantivo masculino / 110<br />
Roda / 167<br />
Sangue quente em tarde fria / 39<br />
Santos Dumont: pré-cineasta? / 143<br />
Saskatchewan / 164<br />
Shuai Jun’s childhood / 160<br />
Sirionó / 64<br />
Smolarze / 159<br />
Som Tximna Yukunang/ Gravando som / 144<br />
Son de la tierra/ 67<br />
Sonor / 155<br />
Suma Quamaña, Sumak Kausay, Teko Kavi – <strong>Para</strong> vivir bien / 62<br />
Tarsila do Amaral / 43<br />
The hunters / 107<br />
Um homem e sua Jaula / 38<br />
Um olhar passageiro / 145<br />
Un lion nommé l’Américain / 101<br />
Viagem ao fim do mundo / 37<br />
Vó Maria / 146<br />
Wiñay qaman pacha – Cosmovisión de los pueblos indígenas originários / 60<br />
Y el río sigue corriendo / 75<br />
Yãkwá, o banquete dos espíritos / 113<br />
/ 393
394 \<br />
Agatha Maciaszek / 161<br />
Akira Kurosawa / 120<br />
Alberto Garcia Ortiz / 161<br />
Alice Diop / 156<br />
Alonso Irawali / 166<br />
Altair Paixão / 111<br />
Ana Bárbara Ramos / 140<br />
Andrea Tonacci / 119<br />
Anonymous / 157<br />
Arthur Omar / 116<br />
Axel Köhler / 81<br />
Bruno Laet / 138<br />
Cao Guimarães / 133<br />
Carla Maia / 167<br />
Carlos Adriano / 143<br />
Carlos Fausto / 29<br />
Carlos Pérez Rojas / 68, 71, 74, 75<br />
Carolina Caffé / 136<br />
Cefrec/Caib / 60-64<br />
Celso Xinuxi / 166<br />
Chiapas Media Project / 66, 69,<br />
70, 72, 73<br />
Coletivo Kuikuro de Cinema / 114<br />
Comunidade San Caralampio / 81<br />
Daniel Ribeiro Duarte / 168, 169<br />
David Neves / 42<br />
Derli Maxakali / 115<br />
Direção coletiva Tzeltal / 66, 69,<br />
70, 73<br />
Felipe Peres Calheiros / 129<br />
Fellipe Gamarano Barbosa / 135<br />
Fernando Coni Campos / 37-43<br />
Filoteo Gómez Martínez / 78<br />
Frederick Wiseman / 107<br />
Gabriel Mascaro / 130<br />
Ginette Lavigne / 175<br />
\ índice de diretores<br />
Itandehui Jansen / 76<br />
Janaina Maxakali / 115<br />
Javier Méndez Córdoba / 81<br />
Jean Louis Comolli / 175<br />
Jean Nardoni / 175<br />
Jean Rouch / 99-101, 118<br />
Jeannette Paillán / 82<br />
Joana Oliveira / 137<br />
John Grierson / 98<br />
John Marshall / 102-104<br />
Jorge / 67<br />
Jorge Sanjinés / 65<br />
José Luis Matías / 74, 77<br />
Juan Diego Méndez / 81<br />
Juninha Maxakali / 115<br />
Kamatxi Ikpeng / 144<br />
Karané Ikpeng / 144<br />
Kristof Kieslowski / 189<br />
Leo Pyrata / 134<br />
Leonardo Sette / 29<br />
Levin Peter / 155<br />
Lluis Escartín / 162<br />
Manoel Kanuxi / 166<br />
Marilton Maxakali / 115<br />
Mário Carneiro / 111<br />
Michael Wahrmann / 141<br />
Michel Brault / 105<br />
Myriam Braunberger / 108<br />
Olga Maurina / 163<br />
Patrícia Ferreira / 131<br />
Flávia Castro / 132<br />
Patricio Luna / 58<br />
Paulo César Saraceni / 111<br />
Paulo Gil Soares / 38, 109<br />
Pedro Carvalho / 145<br />
Pedro Daniel López López / 79-81<br />
Pierre Braunberger / 108
Pierre Perrault / 105, 106<br />
Piotr Zlotorowicz / 159<br />
Rafael Urban / 142<br />
Raphaël Grisey / 153<br />
Kim Longinotto / 154<br />
Raquel Junqueira / 167<br />
Renata Otto Diniz / 170<br />
Renato Neumann / 39<br />
René Clair / 187<br />
Reynaldo Yujra / 57, 59<br />
Richard Wiebe / 164<br />
Robert J. Flaherty / 97<br />
Rose Satiko Gitirana Hikiji / 136<br />
Ruben Caixeta de Queiróz / 117<br />
Sandro Ariel Ortega / 131<br />
Sérgio Borges / 139<br />
Sérgio Muniz / 110<br />
Sylvain George / 152<br />
Takumã Kuikuro / 29<br />
Tomas Lipgot / 158<br />
Tomás von der Osten / 146<br />
Umbando / 171<br />
Vincent Carelli / 112<br />
Virgínia Valadão / 113<br />
Werner Herzog / 188<br />
Xingzheng Jin / 160<br />
Xochitl Leyva / 81<br />
/ 395
396 \
15 0 festival do filme documentário e etnográfico / fórum de antropologia, cinema e vídeo<br />
\ 21 de novembro a 04 de dezembro<br />
/ organização geral e<br />
produção executiva<br />
Júnia Torres<br />
Glaura Cardoso Vale<br />
Paulo Maia<br />
Carla Maia<br />
Ruben Caixeta<br />
Rafael Barros<br />
Diana Gebrim Costa<br />
Flávia Camisasca<br />
Milene Migliano<br />
Carla Italiano<br />
\ mostra fernando coni campos<br />
Ewerton Belico<br />
/ mostra cinema dos povos<br />
originários bolívia/méxico<br />
Júnia Torres<br />
Carolina Canguçu<br />
Milene Migliano<br />
colaboração<br />
Roberto Romero<br />
Ana Carvalho<br />
Ruben Caixeta<br />
\ mostra o animal e a câmera<br />
Paulo Maia<br />
Fabiano Bechelany<br />
César Guimarães<br />
Cláudia Mesquita<br />
Ruben Caixeta<br />
\ mostra competitiva<br />
internacional (seleção)<br />
Bruno Vasconcelos<br />
Carla Maia<br />
Pedro Portella<br />
/ mostra competitiva<br />
nacional (seleção)<br />
Affonso Uchôa<br />
Ewerton Belico<br />
Rafael Barros<br />
\ mostras competitivas<br />
(divulgação e organização)<br />
Glaura Cardoso Vale<br />
Carla Italiano<br />
/ curso dilemas da observação<br />
Eduardo Escorel<br />
produção<br />
Glaura Cardoso<br />
Ana Carvalho<br />
Carla Italiano<br />
\ programa de extensão<br />
<strong>forumdoc</strong>.ufmg.2011<br />
coordenador<br />
Paulo Maia<br />
/ co-coordenadores<br />
Ruben Caixeta<br />
Cláudia Mesquita<br />
César Guimarães<br />
/ 397
398 \<br />
/ bolsistas<br />
Hozienne Reis Passos<br />
Roberta Araújo<br />
Pedro Leal<br />
\ produção logísitca<br />
Milene Migliano<br />
/ tradução e legendagem<br />
Flávia Camisasca (Coordenação)<br />
Alessandra Carvalho<br />
Ana Carolina Antunes<br />
Augusto de Castro<br />
Bráulio de Britto Neves<br />
Bruna Di Gioia<br />
Carla Italiano<br />
Carlos Jáuregui<br />
Carolina Canguçu<br />
Débora Braun<br />
Douglas Resende<br />
Gustavo Silveira Ribeiro<br />
Henrique Cosenza<br />
Íris Araújo<br />
Jayme Barbosa<br />
Jonathan Tadeu<br />
Laura Torres<br />
Lisa Carvalho Vasconcellos<br />
Lucas Sander<br />
Mariana Ruas<br />
Marina Sandim<br />
Mateus Araújo<br />
Paulo Marra<br />
Paula Santos<br />
Rodrigo V. de Souza<br />
\ legendagem eletrônica<br />
4estações<br />
/ direção de arte<br />
Paulo Maia<br />
\ projeto gráfico<br />
Marilá Dardot<br />
/ tiara de miçangas<br />
Suely Maxakali<br />
\ fotografia<br />
Bernard Machado<br />
Daniel Iglesias<br />
/ catálogo<br />
Glaura Cardoso Vale (Organização)<br />
Carla Maia<br />
Júnia Torres<br />
\ diagramação<br />
Ana C. Bahia<br />
/ revisão<br />
Ana Carvalho<br />
Carla Italiano<br />
Carolina Canguçu<br />
Daniel Ribeiro Duarte<br />
Fabiano Bechelany<br />
Flávia Camisasca<br />
Francisca Manuel<br />
Milene Migliano<br />
Paulo Maia<br />
Oswaldo Teixeira<br />
Rafael Barros<br />
\ vinheta<br />
Raquel Junqueira
site<br />
Gustavo Teodoro (Design e<br />
Programação)<br />
Carlos Paulino (Coordenação)<br />
Pedro Aspahan (Coordenação)<br />
\ cabine de projeção<br />
Pedro Aspahan (Coordenação)<br />
Bernard Machado (Coordenação)<br />
Maurício Rezende<br />
Warley Desali<br />
Daniel Ferreira<br />
/ assessoria de imprensa<br />
Sinal de Fumaça Comunicação<br />
Sérgio Stockler<br />
Aline Ferreira<br />
\ festival online e cobertura<br />
Pedro Aspahan<br />
Bernard Machado<br />
Francisca Manuel<br />
Glaura Cardoso Vale<br />
Milene Migliano<br />
Pedro Marra<br />
/ mostra de extensão<br />
Fernanda Oliveira<br />
Flávia Camisasca<br />
Francisca Manuel<br />
Marina Sandim<br />
Raquel Amaral<br />
serra<br />
Jansey Valdez<br />
Reinaldo Santana<br />
parcerias: Aces - Associação<br />
Cultural e educativa da Serra<br />
e C.R.I.Arte - Comunidade<br />
Reivindicando e interagindo com arte<br />
taquaril<br />
Junio Marques da Silva (Blitz )<br />
parcerias: Centro de Referência Hip<br />
Hop Brasil E Crime Verbal<br />
barragem santa lúcia<br />
Célia Rodrigues<br />
Daniele Augusta<br />
Doni Oliveira<br />
Maurício Rodrigues de Moraes<br />
Rodolfo Fonseca<br />
parcerias: Cine Beco / Casa do Beco<br />
e Espaço BH Cidadania<br />
concórdia<br />
Isabel Casimiro (Dona Isabel)<br />
Isabel Casimira (Belinha)<br />
Parceria: Guarda de Moçambique e<br />
Congo Treze de Maio de Nossa Sra.<br />
do Rosário<br />
/ momentos festivos<br />
Rafa Barros<br />
Milene Migliano<br />
dj anônimo<br />
Sharawadji<br />
Dj Alexandre de Sena – Radiola<br />
Picumãh<br />
Dj Guto Lovers<br />
Senta a Pua!<br />
Rafael no Som<br />
\ assessoria jurídica e financeira<br />
Diversidade Consultoria<br />
Diana Gebrim<br />
/ 399
400 \<br />
/ motorista<br />
Luciano Ribeiro<br />
\ fundação clóvis salgado<br />
(participação)<br />
Solanda Steckelberg (Presidente)<br />
Cynthia Bernis de Oliveira (Diretora<br />
de planejamento, gestão e finanças)<br />
Sérgio Rodrigo Reis<br />
(Diretor artístico)<br />
Sandra Fagundes Campos (Diretora<br />
de programação)<br />
Cláudia Garcia Elias (Diretora de<br />
marketing, intercâmbio e projetos<br />
especiais)<br />
Patrícia Avellar Zol<br />
(Diretora de ensino e extensão)<br />
Fabíola Moulin Mendonça<br />
(Gerente de artes visuais)<br />
\ cine humberto mauro<br />
Rafael Ciccarini (Gerente do<br />
departamento de cinema)<br />
Ursula Rösele (Assessora<br />
do departamento de cinema)<br />
José Ricardo da Costa Miranda<br />
Junior (Assistente do departamento<br />
de cinema)<br />
Flávia Braga (Produtora do<br />
departamento de cinema)<br />
Luciene Raquel Lima (Auxiliar<br />
de Serviços Administrativos do<br />
Departamento de Cinema)<br />
/ porteiro<br />
José Horta de Oliveira<br />
\ projecionistas<br />
Mercídio Alvinho Scarpeli<br />
Rufino Gomes Araújo<br />
/ bilheteria<br />
Dercy Rosa<br />
\ agradecimentos<br />
Jean-Claude Bernardet, Ismail Xavier,<br />
Luis Abramo, Ruben Jacobina,<br />
Patricia Moran, Paulo Sacramento,<br />
Cinemateca MAM - RJ, Hernani<br />
Heffner, Gilberto Santeiro, CTAv,<br />
Liane Corrêa, Rosangêla Sodré,<br />
Ana Beatriz Vasconcellos, Roberto<br />
Leão, Natália Soares, Cinemateca<br />
Brasileira, Leandro Pardi, Talita<br />
Guessi, Alexandre Miyazato, Juliana<br />
Santos, Isabel Casemira, Ricardo,<br />
Belinha, Guidinha, Toninho, Jô<br />
Morais, Arnaldo Godoy, João Bosco<br />
Rodrigues, Pedro Coutinho, Instituto<br />
Itaú Cultural - Talita Capozzi<br />
Goldstein, Fernando Brito (Versátil<br />
Home Video), Laura Barbi, Frederico<br />
Sabino, Jean Rouch, Courtesy<br />
Panamint Cinema, Panamint/UK,<br />
Mateus Araújo Silva, Maria Leite<br />
Chiaretti, Balafon Produções,<br />
Flora Lahuerta, Roberto Romero,<br />
Paula K Santos, Eduardo Queiroz,<br />
Ricardo Farkas,Cynthia Close<br />
(DER), Karma Foley (Smithsonian),<br />
Frédérique Ros (Films du Jeudi),<br />
Andrea Tonacci, Cristina Amaral,<br />
Gustavo Beck, Sérgio Borges,<br />
Glauber Rocha, Diego Madi, Ivan<br />
Sanjinés, Jorge Sanjinés, Monica
Bustillos , Ukamau, Alexandra<br />
Halkin, Thomas, Festival Ambulante,<br />
Carlos Pérez Rojas, Amalia Cordova,<br />
Latin American Program/ Programa<br />
Latinoamericano Film + Video<br />
Center, Smithsonian National<br />
Museum of the American Indian,<br />
Vídeo nas Aldeias, Vincent Carelli,<br />
Olívia Sabino, Ernesto de Carvalho,<br />
Fábio Menezes, Júlio Bressane,<br />
Eduardo Escorel, o homem da<br />
multidão, Eduardo Coutinho, João<br />
Dumans, Departamento de Cinema-<br />
FCS, Rafael Ciccarini, Úrsula<br />
Roesele, Pascale, Bepunu Kayapó,<br />
Divino Tserewahu, Delfim Afonso<br />
Neto, Jorge Alexandre Barbosa<br />
Neves, Ângela Gomes Torres, Edna<br />
Torres, Helenise Lamounier de<br />
Carvalho, Urzula Groska, Escola<br />
de Samba Cidade Jardim, Senta a<br />
Pua, Rafa Soares, Afromatajazz,<br />
André Xina, Guto Borges, Tamás<br />
Bodolay, Rita Velloso, Márcia<br />
Spyer, Ana Gomes, Luis Roberto de<br />
Paula, Samira Zaidan, Alexandre<br />
Santos, Karenina Andrade, Camila<br />
Bechelany, Hutukara Associação<br />
Yanomami, Noêmia Maxakali, Suely<br />
Maxakali, Isael Maxakali, Guto<br />
Borges, Hugo Cordeiro, Coletivo<br />
Photograph, Pedro Silveira, Takumã<br />
Kuikuro, Carlos Fausto, Leo Sette,<br />
Israel do Vale, Centro de Memória<br />
Indígena Manoki, Leonardo Vidigal,<br />
Alexia Neca, Cezar Migliorin,<br />
Theo Duarte, Ilana Feldman, João<br />
Dumans, Virgínia Guimarães Bahia,<br />
Maria Cristina Araújo Rabelo,<br />
Carolina Fenati, Arthur Omar, Maria<br />
Inês Almeida, Centro Cultural da<br />
UFMG, Escola de Belas Artes –<br />
UFMG, Ana Tereza Brandao, Joana<br />
Meniconi.<br />
Aos realizadores que se inscreveram<br />
nas mostras competitivas.<br />
/ associação filmes de quintal<br />
Avenida Brasil | 75/sala 06<br />
Santa Efigênia<br />
Belo Horizonte/MG<br />
CEP 30140-000 | Brasil<br />
Telefone: +55 31 3889-1997<br />
31 2512-1987<br />
<strong>forumdoc</strong>.org.br<br />
filmesdequinta.org.br<br />
/ 401
402 \<br />
\ notas
\ notas<br />
/ 403
404 \<br />
\ notas
\ notas<br />
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406 \<br />
REaLiZaÇÃo CoRREaLiZaÇÃo<br />
paRtiCipaÇÃo<br />
apoio iNStitUCioNaL<br />
apoio CULtURaL<br />
apoio LoGÍStiCo<br />
SmitHSoNiaN NatioNaL<br />
mUSEUm oF tHE<br />
amERiCaN iNDiaN
patRoCÍNio<br />
/ 407
<strong>forumdoc</strong>.bh.2011 – 15º Festival do Filme Documentário e Etnográfico<br />
/ Fórum de antropologia e cinema. Vale, Glaura Cardoso; Maia, Carla;<br />
Torres, Júnia (Orgs.). Belo Horizonte:<br />
Filmes de Quintal, 2011.<br />
408 p., 105 ilustr.<br />
ISBN: 978-85-63837-02-8<br />
1. Cinema - 2. Documentário; 3. Antropologia.<br />
I. Vale, Glaura Cardoso; Maia, Carla; Torres, Júnia. II Título<br />
CDD 791