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utilizados para analisar o conjunto de recursos simbólicos e imagéticos<br />
usados para descrever a ação dos medicamentos e seus efeitos sobre o<br />
comportamento.<br />
As metáforas farmacoquímicas funcionam como uma novilíngua, só que<br />
ao revés: em vez de impedir o uso de certas palavras, termos ou expressões,<br />
como em 1984, obra de George Orwell (1998), ela os impõe, instituindo<br />
um discurso, uma linguagem, uma forma de dizer que instrui as sintaxes do<br />
viver e instaura novas formas de satisfação e/ou de gerenciamento de economias<br />
subjetivas, pulsionais, orgânicas, libidinais… Fomenta-se a partir<br />
daí uma tendência a perceber o mundo com base nos clichês divulgados, e<br />
o hábito de pensar por estereótipos. Um destes, muito prestigiado, ensina<br />
que medicamento bom é medicamento novo, isto é, o último, o recém-lançado.<br />
O movimento de renovação que isso introduz na economia acarreta<br />
o (e depende do) obsoletismo psicológico dos medicamentos já existentes<br />
(Dupuy & Karsenti 1979, especialmente capítulo 7).<br />
No campo científico, a uma produção de saber sucede outra, o que<br />
faz com que a produção científica seja volátil. Isso que é uma verdade na<br />
academia também o é no campo social, onde tudo se torna volúvel. Talvez<br />
seja uma maneira de acompanhar a incessante produção industrial. Os<br />
resultados não demoram. na medida em que o emprego, por exemplo, se<br />
torna inconstante, a insegurança dos trabalhadores não tarda a explodir.<br />
Acompanhando a tendência da ordem econômica instaurada e disseminada<br />
pelo capital globalizado, as carreiras também se tornam voláteis, e os efeitos<br />
são claros e imediatos: entrevistas realizadas no Brasil com executivos<br />
de 350 empresas mostram que 84% deles são infelizes no trabalho, 76%<br />
acessam email profissional fora do horário de trabalho, 58% acham que os<br />
cônjuges estão descontentes com seu ritmo excessivo de trabalho, e assim<br />
por diante (ÉpocaNegócios, mai. 2007, p. 46-72).<br />
A ideia de que os artigos científicos são voláteis, o que é um fato<br />
empírico e acadêmico, decorre de inúmeros fatores, entre os quais as<br />
incessantes possibilidades e exigências de renovação no campo científico.<br />
Reconhecer tal fato não significa culpar nem os pesquisadores nem suas<br />
investigações; apenas diferenciar o discurso científico do modo como ele<br />
circula na mídia, onde não há espaço para a dúvida, e cria-se, a partir dele,<br />
uma moral de base científica que funciona como um imperativo, e que<br />
sempre apela ao novo.<br />
A realidade clínica, no entanto, acompanha, além destes valores atuais<br />
do mercado de bens – teóricos, conceituais, instrumentais, materiais –, a<br />
As metáforas farmacoquímicas com que vivemos 11