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Battle Royale - mega portal do anime e manga. O melhor portal de ...

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BATTLE<br />

ROYALE<br />

KO US HU N TA KA M I


Conteú<strong>do</strong><br />

Conteú<strong>do</strong>..............................II<br />

Koushun Takami _______ III<br />

Notas <strong>de</strong> tradução_____VII<br />

Introdução ___________ 1<br />

Prólogo...............................2<br />

Nota <strong>do</strong> Governo ________ 2<br />

Parte 1.................................4<br />

Início <strong>de</strong> Jogo____________ 4<br />

0________________________________5<br />

1_______________________________14<br />

2_______________________________16<br />

3_______________________________18<br />

4_______________________________23<br />

5_______________________________30<br />

6_______________________________34<br />

7_______________________________39<br />

8_______________________________43<br />

9_______________________________45<br />

10______________________________46<br />

11______________________________53<br />

12______________________________63<br />

13______________________________67<br />

Parte 2...............................74<br />

Estágio Médio __________ 74<br />

14______________________________75<br />

15______________________________79<br />

16______________________________83<br />

II


Koushun Takami<br />

Koushun Takami nasceu em 1969 em Amasaki, perto <strong>de</strong> Osaka, e cresceu na Prefeitura <strong>de</strong> Kagawa<br />

em Shikoku, on<strong>de</strong> atualmente mora. Depois <strong>de</strong> se graduar na Univesida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Osaka em literatura,<br />

ele largou o curso por correspondência <strong>de</strong> Artes Liberais da Universida<strong>de</strong> Japonesa. De 1991 a 1996<br />

ele trabalhou para a companhia <strong>de</strong> notícias da prefeitura, o Shikoku Shinbun, escreven<strong>do</strong> em várias<br />

áreas, incluin<strong>do</strong> política, relatórios policiais e economia. Apesar <strong>de</strong> ter um certifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> ensino em<br />

Inglês, ele ainda não foi aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />

<strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> foi completa<strong>do</strong> após Takami ter aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a empresa <strong>de</strong> notícias. O livro foi<br />

rejeita<strong>do</strong> na rodada final <strong>de</strong> uma competição literária patrocinada por uma gran<strong>de</strong> editora <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às<br />

críticas controversas que provocou entre os membros <strong>do</strong> júri. Porém com sua publicação no Japão<br />

em 1999, <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> recebeu amplo suporte, particularmente <strong>de</strong> jovens leitores, e se tornou um<br />

bestseller. Em 2000 o livro foi adapta<strong>do</strong> para um mangá e transforma<strong>do</strong> em filme. O filme teve uma<br />

continuação em 2003.<br />

III


Eu <strong>de</strong>dico a to<strong>do</strong>s que amo.<br />

Mesmo que não gostem.<br />

IV


"Um estudante não é uma tangerina."<br />

― Kinpachi Sakamoto, Terceiro Ano Classe B, Professor Kinpachi<br />

"But tramps like us, baby we were born to run"<br />

― Bruce Springsteen, "Born to Run"<br />

"É tão difícil amar"<br />

― Motoharu Sano, "É tão difícil amar"<br />

V


"Em Barcelona, durante todas estas últimas semanas que passei aqui, havia uma sensação peculiar<br />

<strong>de</strong> malda<strong>de</strong> no ar – uma atmosfera <strong>de</strong> suspeita, me<strong>do</strong>, incerteza e ódio vela<strong>do</strong>. Não estava<br />

acontecen<strong>do</strong> nada, mas mesmo assim eu não conseguia imaginar o que iria acontecer; e ainda havia<br />

uma vaga e infindável sensação <strong>de</strong> perigo, a ciência <strong>de</strong> que havia alguma perversida<strong>de</strong> iminente.<br />

Porém quanto menos você estivesse realmente conspiran<strong>do</strong>, a atmosfera o forçava a se sentir como<br />

um conspira<strong>do</strong>r. Você parecia passar to<strong>do</strong> seu tempo manten<strong>do</strong> conversas sussurradas nos cantos<br />

<strong>do</strong>s cafés e imaginan<strong>do</strong> se a pessoa na mesa ao la<strong>do</strong> era um espião da polícia.<br />

Eu não sei se eu posso levar para casa a profundida<strong>de</strong> com a qual aquela ação me tocou. Parece algo<br />

pequeno, mas não era. Você tem que enten<strong>de</strong>r qual era o sentimento da época – a terrível atmosfera<br />

<strong>de</strong> suspeita e ódio, as mentiras e rumores circulan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> lugar, os pôsteres gritan<strong>do</strong> das multidões<br />

<strong>de</strong> que eu, e to<strong>do</strong>s que eram como eu, era um espião fascista."<br />

― George Orwell, Respeito à Catalúnia<br />

VI


Notas <strong>de</strong> tradução<br />

Olá, este é um trabalho <strong>de</strong> tradução inicia<strong>do</strong> por mim apenas pelo prazer <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter esta obra<br />

prima da literatura pop em minha língua natal. To<strong>do</strong>s os direitos pertencem à Koushun Takami.<br />

As seguintes notas são importantes para que o entendimento da obra seja completo. A tradução da<br />

língua japonesa é complicada por haverem diversas diferenças culturais e lingüísticas entre o Japão<br />

e o Brasil. No entanto, procuro esclarecer algumas <strong>de</strong>stas diferenças com estas notas. Durante o<br />

restante das páginas <strong>de</strong>sta tradução, você encontrará notas <strong>de</strong> rodapé para esclarecer algumas<br />

referências que merecem explicação.<br />

Classe B da Oitava Série : a divisão <strong>do</strong>s anos escolares no Japão é a mesma que nos EUA, isto é, o<br />

ensino da<strong>do</strong> aos jovens é dividi<strong>do</strong> em shougakkou (elementary school), chuugakkou (junior high<br />

school) e koukou (high school). O shougakkou tem duração <strong>de</strong> cinco anos, então a criança entra<br />

para o chuugakkou, que dura três anos, e finalmente entra para o koukou, que dura outros três anos.<br />

O que seria a oitava série <strong>do</strong> ensino primário no Brasil é o terceiro ano <strong>do</strong> chuugakkou no Japão.<br />

Nomes : no Japão, quan<strong>do</strong> se apresenta uma pessoa, diz-se primeiro seu sobrenome, acompanha<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> nome. Aqui eu estou seguin<strong>do</strong> o padrão brasileiro, primeiro é dito o nome e <strong>de</strong>pois o sobrenome.<br />

Cida<strong>de</strong>s e Prefeituras: a organização das cida<strong>de</strong>s no Japão é parecida com o Brasil, mas enquanto<br />

aqui as cida<strong>de</strong>s fazem parte <strong>de</strong> um esta<strong>do</strong>, lá chamam os esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> prefeituras.<br />

VII


Classe B da Oitava Série, Lista <strong>de</strong> estudantes da Escola Fundamental Shiroiwa<br />

Homens Mulheres<br />

1 Yoshio Akamatsu 1 Mizuho Inada<br />

2 Keita Iijima 2 Yukie Utsumi<br />

3 Tatsumichi Oki 3 Megumi Eto<br />

4 Toshinori Oda 4 Sakura Ogawa<br />

5 Shogo Kawada 5 Izumi Kanai<br />

6 Kazuo Kiriyama 6 Yukiko Kitano<br />

7 Yoshitoki Kuninobu 7 Yumiko Kusaka<br />

8 Yoji Kuramoto 8 Kayoko Kotohiki<br />

9 Hiroshi Kuronaga 9 Yuko Sakaki<br />

10 Ryuhei Sasagawa 10 Hirono Shimizu<br />

11 Hiroki Sugimura 11 Mitsuko Souma<br />

12 Yutaka Seto 12 Haruka Tanizawa<br />

13 Yuichiro Takiguchi 13 Takako Chigusa<br />

14 Sho Tsukioka 14 Mayumi Ten<strong>do</strong><br />

15 Shuya Nanahara 1 15 Noriko Nakagawa<br />

16 Kazushi Niida 16 Yuka Nakagawa<br />

17 Mitsuru Numai 17 Satomi Noda<br />

18 Tadakatsu Hatagami 18 Fumiyo Fujiyoshi<br />

19 Shinji Mimura 2 19 Chisato Matsui<br />

20 Kyoichi Motobuchi 20 Kaori Minami<br />

21 Kazuhiko Yamamoto 21 Yoshimi Yahagi<br />

1 Sobre o nome Nanahara: em japonês, a primeira parte <strong>do</strong> sobrenome <strong>de</strong> Shuya significa “sete”<br />

2 Sobre o nome Mimura: em japonês, a primeira parte <strong>do</strong> sobrenome <strong>de</strong> Shinji significa “três”<br />

VIII


Introdução<br />

[Desvario <strong>de</strong> um fã <strong>de</strong> luta livre profissional em um mun<strong>do</strong> bem pareci<strong>do</strong> com o nosso]<br />

Quê? <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> 3 ? Se quer saber o que é um “<strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong>"? Vai, não me diz que não sabe!?<br />

Você não vem muito em jogos <strong>de</strong> luta livre, né? Acha que é o nome <strong>de</strong> um movimento? O nome <strong>de</strong><br />

um torneio? Não, <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> é uma batalha <strong>de</strong> luta livre. Quê? "Hoje?" Hoje, aqui, você quer<br />

dizer? Não, não está no programa <strong>de</strong> hoje. Só fazem <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> em arenas gran<strong>de</strong>s quan<strong>do</strong> há um<br />

festival ou algo <strong>do</strong> tip. Olha, lá está Takako Inoue. Ela é gostosa, não é? A-Ah, <strong>de</strong>sculpa. Tá bom,<br />

<strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong>. Ainda tem o apoio da Liga Japonesa <strong>de</strong> Luta Livre Profissional. Resumin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixa<br />

ver, <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> é – você sabe que a batalha normal <strong>de</strong> luta livre é <strong>de</strong> um contra um ou entre<br />

parceiros. Bom, em <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong>, <strong>de</strong>z, vinte, um monte <strong>de</strong> luta<strong>do</strong>res sobe no ringue. E então<br />

qualquer um po<strong>de</strong> atacar qualquer um, um contra um ou <strong>de</strong>z contra um, não importa. Não importa<br />

quantos luta<strong>do</strong>res pregam alguém no chão – quê, você nem sabe o que é pregar? Uma vez que suas<br />

costas estão na esteira, a contagem vai <strong>de</strong> um, <strong>do</strong>is, três, você per<strong>de</strong>u. Não é diferente <strong>de</strong> uma<br />

batalha normal. Luta<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>m também <strong>de</strong>sistir, e às vezes alguém é nocautea<strong>do</strong>. Ah sim, e<br />

também tem a contagem final. Você também po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>squalifica<strong>do</strong> por quebrar as regras. A<br />

maioria <strong>do</strong>s luta<strong>do</strong>res per<strong>de</strong> por quedas no <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong>. Ei, vai lá Takako, vai! Vai, vai! A-Ah,<br />

<strong>de</strong>sculpa, <strong>de</strong>sculpa. Em to<strong>do</strong> caso, aqueles que per<strong>de</strong>m têm que sair <strong>do</strong> ringue. Menos e menos<br />

joga<strong>do</strong>res continuam no jogo. Só <strong>do</strong>is restam no final. Um contra um, uma luta bem séria. Um <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>is vai eventualmente per<strong>de</strong>r. E então fica só um luta<strong>do</strong>r no ringue, e ele é o vence<strong>do</strong>r. Ele ganha.<br />

Ele recebe um troféu e um prêmio em dinheiro. Enten<strong>de</strong>u? Âh? Sobre os luta<strong>do</strong>res que são amigos?<br />

Bom, no começo, é claro que eles se ajudam uns aos outros. Mas no final eles têm que lutar um<br />

contra o outro. Você tem que seguir as regras. Isso também significa que você consegue ter algumas<br />

lutas raras. Como há um bom tempo, quan<strong>do</strong> os parceiros <strong>de</strong> luta Dynamite Kid e Dayvey Boy<br />

Smith eram os luta<strong>do</strong>res restantes. O mesmo aconteceu com os parceiros Animal Warrior e Hawk<br />

Warrior. Naquela luta, eu não lembro quem, mas o cara foi <strong>de</strong> propósito pra contagem final<br />

<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> seu parceiro ganhar, uma mostra <strong>de</strong> camaradagem que foi uma <strong>de</strong>cepção. Ah, você<br />

também po<strong>de</strong> se unir a joga<strong>do</strong>res que eram seus inimigos. Mas no momento que você acha que está<br />

no time para se livrar se outra pessoa, este "amigo" sorrateiro po<strong>de</strong> te trair <strong>de</strong> repente e te vencer.<br />

Vamos ver, um <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> que eu quero ver agora? Bom, da<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rações que<br />

temos, queria ver um <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> entre os lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> cada fe<strong>de</strong>ração. Keiji Mutoh, Shinya<br />

Hashimoto, Mitsuharu Funaki, Akira Maeda, Great Sasuke, Hayabusa, Kenji Takano, também<br />

Genichiro Tenryu, Riki Choshu, Tatsumi Fujinami e Kengo Kimura po<strong>de</strong>riam estar concorren<strong>do</strong>.<br />

Seria legal por Yoji Anjoh e Super Delphin. Eles po<strong>de</strong>riam terminar como os <strong>do</strong>is últimos<br />

joga<strong>do</strong>res. Para mulheres, primeiro <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, Takako, então Aja Kong, Bull Nakano, é claro,<br />

Dynamite Kansai, e Cutey Suzuki e Hikari Fukuoka, Mayumi Ozaki, Shinobu Kan<strong>do</strong>ri, e Chigusa<br />

Ngayo e... quê? Como você não conhece nenhuma <strong>de</strong>las? Você veio aqui para assistir luta livre<br />

mesmo? Ah, não não não não não, Takako, contra ataca! Takako! Beleza.<br />

3 <strong>Battle</strong> <strong>Royale</strong> é o que chamamos no Brasil <strong>de</strong> “batalha campal”<br />

1


Prólogo<br />

Nota <strong>do</strong><br />

Governo<br />

2


Nota Interna <strong>do</strong> Governo 1997, No. 00387461<br />

Documento Secreto Confi<strong>de</strong>ncial<br />

Despacha<strong>do</strong> pela Secretaria da Autorida<strong>de</strong> Central Supervisora da Força-<br />

Tarefa Especial <strong>de</strong> Defesa e Conselheiro <strong>de</strong> Batalha Experimental <strong>do</strong><br />

Exército Especial <strong>de</strong> Defesa.<br />

Para : Representativo <strong>do</strong>s Experimentos <strong>de</strong> Batalha da Seção <strong>de</strong> Oficiais <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> Maior<br />

CC: Representativo <strong>do</strong> Experimento <strong>de</strong> Batalha No. 12, 1997, Programa No.<br />

6108<br />

Em 20 <strong>de</strong> Maio, 18:15, o mesmo dia da inspeção periódica <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong><br />

Gerenciamento <strong>de</strong> Operações <strong>do</strong> Governo Central Republicano, a evidência <strong>de</strong><br />

uma invasão no sistema operacional da central governamental foi<br />

confirmada. A invasão foi <strong>de</strong>tectada na data <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Março antes <strong>do</strong><br />

amanhecer. Nós estamos atualmente investigan<strong>do</strong> qualquer evidência <strong>de</strong><br />

reingresso adicional.<br />

A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> possível suspeito, razões e possível vazamento <strong>de</strong><br />

informações também estão sen<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>s, mas dadas as elevadas<br />

habilida<strong>de</strong>s computacionais <strong>do</strong> suspeito, nós antecipamos um atraso<br />

significativo na apresentação <strong>do</strong> perfil <strong>do</strong> suspeito.<br />

A Secretaria da Autorida<strong>de</strong> Central Supervisora da Força-Tarefa Especial<br />

<strong>de</strong> Defesa e Divisão <strong>de</strong> Batalha Experimental <strong>do</strong> Exército Especial <strong>de</strong><br />

Defesa foram informa<strong>do</strong>s que os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Programa No. 68 po<strong>de</strong>m ter si<strong>do</strong><br />

corrompi<strong>do</strong>s e, como resulta<strong>do</strong>, nós recomendamos reconsi<strong>de</strong>rar<br />

imediatamente a postergação <strong>do</strong> Programa No. 12 <strong>de</strong> 1997.<br />

Entretanto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às preparações para No. 12 estarem completadas e por<br />

não haver indicação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s acima terem vaza<strong>do</strong> para a população civil,<br />

concluímos que o programa <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r como programa<strong>do</strong>. No entanto, nós<br />

consi<strong>de</strong>raremos a reprogramação <strong>do</strong>s futuros programas seguintes ao No. 12,<br />

bem como a implementação <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong> projeto em "Guadacanal".<br />

Como supervisor encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> executar o experimento, você, supervisor<br />

<strong>do</strong> Programa No. 12, <strong>de</strong>verá proce<strong>de</strong>r com extrema cautela.<br />

No mais, este inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> infiltração está classifica<strong>do</strong> como informação<br />

confi<strong>de</strong>ncial e <strong>de</strong>verá ser tratada como tal.<br />

3


Parte 1<br />

Início <strong>de</strong> Jogo<br />

42 estudantes restantes<br />

4


0<br />

Quan<strong>do</strong> o ônibus entrou na capital da prefeitura <strong>de</strong> Takamatsu, os jardins <strong>de</strong> subúrbios<br />

transformaram-se em ruas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> com néons multicolori<strong>do</strong>s, luzes <strong>de</strong> carros vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> senti<strong>do</strong><br />

contrário e luzes quadriculadas <strong>de</strong> prédios <strong>de</strong> escritórios. Um grupo <strong>de</strong> homens e mulheres bem<br />

vesti<strong>do</strong>s estava para<strong>do</strong> conversan<strong>do</strong> em frente a um restaurante <strong>de</strong> calçada. Cansa<strong>do</strong>s, jovens<br />

fumavam agacha<strong>do</strong>s no estacionamento vazio <strong>de</strong> uma loja <strong>de</strong> conveniência. Um trabalha<strong>do</strong>r em sua<br />

bicicleta esperava o semáforo mudar no cruzamento. Estava frio para uma noite <strong>de</strong> maio, por isso o<br />

homem vestia sua jaqueta surrada. Junto com esta corrente <strong>de</strong> sensações, o trabalha<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sapareceu<br />

atrás da janela <strong>do</strong> ônibus, engoli<strong>do</strong> pelo ruí<strong>do</strong> baixo <strong>do</strong> motor. O mostra<strong>do</strong>r digital na frente <strong>do</strong><br />

ônibus mu<strong>do</strong>u para 8:57.<br />

Shuya Nanahara (Estudante Masculino No. 15, Oitava Série Classe B, Colégio Shiroiwa,<br />

Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Shiroiwa, Prefeitura <strong>de</strong> Kagawa) estava observan<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora, inclinan<strong>do</strong>-se sobre<br />

Yoshitoki Kuninobu (Estudante Masculino No. 7), que estava no assento da janela. Quan<strong>do</strong><br />

Yoshitoki virou-se para mexer em sua bolsa, Shuya olhou para seu pé direito, que estava sain<strong>do</strong><br />

para o corre<strong>do</strong>r, e tirou seu tênis Keds com os <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong>s pés. Antigamente os Keds não eram<br />

difíceis <strong>de</strong> encontrar, mas agora eles já eram extremamente raros. A lona no tênis <strong>de</strong> Shuya estava<br />

rasgada no calcanhar direito, e os fios que saíam pareciam bigo<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gato. A companhia <strong>de</strong> sapatos<br />

era americana, mas os sapatos eram feitos na Colômbia. Atualmente, em 1997, a República <strong>do</strong><br />

Leste da Ásia Maior dificilmente sofria com falta <strong>de</strong> produtos. Na verda<strong>de</strong> era rica em merca<strong>do</strong>rias<br />

<strong>de</strong> consumo, mas importa<strong>do</strong>s ultimamente entravam com mais dificulda<strong>de</strong>. Bom, isto já era<br />

espera<strong>do</strong> em um país com uma política oficial <strong>de</strong> isolacionismo. Além <strong>do</strong> mais, América – tanto o<br />

governo quanto os livros chamavam <strong>de</strong> "os Imperialistas Americanos" – era um esta<strong>do</strong> inimigo.<br />

No la<strong>do</strong> <strong>de</strong> trás <strong>do</strong> ônibus, Shuya viu seus quarenta e um colegas <strong>de</strong> classe, que estavam<br />

ilumina<strong>do</strong>s por luzes fluorescentes fracas fixas em painéis sujos no teto. Eles estiveram to<strong>do</strong>s na<br />

mesma classe <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s eles ainda estavam anima<strong>do</strong>s e conversavam, já que nem<br />

mesmo uma hora se passara <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua partida da sua cida<strong>de</strong> natal <strong>de</strong> Shiroiwa. Passar a primeira<br />

noite <strong>de</strong> uma viagem escolar em um ônibus parecia um tanto quanto barato. Pior ainda, parecia que<br />

eles estavam in<strong>do</strong> em marcha forçada. Mas to<strong>do</strong>s se acalmariam quan<strong>do</strong> o ônibus cruzasse a Ponte<br />

Seto, entrasse na Auto-estrada Sanyo e se dirigisse ao seu <strong>de</strong>stino, a ilha <strong>de</strong> Kyushu.<br />

Os estudantes barulhentos da frente que estavam senta<strong>do</strong>s ro<strong>de</strong>an<strong>do</strong> o seu professor Sr.<br />

Hayashida eram garotas: Yukie Utsumi (Estudante Feminina No. 2), a representante <strong>de</strong> classe que<br />

ficava bonita com os cabelos trança<strong>do</strong>s; Haruka Tanizawa (Estudante Feminina No. 12), sua colega<br />

<strong>de</strong> vôlei que era excepcionalmente alta; Izumi Kanai (Estudante Feminina No. 5), a graduada em<br />

colégio preparatório cujo pai era representativo da cida<strong>de</strong>; Satomi Noda (Estudante Feminina No.<br />

17), a estudante mo<strong>de</strong>lo que usava óculos <strong>de</strong> quadro fino que combinava com seu rosto calmo e<br />

inteligente; e Chisato Matsui (Estudante Feminina No. 19), que era sempre quieta e contida. Elas<br />

eram as garotas principais. Você po<strong>de</strong>ria chamá-las <strong>de</strong> "as neutras". Meninas ten<strong>de</strong>m a formar<br />

panelinhas, mas não havia nenhuma panelinha que se <strong>de</strong>stacava na Classe B da Oitava Série <strong>do</strong><br />

5


Colégio Shioiwa, por isso não dá para separar em grupos distintos. Se havia um grupo, era o rebel<strong>de</strong><br />

– ou, <strong>de</strong> forma mais simples – o grupo <strong>de</strong>linqüente li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por Mitsuko Souma (Estudante Feminina<br />

No. 11). Hirono Shimizu (Estudante Feminina No. 10) e Yoshimi Yahagi (Estudante Feminina No.<br />

21) fechavam aquele pacote. Shuya não conseguia vê-las <strong>de</strong> on<strong>de</strong> estava senta<strong>do</strong>.<br />

Os assentos logo atrás <strong>do</strong> motorista estavam levemente eleva<strong>do</strong>s, e aparecen<strong>do</strong> por cima<br />

estavam as cabeças <strong>de</strong> Kazuhiko Yamamoto (Estudante Masculino No. 21) e Sakura Ogawa<br />

(Estudante Feminina No. 4), o casal mais íntimo na classe. Talvez estivessem rin<strong>do</strong>, porque suas<br />

cabeças estavam balançan<strong>do</strong> levemente. Eles eram tão simples que a coisa mais trivial podia<br />

entretê-los.<br />

Mais próximo <strong>de</strong> Shuya, caí<strong>do</strong> no corre<strong>do</strong>r, estava um enorme uniforme escolar. Pertencia a<br />

Yoshio Akamatsu (Estudante Masculino No. 1). Ele era o mais alto da classe, mas era <strong>do</strong> tipo<br />

tími<strong>do</strong>, o tipo <strong>de</strong> criança que sempre foi alvo <strong>de</strong> piadas e insultos. Seu gran<strong>de</strong> corpo estava<br />

encolhi<strong>do</strong> e ele estava jogan<strong>do</strong> um vi<strong>de</strong>ogame portátil.<br />

Também no corre<strong>do</strong>r estavam Tatsumichi Oki (Estudante Masculino No. 3, time <strong>de</strong><br />

handball), Kazushi Niida (Estudante Masculino No. 16, time <strong>de</strong> futebol) e Tadakatsu Hatagami<br />

(Estudante Masculino No. 18). Eles estavam senta<strong>do</strong>s juntos. Shuya jogou na Pequena Liga <strong>de</strong><br />

baseball na escola primária e era conheci<strong>do</strong> como o shortstop (entre-bases) estrela. Ele costumava<br />

ser amigo <strong>de</strong> Tadakatsu, mas parou <strong>de</strong> andar junto com ele. Em parte foi porque Shuya parou <strong>de</strong><br />

jogar baseball, mas também tinha a ver com o fato <strong>de</strong> que Shuya havia começa<strong>do</strong> a tocar guitarra,<br />

que era consi<strong>de</strong>rada uma ativida<strong>de</strong> "não-patriótica". A mãe <strong>de</strong> Tadakatsu era rígida com esse tipo <strong>de</strong><br />

coisa.<br />

Sim, rock era fora da lei neste país. (É claro que havia brechas. A guitarra elétrica <strong>de</strong> Shuya<br />

veio com um a<strong>de</strong>sivo <strong>de</strong> aprovação <strong>do</strong> governo que dizia "Música Deca<strong>de</strong>nte é estritamente<br />

proibida." Música <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte era rock.)<br />

"Falan<strong>do</strong> nisso", Shuya pensou, "Eu mu<strong>de</strong>i <strong>de</strong> amigos também.".<br />

Ele ouviu alguém rir baixinho atrás <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> Yoshio Akamatsu. Era um <strong>do</strong>s novos amigos<br />

<strong>de</strong> Shuya, Shinji Mimura (Estudante Masculino No. 19). Shinji tinha cabelo curto e usava um<br />

brinco <strong>de</strong> formato esquisito em sua orelha esquerda. Na época que Shuya e Shinji se tornaram<br />

colegas <strong>de</strong> classe no segun<strong>do</strong> ano, Shuya já tinha ouvi<strong>do</strong> falar <strong>de</strong>le. Shinji era conheci<strong>do</strong> como "O<br />

Terceiro Homem" – o arma<strong>do</strong>r oficial <strong>do</strong> time. Sua habilida<strong>de</strong> atlética era igual à <strong>de</strong> Shuya, apesar <strong>de</strong><br />

Shinji ter dito "Sou <strong>melhor</strong>, mano." Juntos na quadra <strong>de</strong> basketball pela primeira vez no segun<strong>do</strong><br />

ano, eles fizeram uma combinação mortal, por isso era natural que eles se <strong>de</strong>ssem bem. Mas havia<br />

muito mais sobre Shinji que o esporte. Suas notas em matérias que não fossem matemática e inglês<br />

não eram ótimas, mas a profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu conhecimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real era incrível, e suas visões<br />

eram maduras, muito além da <strong>de</strong> seus colegas. De alguma forma, ele tinha uma resposta para<br />

qualquer pergunta sobre informações <strong>do</strong> além-mar que não po<strong>de</strong>riam ser obtidas neste país. E ele<br />

sempre sabia a <strong>melhor</strong> coisa para dizer quan<strong>do</strong> você estava <strong>de</strong>sanima<strong>do</strong>, como, "Você sabe, eu sou<br />

o cara." Mas ele nunca foi arrogante. Ao contrário, ele sempre sorria e fazia uma piada. Ele nunca<br />

foi cheio <strong>de</strong> si. Basicamente Shinji Mimura era um cara legal.<br />

6


Shinji parecia estar senta<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu amigo <strong>de</strong> ginásio, Yutaka Seto (Estudante<br />

Masculino No. 12), o palhaço da classe. Yutaka <strong>de</strong>ve ter feito outra piada, pois Shinji estava<br />

gargalhan<strong>do</strong>.<br />

Hiroki Sumimura (Estudante Masculino No. 11) sentava-se atrás <strong>de</strong>les. Seu corpo alto e<br />

esbelto quase não cabia no assento estreito. Ele estava len<strong>do</strong> um livro <strong>de</strong> brochura. Hiroki era<br />

reserva<strong>do</strong> e estudava artes marciais, por isso ele projetava dureza. Ele não saía muito com os outros<br />

rapazes, mas se você o conhecesse um pouco mais, ele era legal, só era um pouco tími<strong>do</strong>. Shuya se<br />

dava bem com ele. “Ele está len<strong>do</strong> aquele livro <strong>de</strong> poesia Chinesa que ele gosta tanto?” (livros<br />

chineses traduzi<strong>do</strong>s eram fáceis <strong>de</strong> obter, isso não é nenhuma surpresa consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a<br />

República reivindicava a China como "parte <strong>de</strong> nossa terra natal").<br />

Certa vez Shuya encontrou uma frase em um romance Americano que <strong>de</strong>senterrou <strong>de</strong> uma<br />

loja <strong>de</strong> livros usa<strong>do</strong>s (ele conseguiu enten<strong>de</strong>r com um dicionário): amigos vêm e vão. Talvez as<br />

coisas fossem assim. Assim como ele e Tadakatsu não eram mais amigos, viria um tempo em que<br />

ele não seria mais amigo <strong>de</strong> Shinji e Hiroki.<br />

Bem, talvez não fosse assim.<br />

Shuya espiou Yoshitoki Kuninobu, que ainda estava mexen<strong>do</strong> na mochila. Shuya chegou até<br />

aqui com Yoshitoki Kuninobu. E isso nunca iria mudar. Além <strong>do</strong> mais, eles eram amigos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

eles molhavam suas camas naquela instituição católica com o nome bombástico "a Casa <strong>de</strong><br />

Carida<strong>de</strong>" – on<strong>de</strong> viviam órfãos e outras crianças que, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à "circunstâncias", não po<strong>de</strong>riam mais<br />

viver com seus pais. Você po<strong>de</strong> dizer que eles estavam praticamente amaldiçoa<strong>do</strong>s a serem amigos.<br />

Talvez nós <strong>de</strong>vêssemos cobrir a religião enquanto estamos nesse assunto. De fato este país,<br />

sob um sistema único <strong>de</strong> socialismo nacional governa<strong>do</strong> por uma autorida<strong>de</strong> executiva chamada "o<br />

Dita<strong>do</strong>r" (Shinji Mimura uma vez disse fazen<strong>do</strong> uma careta "Isto é o que eles chamam <strong>de</strong> 'fascismo<br />

bem sucedi<strong>do</strong>'. On<strong>de</strong> mais no mun<strong>do</strong> você po<strong>de</strong>ria encontrar algo assim tão sinistro?"), não tinha<br />

nenhuma religião nacional. A coisa mais próxima <strong>de</strong> religião era fé no sistema político – mas isto não<br />

casava com nenhuma religião estabelecida. Portanto a prática religiosa era permitida enquanto fosse<br />

mo<strong>de</strong>rada e ao mesmo tempo não fosse garantida. Por isso só era praticada em particular por<br />

segui<strong>do</strong>res <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s. Shuya nunca teve nenhuma inclinação religiosa, mas foi graças a esta<br />

instituição religiosa em particular que ele conseguiu crescer relativamente ileso e normal. Ele<br />

pensava que era <strong>melhor</strong> assim. Haviam orfanatos estatais, mas aparentemente suas acomodações e<br />

programas eram administra<strong>do</strong>s porcamente, e pelo que ele ouviu, eles serviam como escolas para<br />

solda<strong>do</strong>s das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa.<br />

Shuya virou-se e olhou para trás. O grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>linqüentes que incluía Ryuhei Sasagawa<br />

(Estudante Masculino No. 10) e Mitsuru Numai (Estudante Masculino No. 17) estava senta<strong>do</strong> no<br />

banco largo, no fim <strong>do</strong> ônibus. Lá estava... Shuya não conseguia enxergar seu rosto, mas podia ver<br />

sobre os assentos a cabeça com o cabelo longo <strong>de</strong> estilo esquisito, puxa<strong>do</strong> para trás aparecen<strong>do</strong><br />

perto da janela. Apesar <strong>de</strong> que no seu la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> (bem, Ryuuhei Sasagawa <strong>de</strong>ixara <strong>do</strong>is assentos<br />

vazios lá) os outros estavam conversan<strong>do</strong> e rin<strong>do</strong> sobre algo sujo, a cabeça <strong>de</strong>le permanecia<br />

7


absolutamente parada. Talvez tivesse caí<strong>do</strong> no sono. Ou talvez, como Shuya, ele estivesse ven<strong>do</strong> as<br />

luzes da cida<strong>de</strong>.<br />

Shuya estava totalmente <strong>de</strong>sconcerta<strong>do</strong> com o fato <strong>de</strong> que este rapaz – Kazuo Kiriyama<br />

(Estudante Masculino No.6) – pu<strong>de</strong>sse participar <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> infantil como uma viagem<br />

escolar.<br />

Kiriyama era o lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s valentões <strong>do</strong> distrito, um grupo que incluía Ryuhei e Mitsuru.<br />

Kiriyama não era, <strong>de</strong> maneira alguma, gran<strong>de</strong>. No máximo, ele tinha a mesma altura que Shuya,<br />

mas podia facilmente <strong>de</strong>rrubar estudantes mais velhos e até encarar a yakuza 4 local. Sua reputação<br />

era lendária em toda a prefeitura. E seu pai, sen<strong>do</strong> o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> corporação, o<br />

ajudava. (Havia rumores <strong>de</strong> que ele era um filho ilegítimo. Shuya não estava interessa<strong>do</strong>, por isso<br />

nunca se importou em saber mais). É claro que isso não era o bastante. Ele tinha um rosto bonito e<br />

inteligente e sua voz não era muito baixa, mas havia algo intimidante nela. Ele era o <strong>melhor</strong> aluno<br />

na Classe B, e o único que mal o alcançava era Kyoichi Motobuchi (Estudante Masculino No. 20),<br />

que estudava tanto que mal <strong>do</strong>rmia. Nos esportes, Kazuo era <strong>melhor</strong> e mais gracioso que quase<br />

to<strong>do</strong>s na classe. Os únicos que podiam competir com ele eram, sim, o antigo entre-bases estrela,<br />

Shuya, e o atual arma<strong>do</strong>r estrela, Shinji Mimura. Dessa forma, em to<strong>do</strong>s os aspectos, Kazuo<br />

Kiriyama era perfeito.<br />

Mas então como alguém tão perfeito po<strong>de</strong>ria acabar como lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> valentões? Aquilo não<br />

dizia respeito à Shuya. Mas se havia algo que Shuya podia saber era uma sensação, quase palpável,<br />

<strong>de</strong> que Kazuo era diferente. Shuya não sabia exatamente o que. Kazuo nunca fez nada ruim na<br />

escola. Ele nunca ameaçaria alguém como Yoshio Akamatsu da forma que Ryuhei Sasagawa fazia.<br />

Mas havia algo tão... distante nele. O que era? Ao menos era o que isso parecia.<br />

Ele faltava bastante. A idéia <strong>de</strong> Kazuo “estudan<strong>do</strong>” era um completo absur<strong>do</strong>. Em todas as<br />

aulas Kiriyama permanecia quieto senta<strong>do</strong> em sua carteira como se estivesse pensan<strong>do</strong> em algo que<br />

não tinha nada a ver com a aula. Shuya imaginava, “se o governo não tivesse po<strong>de</strong>r para impor a<br />

educação compulsória em nós, ele provavelmente nem viria à escola. Por outro la<strong>do</strong>, ele po<strong>de</strong>ria<br />

aparecer só por capricho. Vai saber.”, Shuya pensou, “Eu esperava que Kazuo faltasse a algo tão<br />

trivial como uma viagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s, mas ele apareceu. Isso foi um capricho também?”.<br />

– Shuya.<br />

Shuya estava fitan<strong>do</strong> as luzes nos painéis <strong>do</strong> teto se perguntan<strong>do</strong> sobre Kiriyama quan<strong>do</strong><br />

uma voz alegre interrompeu seus pensamentos. Do assento <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r, Noriko<br />

Nakagawa (Estudante Feminina No. 15) oferecia algo embrulha<strong>do</strong> em um celofane liso. O<br />

embrulho brilhava como água sob a luz branca, e estava cheia <strong>de</strong> discos marrons claros – biscoitos,<br />

provavelmente. No topo havia um laço <strong>de</strong> fita <strong>do</strong>urada amarra<strong>do</strong>.<br />

Noriko era outra garota neutra como o grupo <strong>de</strong> Utsumi. Além <strong>de</strong> seus olhos gentis, que<br />

eram notavelmente escuros, ela tinha um rosto re<strong>do</strong>n<strong>do</strong> e feminino e cabelos na altura <strong>do</strong>s ombros.<br />

Ela era <strong>de</strong>licada e alegre. Em suma, ela era uma garota comum. Se havia algo diferente nela,<br />

4 Yakuza é o nome que se dá à máfia no Japão. Assim como em qualquer parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, eles são bem organiza<strong>do</strong>s e<br />

bastante temi<strong>do</strong>s.<br />

8


provavelmente era o fato <strong>de</strong> que ela escrevia as <strong>melhor</strong>es composições da classe <strong>de</strong> literatura. (Foi<br />

assim que Shuya conheceu Noriko. Shuya passava os perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> intervalo escreven<strong>do</strong> as letras das<br />

suas músicas nas margens <strong>do</strong>s seus ca<strong>de</strong>rnos e Noriko insistia em lê-las.) Normalmente ela andava<br />

com o grupo <strong>de</strong> Yukie, mas por ter apareci<strong>do</strong> tar<strong>de</strong> hoje, não teve outra escolha senão pegar um<br />

assento livre.<br />

Shuya levantou um pouco a mão e ergueu as sobrancelhas. Por algum motivo Noriko ficou<br />

perturbada e disse:<br />

– Estas são sobras <strong>do</strong>s que meu irmão me pediu pra assar. Estão bem frescos, por isso eu os<br />

trouxe pra você e o Sr. Nobu.<br />

"Sr. Nobu” era o apeli<strong>do</strong> <strong>de</strong> Yoshitoki Kuninobu. Apesar <strong>de</strong> ele ter olhos salta<strong>do</strong>s e<br />

amigáveis, o apeli<strong>do</strong> parecia mais apropria<strong>do</strong> para alguém maduro e sábio. Nenhuma das garotas o<br />

chamava por aquele nome, mas Noriko não tinha problemas em chamar os garotos por seus<br />

apeli<strong>do</strong>s, e o fato que isto dificilmente ofendia qualquer um <strong>de</strong>les indicava o quão inofensiva ela<br />

era. (Shuya tinha um apeli<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> a esportes, o mesmo que uma famosa marca <strong>de</strong> cigarros,<br />

mas era como Shinji, que era referencia<strong>do</strong> como o "Terceiro Homem", pois ninguém o chamava<br />

assim na frente <strong>de</strong>le.) "Eu <strong>de</strong>via ter nota<strong>do</strong> isso antes", Shuya observou, "mas ela é a única garota<br />

que me chama pelo meu primeiro nome". 5<br />

biscoito.<br />

Yoshitoki, que estava escutan<strong>do</strong> a conversa, interrompeu:<br />

– Sério? Pra gente? Muito obriga<strong>do</strong>! Se for você quem fez, aposto que estão <strong>de</strong>liciosos.<br />

Yoshitoki tomou o embrulho da mão <strong>de</strong> Shuya, rapidamente <strong>de</strong>sfez o laço e pegou um<br />

– Uau, estão maravilhosos.<br />

Quan<strong>do</strong> Yoshitoki elogiou Noriko, Shuya sorriu. De que outro mo<strong>do</strong> ele po<strong>de</strong>ria ser mais<br />

óbvio? Des<strong>de</strong> o momento que ela se sentou perto <strong>de</strong> Shuya ele repetidamente esteve espian<strong>do</strong> na<br />

direção <strong>de</strong>la, senta<strong>do</strong> ereto, completamente nervoso.<br />

Foi há um mês e meio atrás, durante as férias <strong>de</strong> primavera. Shuya e Yoshitoki tinham i<strong>do</strong><br />

pescar black bass na represa <strong>do</strong> reservatório que fornecia água para a cida<strong>de</strong>. Yoshitoki confessou a<br />

Shuya:<br />

– Ei Shuya, eu tô afim <strong>de</strong> uma pessoa.<br />

– Heim? Quem é?<br />

– Nakagawa.<br />

– Quer dizer, da nossa classe?<br />

– É.<br />

– Qual <strong>de</strong>las? Tem duas Nakagawa. Yuka Nakagawa?<br />

– Não. Ao contrário <strong>de</strong> você, eu não gosto <strong>de</strong> gordas.<br />

– Quê...? Você está queren<strong>do</strong> dizer que Kazumi é gorda? Ela só é um pouco cheinha.<br />

5 cabe aqui uma observação sobre a forma que as pessoas tratam as outras no Japão. Lá é o costume, e a forma mais<br />

respeitosa, <strong>de</strong> se chamar alguém pelo seu sobrenome. Só se chama alguém pelo primeiro nome quan<strong>do</strong> existe alguma<br />

intimida<strong>de</strong> com esta pessoa, como com amigos próximos, parentes e namora<strong>do</strong>s. Chamar alguém pelo apeli<strong>do</strong> é ainda<br />

mais íntimo, senão <strong>de</strong>srespeitoso.<br />

9


– Desculpa. Enfim, bom, então, é a Noriko.<br />

– Ah. Bom, ela é legal.<br />

– Não é mesmo? Não é?<br />

– Certo, certo.<br />

Sim, Yoshitoki estava totalmente óbvio. Mas apesar <strong>de</strong> seu comportamento, Noriko parecia<br />

não notar os sentimentos <strong>de</strong> Yoshitoki por ela. Talvez ela fosse lerda com esse tipo <strong>de</strong> coisa ou algo<br />

assim. Isso não surpreen<strong>de</strong>, dada a sua personalida<strong>de</strong>.<br />

Shuya tirou um biscoito <strong>do</strong> embrulho, ainda na mão <strong>de</strong> Yoshitoki, e o examinou. Então ele<br />

olhou para Noriko.<br />

– Sabia que com o tempo eles per<strong>de</strong>m o sabor?<br />

– Ahã – ela balançou a cabeça. – Seus olhos estavam estranhamente tensos. – É verda<strong>de</strong>.<br />

– Isso quer dizer que você está certa <strong>de</strong> que eles têm um sabor muito bom.<br />

Ele <strong>de</strong>ve ter aprendi<strong>do</strong> este tipo <strong>de</strong> sarcasmo com Shinji Mimura. Ultimamente Shuya tem<br />

usa<strong>do</strong> com freqüência, para o horror <strong>do</strong>s colegas <strong>de</strong> classe, mas Noriko <strong>de</strong>u uma risada alegre e<br />

disse:<br />

– Parece que sim.<br />

– Vai – Yoshitoki interrompeu <strong>de</strong> novo. – Eu te disse que estão bons, não disse, Noriko?<br />

Noriko sorriu.<br />

– Obrigada. Você é muito gentil.<br />

Yoshitoki subitamente ficou paralisa<strong>do</strong>, como se ele tivesse enfia<strong>do</strong> o <strong>de</strong><strong>do</strong> em uma tomada,<br />

e ficou mu<strong>do</strong>. Olhan<strong>do</strong> silenciosamente para próprio colo, ele tornou a comer o biscoito.<br />

por sua boca.<br />

Shuya riu e comeu o resto <strong>do</strong> seu biscoito. O sabor e o cheiro suaves e <strong>do</strong>ces se espalharam<br />

– Estão bons. – disse Shuya.<br />

Noriko, que esteve observan<strong>do</strong>-o to<strong>do</strong> este tempo, exclamou – Obrigada! – Ele podia estar<br />

erra<strong>do</strong>, mas parecia que o tom da voz <strong>de</strong>la estava diferente <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> ela agra<strong>de</strong>ceu a Yoshitoki.<br />

Bom, espera... Verda<strong>de</strong>, ela estava olhan<strong>do</strong> para Shuya enquanto ele comia o biscoito. Será que<br />

eram mesmo sobra <strong>do</strong>s que ela assou para o irmão? Talvez ela os tenha assa<strong>do</strong> para "outra pessoa".<br />

Ou talvez Shuya estivesse totalmente erra<strong>do</strong>.<br />

Então por alguma razão Shuya pensou em Kazumi. Ela estava um ano adiante e foi colega<br />

<strong>do</strong> clube <strong>de</strong> música até o ano passa<strong>do</strong>.<br />

Na República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior, rock era estritamente proibi<strong>do</strong> nas ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s<br />

clubes das escolas, mas quan<strong>do</strong> sua orienta<strong>do</strong>ra, Srta. Miyata, faltava, os membros <strong>do</strong> clube <strong>de</strong><br />

música tocavam rock por conta própria. De qualquer forma, este era o tipo <strong>de</strong> membro que o clube<br />

atraía. Kazumi Shintani era a <strong>melhor</strong> garota saxofonista. Mas quan<strong>do</strong> se tratava <strong>de</strong> rock, ela era a<br />

<strong>melhor</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os saxofonistas <strong>do</strong> clube. Ela era alta (quase a mesma altura <strong>de</strong> Shuya, que tinha<br />

170 centímetros) e cheinha, mas tinha o rosto notavelmente maduro e seus cabelos caí<strong>do</strong>s sobre os<br />

ombros, ela parecia magnífica com o seu saxofone alto. Shuya foi arrebata<strong>do</strong> por esta visão. Foi ela<br />

que o ensinou como tocar os acor<strong>de</strong>s difíceis na guitarra. (Ela dizia: "Eu tocava um pouco antes <strong>de</strong><br />

10


começar a tocar saxofone.") A partir daquele dia Shuya gastou cada minuto livre que tinha para<br />

tocar sua guitarra, e no segun<strong>do</strong> ano ele era o <strong>melhor</strong> músico <strong>do</strong> clube. Tu<strong>do</strong> isso porque ele queria<br />

que Kazumi o ouvisse tocar.<br />

Então um dia, quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is coincidiram <strong>de</strong> estar sozinhos na sala <strong>de</strong> música após as aulas,<br />

Shuya tocou e cantou uma versão <strong>de</strong> "Summertime Blues" que a impressionou. "Foi tão legal,<br />

Shuya. Isto foi incrível." Naquele dia Shuya comprou uma lata <strong>de</strong> cerveja pela primeira vez na sua<br />

vida e comemorou com um brin<strong>de</strong> solitário. O gosto estava ótimo. Mas três dias <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> ele<br />

a convi<strong>do</strong>u para sair, confessan<strong>do</strong> "Ahn, eu gosto muito <strong>de</strong> você.", ela respon<strong>de</strong>u, "Desculpa, eu já<br />

estou sain<strong>do</strong> com uma pessoa.". Ela se graduou e foi para um colégio com um <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong><br />

música, junto com seu "namora<strong>do</strong>".<br />

Isto lembrou Shuya <strong>de</strong> sua conversa com Yoshitoki na represa durante as férias <strong>de</strong><br />

primavera. Depois <strong>de</strong> compartilhar seus sentimentos por Noriko, Yoshitoki perguntou a ele:<br />

– Você ainda está afim da Kazumi?<br />

– Sim, acho que ficarei afim <strong>de</strong>la o resto da minha vida.<br />

Yoshitoki parecia surpreso:<br />

– Mas ela tem um namora<strong>do</strong>, não tem?<br />

Lançan<strong>do</strong> o anzol pratea<strong>do</strong> com toda a força, ele respon<strong>de</strong>u:<br />

– Não tem importância.<br />

Shuya pegou o embrulho <strong>de</strong> biscoitos <strong>de</strong> Yoshitoki, que ainda estava olhan<strong>do</strong> para o colo.<br />

– Você não vai <strong>de</strong>ixar um pouco pra Noriko?<br />

– Ah é, <strong>de</strong>sculpa.<br />

Shuya <strong>de</strong>volveu o embrulho pra Noriko.<br />

– Desculpa por isso.<br />

– Tu<strong>do</strong> bem, não tem importância. Vocês po<strong>de</strong>m comer tu<strong>do</strong>.<br />

Shuya olhou pela primeira vez para o rapaz senta<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Noriko. Enrola<strong>do</strong> em seu<br />

uniforme escolar, Shogo Kawada (Estudante Masculino No. 5) apoiava-se na janela com seus<br />

braços cruza<strong>do</strong>s e olhos fecha<strong>do</strong>s. Ele <strong>de</strong>via estar <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Seu cabelo estava corta<strong>do</strong> tão curto<br />

que ele parecia um monge 6 . Seu rosto fecha<strong>do</strong> lembrou Shuya <strong>de</strong> um punk mafioso em uma festa à<br />

fantasia. "Uau! Barba, pessoal! Ele não parece meio velho para um estudante da oitava série?"<br />

Bom, uma coisa ele sabia. Apesar da Classe B consistir <strong>do</strong>s mesmos estudantes <strong>do</strong> ano<br />

passa<strong>do</strong>, Shogo Kawada foi transferi<strong>do</strong> neste último abril <strong>de</strong> Kobe. E por algum problema, um<br />

ferimento ou <strong>do</strong>ença (ele não parecia o tipo <strong>de</strong> pessoa que fica <strong>do</strong>ente, então <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> um<br />

ferimento), Kawada teve que repetir um ano, pois foi incapaz <strong>de</strong> ir à escola por seis meses. Em<br />

outras palavras, ele era um ano mais velho que Shuya e seus colegas. O próprio Shuya nunca<br />

comentou isso com ninguém, mas foi o que ele ouviu.<br />

Na verda<strong>de</strong>, ele não ouviu coisas boas sobre Shogo. Havia um rumor <strong>de</strong> que ele foi um<br />

notório encrenqueiro em sua escola anterior e sua hospitalização foi o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma briga. Uma<br />

longa cicatriz que parecia ter si<strong>do</strong> <strong>de</strong> ferimento <strong>de</strong> faca corria por sua sobrancelha esquerda, e<br />

6 É uma piada que fazem, pois monges budistas são carecas.<br />

11


quan<strong>do</strong> eles se trocavam no vestiário <strong>do</strong> ginásio (não faz parte <strong>do</strong> assunto, mas o corpo <strong>de</strong> Kawada<br />

tinha a constituição <strong>de</strong> um luta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> boxe <strong>de</strong> peso médio), Shuya se impressionou ao encontrar o<br />

mesmo tipo <strong>de</strong> cicatrizes cobrin<strong>do</strong> seus braços e costas. Havia duas cicatrizes re<strong>do</strong>ndas próximas<br />

uma da outra em seu ombro esquer<strong>do</strong>. Elas pareciam ferimentos <strong>de</strong> tiro, mas isso era inacreditável.<br />

Sempre que ouvia estes boatos sobre Shogo, alguém inevitavelmente sugeria: "Ele<br />

provavelmente irá acabar brigan<strong>do</strong> com Kazuo." Logo <strong>de</strong>pois que Shogo foi transferi<strong>do</strong> pra escola,<br />

o idiota <strong>do</strong> Ryuhei Sasagawa tentou intimidá-lo. Os <strong>de</strong>talhes exatos <strong>do</strong> que se seguiu são apenas<br />

rumores, mas aparentemente Ryuhei ficou páli<strong>do</strong>, recuou e foi chamar pela ajuda <strong>de</strong> Kazuo. Porém<br />

Kazuo parecia indiferente e só olhou para Ryuhei. Ele não disse uma palavra a Shogo. Por isso, pelo<br />

menos naquela vez, eles conseguiram evitar um confronto. Kazuo não pareceu interessa<strong>do</strong> em<br />

Shogo. Por conseqüência, a Classe B permaneceu em paz. Eles <strong>de</strong>ram sorte.<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> evitava Shogo por causa <strong>de</strong> sua diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s boatos. Mas Shuya<br />

não gostava <strong>de</strong> julgar as pessoas com base em boatos. Alguém já disse: se você po<strong>de</strong> ver por si<br />

mesmo, então não é preciso ouvir o que os outros dizem.<br />

Shuya apontou seu queixo por Noriko, na direção <strong>de</strong> Shogo:<br />

– Será que ele está <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>?<br />

– Hum... – ela olhou para Shogo. – Eu não queria acordá-lo.<br />

– De qualquer forma, ele não parece ser <strong>do</strong> tipo que gosta <strong>de</strong> biscoitos.<br />

Noriko <strong>de</strong>u risada e quan<strong>do</strong> Shuya estava a ponto <strong>de</strong> rir também eles ouviram:<br />

– Não, obriga<strong>do</strong>.<br />

Shuya olhou <strong>de</strong> volta para Shogo.<br />

A voz forte e baixa ecoou em sua cabeça. Apesar <strong>de</strong> Shuya não estar familiariza<strong>do</strong> com a<br />

voz, ela obviamente viera <strong>de</strong> Shogo, que ainda tinha os olhos fecha<strong>do</strong>s, apesar <strong>de</strong> não parecer estar<br />

<strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Logo Shuya se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que ele raramente havia ouvi<strong>do</strong> a voz <strong>de</strong> Shogo apesar <strong>de</strong><br />

ele ter si<strong>do</strong> transferi<strong>do</strong> para a escola há mais <strong>de</strong> um mês.<br />

Noriko olhou para Shogo e então olhou para Shuya. Ele <strong>de</strong>u <strong>de</strong> ombros em resposta e enfiou<br />

outro biscoito na boca. Ele continuou conversan<strong>do</strong> com Noriko e Yoshitoki por algum tempo, mas...<br />

Eram quase <strong>de</strong>z horas quan<strong>do</strong> Shuya notou algo estranho.<br />

Algo esquisito estava acontecen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> ônibus. Yoshitoki, que estava à sua esquerda,<br />

subitamente caiu no sono e estava respiran<strong>do</strong> suavemente. O corpo <strong>de</strong> Shinji Mimura estava<br />

escorregan<strong>do</strong> para o corre<strong>do</strong>r. Noriko Nakagawa também estava <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Ninguém parecia estar<br />

conversan<strong>do</strong>. To<strong>do</strong>s pareciam estar <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>. Bom, qualquer pessoa que cuida excessivamente <strong>de</strong><br />

sua saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria estar in<strong>do</strong> para a cama agora, mas esta era a viagem tão esperada por eles. Não<br />

era um pouco ce<strong>do</strong> para <strong>do</strong>rmir logo <strong>de</strong>pois da saída? Por que to<strong>do</strong>s não estavam cantan<strong>do</strong>, ou algo<br />

<strong>do</strong> tipo? Este ônibus não tinha uma daquelas máquinas <strong>de</strong> karaokê que Shuya tanto odiava?<br />

Pior <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, Shuya estava sentin<strong>do</strong> muito sono. Ele parecia estar confuso... Ele nem mesmo<br />

podia mover sua cabeça, que parecia pesada. Ele se inclinou no assento. Seus olhos foram <strong>do</strong> curto<br />

espaço <strong>do</strong> espelho retrovisor ao centro <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> pára-brisa <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong> no escuro... Ele<br />

conseguiu reconhecer a pequena imagem da parte <strong>de</strong> cima <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> motorista.<br />

12


O rosto <strong>do</strong> motorista estava coberto como que parecia ser uma máscara. Finas tiras estavam<br />

enroladas em sua cabeça, amarradas acima e abaixo <strong>de</strong> suas orelhas. O que era aquilo? Tiran<strong>do</strong> o<br />

cano sain<strong>do</strong> para baixo, parecia uma máscara <strong>de</strong> oxigênio <strong>de</strong> emergência em aviões.<br />

"Então não po<strong>de</strong>mos respirar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste ônibus? Senhoras e senhores, este ônibus fará uma<br />

aterrissagem <strong>de</strong> emergência <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a problemas no motor. Por isso, por favor, apertem os seus<br />

cintos, coloquem suas máscaras <strong>de</strong> oxigênio e sigam as instruções da tripulação. Tá, certo."<br />

Ele ouviu um som <strong>de</strong> arranha<strong>do</strong> à direita. Shuya teve que lutar para po<strong>de</strong>r lançar um olhar<br />

pra lá. Seu corpo parecia muito pesa<strong>do</strong>. Era como se ele estivesse imerso em gelatina transparente.<br />

Shogo Kawada estava se erguen<strong>do</strong> e lutan<strong>do</strong> para conseguir abrir a janela. Mas como se<br />

estivesse emperrada <strong>de</strong> ferrugem ou se a trava estivesse quebrada, a janela se recusava a mover.<br />

Shogo bateu com o punho esquer<strong>do</strong> contra o vidro. Ele estava tentan<strong>do</strong> quebrar o vidro. Por que<br />

toda a afobação?<br />

Mas a janela não quebrou. O punho que estava pronto para quebrar o vidro subitamente<br />

ficou inerte e caiu <strong>de</strong>sajeita<strong>do</strong>. Seu corpo <strong>de</strong>spencou no assento. Shuya pensou ter ouvi<strong>do</strong> aquela<br />

voz baixa, com a qual só recentemente se familiarizou, dan<strong>do</strong> um fraco resmungo “Droga.”.<br />

Quase imediatamente Shuya também caiu no sono.<br />

Aproximadamente na mesma hora, famílias <strong>de</strong> estudantes em Shiroiwa foram visitadas por<br />

homens em sedãs negros. Alarma<strong>do</strong>s pela visita tardia, os pais <strong>de</strong>vem ter fica<strong>do</strong>s choca<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong><br />

os visitantes lhes entregaram <strong>do</strong>cumentos estampa<strong>do</strong>s com a insígnia vermelha oficial <strong>do</strong> governo.<br />

Na maior parte <strong>do</strong>s casos os pais abaixavam a cabeça em silêncio enquanto pensavam em<br />

seus filhos, quem muito provavelmente nunca mais veriam novamente, mas houve aqueles que<br />

protestaram histericamente, neste caso eles seriam nocautea<strong>do</strong>s por um bastão <strong>de</strong> eletro choque ou,<br />

no pior caso, perfura<strong>do</strong>s por balas <strong>de</strong> uma submetralha<strong>do</strong>ra, um passo à frente <strong>de</strong> seus filhos ao<br />

partirem <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>.<br />

Até então o ônibus <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> para a viagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s da Classe B da Oitava Série da<br />

Escola Shiroiwa já havia se <strong>de</strong>svia<strong>do</strong> há tempos da fila <strong>do</strong>s outros ônibus e da<strong>do</strong> meio volta em<br />

direção à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Takamatsu. Depois <strong>de</strong> retornar à cida<strong>de</strong> ele tomou seu caminho através <strong>de</strong><br />

várias estradas antes <strong>de</strong> finalmente parar e calmamente <strong>de</strong>sligar seu motor.<br />

O homem quarentão, cujo cabelo estava salpica<strong>do</strong> <strong>de</strong> branco parecia um típico motorista <strong>de</strong><br />

ônibus. Ainda usan<strong>do</strong> máscara <strong>de</strong> oxigênio que estava enterra<strong>do</strong> em seu queixo levemente caí<strong>do</strong>, ele<br />

se virou na direção <strong>do</strong>s estudantes da Classe B com um leve olhar <strong>de</strong> pena. Mas tão logo outro<br />

homem apareceu sob a janela, seu rosto endureceu. Ele fez a idiossincrática saudação da República<br />

e então pressionou o botão para abrir a porta. Shuya olhou <strong>de</strong> relance para fora enquanto homens<br />

mascara<strong>do</strong>s com equipamentos <strong>de</strong> batalha entraram apressadamente.<br />

Sob a luz da lua o quebra-mar <strong>de</strong> concreto branco azula<strong>do</strong> cintilava como ossos, e atrás <strong>do</strong><br />

quebra-mar o navio que transportaria os “joga<strong>do</strong>res” oscilava preguiçosamente no enorme e negro<br />

mar aberto.<br />

42 estudantes restantes.<br />

13


1<br />

Por um momento Shuya pensou que estava em uma sala <strong>de</strong> aula comum.<br />

Não era a sala <strong>de</strong> aula da Turma B da Oitava Série, é claro, mas havia um púlpito, um<br />

quadro negro gasto e à esquerda uma alta estante com uma gran<strong>de</strong> televisão. Havia fileiras <strong>de</strong> mesas<br />

e ca<strong>de</strong>iras feitas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira compensada colada em tubos <strong>de</strong> aço. Sobre a mesa <strong>de</strong> Shuya alguém<br />

havia entalha<strong>do</strong> uma mensagem contra o governo com uma caneta: “o Dita<strong>do</strong>r ama mulheres <strong>de</strong><br />

uniforme.”. Então ele notou que to<strong>do</strong>s estavam em suas carteiras, os rapazes vesti<strong>do</strong>s com uniformes<br />

<strong>de</strong> escola abotoa<strong>do</strong>s e as garotas em seus uniformes <strong>de</strong> marinheiro, to<strong>do</strong>s os quarenta e um colegas<br />

<strong>de</strong> classe que momentos atrás (ao menos é o que parecia) estavam viajan<strong>do</strong> juntos no ônibus. Porém<br />

eles estavam – tanto esparrama<strong>do</strong>s sobre suas carteiras quanto inclina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> costas em suas ca<strong>de</strong>iras –<br />

to<strong>do</strong>s completamente a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>s.<br />

Por trás da janela quebrada <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r (supon<strong>do</strong> que este prédio tinha o mesmo<br />

esboço que sua escola), Shuya inspecionou o resto da sala. Ele parecia ser o único acorda<strong>do</strong>. À sua<br />

frente, à esquerda e na direção <strong>do</strong> centro da sala estava Yoshitoki Kuninobu. Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le estava<br />

Noriko Nakagawa e atrás <strong>de</strong> Yoshitoki estava Shinji Mimura. Eles estavam to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>bruça<strong>do</strong>s em<br />

suas carteiras, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> profundamente. Hiroki Sugimura largou seu enorme corpo sobre sua<br />

carteira (que foi quan<strong>do</strong> finalmente Shuya se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que os lugares na sala eram idênticos aos<br />

que eles ocupavam no Colégio Shiroiwa) com as janelas <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>. Foi também quan<strong>do</strong><br />

ele começou a perceber porque o lugar parecia esquisito. As janelas atrás <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> Hiroki<br />

pareciam terem si<strong>do</strong> cobertas por algum tipo <strong>de</strong> quadro negro. Placas <strong>de</strong> aço? Elas tinham um<br />

reflexo gela<strong>do</strong> da luz fraca vinda das fileiras <strong>de</strong> lâmpadas fluorescentes penduradas no teto. As<br />

janelas <strong>de</strong> vidro congela<strong>do</strong> quebra<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r pareciam estar cobertas <strong>de</strong> preto. Talvez<br />

tivessem si<strong>do</strong> cobertas também. Era impossível <strong>de</strong>terminar a hora <strong>do</strong> dia.<br />

Shuya olhou para seu relógio <strong>de</strong> pulso. Lia-se uma hora. Da manhã? Da tar<strong>de</strong>? A data era<br />

“Quin/22”, que significava que, a menos que alguém tivesse mexi<strong>do</strong> em seu relógio, ou três ou quinze<br />

horas haviam passa<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ele teve aquele estranho ataque <strong>de</strong> sonolência. Tu<strong>do</strong> bem, suponha<br />

que seja este o caso. Porém...<br />

Shuya olhou para seus colegas <strong>de</strong> classe.<br />

Algo estava fora <strong>do</strong> lugar. Claro que toda a situação era estranha, mas havia algo em<br />

particular que o perturbava.<br />

Shuya imediatamente <strong>de</strong>scobriu o que era. Com o rosto apoia<strong>do</strong> na carteira, Noriko tinha<br />

sobre sua gola uma faixa <strong>de</strong> metal pratea<strong>do</strong> enrola<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>samente ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> seu pescoço. Por<br />

causa <strong>de</strong> sua cola abotoada, o colar <strong>de</strong> Yoshitoki Kuninobu mal estava visível, mas Shuya<br />

conseguiu vê-lo. Shinji Mimura, Hiroki Sugimura, to<strong>do</strong>s tinham um em seus pescoços.<br />

Então um pensamento ocorreu a Shuya. Ele tocou seu pescoço com sua mão direita.<br />

Ele sentiu algo duro e frio. A mesma coisa <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> enrolada ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> seu pescoço.<br />

14


Shuya puxou um pouco, mas o encaixe era tão aperta<strong>do</strong> que se recusou a mover. Na hora<br />

que teve consciência disso, ele sentiu como se estivesse sufocan<strong>do</strong>. Colares <strong>de</strong> aço! Colares <strong>de</strong> aço<br />

como se fôssemos cachorros, droga!<br />

pensou...<br />

Ele mexeu naquilo por um tempo com seus <strong>de</strong><strong>do</strong>s, mas então <strong>de</strong>sistiu. Em vez disso,<br />

O que aconteceu com a viagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s? Shuya notou sua mala esportiva <strong>de</strong>itada ao la<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> seus pés no chão. Na noite anterior ele <strong>de</strong>spreocupadamente jogara suas roupas, toalha, ca<strong>de</strong>rno<br />

<strong>de</strong> viagem escolar e uma garrafa <strong>de</strong> uísque nela. To<strong>do</strong>s os outros também tinham suas malas ao la<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s pés.<br />

olhou.<br />

De repente um barulho alto irrompeu da entrada frontal e a porta abriu escorregan<strong>do</strong>. Shuya<br />

Um homem entrou.<br />

Ele era troncu<strong>do</strong>, mas bem encorpa<strong>do</strong>. Suas pernas eram extremamente curtas, como se<br />

servissem só como um mero apêndice <strong>de</strong> seu torso. Ele vestia calças bege-claras, uma jaqueta cinza,<br />

uma gravata vermelha e sapatos pretos. To<strong>do</strong>s pareciam gastos. Um crachá cor <strong>de</strong> pêssego estava<br />

pendura<strong>do</strong> na gola da jaqueta, indican<strong>do</strong> sua afiliação ao governo. Suas bochechas eram rosadas. O<br />

que mais se <strong>de</strong>stacava era o corte <strong>de</strong> cabelo <strong>do</strong> homem. Ele os tinha até os ombros como uma<br />

mulher. Aquilo lembrou Shuya <strong>de</strong> uma capa <strong>de</strong> xerox granula<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma fita <strong>de</strong> Joan Baez que ele<br />

comprara no merca<strong>do</strong> negro.<br />

O homem ficou <strong>de</strong> pé atrás <strong>do</strong> púlpito e examinou a classe. Seus olhos pararam em Shuya,<br />

que era o único acorda<strong>do</strong> (supon<strong>do</strong> que isto não fosse um sonho).<br />

Os <strong>do</strong>is se encararam por, pelo menos, um minuto inteiro. Mas talvez porque os outros<br />

estudantes estivessem acordan<strong>do</strong>, com suas respirações nervosas gradualmente se espalhan<strong>do</strong> por<br />

toda a sala <strong>de</strong> aula, o homem <strong>de</strong>sviou o olhar <strong>de</strong> Shuya. Suas vozes acordaram os outros colegas <strong>de</strong><br />

classe <strong>de</strong> seu sono pesa<strong>do</strong>.<br />

Shuya olhou para o resto da classe. Quan<strong>do</strong> acordavam, seus olhos ficavam fora <strong>de</strong> foco.<br />

Ninguém tinha a mínima idéia. Seus olhos encontraram Yoshitoki Kuninobu quan<strong>do</strong> seu amigo<br />

acor<strong>do</strong>u. Shuya apontou para seu colar, inclinan<strong>do</strong> levemente seu pescoço. Yoshitoki<br />

imediatamente tocou seu pescoço. Ele parecia choca<strong>do</strong>. Ele sacudiu sua cabeça para a direita e para<br />

a esquerda e se virou para a estante <strong>de</strong> leitura. Noriko Nakagawa também olhou para Shuya com um<br />

olhar confuso. Shuya só podia encolher os ombros como resposta.<br />

Então quan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s pareciam acorda<strong>do</strong>s, o homem falou com uma voz animada:<br />

– Certo, to<strong>do</strong>s acorda<strong>do</strong>s? Eu espero que vocês tenham <strong>do</strong>rmi<strong>do</strong> bem!<br />

Ninguém respon<strong>de</strong>u. Até mesmo os palhaços da classe, Yutaka Seto e Yuka Nakagawa<br />

(Estudante Feminina No 16), estavam mu<strong>do</strong>s.<br />

42 estudantes restantes.<br />

15


2<br />

Exibin<strong>do</strong> um largo sorriso, o homem <strong>de</strong> cabelos longos continuou atrás <strong>do</strong> púlpito:<br />

– Certo, certo. Então eu prosseguirei com a introdução. Antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, eu sou seu novo<br />

instrutor, Kinpatsu Sakamochi 7 .<br />

O homem que se apresentou como Sakamochi virou-se em direção ao quadro negro e<br />

escreveu seu nome em gran<strong>de</strong>s letras verticais com o giz. “Kinpatsu Sakamochi”? Isso era algum tipo<br />

<strong>de</strong> piada? Dada a situação, talvez fosse um pseudônimo.<br />

De repente a representante feminina da classe, Yukie Utsumi, levantou-se e disse: – Não<br />

enten<strong>do</strong> o que está haven<strong>do</strong> aqui. – To<strong>do</strong>s olharam para Yukie. Com seu cabelo compri<strong>do</strong><br />

or<strong>de</strong>nadamente trança<strong>do</strong> em um par <strong>de</strong> rabos <strong>de</strong> cavalo, parecia bastante confusa, mas sua voz<br />

permanecia assertiva. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, Yukie provavelmente teve que se iludir para acreditar que<br />

eles passaram por algum aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tráfego ou algum outro evento que os levou à inconsciência.<br />

pessoal?<br />

Yukie continuou:<br />

– O que está haven<strong>do</strong> aqui? Nós to<strong>do</strong>s estávamos no meio da nossa viagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s. Certo<br />

Ela se virou e olhou para to<strong>do</strong>s, inician<strong>do</strong> uma avalanche <strong>de</strong> gritos:<br />

– On<strong>de</strong> estamos?<br />

– Você também caiu no sono?<br />

– Que horas são afinal?<br />

– Droga, eu não tenho relógio.<br />

– Você lembra <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer <strong>do</strong> ônibus e vir aqui?<br />

– Quem diabo é ele?<br />

– Eu não lembro <strong>de</strong> nada.<br />

– Isto é terrível. O que está acontecen<strong>do</strong>? Estou com me<strong>do</strong>.<br />

Depois <strong>de</strong> observar Sakamochi calmamente ouvin<strong>do</strong>-os, Shuya lentamente inspecionou a<br />

sala. Havia vários outros que permaneceram em silêncio.<br />

O primeiro que ele notou estava senta<strong>do</strong> em um ângulo atrás <strong>de</strong>le na fileira <strong>de</strong> trás no meio.<br />

Era Kazuo Kiriyama. Por baixo <strong>de</strong> seu cabelo pentea<strong>do</strong> pra trás seus olhos estavam olhan<strong>do</strong> para o<br />

homem no púlpito. Seu olhar estava calmo, nem mesmo tinha brilho. Ele não dava atenção ao seu<br />

círculo <strong>de</strong> segui<strong>do</strong>res dirigin<strong>do</strong>-se a ele: Ryuhei Sasagawa, Mitsuru Numai, Hiroshi Kuronaga<br />

(Estudante Masculino No. 9) e Sho Tsukioka (Estudante Masculino No. 14).<br />

E lá estava Mitsuko Souma, sentada na segunda fileira <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da janela. Ela era uma das<br />

que pareciam esgotadas. Seu assento estava separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> resto <strong>de</strong> seu “grupo”, que consistia <strong>de</strong> Hirono<br />

Shimizu e Yoshimi Yahagi. Claro, nenhuma das outras garotas, nem rapazes, tentaria conversar<br />

com ela. (À esquerda <strong>de</strong> Shuya, Hirono e Yoshimi estavam conversan<strong>do</strong> uma com a outra.) Apesar<br />

7 Kinpatsu Sakamochi é um trocadilho feito com os i<strong>de</strong>ogramas japoneses <strong>do</strong> nome “Kinpachi Sakamoto”, um<br />

conheci<strong>do</strong> personagem <strong>de</strong> um drama japonês. Sakamoto era um personagem tão carismático que serviu como mo<strong>de</strong>lo<br />

para os professores <strong>do</strong> Japão.<br />

16


<strong>de</strong> Mitsuko ter a linda aparência <strong>de</strong> uma í<strong>do</strong>lo pop, ela sempre estava com uma estranha expressão<br />

<strong>de</strong>sinteressada no rosto. Ela olhou para Sakamochi com seus braços cruza<strong>do</strong>s. (Hiroki Sugimura<br />

estava senta<strong>do</strong> logo atrás <strong>de</strong>la, conversan<strong>do</strong> com Tadakatsu Hatagami).<br />

Shogo Kawada estava senta<strong>do</strong> na segunda fileira a partir da última <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da janela. Ele<br />

também estava olhan<strong>do</strong> silenciosamente para Sakamochi. Então ele pegou um pedaço <strong>de</strong> chiclete e<br />

começou a mascar, continuan<strong>do</strong> a encarar o professor enquanto sua mandíbula se movia.<br />

Shuya olhou para frente da classe. Noriko Nakagawa ainda estava olhan<strong>do</strong> para ele. Seus<br />

olhos negros estavam tremen<strong>do</strong> nervosamente. Shuya <strong>de</strong>u uma olhada para Yoshitoki, que estava<br />

senta<strong>do</strong> na frente <strong>de</strong>la, mas Yoshitoki estava ocupa<strong>do</strong> conversan<strong>do</strong> com Shinji Mimura. Shuya<br />

imediatamente olhou <strong>de</strong> volta para Noriko, comprimiu levemente seu queixo e fez um aceno com a<br />

cabeça. Isso pareceu ter um efeito calmante nela. Seus olhos pareceram relaxar um pouco.<br />

– Tu<strong>do</strong> bem, tu<strong>do</strong> bem, por favor, fiquem quietos. – Sakamochi bateu suas mãos várias vezes<br />

para chamar a atenção <strong>de</strong>les. O protesto repentinamente acalmou. – Deixem-me explicar a situação.<br />

A razão pela qual vocês estão aqui hoje...<br />

Então ele disse:<br />

–... é para matar uns aos outros.<br />

Agora ninguém respon<strong>de</strong>u. To<strong>do</strong>s ficaram paralisa<strong>do</strong>s, como estátuas em uma fotografia<br />

imóvel. Mas – Shuya notou – Shogo continuou mascan<strong>do</strong> seu chiclete. Sua expressão não havia<br />

muda<strong>do</strong>. Mas Shuya pensou ter capta<strong>do</strong> um relance <strong>de</strong> um leve sorriso brilhar em seu rosto.<br />

Sakamochi continuou sorrin<strong>do</strong> e reiniciou:<br />

– Sua classe foi escolhida para o ‘Programa’ <strong>de</strong>ste ano.<br />

Alguém gritou.<br />

42 estudantes restantes.<br />

17


3<br />

To<strong>do</strong> estudante <strong>de</strong> colégio na República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior sabia o que era o Programa. Ele era<br />

até trata<strong>do</strong> em livros escolares a partir da quarta série. Aqui nós iremos citar da mais <strong>de</strong>talhada<br />

Enciclopédia Compacta da República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior:<br />

“Programa n. 1. Uma listagem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> eventos e outras informações [...] 4. Uma<br />

simulação <strong>de</strong> batalha conduzida pelas forças <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa terrestre <strong>de</strong> nossa nação, instituída por razões<br />

<strong>de</strong> segurança. Oficialmente conheci<strong>do</strong> como Programa <strong>de</strong> Experimento <strong>de</strong> Batalha No. 68. O<br />

primeiro programa foi organiza<strong>do</strong> em 1947. Cinqüenta alunos da oitava série <strong>de</strong> colégios são<br />

seleciona<strong>do</strong>s anualmente (antes <strong>de</strong> 1950, 47 classes eram selecionadas) para conduzir o Programa<br />

por motivos <strong>de</strong> pesquisa. Colegas <strong>de</strong> turma em cada classe são força<strong>do</strong>s a lutar até que reste um<br />

sobrevivente. Resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ste experimento, incluin<strong>do</strong> o tempo <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>, são usa<strong>do</strong>s como da<strong>do</strong>s.<br />

Ao sobrevivente final <strong>de</strong> cada classe (o vence<strong>do</strong>r) é fornecida uma pensão vitalícia e um cartão<br />

autografa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Gran<strong>de</strong> Dita<strong>do</strong>r. Em reação a protestos e agitação causa<strong>do</strong>s por extremistas durante<br />

o primeiro ano <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>creto, o 317º Gran<strong>de</strong> Dita<strong>do</strong>r <strong>de</strong>u seu famoso ‘Discurso <strong>de</strong> Abril’.<br />

O ‘Discurso <strong>de</strong> Abril’ é leitura obrigatória na quinta série. Aqui estão alguns excertos:<br />

“Meus queri<strong>do</strong>s compatriotas trabalhan<strong>do</strong> pela Revolução e construin<strong>do</strong> nossa amada nação.<br />

[Dois minutos <strong>de</strong> interrupção para o 317º Gran<strong>de</strong> Dita<strong>do</strong>r <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a aplausos e aclamações] Agora<br />

então. [Um minuto <strong>de</strong> interrupção] Nós ainda temos imperialistas <strong>de</strong>scara<strong>do</strong>s rondan<strong>do</strong> nossa<br />

república, tentan<strong>do</strong> sabotá-la. Eles têm explora<strong>do</strong> as pessoas <strong>de</strong> outras nações, nações que <strong>de</strong>veriam<br />

ter se torna<strong>do</strong> nossas aliadas, train<strong>do</strong>-as, lavan<strong>do</strong> suas mentes e tornan<strong>do</strong>-as peões para suas<br />

próprias táticas imperialistas. [gritos <strong>de</strong> indignação unânimes] E eles ficariam felizes com a chance<br />

<strong>de</strong> invadir o solo <strong>de</strong> nossa república, o mais avança<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> revolucionário <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong><br />

seus esquemas malignos para <strong>de</strong>struir nosso povo. [gritos raivosos da população] Dada esta<br />

horrível circunstância o experimento <strong>do</strong> Programa 68 é absolutamente necessário à nossa nação. É<br />

claro, eu sofro ao pensar nos milhares, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> jovens per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> suas vidas na tenra<br />

ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quinze anos. Mas se suas vidas servem para proteger a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> nosso povo, não<br />

po<strong>de</strong>mos clamar que a carne e sangue que eles <strong>de</strong>rramam irá se unir ao nosso belo solo passa<strong>do</strong> a<br />

nós pelos nossos <strong>de</strong>uses e viver conosco na eternida<strong>de</strong>? [Aplausos, uma onda <strong>de</strong> animação. Um<br />

minuto <strong>de</strong> interrupção] Como vocês to<strong>do</strong>s estão cientes, nossa nação não tem um sistema <strong>de</strong><br />

conscrição. O Exército, a Marinha e as Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa Aérea, todas consistem <strong>de</strong> almas<br />

patrióticas, jovens voluntários, cada um <strong>de</strong>les guerreiros apaixona<strong>do</strong>s pela Revolução e a construção<br />

<strong>de</strong> nossa nação. Eles estão arriscan<strong>do</strong> suas vidas to<strong>do</strong> dia e noite nas linhas <strong>de</strong> frente. Eu gostaria<br />

que vocês consi<strong>de</strong>rassem o Programa como um sistema <strong>de</strong> conscrição único para este país. Para<br />

proteger nossa nação, etc...”<br />

Já é o suficiente. (Logo <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora da estação <strong>de</strong> trem o recruta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong> das<br />

Forças Especiais se aproximaria <strong>de</strong> candidatos potenciais com a frase preparada, “Que tal comer<br />

arroz com carne <strong>de</strong> porco?”) Shuya ouviu pela primeira vez <strong>do</strong> Programa antes <strong>de</strong> ir para a quarta<br />

série. Foi quan<strong>do</strong> ele finalmente se acostumou com a Casa <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> foi leva<strong>do</strong> por um<br />

18


amigo <strong>de</strong> seus pais <strong>de</strong>pois que ambos morreram em um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tráfego. (To<strong>do</strong>s os seus parentes<br />

se recusaram a recebê-lo. Ele ouviu que era porque seus pais tinham se envolvi<strong>do</strong> em ativida<strong>de</strong>s<br />

contra o governo, mas ele nunca confirmou esta história). Shuya lembrava-se <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> tinha cinco<br />

anos. Ele estava ven<strong>do</strong> televisão na sala <strong>de</strong> brinque<strong>do</strong>s com Yoshitoki Kuninobu, que estava na<br />

Casa <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> Shuya. Seu <strong>anime</strong> <strong>de</strong> robô favorito tinha acaba<strong>do</strong> <strong>de</strong> terminar e a atual<br />

superinten<strong>de</strong>nte da instituição, Srta. Ryoko Anno (a filha <strong>do</strong> superinten<strong>de</strong>nte anterior; naquele<br />

tempo ela provavelmente ainda era uma estudante colegial, mas to<strong>do</strong>s que trabalhavam lá era<br />

chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sr. Sra. ou Srta.) mu<strong>do</strong>u o canal. Shuya estava só olhan<strong>do</strong> para a tela, mas tão logo ele<br />

viu o homem em terno firme falan<strong>do</strong>, percebeu que era só aquele programa chato chama<strong>do</strong><br />

“Notícias”, o programa que eles mostravam naquele canal em vários horários.<br />

O homem estava len<strong>do</strong> <strong>do</strong> script. Shuya não se lembrava exatamente o que ele disse, mas era<br />

sempre a mesma coisa e provavelmente foi algo assim:<br />

“Nós recebemos um relatório das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa e o governo que o Programa na<br />

Prefeitura Kagawa terminou ontem às 3:12 pm. Faziam três anos <strong>de</strong>ste que o último Programa foi<br />

conduzi<strong>do</strong> aqui. A classe sujeita foi a Classe E da Oitava Série <strong>do</strong> Colégio Zentsuji No. 4. O local<br />

secreto foi a Ilha Shidakajima, quatro quilômetros longe <strong>de</strong> Ta<strong>do</strong>tsucho. O vence<strong>do</strong>r surgiu em 3<br />

dias, 7 horas e 43 minutos. Além disso, com a recuperação <strong>do</strong>s cadáveres e autópsias conduzidas<br />

hoje, as causas das mortes para to<strong>do</strong>s os 38 estudantes mortos foram <strong>de</strong>terminadas: 17 <strong>de</strong> ferimentos<br />

<strong>de</strong> tiro, 9 <strong>de</strong> ferimentos <strong>de</strong> facas ou lâminas, 5 <strong>de</strong> armas <strong>de</strong> impacto e 3 sufoca<strong>do</strong>s até a morte..”<br />

Uma imagem <strong>do</strong> que parecia ser “o vence<strong>do</strong>r”, uma garota vestida com um uniforme <strong>de</strong><br />

marinheiro esfarrapa<strong>do</strong> apareceu na tela. Espremida entre <strong>do</strong>is solda<strong>do</strong>s das Forças Especiais <strong>de</strong><br />

Defesa, ela olhou <strong>de</strong> volta para a câmera, seu rosto estremecia. Sob seu longo e <strong>de</strong>sarruma<strong>do</strong><br />

cabelo, alguma substância escura e vermelha a<strong>de</strong>ria à sua têmpora direita. Shuya ainda podia se<br />

lembrar claramente <strong>de</strong> como o rosto contorci<strong>do</strong> <strong>de</strong>la formava o que parecia ser, por mais estranho<br />

que pareça, um sorriso.<br />

Agora ele se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que aquela foi a primeira vez que ele viu uma pessoa insana. Mas<br />

na hora ele não tinha a mínima idéia <strong>do</strong> que havia <strong>de</strong> erra<strong>do</strong> com ela. Ele só se sentiu<br />

inexplicadamente amedronta<strong>do</strong>, como se tivesse visto um fantasma.<br />

Shuya acreditava ter pergunta<strong>do</strong>: “O que é isso, Srta. Anno?” A Srta. Anno apenas balançou a<br />

cabeça e respon<strong>de</strong>u: “Ah, não é nada.” Então Srta. Anno virou-se para o outro la<strong>do</strong> e sussurrou “Pobre<br />

garota.” Yoshitoki Kuninobu já tinha para<strong>do</strong> <strong>de</strong> assistir há um tempo e estava preocupa<strong>do</strong> com sua<br />

tangerina.<br />

À medida que Shuya crescia este mesmo relatório local, da<strong>do</strong> com a freqüência <strong>de</strong> uma vez<br />

a cada ano a qualquer momento sem nenhum aviso, parecia mais e mais sinistro. Entre to<strong>do</strong>s os<br />

alunos da Oitava Série <strong>do</strong> colégio, a cinqüenta classes era dada uma sentença <strong>de</strong> morte garantida.<br />

Isto soma <strong>do</strong>is mil estudantes, mais precisamente, 1950 estudantes mortos. O pior é que não era<br />

simplesmente uma execução em massa. Os estudantes tinham que matar uns aos outros, competin<strong>do</strong><br />

pelo trono <strong>do</strong> sobrevivente. Era a mais terrível versão imaginável da tradicional dança das ca<strong>de</strong>iras.<br />

19


Mas... era impossível se opor ao Programa. Era impossível protestar contra o que quer que a<br />

República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior fizesse.<br />

Então Shuya <strong>de</strong>cidiu se ren<strong>de</strong>r. Era assim que a maioria <strong>do</strong>s estudantes “reservas” da oitava<br />

série lidavam com isso, não é? Certo, nosso sistema especial <strong>de</strong> conscrição? A bela terra natal <strong>de</strong><br />

Vigorosas Plantações <strong>de</strong> Arroz? Quantos estudantes <strong>de</strong> colégio ainda havia na república? A taxa <strong>de</strong><br />

nascimento podia estar diminuin<strong>do</strong>, mas suas chances ainda eram menores que uma em oitocentas.<br />

Na Prefeitura <strong>de</strong> Kagawa isto significava que só uma classe a cada outro ano seria a ”escolhida”. De<br />

mo<strong>do</strong> simples, era mais comum você morrer em um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito. Da<strong>do</strong> que Shuya nunca<br />

teve seu dia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sorte, ele imaginava que não seria escolhi<strong>do</strong>. Mesmo na rifa local ele nunca<br />

havia ganha<strong>do</strong> mais que uma caixa <strong>de</strong> lenços. Por isso ele nunca seria escolhi<strong>do</strong>. Então foda-se,<br />

cara.<br />

Mas então uma vez quan<strong>do</strong> ele ouviu alguém na classe, particularmente uma garota em<br />

lágrimas, dizer algo como “meu primo foi no Programa e...”, aquele me<strong>do</strong> sombrio o sufocava<br />

novamente. Ele estava furioso também. Digo, quem tinha o direito <strong>de</strong> aterrorizar a pobre garota?<br />

Mas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns dias a mesma garota que estava tão triste sorriria <strong>de</strong> novo. E o me<strong>do</strong> e<br />

raiva <strong>de</strong> Shuya gradualmente diminuiriam e <strong>de</strong>sapareceriam também. Mas o vago sentimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconfiança e impotência que sentia em relação ao governo continuava apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>.<br />

Era assim que as coisas eram.<br />

E quan<strong>do</strong> Shuya entrou na oitava série <strong>do</strong> colégio neste ano, ele, junto com seus outros<br />

colegas <strong>de</strong> turma, assumiu que estariam seguros. Na verda<strong>de</strong> eles não tinham nenhuma escolha a<br />

não ser pensar <strong>de</strong>ssa forma.<br />

Até agora.<br />

– Não po<strong>de</strong> ser.<br />

Uma ca<strong>de</strong>ira caiu quan<strong>do</strong> alguém se levantou. A voz era aguda o suficiente para fazer Shuya<br />

olhar para a carteira atrás <strong>de</strong> Hiroki Sugimura. Era Kyoichi Motobuchi, que era o representante <strong>de</strong><br />

classe masculino. Seu rosto estava mais que páli<strong>do</strong>. Ele tinha fica<strong>do</strong> cinza, dan<strong>do</strong> um contraste<br />

surreal aos seus óculos <strong>de</strong> quadro pratea<strong>do</strong>, parecen<strong>do</strong> uma daquelas pinturas <strong>de</strong> Andy Warhol<br />

ilustradas em seus livros <strong>de</strong> arte como “a arte <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s imperialistas Americanos”.<br />

Alguns <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> turma <strong>de</strong>viam estar esperan<strong>do</strong> que Kyoichi forneceria alguma<br />

forma racional <strong>de</strong> protesto. Matar os amigos com quem que você estava sain<strong>do</strong> ainda ontem? Era<br />

impossível. Alguém <strong>de</strong>ve estar cometen<strong>do</strong> um erro aqui. Ei, representante, você po<strong>de</strong> resolver isto<br />

pra gente?<br />

Mas Kyoichi os <strong>de</strong>sanimou completamente.<br />

– M-meu pai é o diretor <strong>de</strong> assuntos governamentais no governo da prefeitura. Como a classe<br />

em que eu estou po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> escolhida p-para o Programa?...<br />

no ar.<br />

Devi<strong>do</strong> ao seu tremor, sua voz tensa soava ainda mais afetada que o normal.<br />

O homem que se chamava Sakamochi sorriu e sacudiu a cabeça, seu longo cabelo balançou<br />

20


– Vamos ver. Você é Kyoichi Motobuchi, certo?<br />

– Você <strong>de</strong>ve saber o que igualda<strong>de</strong> significa. Escute bem. Todas as pessoas nascem iguais. O<br />

emprego <strong>de</strong> seu pai no governo da prefeitura não confere a você privilégios especiais. Você não é<br />

diferente. Ouçam to<strong>do</strong>s. Vocês to<strong>do</strong>s tem seus próprios passa<strong>do</strong>s pessoais. Certamente alguns <strong>de</strong><br />

vocês vêm <strong>de</strong> famílias ricas, alguns <strong>de</strong> famílias pobres. Mas circunstâncias além <strong>de</strong> seu controle<br />

como esta não <strong>de</strong>terminam quem vocês são. Vocês to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem enten<strong>de</strong>r que vocês têm seu próprio<br />

valor. Então Kyoichi, não vamos nos enganar dizen<strong>do</strong> que você é especial <strong>de</strong> alguma forma, por<br />

que você não é!<br />

Sakamochi vociferou isto tão subitamente que Kyoichi caiu em sua ca<strong>de</strong>ira. Sakamochi<br />

olhou furiosamente para Kyoichi por um tempo, mas então seu sorriso retornou.<br />

– Sua classe será mencionada nas notícias <strong>de</strong>sta manhã. Certamente pelo Programa <strong>de</strong>ver ser<br />

conduzi<strong>do</strong> em segre<strong>do</strong>, os <strong>de</strong>talhes ficarão secretos até o jogo acabar. Agora, vamos ver, certo, seus<br />

pais já <strong>de</strong>vem ter si<strong>do</strong> notifica<strong>do</strong>s agora.<br />

To<strong>do</strong>s ainda pareciam perdi<strong>do</strong>s em confusão. Colegas <strong>de</strong> classe se assassinan<strong>do</strong><br />

mutuamente? Impossível.<br />

chamou:<br />

– Vocês ainda não acreditam que isto está acontecen<strong>do</strong>, não é?<br />

Sakamochi coçou a cabeça com um olhar preocupa<strong>do</strong>. Então ele se virou para a entrada e<br />

– Eu quero vocês aqui <strong>de</strong>ntro!<br />

Em resposta a porta abriu escorregan<strong>do</strong> e três homens entraram rapidamente. Eles estavam<br />

to<strong>do</strong>s usan<strong>do</strong> roupas <strong>de</strong> camuflagem e botas <strong>de</strong> combate e seguran<strong>do</strong> capacetes <strong>de</strong> aço com a<br />

insígnia vermelha sob seus braços. Era óbvio que eles eram solda<strong>do</strong> das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa.<br />

Eles tinham rifles <strong>de</strong> assalto presos sobre seus ombros e Shuya podia ver pistolas automáticas<br />

guardadas em seus cintos. Um <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s era alto com cabelo estranhamente encurva<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong> a<br />

impressão <strong>de</strong> alguém frívolo, o outro tinha altura mediana com um rosto belo e infantil e o último<br />

tinha um sorriso leve, mas estava eclipsa<strong>do</strong> pelo carisma <strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>is. Eles carregavam uma<br />

sacola gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> nylon grosso que parecia um saco <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir preto. Várias partes <strong>do</strong> saco estavam<br />

puxadas como se estivesse rechea<strong>do</strong> com abacaxis.<br />

Sakamochi parou em frente a janela e os três homens colocaram a sacola no púlpito. Os <strong>do</strong>is<br />

la<strong>do</strong>s da sacola estavam sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> púlpito, particularmente o la<strong>do</strong> vira<strong>do</strong> para a janela, e pendura<strong>do</strong>,<br />

talvez porque seu conteú<strong>do</strong> fosse macio.<br />

Sakamochi anunciou:<br />

– Deixem-me apresentar estes homens que estarão ajudan<strong>do</strong> vocês durante o Programa. Sr.<br />

Tahara, Sr. Kon<strong>do</strong> e Sr. Nomura. 8 Agora por que vocês não mostram a eles o que tem <strong>de</strong>ntro?<br />

O frívolo, Tahara, aproximou-se <strong>do</strong> púlpito <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r, colocou sua mão no zíper e<br />

abriu a sacola. Alguma coisa se molhou em líqui<strong>do</strong> vermelho...<br />

– AIEEEE!<br />

8 Tahara, Kon<strong>do</strong> e Nomura são outra referência à novela japonesa. Os três faziam parte <strong>do</strong> Trio Tanokin que apareceu<br />

na primeira série <strong>do</strong> 3-B Kinpachi Sensei.<br />

21


Antes que estivesse totalmente aberto, uma das garotas da fileira da frente gritou foi<br />

imediatamente seguida pelas outras. À medida que as mesas e ca<strong>de</strong>iras faziam barulho <strong>de</strong> batida,<br />

outras vozes perguntaram “Quê??” e um coral agu<strong>do</strong> encheu a sala.<br />

Shuya pren<strong>de</strong>u a respiração.<br />

Ele podia ver o corpo <strong>do</strong> professor responsável pela Classe B, Masao Hayashida, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

saco semi-aberto. Não, ele agora era seu professor morto. De fato ele era agora o faleci<strong>do</strong> Sr.<br />

Hayashida.<br />

Seu fino paletó azul-cinzento estava ensopa<strong>do</strong> em sangue. Só restava meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus óculos<br />

largos que lhe <strong>de</strong>ram o apeli<strong>do</strong> <strong>de</strong> “Libélula”. O que você podia esperar, só a meta<strong>de</strong> esquerda <strong>de</strong> sua<br />

cabeça restava. Sob a lente restante o globo ocular pareci<strong>do</strong> com bola <strong>de</strong> gu<strong>de</strong> vermelha olhava<br />

distraidamente para o teto. Gelatina cinza, que <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> seu cérebro, presa ao que restava <strong>de</strong> seu<br />

cabelo. Como se alivia<strong>do</strong> por ter si<strong>do</strong> liberta<strong>do</strong>, seu braço esquer<strong>do</strong>, ainda com o relógio, caiu da<br />

sacola, balançan<strong>do</strong> na frente <strong>do</strong> púlpito. Aqueles que estavam senta<strong>do</strong>s na frente viram o segun<strong>do</strong><br />

balanço.<br />

– Certo, certo, certo, quietos agora. Fiquem cala<strong>do</strong>s. Silêncio!<br />

Sakamochi bateu palmas, mas o grito das garotas não iria ce<strong>de</strong>r.<br />

Subitamente, o solda<strong>do</strong> com cara <strong>de</strong> moleque chama<strong>do</strong> Kon<strong>do</strong> puxou sua pistola.<br />

Shuya esperava um tiro <strong>de</strong> aviso no teto, mas em vez disso o solda<strong>do</strong> agarrou o saco<br />

conten<strong>do</strong> Hayashida com uma <strong>de</strong> suas mãos e puxou o saco <strong>do</strong> púlpito. Ele agarrou a cabeça <strong>de</strong><br />

Hayashida pelo rosto. Parecia um herói em um filme <strong>de</strong> ficção lutan<strong>do</strong> contra um verme ensaca<strong>do</strong><br />

gigante.<br />

O solda<strong>do</strong> <strong>de</strong>u <strong>do</strong>is tiros na cabeça <strong>de</strong> Hayashida. O resto <strong>de</strong> sua cabeça voou em pedaços.<br />

As balas <strong>de</strong> alta potência fizeram em pedaços o cérebro e ossos que formaram uma névoa e<br />

respingaram sobre os rostos e peitos <strong>do</strong>s estudantes da fileira da frente.<br />

Os ecos <strong>do</strong>s tiros pararam. Mal havia algum traço da cabeça <strong>de</strong> Hayashida.<br />

O solda<strong>do</strong> jogou o corpo <strong>de</strong> Hayashida <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> púlpito. Ninguém mais estava gritan<strong>do</strong>.<br />

42 estudantes restantes.<br />

22


4<br />

A maioria <strong>do</strong>s estudantes <strong>de</strong> pé retornou timidamente aos seus assentos. O solda<strong>do</strong> não carismático<br />

que estava mais longe puxou o saco conten<strong>do</strong> o corpo <strong>de</strong> Hayashida para o canto da sala <strong>de</strong> aula,<br />

então juntou-se aos outros <strong>do</strong>is para<strong>do</strong>s ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> púlpito. Sakamochi retornou à sua posição atrás<br />

<strong>do</strong> púlpito.<br />

Mais uma vez a sala ficou silenciosa, mas o silêncio logo foi quebra<strong>do</strong> pelo som <strong>de</strong> alguém<br />

gemen<strong>do</strong> no fun<strong>do</strong>, segui<strong>do</strong> pelo úmi<strong>do</strong> som <strong>de</strong> vômito cain<strong>do</strong> contra o chão. Shuya podia sentir o<br />

cheiro.<br />

– Ouçam to<strong>do</strong>s. Como po<strong>de</strong>m ver, Sr. Hayashida veementemente se opôs a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> sua<br />

classe ao Programa. – Sakamochi disse coçan<strong>do</strong> o cabelo. – Bom, foi tu<strong>do</strong> tão súbito, nós realmente<br />

nos sentimos mal por isso, mas...<br />

A sala ficou silenciosa novamente. To<strong>do</strong>s agora sabiam. Isto era real. Não havia nenhum<br />

erro, nem era uma brinca<strong>de</strong>ira. Eles seriam força<strong>do</strong>s a matar uns aos outros.<br />

Shuya <strong>de</strong>sesperadamente tentou pensar claramente. A situação irreal tinha o coloca<strong>do</strong> em<br />

confusão. Sua mente estava giran<strong>do</strong> com o horrível cadáver <strong>de</strong> Hayashida e o lugar que ele tomou<br />

neste show <strong>de</strong> terror.<br />

Eles tinham que escapar. Mas como? ... Certo ... primeiro ele se encontraria com Yoshitoki...<br />

Shinji e Hiroki... mas como o Programa era conduzi<strong>do</strong>? Os <strong>de</strong>talhes nunca eram publica<strong>do</strong>s.<br />

Estudantes ganhavam armas para matar uns aos outros. Era só isto o que sabiam. Mas po<strong>de</strong>riam<br />

conversar uns com os outros? Como o governo monitorava o jogo?<br />

olhos.<br />

– Eu... Eu... – os pensamentos <strong>de</strong> Shuya foram interrompi<strong>do</strong>s. Ele ergueu o olhar e abri seus<br />

Yoshitoki Kuninobu se ergueu um pouco e olhava para Sakamochi, incerto, pelo que<br />

parecia, se ele <strong>de</strong>veria continuar. Ele parecia como se suas palavras estivessem foram <strong>do</strong> controle. O<br />

corpo <strong>de</strong> Shuya ficou tenso. Não os provoque, Yoshitoki!<br />

– Siiiim? O que é? Você po<strong>de</strong> me perguntar o que quiser.<br />

Sakamochi <strong>de</strong>u um sorriso amigável e, como um fantoche, Yoshitoki continuou:<br />

– Eu... não tenho pais. Então quem você contatou?<br />

– Ahã. – Sakamochi acenou com a cabeça. – Eu lembro que havia alguém <strong>de</strong> uma das<br />

instituições <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>. Então você <strong>de</strong>ve ser Shuya Nanahara? Vamos ver, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o<br />

relatório da escola você estava com idéias perigosas. Então...<br />

– Eu sou Shuya. – Shuya interrompeu, erguen<strong>do</strong> sua voz. Sakamochi olhou para Shuya e então<br />

<strong>de</strong> volta para Yoshitoki. Ainda confuso, Yoshitoki olhou <strong>de</strong> volta para Shuya.<br />

– Ah, está certo. Desculpe-me. Havia mais um. Então você <strong>de</strong>ve ser Yoshitoki Kuninobu.<br />

Bom, eu contatei a superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua instituição on<strong>de</strong> vocês cresceram. É verda<strong>de</strong>... ela era<br />

muito bonita. – Sakamochi disse e sorriu. Apesar <strong>de</strong> seu sorriso parecer alegre, havia algo<br />

perturba<strong>do</strong>r nele.<br />

O rosto <strong>de</strong> Shuya ficou tenso. “Que diabos você fez com a Srta. Anno?”<br />

23


– Bom, como o Sr. Hayashida, ela não foi muito cooperativa. Eles não aceitaram sua<br />

<strong>de</strong>signação, então para silenciá-la, bom, eu tive que... – Sakamochi continuou calmamente. –<br />

...violentá-la. Ah, mas não se preocupe. Ela não está morta.<br />

mato!<br />

Shuya ruborizou <strong>de</strong> raiva e pulou, mas antes que pu<strong>de</strong>sse dizer algo, Yoshitoki disse: – Eu te<br />

Yoshitoki estava <strong>de</strong> pé. Sua expressão, no entanto, havia muda<strong>do</strong>. Ele que sempre foi<br />

amigável com to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não importa o que acontecesse, era impossível imaginá-lo fican<strong>do</strong><br />

nervoso. Sua expressão agora era algo que ele havia guarda<strong>do</strong> para aqueles raros momentos em que<br />

ele estava verda<strong>de</strong>iramente furioso. Ninguém mais na sala havia visto ele assim, mas Shuya o viu<br />

zanga<strong>do</strong> duas vezes. A primeira vez foi quan<strong>do</strong> eles estavam na quarta série e um carro atropelou o<br />

cão <strong>de</strong> estimação da Casa <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong>. Eddie, bem em frente ao portão. Freneticamente, Yoshitoki<br />

perseguiu o carro fugitivo. A segunda vez foi apenas um ano atrás, quan<strong>do</strong> um homem esteve<br />

usan<strong>do</strong> o débito da escola como <strong>de</strong>sculpa para avançar na Srta. Anno. Depois que ela conseguiu<br />

pagar <strong>de</strong> volta o dinheiro, e com isso rejeitou seus avanços, o homem amaldiçoou-a bem na frente<br />

<strong>de</strong>les, como se ele quisesse que to<strong>do</strong>s os resi<strong>de</strong>ntes da Casa <strong>de</strong> Carida<strong>de</strong> o ouvissem. Se Shuya não<br />

tivesse para<strong>do</strong> Yoshitoki, o homem teria perdi<strong>do</strong> os <strong>de</strong>ntes da frente, apesar <strong>de</strong> Yoshitoki po<strong>de</strong>r<br />

também ser gravemente feri<strong>do</strong>. Yoshitoki era extremamente gentil e mesmo quan<strong>do</strong> era insulta<strong>do</strong><br />

ou provoca<strong>do</strong> ele geralmente zombava. Mas quan<strong>do</strong> alguém que ele gostava <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> era<br />

machuca<strong>do</strong>, sua resposta era extrema. Isto era algo que Shuya admirava em Yoshitoki.<br />

– Vou te matar, seu bastar<strong>do</strong>! – Yoshitoki continuou, gritan<strong>do</strong>. – Vou te matar e te jogar numa<br />

pilha <strong>de</strong> merda!<br />

– Hum. – Sakamochi parecia surpreso. – Você fala sério, Yoshitoki? Você sabe que <strong>de</strong>ve-se ser<br />

responsável pelo que se diz.<br />

– Dá um tempo! Eu vou te matar! Não se esqueça!<br />

– Pára, Yoshitoki! Pára!<br />

Yoshitoki não <strong>de</strong>u atenção aos gritos <strong>de</strong> Shuya.<br />

Sakamochi falou com uma voz estranha e gentil como se fosse para acalmar Yoshitoki.<br />

– Olha, Yoshitoki. O que você está fazen<strong>do</strong> agora é <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> sua oposição ao governo.<br />

– Vou te matar! – Yoshitoki não parou. – Vou te matar, vou te matar, vou te matar!<br />

Shuya não podia mais se conter e justo quan<strong>do</strong> ele estava prestes a gritar, Sakamochi<br />

balançou a cabeça e acenou com a mão para os três solda<strong>do</strong>s das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa<br />

para<strong>do</strong>s ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> púlpito.<br />

Eles pareciam um grupo <strong>de</strong> coral, como os “Four Freshmen” 9 . Os homens em fardas, Tahara,<br />

Kon<strong>do</strong> e Nomura, to<strong>do</strong>s ergueram suas mãos direitas em uma pose dramática, emocionalmente<br />

carregada. Mas suas mãos estavam seguran<strong>do</strong> armas. O coral neste momento estaria cantan<strong>do</strong> algo<br />

como “Baby, please, baby please, spend this night with me...”<br />

Shuya viu os olhos salta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Yoshitoki se abrirem ainda mais.<br />

9 “The Four Freshmen” foi um <strong>do</strong>s grupos musicais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso da década <strong>de</strong> 1950. Eram um quarteto <strong>de</strong> vocal<br />

que sobreviveu por décadas.<br />

24


As três pistolas automáticas explodiram todas ao mesmo tempo. Como ele estava se<br />

dirigin<strong>do</strong> para o corre<strong>do</strong>r entre as fileiras, o corpo <strong>de</strong> Yoshitoki tremeu como se estivesse dançan<strong>do</strong><br />

boogaloo.<br />

Isto aconteceu tão rápi<strong>do</strong> que Noriko Nakagawa, que se sentava logo atrás <strong>de</strong> Yoshitoki,<br />

juntamente com o resto da classe, não teve tempo <strong>de</strong> abaixar.<br />

Os barulhos <strong>de</strong> tiro não evaporaram antes que Yoshitoki lentamente se inclinasse para a<br />

direita e batesse no chão entre sua carteira e a da Izumi Kanai na direita. Izumi gritou.<br />

O trio permaneceu <strong>de</strong> pé com suas mãos direitas estendidas. Fina fumaça <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />

canos simultaneamente <strong>de</strong>ixaram rastro subin<strong>do</strong>. Shuya então viu entre os pés da carteira o rosto<br />

familiar vira<strong>do</strong> para ele. Os olhos salta<strong>do</strong>s permaneciam abertos, fixos em um ponto no chão. O<br />

ombro direito <strong>de</strong> Yoshitoki se estremeceu até chegar aos <strong>de</strong><strong>do</strong>s.<br />

– Yoshitoki!<br />

Shuya levantou-se para correr até ele, mas Noriko Nakagawa, que estava sentada mais perto,<br />

foi mais rápida.<br />

– Yoshitoki! – ela berrou e curvou-se ao seu la<strong>do</strong>.<br />

Agora Tahara, o frívolo, apontou sua arma em Noriko e puxou o gatilho. Noriko caiu para<br />

frente como se tivesse torci<strong>do</strong> seu pé e caiu em cima <strong>de</strong> Yoshitoki, que continuava estremecen<strong>do</strong>.<br />

Tahara imediatamente apontou sua arma para Shuya. A mente <strong>de</strong> Shuya estava em<br />

disparada, mas seu corpo estava paralisa<strong>do</strong>. Apenas seus olhos mexiam. Ele viu o sangue escapan<strong>do</strong><br />

da panturrilha <strong>de</strong> Noriko.<br />

Sakamochi disse para Noriko:<br />

– Você não <strong>de</strong>ixará sua carteira sem minha permissão.<br />

Então ele olhou para Shuya, dizen<strong>do</strong>:<br />

– O mesmo se aplica a você, Shuya. Agora sente-se.<br />

Shuya fez o máximo para tirar seus olhos da perna ensangüentada <strong>de</strong> Noriko e Yoshitoki sob<br />

ela. Ele olhou Sakamochi diretamente nos olhos. Seus músculos <strong>do</strong> pescoço estavam tensos <strong>do</strong><br />

choque da cena.<br />

– Que diabos está haven<strong>do</strong> aqui!? – Tahara ainda apontava a arma para sua testa. Shuya<br />

permaneceu para<strong>do</strong>, explodin<strong>do</strong> – Que diabos estão fazen<strong>do</strong>!? Nós temos que buscar ajuda para<br />

Yoshitoki... e Noriko...<br />

Sakamochi fez uma careta e balançou a cabeça. Então ele repetiu:<br />

– Esqueça isto e sente-se. Você também, Noriko.<br />

Noriko, completamente pálida <strong>de</strong> olhar Yoshitoki <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> sob ela, lentamente olhou para<br />

Sakamochi. Ela parecia estupefata com ódio mais <strong>do</strong> que estava com a <strong>do</strong>r que <strong>de</strong>via estar sofren<strong>do</strong>.<br />

Ela ergueu os olhos e encarou Sakamochi.<br />

– Por favor, traga alguma ajuda. – Ela falou cada palavra propositadamente. – Por Yoshitoki.<br />

O braço direito <strong>de</strong> Yoshitoki continuava a estremecer. Mas enquanto eles o observavam o<br />

movimento parou. Era evi<strong>de</strong>nte que seu ferimento seria fatal se ele não fosse trata<strong>do</strong> imediatamente.<br />

25


Sakamochi suspirou profundamente, então dirigiu-se ao frívolo:<br />

– Então Sr. Tahara, faça o favor <strong>de</strong> cuidar disso.<br />

Antes que eles pu<strong>de</strong>ssem compreen<strong>de</strong>r o que ele quis dizer, Tahara apontou sua arma para<br />

baixo e puxou o gatilho. BLAM. A cabeça <strong>de</strong> Yoshitoki saltou uma vez e então algo <strong>de</strong> sua cabeça<br />

espirrou no rosto <strong>de</strong> Noriko.<br />

escura.<br />

Abismada, o queixo <strong>de</strong> Noriko caiu. Seu rosto estava coberto por uma substância vermelho<br />

Shuya percebeu que sua boca estava aberta também.<br />

Apesar <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua cabeça ter si<strong>do</strong> estourada, os olhos <strong>de</strong> Yoshitoki ainda permaneciam<br />

focadas na mesma parte <strong>do</strong> teto. Porém ele não estava mais tremen<strong>do</strong>. Ele não se movia.<br />

assentos.<br />

– Vê? – disse Sakamochi – Ele já estava morren<strong>do</strong>. Então agora, por favor, retornem aos seus<br />

– Ah... – Noriko olhou para baixo para a cabeça <strong>de</strong>formada <strong>de</strong> Yoshitoki. – ...ah meu...<br />

Shuya também estava em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> choque. Seus olhos estavam cola<strong>do</strong>s no rosto <strong>de</strong><br />

Yoshitoki, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> entre os pés <strong>de</strong> sua carteira. Seus pensamentos estavam completamente<br />

paralisa<strong>do</strong>s, como se seu próprio cérebro tivesse si<strong>do</strong> estoura<strong>do</strong> em pedaços. Memórias <strong>de</strong><br />

Yoshitoki brotavam em sua mente confusa. As pequenas aventuras que eles tiveram, acampan<strong>do</strong> ou<br />

<strong>de</strong>scen<strong>do</strong> o rio, um dia chuvoso gasto jogan<strong>do</strong> um velho jogo <strong>de</strong> tabuleiro, imitan<strong>do</strong> “Jake and<br />

Elwood”, os heróis que, como eles mesmos, eram órfãos no filme Americano “The Blue Brothers”<br />

(surpreen<strong>de</strong>ntemente, era uma versão dublada, porém os dubla<strong>do</strong>res eram horríveis), que havia se<br />

torna<strong>do</strong> um hit <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> e, recentemente, o rosto <strong>de</strong> Yoshitoki quan<strong>do</strong> ele disse “Ei Shuya, eu<br />

estou afim <strong>de</strong> alguém.”. Mas agora...<br />

– Vocês <strong>do</strong>is são sur<strong>do</strong>s? – Sakamochi repetiu. Sim, Shuya estava sur<strong>do</strong> para as suas palavras.<br />

Ele apenas olhava para Yoshitoki.<br />

Noriko não estava diferente. Se eles não tivessem se movi<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>riam ter segui<strong>do</strong> os passos<br />

<strong>de</strong> Yoshitoki. Do la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sakamochi, Tahara apontou sua arma para Noriko, enquanto os outros<br />

<strong>do</strong>is apontavam as <strong>de</strong>les para Shuya.<br />

Mas foi graças a uma calma, na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>spreocupada voz chaman<strong>do</strong> – S-s-s-senhor<br />

Sakamochi”, que Shuya foi trazi<strong>do</strong> <strong>de</strong> volta à consciência, pelo menos o suficiente para olhar<br />

entorpeci<strong>do</strong> para a direção da voz.<br />

Do outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> assento vazio <strong>de</strong> Yoshitoki, Shinji Mimura levantou sua mão. Noriko<br />

lentamente olhou para ele também.<br />

seu assento.<br />

– Ahn? Vamos ver. Você <strong>de</strong>ve ser Shinji Mimura. O que foi?<br />

Shinji abaixou sua mão e disse:<br />

– Noriko parece machucada. Eu estava pensan<strong>do</strong> se eu po<strong>de</strong>ria ir até ela e ajudá-la a voltar ao<br />

Apesar da extremida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua situação, Shinji falou na sua voz normal <strong>de</strong> Terceiro Homem.<br />

Sakamochi ergueu sua sobrancelha levemente, mas então concor<strong>do</strong>u.<br />

– Tu<strong>do</strong> bem, vá em frente. Eu realmente quero que as coisas an<strong>de</strong>m rápi<strong>do</strong>.<br />

26


Shinji acenou com a cabeça, levantou-se e an<strong>do</strong>u em direção a Noriko. Quan<strong>do</strong> ele<br />

aproximou-se <strong>de</strong>la, tirou um lenço or<strong>de</strong>nadamente <strong>do</strong>bra<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu bolso e inclinou-se entre o corpo<br />

<strong>de</strong> Yoshitoki e Noriko. Ele primeiro limpou o rosto <strong>de</strong> Noriko, que estava coberto com o sangue <strong>de</strong><br />

Yoshitoki. Noriko nem mesmo reagiu. Então ele disse “Levante-se, Noriko.” e pôs sua mão sob o<br />

braço direito <strong>de</strong> Noriko para ajudá-la a se erguer.<br />

Então, com suas costas viradas para Sakamochi, Shinji olhou para Shuya, que continuava<br />

meio levanta<strong>do</strong>. Sob suas sobrancelhas finas e bem <strong>de</strong>finidas, seus olhos que sempre tinham um<br />

olhar levemente distraí<strong>do</strong> estavam agora absolutamente sérios. Sua mão esquerda ia para baixo,<br />

como se ele estivesse fazen<strong>do</strong> um movimento insistente. Shuya não enten<strong>de</strong>u este sinal. Shinji fez o<br />

mesmo movimento novamente.<br />

Apesar <strong>de</strong> ainda estar confuso, Shuya finalmente enten<strong>de</strong>u que Shinji estava dizen<strong>do</strong> para<br />

ele se acalmar. Ele olhou <strong>de</strong> volta para Shinji... e lentamente relaxou <strong>de</strong> volta ao seu assento.<br />

à sua carteira.<br />

Shinji acenou com a cabeça. Depois <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver Noriko ao ser assento, ele se virou e voltou<br />

Noriko se sentou. Sangue saía da ferida em sua perna direita pendurada no assento. Suas<br />

meias e tênis brancos estavam ensopa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vermelho, como se ela estivesse usan<strong>do</strong> botas <strong>do</strong> Papai<br />

Noel, mas só em seu pé direito.<br />

Noriko estava retoman<strong>do</strong> a consciência um pouco também. Ela parecia estar fazen<strong>do</strong> um<br />

gesto para agra<strong>de</strong>cer a Shinji. Mas como se pu<strong>de</strong>sse enxergar por trás da cabeça, Shinji encolheu os<br />

ombros para impedi-la. Noriko recuou e novamente viu o cadáver <strong>de</strong> Yoshitoki <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> sob sua mão<br />

direita. Ela olhou fixamente para ele sem dizer uma palavra, mas seus olhos pareciam estar cheios<br />

<strong>de</strong> lágrimas.<br />

Shuya também olhou <strong>de</strong> volta para o cadáver, sua visão parcialmente obscurecida pelas<br />

carteiras. Sim, era um cadáver. Não havia dúvidas sobre isso. Era difícil enten<strong>de</strong>r, mas Yoshitoki<br />

tinha se torna<strong>do</strong> um cadáver, o cadáver <strong>de</strong> alguém com quem ele tinha compartilha<strong>do</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />

sua vida.<br />

Quan<strong>do</strong> ele olhou para os olhos abertos <strong>de</strong> Yoshitoki, a raiva <strong>de</strong> Shuya tornou-se mais<br />

saliente e clara, como um pulso palpitan<strong>do</strong>. O ódio correu por to<strong>do</strong> o seu corpo tão intensamente<br />

que quase o fez tremer. Seus sentimentos, que haviam si<strong>do</strong> cala<strong>do</strong>s pelo choque inicial, estavam<br />

começan<strong>do</strong> a aparecer. Shuya se virou e mostrou os <strong>de</strong>ntes na direção <strong>de</strong> Sakamochi.<br />

bastar<strong>do</strong>.<br />

Sakamochi olhou entreti<strong>do</strong> para Shuya. Shuya nunca iria per<strong>do</strong>á-lo por isso. Ele iria matar o<br />

Shuya estava prestes a explodir como Yoshitoki fez, mas então...<br />

Shinji Mimura interveio no momento crucial, dizen<strong>do</strong>-o para se acalmar... Shuya<br />

imediatamente se lembrou que ele recebeu o sinal <strong>de</strong>le alguns momentos atrás. Está certo... com<br />

certeza, se ele explodisse agora iria terminar como Yoshitoki. E mais importante... agora a garota<br />

que Yoshitoki a<strong>do</strong>rava tanto estava machucada seriamente. Se ele morresse agora... o que<br />

aconteceria com Noriko Nakagawa?<br />

27


Shuya fez o <strong>melhor</strong> que pô<strong>de</strong> pra tirar seus olhos <strong>de</strong> Sakamochi. Ele olhou para baixo, para<br />

sua carteira. Ele se sentia <strong>de</strong>sprezível, como se seu coração tivesse si<strong>do</strong> esmaga<strong>do</strong> pelo ódio e<br />

tristeza que não podiam ser <strong>de</strong>sabafa<strong>do</strong>s.<br />

Sakamochi riu em silêncio. Ele tirou os olhos <strong>de</strong> Shuya.<br />

Shuya trincou os <strong>de</strong>ntes com força olhan<strong>do</strong> para a carteira para acalmar seu corpo que estava<br />

tremen<strong>do</strong> incontrolavelmente. Ele apertou mais e mais forte. Mas não era tarefa fácil controlar suas<br />

emoções com o cadáver <strong>de</strong> Yoshitoki <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> logo na frente <strong>de</strong>le.<br />

próximo?<br />

Isto era incompreensível. Como podia ser? Como você podia per<strong>de</strong>r alguém... alguém tão<br />

“Yoshitoki sempre esteve comigo. Não importa o quão banais foram nossas experiências. E<br />

então o dia que nós brincamos no rio e eu o salvei <strong>de</strong> se afogar? Ou quan<strong>do</strong> nós nos divertimos<br />

colecionan<strong>do</strong> quilos <strong>de</strong> gafanhotos, enchen<strong>do</strong> uma caixa pequena <strong>de</strong>les e eles terminaram<br />

morren<strong>do</strong>? Nós <strong>do</strong>is nos sentimos muito mal com aquilo. Ou então quan<strong>do</strong> nós brigamos pela<br />

atenção daquele cachorro, Eddie? Ou quan<strong>do</strong> nós pregamos uma peça na escola e acabamos nos<br />

escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> no sótão da sala <strong>do</strong>s professores? Nós quase fomos pegos, mas <strong>de</strong>pois que <strong>de</strong>mos um<br />

jeito <strong>de</strong> escapar, <strong>de</strong>mos boas risadas... Yoshitoki e eu sempre estivemos juntos. Isto era fato. Ele<br />

esteve comigo.”<br />

jogo injusto?<br />

Então como ele po<strong>de</strong> ter... morri<strong>do</strong> agora?”<br />

Shinji ergueu sua mão <strong>de</strong> novo.<br />

– Tenho outra pergunta, Sr. Sakamochi.<br />

– Você <strong>de</strong> novo? O que é?<br />

– Noriko está ferida. Eu enten<strong>do</strong> que nós participaremos <strong>do</strong> Programa, mas isto não torna o<br />

Sakamochi pareceu surpreso.<br />

– Bem, talvez sim. E então?<br />

– Que significa que ela <strong>de</strong>veria ser tratada, que o Programa <strong>de</strong>veria ser adia<strong>do</strong> até seu<br />

restabelecimento, não?<br />

Shuya mal havia consegui<strong>do</strong> segurar sua raiva, por isso ele estava surpreso pelo contraste<br />

pelo contraste na calma <strong>de</strong> Shinji Mimura. Era um pouco estranho que Shuya pu<strong>de</strong>sse se permitir<br />

estar impressiona<strong>do</strong> agora. Sim, Shinji Mimura era muito mais calmo que Shuya. Shinji estava<br />

certo. Se o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> Shinji fosse concedi<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>ria dar-lhes algum tempo extra. Eles po<strong>de</strong>riam ser<br />

capazes <strong>de</strong> escapar.<br />

O rosto <strong>de</strong> Sakamochi se contorceu em riso.<br />

– Esta é uma sugestão muito interessante, Shinji.<br />

Sakamochi então ofereceu uma solução alternativa:<br />

– Então <strong>de</strong>vemos matar Noriko Nakagawa agora, e tornar o jogo iguala<strong>do</strong>?<br />

A própria Noriko junto com o resto da classe subitamente congelaram novamente. Shuya<br />

podia ver as costas <strong>de</strong> Shinji sob o uniforme contrair quan<strong>do</strong> ele respon<strong>de</strong>u imediatamente:<br />

– Eu retiro o que disse, retiro o que disse. Vamos lá, eu só estava brincan<strong>do</strong>.<br />

28


Sakamochi explodiu em gargalhadas <strong>de</strong> novo para o tom humorístico <strong>de</strong> Shinji. Tahara, cuja<br />

mão direita estava no coldre, rapidamente colocou-a na faixa <strong>do</strong> rifle pendura<strong>do</strong> no seu ombro.<br />

Sakamochi bateu as palmas <strong>de</strong> novo.<br />

– Certo então, escutem. Primeiro <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, cada um <strong>de</strong> vocês difere <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com sua<br />

inteligência, <strong>de</strong>streza física, etc., etc. Nós nascemos diferentes. Então nós não trataremos Noriko<br />

Nakagawa... Você aí!! Nada <strong>de</strong> cochichar! – Sakamochi gritou subitamente. Ele jogou um objeto<br />

branco on<strong>de</strong> Fumiyo Fujiyoshi (Estudante Feminina No. 18) estava no processo <strong>de</strong> sussurrar<br />

alguma coisa para a representante <strong>de</strong> classe Yukie Utsumi, que estava sentada ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>la. Shuya<br />

pensou que fosse giz por um momento, mas é claro que isto era absur<strong>do</strong>, dadas as circunstâncias.<br />

O objeto fez um ruí<strong>do</strong> da pancada <strong>de</strong> um prego sen<strong>do</strong> enterra<strong>do</strong> em um caixão. Uma fina<br />

faca foi plantada no meio da testa larga e <strong>de</strong> bela pele <strong>de</strong> Fumiyo Fujiyoshi.<br />

Yukie viu a cena com os olhos arregala<strong>do</strong>s. Uma visão ainda mais estranha era a própria<br />

Fumiyo erguen<strong>do</strong> seus olhos, esforçan<strong>do</strong>-se para localizar a faca plantada em sua testa. Sua cabeça<br />

arqueou para trás na tentativa.<br />

<strong>de</strong> Yukie.<br />

Então ela caiu para o la<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> ela caiu, sua têmpora esquerda bateu no canto da mesa<br />

Agora não havia espaço pra dúvidas. Quem podia sobreviver a uma faca cravada na testa?<br />

Ninguém se moveu. Ninguém falou uma palavra. Yukie tomou um fôlego longo e olhou<br />

para Fumiyo. Noriko também estava olhan<strong>do</strong> para ela. Shinji Mimura manteve seus lábios<br />

aperta<strong>do</strong>s enquanto via Fumiyo caída entre as carteiras exatamente como Yoshitoki.<br />

Com sua garganta seca, Shuya segurou seu fôlego e pensou: “Ele fez isso sem pensar! Sem<br />

pensar! Diabos! Nossas vidas estão totalmente à mercê <strong>de</strong>ste imbecil <strong>do</strong> Sakamochi!”.<br />

disse:<br />

– Ops, foi mal. Sinto muito. O instrutor matan<strong>do</strong> alguém é contra as regras, não?<br />

Sakamochi fechou seus olhos e coçou sua cabeça. Mas seu rosto ficou sério <strong>de</strong> novo e ele<br />

– Eu preciso <strong>de</strong> sua completa atenção. Ações impulsivas estão estritamente proibidas. Isto<br />

significa que cochichar não será permiti<strong>do</strong>. É difícil para mim, mas se vocês sussurrarem eu vou<br />

jogar outra faca em vocês!<br />

Shuya apertou seus <strong>de</strong>ntes. Ele disse a si mesmo para ser paciente e repetiu isto mais e mais<br />

para si mesmo enquanto <strong>do</strong>is se seus colegas <strong>de</strong> classe estavam estendi<strong>do</strong>s mortos no chão.<br />

Porém, ele estava preso ao rosto <strong>de</strong> Yoshitoki e não podia fazer nada senão olhar para ele.<br />

Ele sentia que estava prestes a chorar.<br />

40 estudantes restantes.<br />

29


5<br />

– Permitam-me explicar as regras.<br />

Sakamochi retornou à sua alegre voz. A sala <strong>de</strong> aula começou a ter o cheiro <strong>do</strong> sangue<br />

fresco <strong>de</strong> Yoshitoki Kuninobu, um o<strong>do</strong>r completamente diferente daquele sangue seco <strong>de</strong> seu<br />

instrutor, “Libélula” Hayashida. Shuya não podia ver o rosto <strong>de</strong> Hayashida <strong>de</strong> seu lugar, mas parecia<br />

que havia muito pouco sangue sain<strong>do</strong> <strong>de</strong>le.<br />

– Acho que to<strong>do</strong>s vocês sabem como isto funciona. As regras são simples. Tu<strong>do</strong> o que vocês<br />

tem que fazer é matar uns aos outros. Não há violações. E, – Sakamochi exibiu um sorriso largo – o<br />

último sobrevivente restante po<strong>de</strong> ir para casa. Você até recebe um belo cartão autografa<strong>do</strong> pelo<br />

Dita<strong>do</strong>r. Não é maravilhoso?<br />

Em sua mente, Shuya imaginou-se dan<strong>do</strong> uma bofetada no rosto <strong>de</strong>le.<br />

– Agora vocês po<strong>de</strong>m estar pensan<strong>do</strong> que este é um jogo horrível. Mas na vida real o<br />

inespera<strong>do</strong> po<strong>de</strong> acontecer. Vocês <strong>de</strong>vem a to<strong>do</strong> tempo manter autocontrole com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

respon<strong>de</strong>r apropriadamente aos aci<strong>de</strong>ntes. Consi<strong>de</strong>rem isto um exercício então. Além disso, homens<br />

e mulheres serão trata<strong>do</strong>s igualmente. Não haverá vantagens para nenhum la<strong>do</strong>. Porém, eu tenho<br />

boas notícias para as mulheres. De acor<strong>do</strong> com as estatísticas <strong>do</strong> Programa, 49% <strong>do</strong>s sobreviventes<br />

anteriores foram garotas. O lema aqui é “Eu sou igual aos outros e os outros são como eu.”. Não há<br />

nada para se temer.<br />

Sakamochi fez um sinal. O trio camufla<strong>do</strong> foi para o corre<strong>do</strong>r e começou a trazer gran<strong>de</strong>s e<br />

negras mochilas <strong>de</strong> nylon. As mochilas formaram uma pilha logo ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> saco com o corpo <strong>do</strong><br />

Sr. Hayashida. Alguns <strong>de</strong>les estavam tortos, como se estivessem conten<strong>do</strong> um objeto em forma <strong>de</strong><br />

vara <strong>de</strong>ntro tentan<strong>do</strong> sair.<br />

– Nós vamos <strong>de</strong>ixar vocês saírem um por um. Cada um <strong>de</strong> vocês irá levar uma <strong>de</strong>ssas sacolas<br />

antes <strong>de</strong> partir. Cada mochila contém água, comida e uma arma. Vamos ver, como eu disse, cada<br />

um <strong>de</strong> vocês difere <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a habilida<strong>de</strong>. Por isso estas armas irão adicionar outro elemento<br />

aleatório. Bem, isto parece complica<strong>do</strong>. Em outras palavras, isto fará o jogo muito mais<br />

imprevisível. Vocês irão terminar com uma arma selecionada aleatoriamente. À medida que saírem<br />

em or<strong>de</strong>m, vocês pegarão a sacola no topo da pila. Cada sacola também contém um mapa da ilha,<br />

um compasso e um relógio. Ah, eu esqueci <strong>de</strong> mencionar isto, mas nós estamos em uma ilha com<br />

uma circunferência aproximada <strong>de</strong> seis quilômetros. Nunca foi usada para o Programa. Nós<br />

evacuamos os resi<strong>de</strong>ntes da ilha, por isso não há absolutamente ninguém mais. Então...<br />

Sakamochi se virou para a lousa e pegou um pedaço <strong>de</strong> giz. Ele <strong>de</strong>senhou uma forma<br />

grosseira <strong>de</strong> diamante ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong> havia escrito seu nome, “Kinpatsu Sakamochi”. No la<strong>do</strong> mais<br />

alto ele <strong>de</strong>senhou uma seta apontan<strong>do</strong> para cima e a letra “N”. Ele <strong>de</strong>senhou um “X” <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

diamante, bem no centro. Com o giz ainda pressiona<strong>do</strong> contra a lousa, ele se virou para os<br />

estudantes.<br />

30


– Certo então. Nós estamos na escola <strong>de</strong>sta ilha. Este é um diagrama da ilha, e isso indica a<br />

escola. Enten<strong>de</strong>ram? – Sakamochi bateu o símbolo com seu giz. – Eu vou ficar aqui. Estarei<br />

supervisionan<strong>do</strong> seus esforços.<br />

Sakamochi então <strong>de</strong>senhou quatro formas finas espalhadas pelos la<strong>do</strong>s norte, sul, leste e<br />

oeste <strong>do</strong> diamante.<br />

– Estes são navios. Eles estão lá para matar qualquer pessoa tentan<strong>do</strong> escapar pelo mar.<br />

Então ele <strong>de</strong>senhou linhas paralelas horizontais e verticais através da ilha. A forma <strong>de</strong><br />

diamante indican<strong>do</strong> a ilha parecia uma grelha torta agora. Começan<strong>do</strong> <strong>do</strong> topo esquer<strong>do</strong>, Sakamochi<br />

escreveu marca<strong>do</strong>res em cada quadra<strong>do</strong>, “A=1”, “A=2”... em or<strong>de</strong>m. Na próxima linha lia-se, “B=1”, “B=2”,<br />

etc.<br />

– Este é só um diagrama simplifica<strong>do</strong>. O mapa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas mochilas vai se parecer com<br />

isso. – Sakamochi <strong>de</strong>volveu seu giz e bateu as mãos para limpar o pó.<br />

– Uma vez que vocês saibam estes fatos básicos, vocês estão livres para ir a qualquer lugar.<br />

No entanto, anúncios serão feitos para a ilha toda nos horários <strong>de</strong> <strong>do</strong>ze e seis, na manhã e na noite.<br />

Isto dá quatro por dia. Eu estarei me referin<strong>do</strong> ao mapa quan<strong>do</strong> anunciar o local das zonas que serão<br />

proibidas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um certo tempo. Vocês <strong>de</strong>vem examinar seus mapas <strong>de</strong> perto e checar seus<br />

compassos com eles. Se você estiver numa zona proibida você <strong>de</strong>ve sair da área tão logo for<br />

possível. Por causa...<br />

Sakamochi pôs suas mãos no púlpito e olhou para to<strong>do</strong>s.<br />

– ...<strong>do</strong>s colares em volta <strong>de</strong> seus pescoços.<br />

Até ele ter feito esta advertência, muitos estudantes haviam falha<strong>do</strong> em notar os colares.<br />

Eles tocaram seus pescoços e pareciam choca<strong>do</strong>s.<br />

– Este dispositivo é o resulta<strong>do</strong> da última tecnologia <strong>de</strong>senvolvida por nossa República. É<br />

100% à prova d’água, anti-choque e ãh ãh, não não, não irá sair. Isto não irá sair. Se vocês tentarem<br />

afrouxá-lo... – Sakamochi tomou um breve fôlego – ...ele irá explodir.<br />

Vários estudantes que estavam mexen<strong>do</strong> em seus colares imediatamente soltaram suas mãos.<br />

Sakamochi sorriu.<br />

– O colar monitora seu pulso para verificar sinais <strong>de</strong> vida e transmite esta informação para o<br />

mainframe nesta escolha. Ela também fornece sua exata posição na ilha para nós. Agora, vamos<br />

voltar para o mapa.<br />

Sakamochi balançou seu braço direito para trás e apontou para o mapa na lousa.<br />

Este mesmo computa<strong>do</strong>r irá também selecionar aleatoriamente zonas proibidas. E se houver<br />

algum estudante na zona <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> tempo assinala<strong>do</strong> – é claro que estudantes mortos não contam – o<br />

computa<strong>do</strong>r irá automaticamente <strong>de</strong>tectar qualquer um vivo e imediatamente enviar um sinal para<br />

seu colar. Então...<br />

Shuya sabia o que ele ia dizer.<br />

– O colar vai explodir.<br />

Ele estava certo.<br />

Sakamochi pausou por um momento para checar to<strong>do</strong>s. Então ele continuou:<br />

31


– Por que nós fazemos isso? Porque se to<strong>do</strong>s aconchegarem-se juntos num só ponto, o jogo<br />

não prossegue. Então nós faremos vocês se moverem. Simultaneamente, a área que vocês po<strong>de</strong>rão<br />

se mover irá encolher. Enten<strong>de</strong>ram?<br />

Sakamochi chamava isto <strong>de</strong> jogo. Não é <strong>de</strong> se estranhar. Isto era extremamente ultrajante.<br />

Ninguém disse uma palavra, mas to<strong>do</strong>s pareciam ter entendi<strong>do</strong> as regras.<br />

– Tu<strong>do</strong> bem, então isto significa que escon<strong>de</strong>r-se em uma construção não será bom. Mesmo<br />

se você se escon<strong>de</strong>r em algum buraco que cavar no chão a transmissão irá te encontrar. Ah, a<br />

propósito, vocês estão livres para escon<strong>de</strong>r em qualquer lugar, mas não serão capazes <strong>de</strong> usar o<br />

telefone. Vocês não po<strong>de</strong>rão contatar seus pais. Vocês têm que lutar sua luta sozinhos. Mas <strong>de</strong><br />

qualquer forma, é assim que o jogo da vida é. Agora eu disse que o jogo irá começar sem zonas<br />

proibidas, mas há uma exceção: esta escola. Vinte minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua saída esta escola se tornará<br />

uma zona proibida. Por isso, por favor, primeiro saiam fora <strong>de</strong>sta área. Vejamos, vocês <strong>de</strong>vem estar<br />

a duzentos metros. Enten<strong>de</strong>ram? Agora, em meus anúncios eu também irei ler os nomes daqueles<br />

que morreram nas seis horas anteriores. Cada anúncio será feito regularmente em intervalos <strong>de</strong> seis<br />

horas, mas eu também irei contatar o último sobrevivente pelo anúncio também. Ah... e mais uma<br />

coisa. Há um limite <strong>de</strong> tempo. Ouçam bem. Um limite <strong>de</strong> tempo. Um monte <strong>de</strong> gente morre no<br />

Programa, mas se ninguém morrer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>do</strong>ze horas então seu tempo acaba, e não irá importar<br />

quantos estudantes sobraram...<br />

Shuya sabia o que ele ia dizer.<br />

– O computa<strong>do</strong>r irá <strong>de</strong>tonar os colares <strong>do</strong>s estudantes restantes. Não haverá vence<strong>do</strong>r.<br />

Novamente ele estava certo.<br />

Sakamochi parou <strong>de</strong> falar. A classe toda tinha fica<strong>do</strong> em silêncio. A sala ainda estava<br />

cheiran<strong>do</strong> com o o<strong>do</strong>r forte <strong>do</strong> sangue <strong>de</strong> Yoshitoki Kuninobu. To<strong>do</strong>s continuavam em seu topor<br />

coletivo. Eles estavam amedronta<strong>do</strong>s, mas esta situação, on<strong>de</strong> eles estavam prestes a ser joga<strong>do</strong>s em<br />

um jogo <strong>de</strong> matança, parecia além <strong>de</strong> sua compreensão.<br />

Como se respon<strong>de</strong>sse ao seu esta<strong>do</strong> mental geral, Sakamochi bateu as palmas.<br />

– Bom, eu já cobri to<strong>do</strong>s os tediosos <strong>de</strong>talhes. Agora eu tenho algo mais importante para<br />

contar a vocês. Um pequeno conselho. Alguns <strong>de</strong> vocês <strong>de</strong>vem estar pensan<strong>do</strong> que matar seus<br />

colegas <strong>de</strong> classe é impossível. Mas não se esqueçam que há alguns queren<strong>do</strong> fazê-lo.<br />

Shuya queria gritar “já chega disso!”. Mas com o inci<strong>de</strong>nte da Fumiyo-Fujiyoshi-executada-<br />

por-cochichar há apenas alguns momentos, ele ficou quieto.<br />

To<strong>do</strong>s continuaram em silêncio, mas algo subitamente havia muda<strong>do</strong> e Shuya sabia disso.<br />

To<strong>do</strong>s estavam olhan<strong>do</strong> em volta, espian<strong>do</strong> nos rostos páli<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s outros. Toda vez que seus<br />

olhares se encontravam, seus olhos nervosamente voltavam na direção <strong>de</strong> Sakamochi. Isto só<br />

aconteceu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns segun<strong>do</strong>s, mas suas expressões eram exatamente as mesmas: eles<br />

estavam tensos e duvi<strong>do</strong>sos, imaginan<strong>do</strong> quem já estava pronto para tomar parte <strong>do</strong> jogo. Só<br />

poucos, como Shinji Mimura, permaneciam calmos.<br />

Shuya trincou seus <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> novo. “Vocês estão cain<strong>do</strong> na armadilha <strong>de</strong>les! Pensem nisso,<br />

nós somos um grupo. Não tem jeito <strong>de</strong> nos matarmos uns aos outros!”<br />

32


– Certo então, eu preciso ter certeza <strong>de</strong> que vocês prestaram atenção. Vocês encontrarão<br />

alguns papéis e lápis em suas carteiras.<br />

instruções.<br />

To<strong>do</strong>s timidamente tiraram seus papéis e lápis. Shuya não teve escolha senão seguir suas<br />

– Então agora, eu quero que vocês escrevam. Para memorizar algo, o <strong>melhor</strong> é escrevê-lo.<br />

Escrevam isto: “Nós vamos matar uns aos outros.”. Escrevam três vezes.<br />

Shuya ouviu os lápis rabiscan<strong>do</strong> contra o papel. Noriko também segurou seu lápis, olhan<strong>do</strong><br />

raivosamente. Enquanto Shuya escrevia este lema insano, ele olhou para o corpo <strong>de</strong> Yoshitoki, que<br />

continuava <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> entre as carteiras. Ele se lembrou <strong>do</strong> sorriso empolga<strong>do</strong> <strong>de</strong> Yoshitoki.<br />

Sakamochi continuou:<br />

– Certo então. “Se eu não matar, eu serei morto.”. Escrevam isto três vezes também.<br />

Shuya também olhou para Fumiyo Fujiyoshi. Seus <strong>de</strong><strong>do</strong>s brancos sain<strong>do</strong> das <strong>manga</strong>s <strong>de</strong> seu<br />

uniforme <strong>de</strong> marinheiro <strong>de</strong>licadamente formavam uma cunha. Ela era a ajudante da enfermeira. Ela<br />

calada, mas muito atenciosa.<br />

Então ele olhou para Sakamochi.<br />

“Maldito bastar<strong>do</strong>, eu vou te apunhalar no peito com este lápis!”<br />

40 estudantes restantes.<br />

33


6<br />

– Então agora, vamos ver, a cada <strong>do</strong>is minutos um <strong>de</strong> vocês irá <strong>de</strong>ixar a sala. Assim que vocês saírem<br />

por esta porta e virarem à direita no corre<strong>do</strong>r, vocês encontrarão a saída da escola. Vocês <strong>de</strong>vem<br />

sair imediatamente. Qualquer um vadian<strong>do</strong> no corre<strong>do</strong>r será imediatamente morto. Agora, com<br />

quem nós começamos? De acor<strong>do</strong> com as regras <strong>do</strong> Programa, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminarmos a primeira<br />

pessoa, o resto da or<strong>de</strong>m irá correspon<strong>de</strong>r aos seus lugares na chamada da classe. Homem, mulher,<br />

homem, mulher. Enten<strong>de</strong>ram? Assim que chegarmos ao último número, nós voltamos ao primeiro<br />

número. Então...<br />

Neste ponto Shuya lembrou que o número <strong>de</strong> Noriko era 15. Era o mesmo que o <strong>de</strong>le. Isto<br />

significava que ele e Noriko po<strong>de</strong>riam sair quase simultaneamente (a menos que ela fosse escolhida<br />

por primeiro, que significava que ele seria o último a sair). Mas... Noriko podia andar?<br />

envelope.<br />

Sakamochi pegou um envelope <strong>do</strong> bolso interno <strong>do</strong> casaco.<br />

– O primeiro estudante é escolhi<strong>do</strong> por sorteio. Esperem um segun<strong>do</strong>...<br />

Do seu bolso, Sakamochi tirou uma tesoura rosa e cerimoniosamente cortou a borda <strong>do</strong><br />

Foi quan<strong>do</strong> Kazuo Kiriyama falou. Como Shinji Mimura, ele também parecia calmo. Mas<br />

sua voz parecia fria com um tom áspero.<br />

– Estou curioso sobre quan<strong>do</strong> o jogo começa.<br />

To<strong>do</strong>s olharam <strong>de</strong> volta à última fileira, on<strong>de</strong> Kiriyama estava senta<strong>do</strong>. (Shogo Kawada foi o<br />

único que não virou. Ele só continuou a mastigar seu chiclete.)<br />

Sakamochi fez um gesto com a mão:<br />

– Assim que vocês saírem daqui. Por isso vocês vão querer se escon<strong>de</strong>r para preparar suas<br />

próprias estratégias... como já é noite agora.<br />

Kazuo Kiriyama não respon<strong>de</strong>u. Shuya finalmente confirmou que era meia noite, ou 1h – não,<br />

já era quase 1:30.<br />

Depois <strong>de</strong> cortar o envelope, Sakamochi tirou um pedaço <strong>de</strong> papel branco e <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brou. Sua<br />

boca formou um “O” e ele disse:<br />

– Mas que coincidência! É o estudante No.1. Yoshio Akamatsu.<br />

Ao ouvir o anúncio, Yoshio Akamatsu, que se sentava na fileira da frente da coluna próxima<br />

das janelas (placas <strong>de</strong> aço), pareceu choca<strong>do</strong>. Ele tinha 180 centímetros <strong>de</strong> altura, pesava 90<br />

quilogramas, por isso era largo, mas não podia nem pegar uma bola no ar, nem correr uma volta<br />

inteira ao re<strong>do</strong>r da pista <strong>de</strong> corrida. Yoshio estava sempre tropeçan<strong>do</strong> na aula <strong>de</strong> educação física.<br />

Agora seus lábios estavam páli<strong>do</strong>s e azuis.<br />

– An<strong>de</strong> logo, Yoshio Akamatsu. – disse Sakamochi. Yoshio pegou a sacola que ele preparou<br />

para a viagem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s e ficou <strong>de</strong> pé. Ele caminhou para frente e recebeu o kit <strong>de</strong> sobrevivência<br />

<strong>do</strong> trio camufla<strong>do</strong>, que agora levavam seus rifles na cintura. Ele parou na porta aberta e encarou a<br />

escuridão. Então olhou <strong>de</strong> volta para to<strong>do</strong>s com um rosto aterroriza<strong>do</strong>, mas então um momento<br />

<strong>de</strong>pois ele <strong>de</strong>sapareceu além da porta. Dois ou três passos logo se tornaram o som da batida <strong>de</strong> sua<br />

34


corrida, que então <strong>de</strong>sapareceu. Parecia que ele caiu uma vez, mas então ele voltou a correr<br />

novamente.<br />

Na silenciosa sala, vários estudantes tomaram um fôlego longo e conti<strong>do</strong>.<br />

– Agora nós vamos esperar <strong>do</strong>is minutos. Então a próxima será Estudante Feminina No. 1,<br />

Mizuho Inada...<br />

Esta rotina continuou brutalmente <strong>de</strong>sta maneira.<br />

Mas havia algo que Shuya notou quan<strong>do</strong> a Estudante Feminina No. 4, Sakura Ogawa,<br />

levantou-se para sair. Sakura sentava-se <strong>do</strong>is assentos atrás <strong>de</strong> Shuya, na última fileira. Quan<strong>do</strong> ela<br />

fez o caminho para a saída, ela tocou a mesa <strong>de</strong> seu namora<strong>do</strong> Kazuhiko Yamamoto e <strong>de</strong>ixou um<br />

pedaço <strong>de</strong> papel para ele. Ela po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> uma mensagem naquela folha <strong>de</strong> papel em que eles<br />

foram instruí<strong>do</strong>s a escrever “Nós vamos matar uns aos outros.”.<br />

Shuya <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> o único que viu isto. Pelo menos Sakamochi não pareceu ter nota<strong>do</strong>.<br />

Kazuhiko pegou o pedaço <strong>de</strong> papel e apertou-o com força sob sua carteira. Shuya sentiu uma onda<br />

<strong>de</strong> alívio. Eles ainda não foram to<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>s por esta insanida<strong>de</strong>. Os laços <strong>de</strong> amor ainda não<br />

haviam si<strong>do</strong> corta<strong>do</strong>s.<br />

Mas... qual era a mensagem? Shuya imaginou quan<strong>do</strong> ela <strong>de</strong>ixou a sala. Talvez – ele olhou<br />

para o mapa que Sakamochi rabiscou na lousa – ela teria escolhi<strong>do</strong> uma direção ou distância geral.<br />

Além disso, o fato <strong>de</strong> que eles queriam se encontrar secretamente só significava que eles não<br />

confiavam em ninguém mais e eles estavam certos <strong>de</strong> que os outros tentariam matá-los. Que no<br />

final significava que eles estavam cain<strong>do</strong> na armadilha <strong>de</strong> Sakamochi.<br />

Shuya pensou, “Eu não tenho nenhuma idéia <strong>do</strong> que se escon<strong>de</strong> além <strong>de</strong>sta sala, mas eu posso<br />

ao menos ser capaz <strong>de</strong> esperar fora e conversar com os estudantes <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mim. Nenhuma das<br />

regras <strong>de</strong> Sakamochi me proíbe <strong>de</strong> fazer isto. To<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m estar entran<strong>do</strong> em pânico por causa da<br />

suspeita, mas se nós pu<strong>de</strong>rmos ficar juntos e discutir a situação então tenho certeza <strong>de</strong> que nós<br />

po<strong>de</strong>mos encontrar um plano.” Além disso, Noriko era quem viria imediatamente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le (ela<br />

podia andar?). Shinji Mimura também vinha <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. No entanto, Hiroki Sugimura iria antes<br />

<strong>de</strong>le...<br />

Shuya consi<strong>de</strong>rou passar uma mensagem para Hiroki, mas seu assento era muito longe.<br />

Além disso, se ele tentasse qualquer coisa ele iria acabar como Fumiyo Fumiyoshi.<br />

Hiroki Sugimura era o próximo. Seus olhos encontraram os <strong>de</strong> Shuya brevemente logo antes<br />

<strong>de</strong> sair através da porta <strong>de</strong>slizante... mas isso era tu<strong>do</strong>. Em sua mente, Shuya suspirou<br />

profundamente. Ele só podia ter esperança <strong>de</strong> que Hiroki tivesse ti<strong>do</strong> a mesma idéia e que estaria<br />

esperan<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora. Se ele pu<strong>de</strong>sse falar com os outros para esperar também...<br />

Na frente e atrás <strong>de</strong>le, os cala<strong>do</strong>s, Shogo Kawada, Kazuo Kiriyama e Mitsuko Souma,<br />

saíram um a um.<br />

Mascan<strong>do</strong> seu chiclete, Shogo saiu com um olhar indiferente em seu rosto, ignoran<strong>do</strong><br />

completamente Sakamochi e o trio camufla<strong>do</strong>. Kiriyama e Souma foram da mesma maneira.<br />

35


Está certo. Quan<strong>do</strong> Sakamochi disse “Há outros queren<strong>do</strong> fazê-lo”, o resto da classe <strong>de</strong>ve ter<br />

imediatamente suspeita<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes três estudantes. Porque eles eram “<strong>de</strong>linqüentes”. Eles não pensariam<br />

duas vezes em matar os outros para sobreviver...<br />

Mas Shuya duvidava que Kazuo Kiriyama pu<strong>de</strong>sse entrar nessa. Kazuo tinha sua própria<br />

gangue. Além disso, a gangue <strong>de</strong>le era muito mais restrita que um grupo típico <strong>de</strong> amigos. Hiroshi<br />

Kuronaga, Ryuhei Sasagawa, Sho Tsukioka e Mitsuru Numai. As regras <strong>do</strong> jogo transformavam<br />

to<strong>do</strong>s em seu inimigo, mas os cinco <strong>de</strong>les matan<strong>do</strong> uns aos outros era inimaginável. Além disso –<br />

Shuya tomou nota cuida<strong>do</strong>sa disso – quan<strong>do</strong> ele saiu, seus rapazes pareciam perturba<strong>do</strong>ramente<br />

calmos. Está certo, Kazuo provavelmente passou uma mensagem aos outros. Ele está<br />

provavelmente planejan<strong>do</strong> uma saída para os cinco <strong>de</strong>les. Kazuo era mais que capaz <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>svencilhar <strong>do</strong> governo. É claro, isto também significava que Kazuo não confiaria em ninguém<br />

além <strong>de</strong> sua gangue.<br />

Mitsuko Souma tinha um tipo <strong>de</strong> grupo pareci<strong>do</strong>. Seu assento estava muito longo das outras,<br />

Hirono Shimizu e Yoshimi Yahagi, para ela ser capaz <strong>de</strong> passar notas a elas. Mas... Mitsuko Souma<br />

era uma garota. Não há como ela jogar este jogo.<br />

Shogo Kawada era o único que preocupava Shuya. Shogo Kawada não tinha grupo. Na<br />

verda<strong>de</strong> ele nem mesmo tinha um só amigo. Des<strong>de</strong> que ele foi transferi<strong>do</strong> para a escola <strong>de</strong>les, ele<br />

raramente falava com alguém da classe. Além disso, havia algo evasivo em Shogo. Mesmo se ele<br />

ignorasse os boatos, havia aqueles ferimentos cobrin<strong>do</strong> o corpo inteiro <strong>de</strong>le...<br />

Po<strong>de</strong>ria ser que... Shogo fosse um <strong>do</strong>s que participariam <strong>do</strong> jogo? Era certamente possível.<br />

Mas Shuya sabia que no momento em que ele suspeitasse, estaria ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao governo, então<br />

ele imediatamente se livrou da idéia... apesar <strong>de</strong> ter ti<strong>do</strong> problemas em se livrar completamente <strong>do</strong><br />

pensamento.<br />

O tempo passou.<br />

Muitas das crianças estavam choran<strong>do</strong> enquanto saíam.<br />

Apesar <strong>de</strong> parecer incrivelmente rápi<strong>do</strong>, uma hora <strong>de</strong>ve ter se passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seus<br />

cálculos (é claro que com Yoshitoki Kuninobu o tempo passa<strong>do</strong> foi reduzi<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is minutos).<br />

Estudante Feminina No. 14, Mayumi Ten<strong>do</strong>, sumiu no corre<strong>do</strong>r, e Sakamochi chamou : – Estudante<br />

Masculino No. 15, Shuya Nanahara.<br />

sala.”<br />

Shuya agarrou sua mochila e se levantou. Ele pensou “ Eu fiz to<strong>do</strong> que podia antes <strong>de</strong> sair da<br />

Em vez <strong>de</strong> ir direto para a saída, ele pegou o corre<strong>do</strong>r à sua esquerda. Noriko virou e viu<br />

Shuya se aproximan<strong>do</strong> <strong>de</strong>la.<br />

Sakamochi ergueu sua voz, “Shuya”, e apontou sua faca.<br />

– Direção errada.<br />

Shuya parou. Os três solda<strong>do</strong>s ergueram suas espingardas. Sua garganta endureceu. Então<br />

ele disse nervosamente:<br />

– Yoshitoki Kuninobu era meu amigo. O mínimo que eu posso fazer é fechar seus olhos. De<br />

acor<strong>do</strong> com a política educacional <strong>do</strong> Gran<strong>de</strong> Dita<strong>do</strong>r, nós <strong>de</strong>vemos respeitar os mortos.<br />

36


Sakamochi hesitou por um momento, mas então ele sorriu e abaixou sua faca.<br />

– Você é tão atencioso, Shuya. Tu<strong>do</strong> bem então.<br />

Shuya tomou um breve fôlego, então <strong>de</strong>u um passo à frente. Ele parou na frente da mesa <strong>de</strong><br />

Noriko, on<strong>de</strong> o cadáver <strong>de</strong> Yoshitoki estava <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>.<br />

paralisa<strong>do</strong>.<br />

Apesar <strong>de</strong> ter reclama<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> fechar os olhos <strong>de</strong> seu amigo, ele não podia evitar ficar<br />

Agora que ele estava próximo ele viu, cortesia <strong>do</strong> frívolo, carne vermelha fresca e algo<br />

branco no cabelo curto ensopa<strong>do</strong> <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong> Yoshitoki. Ele percebeu que era osso. Graças às<br />

balas alojadas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua cabeça, os gran<strong>de</strong>s olhos <strong>de</strong> Yoshitoki saltavam ainda mais. Ele parecia<br />

estupefato com os olhos volta<strong>do</strong>s para cima <strong>de</strong> um refugia<strong>do</strong> esfomea<strong>do</strong> esperan<strong>do</strong> para ser<br />

alimenta<strong>do</strong>. Líqui<strong>do</strong> rosa<strong>do</strong> e viscoso consistin<strong>do</strong> <strong>de</strong> sangue e saliva escorria <strong>de</strong> sua boca,<br />

levemente aberta. Sangue escuro saía <strong>de</strong> suas narinas. Ele <strong>de</strong>scia pelo seu queixo e caía na poça <strong>de</strong><br />

sangue que saía <strong>de</strong> seu peito. Era horrível.<br />

Shuya largou sua bolsa perto <strong>de</strong>le e se inclinou. Ele ergueu o corpo <strong>de</strong> Yoshitoki, que estava<br />

<strong>de</strong>ita<strong>do</strong> vira<strong>do</strong> para baixo. Quan<strong>do</strong> Shuya o levantou, sangue saiu <strong>do</strong> peito <strong>do</strong> uniforme escolar<br />

escureci<strong>do</strong> <strong>de</strong>le, que estava perfura<strong>do</strong> em três pontos, e espalhou pelo chão. O magro corpo <strong>de</strong>le<br />

parecia incrivelmente leve. Era por causa <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o sangue que foi drena<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu corpo?<br />

Seguran<strong>do</strong> o leve corpo <strong>de</strong> Yoshitoki, a cabeça <strong>de</strong> Shuya esfriou. Mais que tristeza ou me<strong>do</strong>,<br />

era ódio que o inundava.<br />

“Yoshitoki... Eu vou vingar sua morte. Juro pra você que vou.”<br />

Não havia muito tempo. Ele limpou o sangue <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Yoshitoki com a palma da sua<br />

mão, então gentilmente fechou seus olhos. Ele <strong>de</strong>itou seu corpo no chão e cruzou suas mãos no<br />

peito.<br />

Então como se fingisse tatear procuran<strong>do</strong> sua mochila, ele se inclinou na direção <strong>de</strong> Noriko<br />

o mais próximo que podia e rapidamente sussurrou: “Po<strong>de</strong> andar?”.<br />

Aquilo foi suficiente para provocar o trio camufla<strong>do</strong> a pegar as armas, mas Shuya conseguiu<br />

obter um aceno <strong>de</strong> Noriko. Shuya se virou para Sakamochi e o trio, cerrou sua mão para Noriko ver,<br />

e apontou seu polegar para a saída para indicar: Estarei esperan<strong>do</strong>. Eu esperarei lá fora.<br />

Shuya não olhou <strong>de</strong> volta para Noriko, mas <strong>do</strong> canto <strong>do</strong>s olhos ele olhou além da carteira <strong>de</strong><br />

Yoshitoki, on<strong>de</strong> Shinji Mimura olhava para frente, sorrin<strong>do</strong> frouxamente com seus braços cruza<strong>do</strong>s.<br />

Ele <strong>de</strong>ve ter visto o sinal <strong>de</strong> Shuya. Shuya se sentiu muito mais alivia<strong>do</strong>. Era Shinji. “Se Shinji<br />

estiver <strong>do</strong> nosso la<strong>do</strong>, nós po<strong>de</strong>mos escapar, sem problema.”<br />

Mas... Shinji Mimura po<strong>de</strong> ter esta<strong>do</strong> mais ciente da condição <strong>de</strong>les que Shuya. Ele po<strong>de</strong> ter<br />

dito com o sorriso “Bem, isto será um adios amigos, Shuya.”. Porém o pensamento não ocorreu para<br />

Shuya naquele momento.<br />

Ele continuou andan<strong>do</strong>. Ele parou um momento para pensar antes <strong>de</strong> receber sua bolsa negra<br />

e fez o mesmo quan<strong>do</strong> se aproximou <strong>do</strong> cadáver <strong>de</strong> Fumiyo Fujiyoshi, cerran<strong>do</strong> seus olhos. Ele<br />

queria ter removi<strong>do</strong> a faca da testa <strong>de</strong>la, mas <strong>de</strong>cidiu por não fazê-lo.<br />

37


Quan<strong>do</strong> ele pisou fora da sala <strong>de</strong> aula, ele sentiu uma pontada <strong>de</strong> arrependimento, <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong><br />

ter removi<strong>do</strong> a faca por ela.<br />

40 estudantes restantes.<br />

38


7<br />

O corre<strong>do</strong>r estava com as luzes apagadas. Apenas a luz da sala <strong>de</strong> aula brilhava nas tábuas <strong>do</strong> chão.<br />

As janelas <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r também estavam fechadas com placas <strong>de</strong> aço. Elas davam proteção<br />

contra estudantes revolta<strong>do</strong>s como Shuya que po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>cidir escapar <strong>do</strong> jogo. Claro, quan<strong>do</strong><br />

fossem retiradas, esta área já seria proibida.<br />

Ele olhou para direita. Havia outra sala, então outra, ambas idênticas à sala que ele acabara<br />

<strong>de</strong> sair. E então, no final <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r escuro, havia o que parecia uma saída <strong>de</strong> porta dupla. No fim<br />

<strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r havia outra sala à esquerda.<br />

Era a sala <strong>do</strong>s professores da escola? As portas estavam abertas e as luzes estavam acesas.<br />

Shuya olhou através da porta, on<strong>de</strong> uma legião <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa estava<br />

sentada em ca<strong>de</strong>iras <strong>do</strong>bráveis <strong>de</strong> aço atrás <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> mesa. Vinte ou trinta? Não, havia tantos<br />

solda<strong>do</strong>s quanto havia estudantes.<br />

De fato, Shuya esperava que se seu kit <strong>de</strong> sobrevivência viesse equipa<strong>do</strong> com uma arma (era<br />

possível, junto com “ferida <strong>de</strong> faca” e “asfixia”, “ferida <strong>de</strong> tiro” estava listada como causa da morte nos<br />

relatórios <strong>do</strong> Programa), ou se alguns <strong>do</strong>s outros esperan<strong>do</strong> por ele estivessem equipa<strong>do</strong>s com<br />

armas, então po<strong>de</strong>riam usar contra Sakamochi e seus homens antes que a escola se tornasse uma<br />

zona proibida. Mas esta esperança foi imediatamente apagada. Os três homens com Sakamochi não<br />

eram os únicos acompanhan<strong>do</strong> ele. Claro, isto não era nem um pouco surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

Um <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s inclinou sua cabeça e olhou <strong>do</strong> canecão em sua mão para Shuya. Como os<br />

rostos <strong>do</strong> trio na sala <strong>de</strong> aula, o <strong>de</strong>le também não tinha nenhuma expressão.<br />

Shuya pisou nos calcanhares e se apressou para a saída. Ele correu impacientemente. Então<br />

agora... agora a única coisa que eles po<strong>de</strong>riam fazer era se unirem. Mas... talvez houvessem outros<br />

solda<strong>do</strong>s para<strong>do</strong>s <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora para impedi-los <strong>de</strong> esperar um pelo outro? Mas...<br />

Shuya correu rapidamente através <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r escuro e passou pelas portas duplas. Ele<br />

<strong>de</strong>sceu vários <strong>de</strong>graus.<br />

Sob a lua, um campo <strong>de</strong> atletismo vazio <strong>do</strong> tamanho <strong>de</strong> três quadras <strong>de</strong> tênis se estendia<br />

atrás <strong>do</strong> prédio. Havia árvores atrás <strong>do</strong> campo. À sua esquerda havia uma pequena montanha. Seu<br />

campo <strong>de</strong> visão expandia à direita. Uma escuridão negra se espalhava – o mar. Pequenos pontos <strong>de</strong><br />

luz brilhavam além <strong>do</strong> mar. Devia ser o continente. O Programa oficialmente se realizava <strong>de</strong>ntro da<br />

prefeitura <strong>do</strong> colégio escolhi<strong>do</strong>. Às vezes o local era uma montanha cercada por gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alta<br />

voltagem, ou prisões aban<strong>do</strong>nadas que ainda não foram <strong>de</strong>molidas, mas para a Prefeitura <strong>de</strong><br />

Kagawa, o Programa era geralmente realiza<strong>do</strong> em uma ilha. De acor<strong>do</strong> com os relatórios <strong>de</strong> notícias<br />

locais que ele já havia visto (claro, em to<strong>do</strong>s os casos o local só seria anuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois que o jogo<br />

tivesse termina<strong>do</strong>), to<strong>do</strong> jogo em Kagawa foi realiza<strong>do</strong> em uma ilha. Esta vez não era exceção.<br />

Sakamochi não mencionou o nome da ilha, mas uma vez que Shuya checasse o formato no mapa ele<br />

po<strong>de</strong>ria dizer. Ou talvez um prédio pu<strong>de</strong>sse revelar o nome da ilha.<br />

A brisa suave soprou. Não havia nenhum solda<strong>do</strong>, mas Shuya estava <strong>de</strong>saponta<strong>do</strong> por não<br />

encontrar nenhum <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> classe ali. Como Sakamochi havia antecipa<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s estavam<br />

39


se escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>. Até mesmo Hiroki Sugimura não estava lá. Só a suave brisa misturada com o o<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> mar vinha através <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> atletismo.<br />

“Diabos.” Shuya fez uma careta. “Se nós nos espalharmos assim, vamos cair na armadilha <strong>do</strong><br />

governo. Po<strong>de</strong> estar certo formarem grupos com seus amigos. Sakura Ogawa e Kazuhiko<br />

Yamamoto <strong>de</strong>vem estar se encontran<strong>do</strong> em algum lugar, assim como a gangue <strong>de</strong> Kazuo Kiriyama.<br />

Mas qualquer um escondi<strong>do</strong> sozinho po<strong>de</strong> eventualmente entrar em confronto com alguém... Quem<br />

po<strong>de</strong> saber o que resultaria <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> caos? O caos não era essencial para o progresso <strong>do</strong> jogo?”<br />

por Noriko..”<br />

“Está certo. Bom, pelo menos eu vou esperar aqui pelos outros. Primeiro eu tenho que esperar<br />

Shuya olhou <strong>de</strong> volta para o interior escuro <strong>do</strong> edifício da escola. Eles disseram que<br />

qualquer um vagan<strong>do</strong> no corre<strong>do</strong>r seria imediatamente alveja<strong>do</strong>, mas os solda<strong>do</strong>s na sala no fim <strong>do</strong><br />

corre<strong>do</strong>r não prestaram nenhuma atenção especial a Shuya. Eles não estavam exatamente fazen<strong>do</strong><br />

uma tempesta<strong>de</strong> num copo d´água. Eles só estavam senta<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>sarma<strong>do</strong>s.<br />

Shuya lambeu os lábios e <strong>de</strong>cidiu que era <strong>melhor</strong> ele sair da frente da porta. Então ele olhou<br />

para fora <strong>de</strong> novo.<br />

Foi quan<strong>do</strong> ele notou.<br />

Não tinha visto isto da última vez porque estava preocupa<strong>do</strong> <strong>de</strong>mais com a visão geral, mas<br />

<strong>de</strong>sta vez ele viu algo que parecia um saco <strong>de</strong> lixo joga<strong>do</strong> aos seus pés.<br />

Shuya imaginou que era o kit <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> alguém, caí<strong>do</strong> por aci<strong>de</strong>nte, mas então<br />

seus olhos arregalaram.<br />

Não era um saco <strong>de</strong> lixo, nem o kit <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> alguém. Havia cabelo humano<br />

sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma ponta. Cabelo humano.<br />

Era um ser humano. Vestin<strong>do</strong> um uniforme escolar <strong>de</strong> marinheiro. O corpo estava em<br />

formato V, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong>, cabeça para baixo. O rabo <strong>de</strong> cavalo único com um gran<strong>de</strong> laço parecia<br />

familiar. Não admira. Ele acabou <strong>de</strong> vê-la sain<strong>do</strong> só três minutos atrás. O corpo enrijeci<strong>do</strong> pertencia<br />

à Estudante Feminina No. 14 Mayumi Ten<strong>do</strong>.<br />

Logo ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu cabelo trança<strong>do</strong> em forma <strong>de</strong> lagosta, rígida, prateada, uma vareta <strong>de</strong><br />

vinte centímetros saía das costas <strong>de</strong> seu uniforme, diagonalmente, como uma antena <strong>de</strong> rádio<br />

portátil. Havia quatro pequenas abas parecen<strong>do</strong> a cauda <strong>de</strong> um avião <strong>de</strong> guerra no fim da vareta.<br />

Que... diabos era isso?<br />

O que ele <strong>de</strong>veria ter feito era imediatamente procurar abrigo. Em vez disso, Shuya ficou<br />

para<strong>do</strong> lá, em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> choque.<br />

Ele lembrou da resposta <strong>de</strong> Sakamochi a Kiriyama, que perguntou quan<strong>do</strong> o jogo começava:<br />

“Assim que vocês saírem daqui.”.<br />

Era inacreditável... quem po<strong>de</strong>ria ter feito isto? Alguém voltou para matar Mayumi Ten<strong>do</strong><br />

no momento em que ela saiu da escola?<br />

Shuya parou <strong>de</strong> especular e cuida<strong>do</strong>samente abaixou-se e checou o local.<br />

Por alguma razão... não havia sinal <strong>do</strong> atacante. Nenhuma flecha voou em sua direção<br />

enquanto ele esteve confuso para<strong>do</strong>. Por quê? Satisfeito em ter mata<strong>do</strong> apenas Mayumi Ten<strong>do</strong>, o<br />

40


assassino <strong>de</strong>ixou o local? Ou... isto era alguma “provocação” planejada? Será que os solda<strong>do</strong>s no fim<br />

<strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r mataram ela para convencer a to<strong>do</strong>s que alguns <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> classe já estavam<br />

jogan<strong>do</strong> o jogo? Mas se fosse este o caso...<br />

Subitamente Shuya percebeu que Mayumi Ten<strong>do</strong> po<strong>de</strong>ria ainda estar viva. Ela po<strong>de</strong>ria estar<br />

inconsciente <strong>do</strong> choque <strong>do</strong> tiro. De qualquer mo<strong>do</strong>, ele <strong>de</strong>veria vê-la.<br />

Se ele não tivesse percebi<strong>do</strong> algo estranho e não tivesse conti<strong>do</strong> um passo a frente, uma<br />

fração <strong>de</strong> segun<strong>do</strong>s <strong>de</strong>pois ele teria si<strong>do</strong> retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> jogo mais ce<strong>do</strong>. Em outras palavras...<br />

Um objeto pratea<strong>do</strong> sibilou em frente aos olhos <strong>de</strong> Shuya. Sim... ele veio para baixo, <strong>de</strong><br />

cima. Outra antena estava plantada no chão.<br />

Shuya estremeceu. Se ele não estivesse para<strong>do</strong> na saída esperan<strong>do</strong> por Noriko, ele teria si<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>rruba<strong>do</strong> imediatamente. O assassino estava no topo <strong>do</strong> prédio.<br />

Shuya cerrou os <strong>de</strong>ntes, pegou a flecha e correu para a esquerda. Ele se moveu<br />

impulsivamente, mas <strong>de</strong> uma forma errática que confundiu o atacante. Ele se virou e olhou para<br />

cima. Sob a turva luz da lua, uma gran<strong>de</strong> e escura sombra agitava-se sobre o teto <strong>do</strong> prédio <strong>de</strong> único<br />

andar da escola.<br />

Podia ser que... não Shogo...<br />

Ele não teve tempo <strong>de</strong> pensar. A sombra apontou a arma para ele.<br />

Apenas para surpreendê-lo, Shuya arremessou a flecha na sombra. Mas graças ao <strong>do</strong>m <strong>de</strong><br />

Shuya como o estrela entre-bases, a flecha voou a uma incrível velocida<strong>de</strong> e traçou um belo arco<br />

direto para a sombra. A sombra gemeu, segurou seu rosto, arqueou-se e então começou a balançar.<br />

Então ela caiu.<br />

Shuya foi para trás e observou a sombra cair <strong>de</strong> uma altura <strong>de</strong> quase três metros e aterrissar<br />

com uma pancada no chão. O objeto na mão <strong>do</strong> assassino caiu com um ruí<strong>do</strong> metálico.<br />

Luz saía através da saída <strong>do</strong> prédio. A gran<strong>de</strong> sombra estava <strong>de</strong>itada com a barriga para<br />

baixo, vestin<strong>do</strong> um uniforme escolar. Era Yoshio Akamatsu. Ele agora não se movia, talvez porque<br />

estivesse inconsciente. Um híbri<strong>do</strong> entre arco e rifle – eram eles chama<strong>do</strong>s bow gun 10 ? – estava caí<strong>do</strong><br />

em sua mão. O kit <strong>de</strong> sobrevivência que caiu aos pés <strong>de</strong> Yoshio estava semi-aberto. Shuya viu uma<br />

pilha <strong>de</strong> flechas prateadas <strong>de</strong>ntro.<br />

De repente Shuya sentiu um calafrio. Era verda<strong>de</strong>. Ele estava participan<strong>do</strong>! Yoshio<br />

Akamatsu estava no jogo. Yoshio pegou sua arma, voltou aqui e matou Mayumi Ten<strong>do</strong>!<br />

Alguém estava vin<strong>do</strong> <strong>de</strong>trás.<br />

Shuya se virou. Era Noriko, que enten<strong>de</strong>u a situação e segurava o fôlego <strong>de</strong> surpresa. Os<br />

olhos <strong>de</strong> Shuya foram <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Noriko a Mayumi Ten<strong>do</strong> – ele correu até Mayumi e tocou seu<br />

pescoço para checar o pulso. Ela estava morta. Não havia dúvidas.<br />

Seu cérebro parecia um fusível faiscan<strong>do</strong>. Outros podiam estar no mesmo esta<strong>do</strong> mental que<br />

Yoshio. E um <strong>de</strong>les po<strong>de</strong> ter volta<strong>do</strong> subitamente neste momento, talvez com uma arma <strong>de</strong> fogo.<br />

Shuya não tinha escolha senão mudar sua atitu<strong>de</strong> em relação ao jogo agora. Então era assim.<br />

Quan<strong>do</strong> Sakamochi disse “Tão logo vocês saiam”, era isto que ele queria dizer.<br />

10 Bow gun é uma versão mo<strong>de</strong>rna das bestas medievais. É um tipo <strong>de</strong> rifle que atira flechas.<br />

41


seguir?<br />

Shuya se levantou e correu até Noriko. Ele pegou a mão <strong>de</strong>la:<br />

– Nós vamos correr! Esforce-se, você tem que correr!<br />

Shuya começou a correr, quase arrastan<strong>do</strong>, Noriko, cuja perna estava ferida. Que caminho<br />

Ele não podia se permitir pon<strong>de</strong>rar suas <strong>de</strong>cisões. Ele se virou na direção <strong>do</strong> bosque.<br />

Primeiro eles iriam se escon<strong>de</strong>r no bosque, então eles po<strong>de</strong>riam, não... ele <strong>de</strong>sistiu da idéia. Dada a<br />

condição <strong>de</strong> Noriko, eles estavam in<strong>de</strong>fesos contra qualquer ataque. Ficar perto da área era<br />

perigoso.<br />

Esperar na frente <strong>do</strong> prédio pelos outros estava completamente fora <strong>de</strong> questão. Ele apressou<br />

Noriko e eles entraram no bosque. Árvores altas estavam misturadas com baixas e o chão estava<br />

coberto <strong>de</strong> samambaias.<br />

Shuya virou-se para gritar algum aviso para os onze estudantes restantes que sairiam (em<br />

sua classe <strong>de</strong> vinte e <strong>do</strong>is pares <strong>de</strong> rapazes e garotas, havia <strong>do</strong>ze estudantes <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s números <strong>de</strong><br />

Shuya e Noriko, Mas Fumiko Fumiyoshi teve que ser <strong>de</strong>scontada), mas ele <strong>de</strong>sistiu da idéia. Shuya<br />

forçou a conclusão <strong>de</strong> que eles provavelmente não eram tão estúpi<strong>do</strong>s quanto ele, por isso eles<br />

fugiriam no momento que saíssem <strong>do</strong> prédio, especialmente uma vez que enxergassem o cadáver <strong>de</strong><br />

Mayumi Ten<strong>do</strong>. Por um momento ele pensou em Shinji Mimura, mas <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong>sta idéia também.<br />

Mais uma vez ele se forçou a acreditar que eles iriam se encontrar. De qualquer mo<strong>do</strong>, eles tinham<br />

que ir.<br />

Seguran<strong>do</strong> Noriko Nakagawa com força, ele aleatoriamente conduziu seu caminho pelo<br />

bosque. Um pássaro piou “cau, cau” e bateu suas asas voan<strong>do</strong> longe. Ele não o viu, mas não<br />

importava. De qualquer forma, ele não tinha tempo para observar.<br />

39 estudantes restantes.<br />

42


8<br />

Yoshio Akamatsu recuperou a consciência quase imediatamente, mas por ter si<strong>do</strong> nocautea<strong>do</strong> por<br />

um golpe em sua cabeça, ele se sentia como se estivesse sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> um sono profun<strong>do</strong>.<br />

Ele primeiro notou que sua cabeça estava latejan<strong>do</strong>. Caiu por causa disso. O que acontecera?<br />

“Foi <strong>de</strong> jogar ví<strong>de</strong>o game ontem até <strong>de</strong>pois da meia noite? ...o que significa que ontem foi sába<strong>do</strong>, ou<br />

foi <strong>do</strong>mingo? ...então hoje <strong>de</strong>ve ser segunda, o que quer dizer que eu tenho que ir à escola... mas<br />

que horas são... ainda está escuro... eu posso <strong>do</strong>rmir um pouco mais...”<br />

Quan<strong>do</strong> ele se sentou, o céu e a terra giraram noventa graus, um campo vazio<br />

inesperadamente se abriu na sua frente. Havia uma montanha além <strong>do</strong> campo, com o formato<br />

arquea<strong>do</strong>, mais escuro que o céu noturno.<br />

Subitamente tu<strong>do</strong> retornou <strong>de</strong> uma só vez. Sakamochi, o cadáver <strong>do</strong> Sr. Hayashida, a partida<br />

<strong>de</strong> Yoshio, a <strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong> bow gun em seu kit <strong>de</strong> sobrevivência assim que ele encontrou abrigo em<br />

uma pequena cabana, seu retorno até aqui, observan<strong>do</strong> Takako Chigusa (Estudante Feminina No.<br />

13), cujo rosto era sério, mas belo, observan<strong>do</strong> tensamente a <strong>melhor</strong> corre<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> time <strong>de</strong> corrida<br />

sain<strong>do</strong> rapidamente na velocida<strong>de</strong> máxima, lutan<strong>do</strong> contra a fina escada <strong>de</strong> aço <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> prédio<br />

para chegar no teto. Então como <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> carregar o bow gun com uma flecha, Sho<br />

Tsukioka (Estudante Masculino No 14) também conseguira escapar. E então...<br />

Ele se virou e viu uma garota em uniforme <strong>de</strong> marinheiro <strong>de</strong>itada ali.<br />

Não foi exatamente uma surpresa para Yoshio. O que ele sentia agora era em conjunção com<br />

sua memória não era culpa por ter mata<strong>do</strong> uma <strong>de</strong> suas colegas <strong>de</strong> classe, o sentimento mais forte<br />

era o me<strong>do</strong>. Ele parecia um gigantesco quadro <strong>de</strong> avisos para<strong>do</strong> no meio da <strong>de</strong>solação em sua<br />

mente. No quadro havia letras em sangue que diziam: “Vou te matar!”. No fun<strong>do</strong> seus colegas <strong>de</strong><br />

classe portavam armas como macha<strong>do</strong>s e pistolas, atacan<strong>do</strong> Yoshio, que estava para<strong>do</strong> na frente <strong>do</strong><br />

quadro como se estivesse num filme 3D.<br />

É claro que matar um <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> classe é erra<strong>do</strong>. E, além disso, uma vez que o<br />

tempo <strong>de</strong> jogo acabasse, iriam to<strong>do</strong>s morrer <strong>de</strong> qualquer maneira, então era um absur<strong>do</strong> lutar. Mas<br />

tu<strong>do</strong> aquilo era racional <strong>de</strong>mais. O fato era que Yoshio simplesmente não queria morrer. Ele ficava<br />

petrifica<strong>do</strong> com qualquer um <strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> classes que pu<strong>de</strong>sse mostrar os <strong>de</strong>ntes a ele. Só<br />

pense nisso, você está cerca<strong>do</strong> por uma multidão <strong>de</strong> assassinos.<br />

Por isso sua escolha <strong>de</strong> reduzir “o inimigo” tão eficientemente quanto possível não foi<br />

motivada por pensamentos racionais, mas por um profun<strong>do</strong> e primário me<strong>do</strong> da morte. Não havia<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir alia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> inimigos. To<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam ser inimigos. Afinal, quan<strong>do</strong> Ryuhei<br />

Sasagawa costumava atormentá-lo, to<strong>do</strong>s olhavam para o outro la<strong>do</strong>.<br />

Yoshio lutou pra ficar <strong>de</strong> pé. “Primeiro, Shuya Nanahara, com quem estava <strong>de</strong> frente. On<strong>de</strong><br />

ele foi? O bow gun. Eu tenho que pegar o bow gun. On<strong>de</strong> ele...?”<br />

Yoshio sentiu uma pancada contra sua nuca como se tivesse si<strong>do</strong> golpea<strong>do</strong> por um porrete.<br />

43


Ele caiu para frente com o golpe. Seu corpo girou na forma <strong>de</strong> um V e seu rosto arranhou o<br />

chão úmi<strong>do</strong>. A pele <strong>de</strong> sua testa e bochechas <strong>de</strong>scascaram, mas isto não importava mais pra ele. Ele<br />

já estava morto no momento em que caiu.<br />

O mesmo tipo <strong>de</strong> flecha prateada que ele havia atira<strong>do</strong> em Mayumi Ten<strong>do</strong> estava agora<br />

plantada na parte <strong>de</strong> trás <strong>de</strong> seu pescoço.<br />

38 estudantes restantes.<br />

44


9<br />

Kazushi Niida (Estudante Masculino No. 16) emergiu <strong>do</strong> prédio <strong>do</strong>is minutos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Noriko<br />

Nakagawa. Ele parou na entrada por um tempo, tremen<strong>do</strong>. O bow gun caí<strong>do</strong> perto <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong><br />

Yoshio Akamatsu estava ainda carrega<strong>do</strong> com uma flecha. Apesar <strong>de</strong> Kazushi pegá-lo, ele não tinha<br />

intenção <strong>de</strong> atirar em Yoshio. Mas no momento em que Yoshio <strong>de</strong> levantou, ele reflexivamente<br />

puxou o gatilho.<br />

Kazushi fez o que pô<strong>de</strong> para superar o seu pânico. Está certo, a primeira coisa a fazer era<br />

sair daqui. Esta era a priorida<strong>de</strong>. O que ele <strong>de</strong>veria ter feito em primeiro lugar era ignorar<br />

completamente Yoshio Akamatsu e Mayumi Ten<strong>do</strong> e correr para longe. Dadas as circunstâncias, ele<br />

não teve escolha senão matar Yoshio. Yoshio Akamatsu obviamente tinha mata<strong>do</strong> Mayumi Ten<strong>do</strong>.<br />

Então Kazushi não tinha feito nada erra<strong>do</strong>.<br />

Kazushi era muito bom em inventar <strong>de</strong>sculpas. Assim que ele pensou isso o topor em sua<br />

cabeça começou a sumir.<br />

Quan<strong>do</strong> abaixou o bow gun, ele automaticamente pegou o kit <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> Yoshio,<br />

que estava carrega<strong>do</strong> com flechas. Logo antes <strong>de</strong> começar a se mover ele parou e pegou o kit <strong>de</strong><br />

sobrevivência <strong>de</strong> Mayumi Ten<strong>do</strong> também. Então ele correu.<br />

38 estudantes restantes.<br />

45


10<br />

Eles já estavam corren<strong>do</strong> por <strong>de</strong>z minutos? Com seu braço ainda envolven<strong>do</strong> Noriko, ele sinalizou<br />

que eles podiam parar, e ambos pararam. Sob a bruma da luz da luz brilhan<strong>do</strong> através <strong>do</strong>s galhos<br />

acima, Noriko olhou para ele. Sua respiração pesada ecoava como uma barreira gigantesca <strong>de</strong> som,<br />

mas Shuya fez o possível para ouvir além da barreira, procuran<strong>do</strong> outros sons na área coberta pela<br />

escuridão.<br />

Ninguém parecia estar seguin<strong>do</strong>-os. Eles tinham muito pouco fôlego para po<strong>de</strong>r suspirar,<br />

mas agora eles podiam <strong>de</strong>scansar um pouco.<br />

Quan<strong>do</strong> ele jogou suas bolsas, uma <strong>do</strong>r aguda correu pelo seu ombro direito. Ele estava em<br />

péssima forma. Uma guitarra elétrica era mais pesada que um bastão, mas não era algo que você<br />

balança por aí. Depois <strong>de</strong> pôr as bolsas no chão, ele pôs as mãos nas coxas e tentou <strong>de</strong>scansar.<br />

Shuya levou Noriko para sentar no bosque escuro. Depois <strong>de</strong> checar novamente por<br />

quaisquer outros ruí<strong>do</strong>s suspeitos ele se sentou ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>la. A grama grossa sob eles fazia um<br />

barulho alto ao ser esmagada.<br />

Ele sentia que eles cobriram uma boa distância, mas da<strong>do</strong> como estiveram ziguezaguean<strong>do</strong> e<br />

como per<strong>de</strong>ram to<strong>do</strong> o senso <strong>de</strong> direção subin<strong>do</strong> a montanha, eles po<strong>de</strong>m estar apenas a algumas<br />

centenas <strong>de</strong> metros longe da escola. Pelo menos a luz sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> prédio não era mais visível. Mas<br />

isso po<strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> por causa da <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bosque ou pelas pequenas la<strong>de</strong>iras. Sua <strong>de</strong>cisão foi<br />

impulsiva, mas ele estava certo <strong>de</strong> que era mais seguro que a gran<strong>de</strong> praia aberta.<br />

Shuya olhou para Noriko e sussurrou:<br />

– Você está bem?<br />

Noriko murmurou:<br />

– Sim. – ela acenou levemente com a cabeça;<br />

Shuya queria ficar ali por um tempo, mas aquela não era uma opção. Primeiro ele abriu o kit<br />

<strong>de</strong> sobrevivência. Ele procurou <strong>de</strong>ntro e encontrou um objeto que parecia uma garrafa d’água.<br />

Shuya o tirou. O estojo parecia couro e um suporte <strong>de</strong> couro saiu <strong>de</strong>le. Era uma faca <strong>do</strong><br />

exército. Era isso? Ele vasculhou a bolsa um pouco mais, mas nada mais parecia uma arma. Apenas<br />

uma sacola que parecia conter pão e uma lanterna.<br />

Ele <strong>de</strong>safivelou o estojo e removeu a faca. A lâmina tinha aproximadamente quinze<br />

centímetros <strong>de</strong> comprimento e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> checá-la ele a <strong>de</strong>volveu ao estojo e enfiou sob o cinto <strong>de</strong><br />

seu uniforme escolar. Ele <strong>de</strong>sfez o último botão em seu uniforme para tornar a faca rapidamente<br />

acessível.<br />

Shuya pegou o kit <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> Noriko e abriu o zíper. Ele sabia que não <strong>de</strong>via<br />

mexer nas coisas <strong>de</strong> mulheres, mas Noriko não havia feito esta mala.<br />

Ele encontrou algo estranho. Era um bastão curvo <strong>de</strong> aproximadamente quarenta<br />

centímetros. Tinha a textura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira lisa e dura. Era o que eles chamavam <strong>de</strong> bumerangue? Uma<br />

arma usada para lutar e caçar por tribos primitivas. Um herói <strong>de</strong> vilarejo aborígine podia ser capaz<br />

46


<strong>de</strong> causar ferimentos em um canguru vagante com isto, mas que uso possível isto teria para eles?<br />

Shuya suspirou e <strong>de</strong>volveu-o ao kit <strong>de</strong> Noriko.<br />

por ar.<br />

Eles finalmente pararam <strong>de</strong> respirar como vítimas <strong>de</strong> afogamento respiran<strong>do</strong> profundamente<br />

– Você quer um pouco <strong>de</strong> água? – Shuya perguntou;<br />

Noriko fez um aceno com a cabeça e disse: – Só um pouco.<br />

Shuya tirou a garrafa plástica <strong>de</strong> seu kit <strong>de</strong> sobrevivência, rompeu o lacre da tampa <strong>de</strong> rosca<br />

e cheirou o conteú<strong>do</strong>. Ele <strong>de</strong>rramou um pouco em sua mão e lambeu cuida<strong>do</strong>samente. Depois <strong>de</strong><br />

tomar um gole, ten<strong>do</strong> certeza <strong>de</strong> que não houve nenhuma reação anormal, ele passou para Noriko.<br />

Ela pegou a garrafa e só engoliu um pequeno boca<strong>do</strong>. Provavelmente ela sabia que água era<br />

preciosa. Cada garrafa continha aproximadamente um litro e eles só tinham <strong>do</strong>is. Sakamochi disse<br />

que eles não teriam acesso a telefones, mas e o sistema <strong>de</strong> água?<br />

– Deixe-me ver sua perna.<br />

Noriko acenou ao pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> Shuya e esticou sua perna direita, que estava <strong>do</strong>brada sob sua<br />

saia. Shuya tirou a lanterna <strong>de</strong> seu kit <strong>de</strong> sobrevivência. Ele a cobriu cuida<strong>do</strong>samente com a palma<br />

da mão para impedir que sua luz escapasse e então apontou para a perna machucada.<br />

A ferida estava na panturrilha externa. Uma parte <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> aproximadamente quatro<br />

centímetros <strong>de</strong> comprimento e um <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> tinha si<strong>do</strong> retirada. Um pequeno fio <strong>de</strong> sangue<br />

ainda saía da ponta da carne rosada <strong>do</strong> machuca<strong>do</strong>. Parecia que ela precisaria receber pontos.<br />

Shuya rapidamente <strong>de</strong>sligou sua lanterna e apanhou sua mochila esportiva. Ele pegou a<br />

garrafa <strong>de</strong> uísque e <strong>do</strong>is lenços limpos que ele havia embrulha<strong>do</strong> para a viagem. Ele <strong>de</strong>stampou a<br />

garrafa.<br />

– Isto vai <strong>do</strong>er.<br />

– Ficarei bem. – Noriko disse, mas assim que Shuya inclinou a garrafa e <strong>de</strong>rramou o uísque<br />

para <strong>de</strong>sinfetar o machuca<strong>do</strong>, ela <strong>de</strong>ixou escapar um pequeno grito. Shuya pressionou um lenço em<br />

sua perna. Ele abriu o outro, <strong>do</strong>brou, e então começou a enrolá-lo firmemente em torno da perna<br />

como uma faixa. Isto pararia o sangramento por hora.<br />

Depois <strong>de</strong> enrolar a perna, ele puxou as duas pontas <strong>do</strong> lenço com força, amarrou e<br />

murmurou: “Diabos...”<br />

Noriko sussurrou:<br />

– É sobre Nobu?<br />

– Yoshitoki, Yoshio. To<strong>do</strong>s e tu<strong>do</strong>. Eu não vou cair nessa. Eu não estou mesmo nessa.<br />

Quan<strong>do</strong> ele moveu as mãos, Shuya olhou para Noriko. Então ele olhou para baixo e<br />

terminou <strong>de</strong> fazer o nó. Noriko agra<strong>de</strong>ceu e encolheu a perna.<br />

– Então Yoshio foi quem matou... – sua voz estava tremen<strong>do</strong> – ...Mayumi?<br />

– É isso. Ele estava em cima da porta <strong>de</strong> saída. Eu joguei uma flecha nele e ele caiu.<br />

Agora que ele pensou sobre isso, Shuya percebeu que ele não tomou cuida<strong>do</strong> com Yoshio.<br />

Ele instintivamente assumiu que Yoshio ficaria inconsciente por um tempo, mas até on<strong>de</strong> sabia,<br />

47


Yoshio <strong>de</strong>veria ter acorda<strong>do</strong> logo <strong>de</strong>pois. Isto significava que ele po<strong>de</strong> ter pega<strong>do</strong> seu bow gun,<br />

subi<strong>do</strong> no telha<strong>do</strong> e continua<strong>do</strong> seu massacre.<br />

“Eu fui muito ingênuo <strong>de</strong> novo? Eu não <strong>de</strong>via tê-lo mata<strong>do</strong> logo ali?”<br />

Com este pensamento Shuya checou seu relógio sob a luz da lua. O velho, <strong>do</strong>mesticamente<br />

manufatura<strong>do</strong>, relógio <strong>de</strong> mergulho <strong>de</strong> edição limitada Hattori Hanzo (que junto com a maioria <strong>de</strong><br />

seus pertences havia si<strong>do</strong> <strong>do</strong>a<strong>do</strong> à Shuya através <strong>do</strong> orfanato) marcava 2:40. To<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veriam ter<br />

saí<strong>do</strong> agora. No máximo havia <strong>do</strong>is ou três estudantes faltan<strong>do</strong>, sem consi<strong>de</strong>rar o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Yoshio<br />

Akamatsu. Shinji Mimura já tinha... Shuya estava quase certo que Shinji po<strong>de</strong>ria escapar facilmente<br />

<strong>de</strong> Yoshio... Neste momento ele já teria saí<strong>do</strong> também.<br />

Shuya sacudiu sua cabeça. Agora ele se sentia ridículo acreditan<strong>do</strong> que eles podiam se unir<br />

contra essa situação.<br />

– Eu nunca imaginei que alguém como ele po<strong>de</strong>ria realmente tentar matar to<strong>do</strong>s os outros pra<br />

sobreviver. Eu enten<strong>do</strong> as regras, mas eu não achava que alguém realmente participaria.<br />

– Você po<strong>de</strong> estar erra<strong>do</strong> sobre isso. – Noriko disse.<br />

– Ahn? – Shuya olhou para o rosto <strong>de</strong> Noriko, muito escuro para enxergar sob a luz da lua.<br />

Noriko continuou:<br />

– Você sabe como Yoshio sempre foi tími<strong>do</strong>. Eu acho que ele estava assusta<strong>do</strong>. Deve ter si<strong>do</strong><br />

isso. Digo, você não tem idéia <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong> se virar contra você. Ele <strong>de</strong>ve ter se convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> iria atrás <strong>de</strong>le. E que se ele não fizesse alguma coisa ele po<strong>de</strong>ria acabar... morto...<br />

Shuya sentou encosta<strong>do</strong> no tronco da árvore mais próxima e esticou suas pernas.<br />

Aqueles que estavam apavora<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>riam tentar matar uns aos outros... A mesma idéia<br />

ocorreu a Shuya, mas ele também imaginou que os que estavam assusta<strong>do</strong>s iriam basicamente se<br />

escon<strong>de</strong>r. Mas se eles estivessem aterroriza<strong>do</strong>s até o fun<strong>do</strong> da alma, realmente iriam tomar sua<br />

própria iniciativa.<br />

– Entendi.<br />

– Sim. – Noriko acenou com a cabeça. – Mas ainda é horrível que ele tenha começa<strong>do</strong> a matar<br />

indiscriminadamente.<br />

Eles ficaram em silêncio por um tempo. Então Shuya veio com uma idéia.<br />

– Ei, você acha que se ele tivesse visto nós <strong>do</strong>is juntos ele não teria nos ataca<strong>do</strong>? Isto não<br />

provaria que nós não estamos jogan<strong>do</strong> o jogo?<br />

paranóia...<br />

– Bem, sim, talvez.<br />

Shuya começou a pensar. Se como Noriko disse, Yoshio tivesse si<strong>do</strong> subjuga<strong>do</strong> pela<br />

Aquele momento lá atrás foi quan<strong>do</strong> ele percebeu que alguém estava queren<strong>do</strong> jogar. Foi por<br />

isso que ele fugiu. Mas talvez estivesse erra<strong>do</strong>. Como eles po<strong>de</strong>riam se matar uns aos outros? Era<br />

ultrajante. Então e se ele tivesse <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> Yoshio <strong>de</strong> la<strong>do</strong> e espera<strong>do</strong> pelos outros?<br />

De qualquer forma, já era tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. To<strong>do</strong>s já teriam saí<strong>do</strong> agora, mesmo se eles<br />

voltassem. Além disso, Yoshio fizera aquilo só por causa <strong>do</strong> me<strong>do</strong>?<br />

48


Ele estava fican<strong>do</strong> confuso.<br />

– Ei, Noriko.<br />

Noriko ergueu o rosto.<br />

– O que você acha? Eu fugi <strong>do</strong> terreno da escola no momento em que eu percebi que po<strong>de</strong>ria<br />

haver outros como Yoshio. Mas... se ele realmente fez aquilo por me<strong>do</strong>... em outras palavras, você<br />

acha mesmo que algum <strong>de</strong> nós po<strong>de</strong>ria mesmo participar? É o que eu quero dizer... Estou pensan<strong>do</strong><br />

em juntar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para escapar <strong>de</strong>ste jogo. O que você acha?<br />

– To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>?<br />

Noriko ficou em silêncio e escon<strong>de</strong>u seus joelhos sob a saia. Então ela disse:<br />

– Talvez eu não seja tão generosa.<br />

– Ahn?<br />

– Eu não po<strong>de</strong>ria suportar alguns <strong>de</strong>les. Eu po<strong>de</strong>ria confiar nos meus amigos... – Noriko<br />

mencionou o nome <strong>de</strong> sua representante <strong>de</strong> classe, Yukie Utsumi. Shuya conhecia Yukie <strong>de</strong>ste o<br />

primário.<br />

– Como Yukie. Mas eu não acho que po<strong>de</strong>ria confiar nas outras garotas. Não há como eu<br />

estar com elas. Não acha? Eu não tenho idéia <strong>do</strong> que se passava pela cabeça <strong>do</strong> Yoshio, mas eu<br />

também estou com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Eu não sei quem eles realmente são. Quero dizer...<br />

ninguém consegue ler a mente <strong>do</strong>s outros.<br />

“Eu não sei nada sobre ninguém.”<br />

“Ela está certa”, Shuya pensou. “O que eu sei sobre este grupo com o qual passo o dia na<br />

escola?” Ele subitamente sentiu como se houvesse um inimigo lá fora.<br />

Noriko continuou:<br />

– Por isso e-eu teria dúvidas. A não ser que fosse alguém em quem eu realmente confiasse, eu<br />

suspeitaria da pessoa. Eu teria me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que eles pu<strong>de</strong>ssem querer me matar.<br />

Shuya suspirou. O jogo era horrível. Mas também parecia infalível. No final, era uma idéia<br />

ruim convidar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> indiscriminadamente para formar um grupo a não ser que você estivesse<br />

certo sobre eles. E se (vamos só supor) eles traíssem uns aos outros? Não era apenas sua própria<br />

vida que ele colocaria em perigo, mas a <strong>de</strong> Noriko também. Sim, era natural que os outros antes<br />

<strong>de</strong>le tivessem imediatamente escapa<strong>do</strong> <strong>do</strong> local. Aquilo era mais realista.<br />

...<br />

– Espere um segun<strong>do</strong>. – disse Shuya. Noriko olhou para ele. – Então isto significa que nós<br />

estarmos juntos não prova necessariamente que somos inofensivos. Os outros po<strong>de</strong>m suspeitar que<br />

eu planeje te matar em algum momento.<br />

Noriko concor<strong>do</strong>u.<br />

– Sim, eu também suspeitaria, assim como você. Um colega <strong>de</strong> classe po<strong>de</strong>ria nos evitar ao<br />

nos ver juntos, mas eu também acho que qualquer um que convi<strong>de</strong>mos irá se afastar. Eu acho que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> cada pessoa.<br />

Shuya segurou sua respiração.<br />

– Seria assusta<strong>do</strong>r.<br />

49


– Sim, muito assusta<strong>do</strong>r.<br />

Então aqueles que fugiram <strong>do</strong> terreno da escola estavam corretos. Mas o que importava pra<br />

ele era proteger Noriko Nakagawa, a garota que Yoshitoki a<strong>do</strong>rava. Talvez ele <strong>de</strong>vesse ter se<br />

contenta<strong>do</strong> com o fato <strong>de</strong> que pelo menos Noriko Nakagawa estava a salvo agora. Ele tinha feito a<br />

coisa mais segura. Mas...<br />

– Mas – ele disse – pelo menos eu queria que Shinji se juntasse a nós. Eu acho que ele<br />

encontraria um plano realmente bom. Você não se incomoda com Shinji, certo?<br />

Noriko concor<strong>do</strong>u e disse:<br />

– É claro. – Da<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> vezes que ela falava com Shuya na escola, ela teve muitas<br />

chances <strong>de</strong> falar com Shinji Mimura... Além disso...<br />

Shuya se lembrou <strong>de</strong> como Shinji a aju<strong>do</strong>u e como sinalizou para ele ficar calmo. Ele<br />

percebeu agora que se Shinji não tivesse feito aquelas coisas, ele e Noriko teriam fica<strong>do</strong> em esta<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> choque e teriam si<strong>do</strong> mortos da mesma forma que Yoshitoki.<br />

Como se ela estivesse pensan<strong>do</strong> pela mesma linha <strong>de</strong> raciocínio que levava ao inevitável, ela<br />

olhou para baixo e disse baixinho:<br />

– Então Nobu se foi.<br />

– Sim, – Shuya respon<strong>de</strong>u baixo, como se fosse um fato bizarro. – Acho que sim.<br />

Então eles ficaram quietos <strong>de</strong> novo. Eles po<strong>de</strong>riam ficar relembran<strong>do</strong>, mas agora não era o<br />

momento. Além disso, Shuya não podia se permitir ficar passean<strong>do</strong> no beco das memórias com<br />

Yoshitoki. Era duro <strong>de</strong>mais.<br />

– Me pergunto o que <strong>de</strong>víamos fazer.<br />

Noriko apertou os lábios e concor<strong>do</strong>u com a cabeça, sem uma palavra.<br />

– Eu acho que <strong>de</strong>ve ter um jeito <strong>de</strong> juntar aqueles em quem nós confiamos.<br />

– Isso é... – Noriko levou isso em conta, então ficou em silêncio <strong>de</strong> novo. Era verda<strong>de</strong>, não<br />

havia saída. Pelo menos por enquanto.<br />

Shuya suspirou profundamente <strong>de</strong> novo.<br />

Ele olhou para cima e viu através <strong>do</strong>s galhos o céu cinza da noite brilhan<strong>do</strong> fracamente sob a<br />

luz da lua. Então era isso que significava estar em uma situação <strong>de</strong> “não vence<strong>do</strong>r”. Se eles<br />

simplesmente quisessem juntar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> que eles teriam que fazer era andar e gritar. Mas<br />

isto seria um convite aberto para serem mortos por qualquer um <strong>de</strong> seus inimigos. É claro que ele<br />

esperava que não houvesse inimigos, mas... no final, ele tinha que admitir que também estava<br />

amedronta<strong>do</strong>.<br />

Este pensamento o levou a uma idéia. Shuya se virou para ela e perguntou:<br />

– Mas você não está com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> mim?<br />

– O quê?<br />

– Você não se pergunta se eu não tentaria te matar?<br />

Sob a luz da lua ele não podia enxergar direito, mas os olhos <strong>de</strong> Noriko pareciam estar um<br />

pouco maiores.<br />

– Você nunca faria algo tão horrível.<br />

50


Shuya pensou um pouco mais. Então ele disse:<br />

– Mas você não po<strong>de</strong> saber o que os outros estão pensan<strong>do</strong>. Você mesma disse.<br />

– Não. – Noriko sacudiu a cabeça. – Eu só sei que você nunca faria isso.<br />

Shuya olhou diretamente para o rosto <strong>de</strong>la. Ele provavelmente parecia confuso.<br />

– Você po<strong>de</strong>... saber?<br />

– Sim... eu posso... Eu... – Ela hesitou, mas então continuou. – Eu estive observan<strong>do</strong> você por<br />

um longo tempo.<br />

Ela teria dito estas palavras com mais força em uma situação normal, ou pelo menos uma<br />

que fosse um pouco mais romântica.<br />

Foi assim que Shuya se lembrou da carta <strong>de</strong> amor anônima que ele recebera escrita em<br />

caneta marca<strong>do</strong>ra azul claro. Alguém havia coloca<strong>do</strong> embaixo <strong>de</strong> sua carteira em um dia <strong>de</strong> Abril.<br />

Não foi a primeira carta <strong>de</strong> amor que o antigo entre-bases estrela e atual auto-proclama<strong>do</strong> (às vezes<br />

também pelos outros) estrela <strong>do</strong> rock´n´roll <strong>do</strong> colégio Shiroiwa recebeu, mas produziu uma<br />

impressão suficientemente forte em Shuya para que ele a guardasse. Havia uma qualida<strong>de</strong> poética<br />

na carta, que o emocionou.<br />

Estava escrito: “Mesmo se for mentira, mesmo se for um sonho, por favor, olhe pra mim. Seu<br />

sorriso em um dia qualquer não é uma mentira, não é um sonho. Mas ten<strong>do</strong> ele para mim, será a<br />

minha mentira, o meu sonho. Mas o dia em que você chamar por meu nome, não será uma mentira,<br />

não será um sonho.”. E então: “Nunca foi uma mentira, nunca foi um sonho que eu te amo.”<br />

Era Noriko quem enviou aquela carta? Ele se lembrou <strong>de</strong> ter observa<strong>do</strong> como a escrita<br />

parecia com a <strong>de</strong>la e como o estilo poético também era similar... Mas então...<br />

Shuya pensou em perguntar a ela sobre a carta, mas <strong>de</strong>cidiu não fazer. Não era o momento<br />

certo. Além disso, ele não tinha o direito <strong>de</strong> fazer isso. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> ele estava afim <strong>de</strong> uma outra<br />

garota, Kazumi Shintani, quem nunca (usan<strong>do</strong> a frase daquela carta <strong>de</strong> amor) olharia para ele.<br />

Outras garotas e aquela carta <strong>de</strong> amor tinham pouca importância para ele em comparação. A coisa<br />

mais importante agora para ele era proteger “a garota que Yoshitoki Kuninobu a<strong>do</strong>rava” e não<br />

<strong>de</strong>scobrir “quem estava afim <strong>de</strong>le”.<br />

Então ele se lembrou <strong>do</strong> olhar embaraça<strong>do</strong> que Yoshitoki <strong>de</strong>u a ele quan<strong>do</strong> eles tiveram<br />

aquela conversa. “Ei, Shuya, eu estou gostan<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguém.”<br />

Noriko perguntou:<br />

– E você, Shuya? Não está com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> mim? Não, espera, então por que você me aju<strong>do</strong>u?<br />

– Bom... – Shuya pensou em contar a ela sobre Yoshitoki. Olha, meu <strong>melhor</strong> amigo gostava <strong>de</strong><br />

você. Então se eu vou ajudar alguém, que seja você, não importa por que. Quero dizer, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<br />

olha só.<br />

Ele <strong>de</strong>cidiu não fazer isto também. Seria <strong>melhor</strong> eles discutirem isso mais tar<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong> eles<br />

tivessem tempo para isso, assumin<strong>do</strong> que eles teriam algum tempo mais tar<strong>de</strong>.<br />

– Você estava machucada. Eu não podia <strong>de</strong>ixá-la sozinha. E, além disso, eu confio em você.<br />

Eu seria idiota se não confiasse em alguém tão bonita como você.<br />

51


Noriko <strong>de</strong>u um leve sorriso. Shuya fez o <strong>melhor</strong> para retornar o sorriso. Eles estavam em<br />

uma situação horrível, mas ele sentiu um leve alívio em formar um sorriso.<br />

Shuya disse:<br />

– De qualquer mo<strong>do</strong>, nós temos sorte. Pelo menos estamos juntos.<br />

Noriko concor<strong>do</strong>u: – Sim.<br />

Mas... o que eles <strong>de</strong>veriam fazer agora?<br />

Shuya começou a fazer sua mala. Se eles iam <strong>de</strong>scansar para planejar uma estratégia, iriam<br />

precisar encontrar um lugar que oferecesse visibilida<strong>de</strong>. Novamente, eles não tinham idéia <strong>do</strong> que<br />

os outros estavam fazen<strong>do</strong>. No mínimo eles teriam que ser extremamente cautelosos. É o que<br />

significava ser realista em relação às horríveis circunstâncias.<br />

mun<strong>do</strong>.<br />

Ele manteve o mapa, compasso e lanterna ao seu la<strong>do</strong>. Este era o pior jogo <strong>de</strong> localização <strong>do</strong><br />

– Você ainda po<strong>de</strong> andar?<br />

– Eu estou bem.<br />

– Então vamos andar um pouco mais. Nós temos que achar um lugar pra <strong>de</strong>scansar.<br />

38 estudantes restantes.<br />

52


11<br />

Mitsuru Numai (Estudante Masculino No. 17) seguiu cuida<strong>do</strong>samente entre o bosque e a estreita<br />

praia banhada pela luz da lua que tinha aproximadamente <strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> largura. Ele estava<br />

carregan<strong>do</strong> seu kit e sua própria mochila no ombro. Ele segurava uma pequena pistola automática<br />

em sua mão direita. (Era uma Walther PPK 9mm. Comparada às outras armas que tinham si<strong>do</strong><br />

preparadas para o jogo, esta tinha um alto valor. Entre a maioria das armas usadas no Programa,<br />

este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção em massa foi importa<strong>do</strong> bem barato <strong>do</strong>s países <strong>de</strong> Terceiro Mun<strong>do</strong> que<br />

tinham permaneci<strong>do</strong> neutros em relação a ambos, a República da Ásia <strong>do</strong> Leste Maior e o Império<br />

Americano e seus alia<strong>do</strong>s). Mitsuru estava familiariza<strong>do</strong> com a versão <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> arma da<br />

pistola, por isso ele não precisou <strong>do</strong> manual que o acompanhava. Ele até sabia que não havia<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> engatilhar a pistola antes <strong>de</strong> puxar o gatilho. Ela veio com um cartucho <strong>de</strong> munição<br />

que ele já carregou na arma.<br />

A arma em sua mão o fez se sentir, <strong>de</strong> alguma maneira, seguro, mas ele carregava algo ainda<br />

mais importante em sua mão esquerda, o compasso forneci<strong>do</strong>. Era o mesmo mo<strong>de</strong>lo barato <strong>de</strong> lata<br />

que Shuya tinha, mas ele fazia o serviço. Quarenta minutos antes <strong>de</strong> sua partida da classe, seu<br />

gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r, Kazuo Kiriyama (Estudante Masculino No. 6) passou uma mensagem para ele: “Se nós<br />

estamos mesmo numa ilha, então estarei esperan<strong>do</strong> na ponta sul.”<br />

É claro... to<strong>do</strong>s eram inimigos neste jogo. Esta era a regra fundamental. Mas os laços na<br />

“Família Kiriyama” eram absolutos. Não importava se eles eram chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> valentões. Eles eram<br />

fortes como gatunos.<br />

Mais que isso, o laço entre Mitsuru Numai e Kazuo Kiriyama era especial. Porque... <strong>de</strong> um<br />

certo mo<strong>do</strong> foi Mitsuru quem tornou Kazuo Kiriyama no que ele é hoje. Se havia algo que ele sabia,<br />

que os outros estudantes mais certinhos como Shuya Nanahara não sabiam, era o fato <strong>de</strong> que até<br />

on<strong>de</strong> Mitsuru sabia, Kazuo Kiriyama, pelo menos até a sexta série, não era nenhum “<strong>de</strong>linqüente”.<br />

Mitsuru havia si<strong>do</strong> um valentão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola elementar. Mas ele nunca foi cruel sem<br />

motivos. Educa<strong>do</strong> em uma família genérica, ele não era particularmente brilhante, nem mostrava<br />

quaisquer outras qualida<strong>de</strong>s. Brigar era a <strong>melhor</strong> coisa que ele podia fazer para se provar. “Força” era<br />

a única meta que ele tinha, e ele nunca sentiu falta <strong>de</strong>la.<br />

Então foi inevitável, em seu primeiro dia na sexta série, ele faria o <strong>melhor</strong> para <strong>de</strong>sencorajar<br />

quaisquer competi<strong>do</strong>res vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outras escolas elementares 11 no seu distrito. É claro, ao julgar<br />

pela força das crianças que ele encontrou nos lugares comuns, ele sabia que as crianças <strong>de</strong> outras<br />

escolas elementares dificilmente representariam ameaça. Porém nem to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem ter ouvi<strong>do</strong> falar<br />

<strong>de</strong>le. Deveria ter apenas um rei, que era a <strong>melhor</strong> maneira <strong>de</strong> manter a or<strong>de</strong>m. Claro que ele não<br />

pensaria em por <strong>de</strong>sta forma, mas sabia que isto era o que estava acontecen<strong>do</strong>.<br />

11 Como existe no Japão a diferença entre escola elementar (shougakkou) e “junior high” (chuugakkou), quan<strong>do</strong> se<br />

passa da quinta para a sexta série, às vezes é necessário mudar <strong>de</strong> escola.<br />

53


Como espera<strong>do</strong>, havia <strong>do</strong>is ou três competi<strong>do</strong>res. Tu<strong>do</strong> aconteceu <strong>de</strong>pois da cerimônia <strong>de</strong><br />

entrada e das aulas <strong>de</strong> introdução, <strong>de</strong>pois das aulas, quan<strong>do</strong> ele estava no processo <strong>de</strong> tomar conta<br />

<strong>do</strong> último.<br />

No corre<strong>do</strong>r <strong>de</strong>serto da sala <strong>de</strong> artes, Mitsuru agarrou o garoto pelo colarinho e o pressionou<br />

contra a pare<strong>de</strong>. O garoto já estava machuca<strong>do</strong> sobre o olho. Seus olhos estavam brilhan<strong>do</strong> com<br />

lágrimas. Ele agarrou com força. Só havia toma<strong>do</strong> <strong>do</strong>is socos.<br />

– Enten<strong>de</strong>u? Então não se meta mais comigo.<br />

O garoto acenou freneticamente com a cabeça. Ele provavelmente só estava pedin<strong>do</strong> para ser<br />

libera<strong>do</strong>, mas Mitsuru queria confirmação verbal.<br />

– Estou perguntan<strong>do</strong>! Você enten<strong>de</strong>u?<br />

Ele <strong>de</strong>u um empurrão no corpo <strong>do</strong> garoto com seu braço esquer<strong>do</strong>.<br />

– Me responda. Não sou o pior cara nesta escola? Não sou?<br />

Mitsuru ficou irrita<strong>do</strong> por seu oponente não respon<strong>de</strong>r. Ele o ergueu mais alto quan<strong>do</strong><br />

subitamente sentiu aquele olhar sobre ele.<br />

Ele <strong>de</strong>ixou o garoto ir e se virou. O garoto caiu no chão e se afastou, mas <strong>de</strong> maneira alguma<br />

Mitsuru iria atrás <strong>de</strong>le agora.<br />

Ele estava cerca<strong>do</strong> por quatro caras mais altos que ele. Os crachás em seus uniformes gastos<br />

indicavam que eles eram estudantes da oitava série. Podia-se dizer imediatamente o que eles eram.<br />

Eles eram exatamente como ele.<br />

– Ei, moleque. – o que tinha o rosto coberto <strong>de</strong> espinhas e um sorriso apavorante disse. – Você<br />

não <strong>de</strong>via atormentar os mais fracos.<br />

loucos.<br />

Outro com cabelos até os ombros, pinta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> laranja, franziu os lábios grossos e continuou:<br />

– Você foi <strong>de</strong>sobediente.<br />

Sua voz “afeminada” fez os quatro <strong>de</strong>les caírem <strong>de</strong> rir “HEHEHE”, como se eles fossem to<strong>do</strong>s<br />

– Nós temos que ensinar uma lição pra você.<br />

– Sim, temos.<br />

Então eles guincharam <strong>de</strong> novo “HeeHee!”<br />

Mitsuru tentou um chute surpresa na frente daquele com a cara cheia <strong>de</strong> espinhas, mas foi<br />

imediatamente joga<strong>do</strong> pelo garoto à sua esquerda.<br />

Tão logo ele caiu, o <strong>de</strong> rosto <strong>de</strong> espinhas chutou-o no rosto, acertan<strong>do</strong> seus <strong>de</strong>ntes da frente.<br />

A parte <strong>de</strong> trás <strong>de</strong> sua cabeça bateu contra a pare<strong>de</strong> em que ele esteve ocupa<strong>do</strong> usan<strong>do</strong> contra seu<br />

colega <strong>de</strong> classe. Ele sentiu tonturas. Algo quente escorreu da parte <strong>de</strong> trás da sua cabeça. Mitsuru<br />

tentou se erguer contra os quatro, mas então o que estava à sua direita chutou-o no estômago.<br />

Mitsuru gemeu e vomitou. Um <strong>de</strong>les disse:<br />

“Mas que bagunça.”<br />

“Diabos”, ele pensou. “Bastar<strong>do</strong>s... Covar<strong>de</strong>s malditos... Eu podia pegar qualquer um <strong>de</strong>les se<br />

fosse um contra um...”<br />

54


Mas não havia nada que ele pu<strong>de</strong>sse fazer agora. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, foi ele quem escolhera <strong>de</strong><br />

propósito um lugar <strong>de</strong>serto para intimidar seu colega <strong>de</strong> classe. Não tinha como um professor<br />

aparecer ali.<br />

Eles pren<strong>de</strong>ram seu punho direito contra o chão. Um <strong>de</strong>les cuida<strong>do</strong>samente puxou o <strong>de</strong><strong>do</strong><br />

indica<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Mitsuru e pôs <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> sapato <strong>de</strong> couro. Pela primeira vez na vida Mitsuru<br />

experimentava me<strong>do</strong> real.<br />

“Não... Não po<strong>de</strong> ser.”<br />

Mas era. A sola <strong>do</strong> sapato <strong>de</strong>sceu e o <strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong> Mitsuru fez um som horrível <strong>de</strong> estalo.<br />

Mitsuru gritou. Ele nunca sentira tanta <strong>do</strong>r. Eles continuavam rin<strong>do</strong> “Hee Hee Hee!”<br />

Mitsuru pensou. “Estes bastar<strong>do</strong>s... eles são loucos... eles não são como eu... são malucos...”<br />

Eles estavam preparan<strong>do</strong> o <strong>de</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong> meio.<br />

– P-pára...<br />

Sem nem uma pitada <strong>de</strong> orgulho sobran<strong>do</strong>, Mitsuru suplicou por pieda<strong>de</strong>, mas eles<br />

ignoraram seu pedi<strong>do</strong>. O mesmo barulho <strong>de</strong> estalo veio. O <strong>de</strong><strong>do</strong> médio <strong>de</strong> Mitsuru estava arruina<strong>do</strong><br />

agora. Mitsuru gritou <strong>de</strong> novo.<br />

– Vamos fazer em mais um então.<br />

Foi então que aconteceu.<br />

A porta da classe <strong>de</strong> artes subitamente se abriu.<br />

– Vocês po<strong>de</strong>m ficar quietos? – A voz era tranqüila.<br />

Por um momento Mitsuru pensou que era um professor. Mas um professor teria intervin<strong>do</strong><br />

muito mais ce<strong>do</strong> e, além disso, um pedi<strong>do</strong> pra ficar quieto pareceria muito estranho.<br />

Com suas costas ainda presas contra o chão, Mitsuru olhou para a porta.<br />

Ele não era muito gran<strong>de</strong>, mas tinha uma aparência muito boa. Estava seguran<strong>do</strong> um pincel.<br />

Ele tinha o visto na aula <strong>de</strong> introdução. Era um <strong>do</strong>s colegas <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> Mitsuru. Sua família<br />

parecia ter <strong>de</strong> muda<strong>do</strong> recentemente aqui. Ninguém sabia quem ele era, mas como era quieto e<br />

parecia obediente, Mitsuru não prestara muita atenção nele. Da<strong>do</strong> como sua aparência era refinada,<br />

ele provavelmente viera <strong>de</strong> uma boa família. Alguém como ele faria o possível para evitar brigas,<br />

por isso ele não era alguém que trouxesse preocupação.<br />

Mas o que ele estava fazen<strong>do</strong> na sala <strong>de</strong> artes? Provavelmente pintan<strong>do</strong>, mas não era um<br />

pouco estranho no primeiro dia <strong>de</strong> aulas?<br />

você disse?<br />

O rapaz com espinhas foi até o garoto.<br />

– Quem diabo é você?<br />

Ele parou na frente <strong>do</strong> garoto.<br />

– Quem diabo é você? Sexta série? Que droga você está fazen<strong>do</strong> aqui? Heim? Que foi que<br />

Ele <strong>de</strong>rrubou o pincel da mão <strong>do</strong> garoto e tinta azul escura se espalhou no chão.<br />

O garoto lentamente ergueu os olhos para o rapaz com espinhas.<br />

O resto precisava <strong>de</strong> pouca explicação. O pequeno garoto <strong>de</strong>rrotou os quatro estudantes <strong>de</strong><br />

oitava série. (Eles estavam to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>s no chão, completamente paralisa<strong>do</strong>s).<br />

55


O garoto aproximou-se <strong>de</strong> Mitsuru. Depois <strong>de</strong> olhá-lo ele só disse:<br />

– Você <strong>de</strong>veria ter sua mão examinada num hospital.<br />

E então ele voltou para <strong>de</strong>ntro da sala.<br />

Mitsuru olhou para os quatro corpos caí<strong>do</strong>s no chão. Ele estava completamente choca<strong>do</strong><br />

com esta coisa totalmente sem prece<strong>de</strong>ntes. Ele sentiu um respeito pelo garoto, como um boxea<strong>do</strong>r<br />

ama<strong>do</strong>r caí<strong>do</strong> na mediocrida<strong>de</strong> após encontrar um campeão mundial. Mitsuru vira um gênio.<br />

Daquele ponto em diante Mitsuru serviu aquele garoto, Kazuo Kiriyama. Ele não precisava<br />

admitir. Kazuo Kiriyama <strong>de</strong>rrotara quatro rapazes <strong>de</strong> uma vez quan<strong>do</strong> Mitsuru só po<strong>de</strong>ria tê-los<br />

enfrenta<strong>do</strong> um a um. Deveria haver só um rei, e aqueles que não o fossem <strong>de</strong>veriam servi-lo. Ele<br />

tirara esta conclusão há muito tempo atrás. A idéia provavelmente veio <strong>do</strong> seu mangá shounen 12<br />

favorito.<br />

Kazuo Kiriyama era um mistério.<br />

Quan<strong>do</strong> Mitsuru perguntou como ele conseguiu lutar tão cruelmente, ele só respon<strong>de</strong>u:<br />

– Eu aprendi.<br />

Kazuo ignoraria quaisquer outras tentativas <strong>de</strong> saber mais. Mitsuru então tentaria coagir<br />

mais <strong>de</strong>le sugerin<strong>do</strong> que ele <strong>de</strong>veria ter ti<strong>do</strong> uma reputação na escola elementar, mas Kazuo negou.<br />

Então talvez ele fosse um campeão mundial <strong>de</strong> caratê ou algo assim? Kazuo negou isso também.<br />

Mais um ponto estranho, que Mitsuru <strong>de</strong>scobriu <strong>de</strong>pois, era o fato <strong>de</strong> que Kazuo havia invadi<strong>do</strong> a<br />

sala <strong>de</strong> artes no dia em que eles se encontraram. Quan<strong>do</strong> Mitsuru perguntou o porquê, Kazuo apenas<br />

respon<strong>de</strong>u “Eu só quis fazer.”. Era assim que a estranha personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Kazuo contribuiu para que<br />

Mitsuru fosse atraí<strong>do</strong> para ele. (Além disso, a qualida<strong>de</strong> da pintura que <strong>de</strong>screvia uma visão tirada a<br />

partir daquela sala <strong>do</strong> pátio vazio excedia em muito o nível <strong>de</strong> sexta série, mas Mitsuru nunca viu<br />

esta pintura porque Kazuo havia joga<strong>do</strong> no lixo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> completá-la.)<br />

Mitsuru mostrou as re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>zas a Kazuo. A pequena cida<strong>de</strong>, incluin<strong>do</strong> o café on<strong>de</strong> seus<br />

amigos se encontravam, o lugar on<strong>de</strong> ele guardava coisas roubadas, o suspeito negocia<strong>do</strong>r que<br />

fornecia produtos ilegais. Os talentos <strong>de</strong> Mitsuru eram só <strong>de</strong> briga, mas ele fez o <strong>melhor</strong> para<br />

mostrar a Kazuo to<strong>do</strong>s os lugares que conhecia. Kazuo sempre parecia calmo. Ele foi junto talvez<br />

por curiosida<strong>de</strong>. Eventualmente ele cui<strong>do</strong>u <strong>de</strong> estudantes <strong>de</strong> séries superiores além daqueles que ele<br />

<strong>de</strong>rrotara, encrenqueiros <strong>de</strong> outras escolas, ou alguns estudantes <strong>de</strong> colegial.<br />

Sem exceção, Kazuo os fez se contorcerem instantaneamente no chão. Mitsuru estava<br />

entusiasma<strong>do</strong> com Kazuo. Talvez não fosse diferente da alegria que um treina<strong>do</strong>r sente em treinar<br />

um campeão mundial <strong>de</strong> boxe.<br />

Porém Kazuo não era unicamente forte. Ele era esperto. Simplesmente ele se sobressaía em<br />

tu<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> eles invadiram a loja <strong>de</strong> bebidas, foi Kazuo quem veio com um plano brilhante.<br />

Kazuo salvou Mitsuru <strong>de</strong> muitas enrascadas em que se meteu. (Des<strong>de</strong> que se meteu com Kazuo,<br />

Mitsuru nunca foi preso pela polícia). Além disso, seu pai parecia ser o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong><br />

corporação na prefeitura. Não, em toda a região <strong>de</strong> Chugoku e Shikoku. Ele não tinha me<strong>do</strong>.<br />

12 Mangá shounen é um tipo <strong>de</strong> mangá com tema volta<strong>do</strong> para garotos.<br />

56


Mitsuru acreditava que algumas pessoas estavam <strong>de</strong>stinadas à gran<strong>de</strong>za. Ele pensava: “este cara será<br />

alguém tão extraordinário que eu nem posso imaginar o que vai se tornar”.<br />

Mitsuru o tornou lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sua gangue, que continuou a espalhar problemas. Mitsuru só se<br />

perguntou uma vez se era correto envolver Kazuo. Kazuo proibiu estritamente (ele nunca disse, mas<br />

era a sensação que ele <strong>de</strong>ixava) Mitsuru e os outros <strong>de</strong> visitá-lo em sua casa (na verda<strong>de</strong>, era<br />

mansão), então Mitsuru nunca pô<strong>de</strong> dizer se os pais <strong>de</strong> Kazuo estavam cientes da situação <strong>de</strong> seu<br />

filho. Ele estava preocupa<strong>do</strong> que sua gangue po<strong>de</strong>ria ser uma má influência em Kazuo, que fora<br />

obviamente bem educa<strong>do</strong>. Depois <strong>de</strong> pensar muito sobre isto, Mitsuru finalmente compartilhou suas<br />

preocupações com Kazuo.<br />

Mas Kazuo apenas disse:<br />

– Eu não ligo. Isto também é diverti<strong>do</strong>.<br />

Mitsuru <strong>de</strong>cidiu que então estava tu<strong>do</strong> bem.<br />

E então, ele e Kazuo passaram por muitas coisas juntos. O rei e seu leal conselheiro.<br />

Mesmo que eles estivessem agora em uma condição extrema, explicava porque, enquanto<br />

matar outros colegas <strong>de</strong> classe fosse possível, estava fora <strong>de</strong> questão quan<strong>do</strong> se tratava <strong>do</strong>s membros<br />

da Família Kiriyama. Apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, o próprio Kazuo já planejara uma estratégia para lidar com a<br />

situação. Ele iria passar a perna em Sakamochi e então escapar. Se ele realmente quisesse, Kazuo<br />

Kiriyama po<strong>de</strong>ria enfrentar o governo to<strong>do</strong>, sem problemas.<br />

Estes eram os pensamentos <strong>de</strong> Mitsuru quan<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>ixou a escola e an<strong>do</strong>u por<br />

aproximadamente vinte e cinco minutos em direção ao sul. Ele viu apenas uma pessoa o tempo<br />

to<strong>do</strong>. A figura que sumiu na área resi<strong>de</strong>ncial ao su<strong>de</strong>ste da escola era provavelmente Yoji Kuramoto<br />

(Estudante Masculino No. 8). Aquilo <strong>de</strong>ixou Mitsuru nervoso, é claro. Ele já havia encontra<strong>do</strong> os<br />

cadáveres <strong>de</strong> Mayumi Ten<strong>do</strong> e Yoshio Akamatsu <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>s <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora da escola quan<strong>do</strong> ele<br />

saiu. O jogo estava seguin<strong>do</strong> seu rumo.<br />

A priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mitsuru era chegar ao local combina<strong>do</strong> por Kazuo tão logo fosse possível.<br />

Os outros eram irrelevantes. O que importava era como seu grupo escaparia daqui.<br />

Quan<strong>do</strong> ele foi pro sul, Mitsuru ficou cada vez mais tenso quan<strong>do</strong> quaisquer abrigos que ele<br />

pu<strong>de</strong>sse pegar ficaram mais esparsos. Sob o uniforme escolar, seu corpo to<strong>do</strong> estava molha<strong>do</strong> em<br />

suor frio. Suor escorria <strong>de</strong> seu cabelo curto e cachea<strong>do</strong> e caía pela sua testa.<br />

Um pouco mais adiante a costa fazia uma curva para a direita e esquerda e em algum lugar<br />

no meio <strong>de</strong>sta curva um recife rugoso se estendia <strong>do</strong> la<strong>do</strong> leste da encosta e mergulhava no oceano<br />

como um dinossauro enterra<strong>do</strong> revelan<strong>do</strong> apenas suas costas. O recife era mais alto que Mitsuru,<br />

bloquean<strong>do</strong> sua visão além <strong>de</strong>le. Olhan<strong>do</strong> para o mar, ele viu pequenas luzes que indicavam um<br />

gran<strong>de</strong> pedaço <strong>de</strong> terra além da escura e vasta extensão horizontal <strong>de</strong> água. Isto <strong>de</strong>via ser uma ilha<br />

no mar interno <strong>de</strong> Seto. Tinha quase certeza.<br />

Assim que inspecionou a área, Mitsuru cruzou a borda entre a praia e a floresta. Expon<strong>do</strong>-se<br />

sob a luz da lua, ele caminhou em direção ao recife. Ele se segurou na rocha escarpada e começou a<br />

subir. A pedra estava dura e lisa e como sua mão direita segurava uma arma e suas mochilas<br />

estavam penduradas em seus ombros, não era uma subida fácil. Depois da subida ele viu que o<br />

57


ecife tinha aproximadamente três metros <strong>de</strong> largura e a praia se espalhava além das rochas. Quan<strong>do</strong><br />

se preparou para <strong>de</strong>scer o outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> recife, uma voz subitamente se dirigiu a ele:<br />

– Mitsuru.<br />

Mitsuru quase saltou. Ele se virou e ergueu sua pistola.<br />

Ele suspirou <strong>de</strong> alívio. Então baixou sua arma.<br />

Kazuo Kiriyama estava na sombra <strong>de</strong> uma saliência <strong>de</strong> rocha. Ele estava senta<strong>do</strong> em uma<br />

pedra proeminente.<br />

– Chefe... – disse Mitsuru alivia<strong>do</strong>.<br />

Mas...<br />

Mitsuru notou três blocos <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>s aos pés <strong>de</strong> Kazuo.<br />

Seus olhos se espremeram na escuridão... mas então eles imediatamente se alargaram.<br />

Os blocos eram humanos.<br />

O que estava vira<strong>do</strong> para cima, olhan<strong>do</strong> para o céu, era Ryuhei Sasagawa (Estudante<br />

Masculino No. 10). O que estava <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong>, encolhi<strong>do</strong>, era Hiroshi Kurogawa (Estudante<br />

Masculino No. 9). Sem dúvidas eram eles, os outros membros da Família Kiriyama. O terceiro<br />

estava vestin<strong>do</strong> um uniforme <strong>de</strong> marinheiro e por seu rosto estar vira<strong>do</strong> para baixo era difícil dizer,<br />

mas ela parecia Izumi Kanai (Estudante Feminina No. 5). E... lá estava uma poça sob seus corpos.<br />

Parecia preto, mas Mitsuru sabia claramente o que era. Se o sol estivesse brilhan<strong>do</strong> sobre eles agora,<br />

a cor da poça teria si<strong>do</strong> idêntica à cor da ban<strong>de</strong>ira nacional da República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior,<br />

vermelho rubro.<br />

Completamente confuso, Mitsuru começou a tremer. O que era... O que significava isto?<br />

– Esta é a ponta sul. – sob seu cabelo puxa<strong>do</strong> para trás, os eternamente calmos olhos <strong>de</strong> Kazuo<br />

olharam para Mitsuru. Ele vestia seu casaco sobre os ombros como um boxea<strong>do</strong>r vesti<strong>do</strong> com seu<br />

roupão após uma luta.<br />

– Q-Qu-Que.. – a mandíbula tremen<strong>do</strong> fazia sua voz vibrar. – O que está acontecen<strong>do</strong> aqui...<br />

– Você quer dizer isto? – Kazuo cutucou o corpo <strong>de</strong> Ryuhei Sasagawa com a ponta <strong>de</strong> seu<br />

simples (mas bonito) sapato <strong>de</strong> couro <strong>de</strong> bico fino. O cotovelo direito <strong>de</strong> Ryuhei, que estava <strong>de</strong>ita<strong>do</strong><br />

em seu peito, traçou um arco e caiu sobre a poça. Seu <strong>de</strong><strong>do</strong> mindinho e seu <strong>de</strong><strong>do</strong> anelar<br />

<strong>de</strong>sapareceram <strong>de</strong>ntro da poça.<br />

– To<strong>do</strong>s eles tentaram me matar. Kuronaga e Sasagawa... ambos. Então eu... os matei.<br />

Não podia ser...<br />

Mitsuru não podia acreditar. Hiroshi Kuronaga era um zé ninguém que andava junto com o<br />

grupo, por isso ele era muito mais leal a Kazuo. Ryuhei Sasagawa era mais arrogante, sempre<br />

afrontan<strong>do</strong> (às vezes ele era uma briga pará-lo <strong>de</strong> importunar Yoshio Akatmatsu), mas Ryuhei havia<br />

esta<strong>do</strong> extremamente grato <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Kazuo puxou algumas cordas para impedir os policiais <strong>de</strong><br />

pren<strong>de</strong>rem seu irmão mais novo por roubo. Aqueles <strong>do</strong>is nunca trairiam Kazuo...<br />

58


Mitsuru captou um cheiro no ar. Era sangue. O cheiro <strong>de</strong> sangue. O o<strong>do</strong>r era muito mais<br />

intenso que o cheiro <strong>do</strong> sangue <strong>de</strong> Yoshitoki Kuninobu na classe. A diferença estava na quantida<strong>de</strong>.<br />

Havia sangue suficiente espalha<strong>do</strong> ali para encher uma banheira.<br />

Esmaga<strong>do</strong> pelo cheiro, o queixo Mitsuru caiu. Pensan<strong>do</strong> bem... era impossível saber os<br />

verda<strong>de</strong>iros pensamentos <strong>de</strong> alguém. Talvez Hiroshi e Ryuhei estivessem tão amedronta<strong>do</strong>s que<br />

eles ficaram loucos. Em outras palavras, eles só não conseguiram lidar com a pressão. Eles<br />

apareceram aqui no local combina<strong>do</strong>, mas tentaram emboscar Kazuo.<br />

Mas... os olhos <strong>de</strong> Mitsuru estavam cola<strong>do</strong>s no outro cadáver. Izumi Kanai, que estava<br />

virada pra baixo, era uma linda e <strong>de</strong>licada garota. Elas era filha <strong>de</strong> um funcionário público <strong>de</strong> uma<br />

cida<strong>de</strong> (é claro que neste tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> ultra-centralizada e burocratizada, ser um funcionário<br />

público ou membro <strong>do</strong> conselho era só um posto honorário sem qualquer influência) e apesar <strong>de</strong>la<br />

não estar no mesmo círculo social que Kazuo ela provavelmente vinha <strong>de</strong> uma das cinco famílias<br />

mais ricas da cida<strong>de</strong>. Porém ela não era nem um pouco arrogante e Mitsuru a achava bonita. É<br />

claro, da<strong>do</strong> o quão diferentes eram suas histórias, ele não era tão estúpi<strong>do</strong> para se aproximar <strong>de</strong>la.<br />

E agora ela estava...<br />

Mitsuru <strong>de</strong> alguma maneira conseguiu dizer algo:<br />

– E-Então chefe, Izumi... então como...<br />

Os olhos calmos e frios <strong>de</strong> Kazuo olhavam fixamente para ele. Intimida<strong>do</strong> pelo olhar que<br />

recebeu <strong>de</strong>le, Mitsuru procurou por uma resposta própria.<br />

– Então I-Izumi tentou te matar... também?<br />

Kazuo acenou com a cabeça.<br />

– Só aconteceu <strong>de</strong> ela estar aqui.<br />

Mitsuru hesitou, mas então se forçou a acreditar no que ele disse. Bem, talvez fosse possível.<br />

Digo, é o que o chefe disse. Ele falou apressa<strong>do</strong>:<br />

– E-Eu estou bem. Eu nunca pensaria em matar meu chefe. Es-este jogo é besteira. Nós<br />

vamos acabar com Sakamochi e aqueles bastar<strong>do</strong>s das Forças Especiais <strong>de</strong> Defesa, certo? Eu estou<br />

totalmente <strong>de</strong>ntro...<br />

É claro que eles não po<strong>de</strong>riam se aproximar da escola agora, pois era uma zona proibida. É o<br />

que Sakamochi dissera. Mas conhecen<strong>do</strong> Kazuo, Mitsuru tinha certeza que ele já havia bola<strong>do</strong> um<br />

plano.<br />

Ele parou <strong>de</strong> falar. Notou que Kazuo estava balançan<strong>do</strong> a cabeça. Mitsuru moveu sua língua,<br />

que agora estava gru<strong>de</strong>nta, e continuou:<br />

– Então nós vamos escapar? Tu<strong>do</strong> bem então, vamos procurar um barco...<br />

Kazuo disse:<br />

– Ouça. – Mitsuru parou <strong>de</strong> novo.<br />

Kazuo continuou:<br />

– Por mim tanto faz.<br />

59


Apesar <strong>de</strong> Mitsuru tê-lo ouvi<strong>do</strong> claramente, continuou piscan<strong>do</strong>. Ele não enten<strong>de</strong>u o que<br />

Kazuo quis dizer. Ele tentou ler os pensamentos <strong>de</strong> Kazuo pela expressão em seus olhos, mas eles<br />

apenas brilhavam calmamente na sombra sobre seu rosto.<br />

– O-o que você quer dizer com tanto faz pra você?<br />

Kazuo ergueu e apontou seu queixo para o céu noturno, como se ele estivesse estican<strong>do</strong> o<br />

pescoço. A lua brilhava claramente e jogava uma sombra triste no rosto bem <strong>de</strong>senha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Kazuo.<br />

Ele manteve esta pose e disse:<br />

– Às vezes eu não compreen<strong>do</strong> o que é certo e o que é erra<strong>do</strong>.<br />

Mitsuru estava ainda mais confuso. Foi quan<strong>do</strong> um pensamento totalmente diferente ocorreu<br />

a ele. Algo estava faltan<strong>do</strong>.<br />

E então ele percebeu o que era.<br />

A Família Kiriyama consistia <strong>de</strong> Mitsuru, Ryuhei e Hiroshi cujos corpos estavam <strong>de</strong>ita<strong>do</strong>s<br />

ali, mais Sho Tsukioka, que estava faltan<strong>do</strong>. Ele saiu antes <strong>de</strong> Mitsuru. Então por que...<br />

É claro que Sho Tsukioka po<strong>de</strong>ria ter perdi<strong>do</strong> o caminho. Ou po<strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> morto por<br />

alguém. Mas... Mitsuru sentia que a verda<strong>de</strong> era mais nefasta que isto.<br />

Kazuo continuou:<br />

– Como agora. Eu não sei. – A visão <strong>de</strong> Kazuo falan<strong>do</strong> assim parecia, estranhamente, triste.<br />

– De qualquer mo<strong>do</strong>. – Kazuo olhou <strong>de</strong> volta para Mitsuru. Então, como se ele estivesse<br />

seguin<strong>do</strong> uma partitura musical que tinha subitamente muda<strong>do</strong> para um allegro, ele começou a falar<br />

rapidamente, como se estivesse além <strong>de</strong> seu controle.<br />

– Eu vim aqui. Izumi estava aqui. Izumi tentou escapar. Eu a segurei.<br />

Mitsuru segurou a respiração.<br />

– Foi quan<strong>do</strong> joguei uma moeda. Se <strong>de</strong>sse cara eu iria atrás <strong>de</strong> Sakamochi e...<br />

Mitsuru finalmente enten<strong>de</strong>u, antes <strong>de</strong> Kazuo terminar <strong>de</strong> falar.<br />

Não... Não podia ser...<br />

Ele não queria acreditar. Era inacreditável. Kazuo era o rei e ele era seu leal conselheiro. Era<br />

para ser quase absoluto, lealda<strong>de</strong> e serviço eterno. É verda<strong>de</strong>... até o pentea<strong>do</strong> <strong>de</strong> Kazuo. Na época<br />

que os <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> Mitsuru estavam cura<strong>do</strong>s, foi ele quem insistiu com Kazuo.<br />

– Parece legal. Você parece bem mal, chefe.<br />

Kazuo manteve o estilo <strong>de</strong> pentea<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois disso. Era um <strong>de</strong>talhe besta, mas para Mitsuru<br />

simbolizava o quão próximo eles eram.<br />

Mas... Mitsuru finalmente percebeu que talvez tivesse briga<strong>do</strong> <strong>de</strong>mais para que Kazuo<br />

mudasse o pentea<strong>do</strong>. Ele podia ter esta<strong>do</strong> muito mais preocupa<strong>do</strong> com outras coisas para se<br />

preocupar com o cabelo. Então havia outras coisas que ele percebeu. Mitsuru acreditava firmemente<br />

que seu relacionamento com Kazuo estava centra<strong>do</strong> em torno <strong>de</strong> um espírito <strong>de</strong> time sagra<strong>do</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> na verda<strong>de</strong> Kazuo po<strong>de</strong> ter entra<strong>do</strong> nessa só pra contrariar ou talvez apenas – é isso, apenas<br />

uma experiência – só para experimentar, sem envolver sentimentos com isto, seja o que fosse. Kazuo<br />

uma vez havia dito: “Isto também é diverti<strong>do</strong>.”<br />

60


De súbito a coisa que havia perturba<strong>do</strong> Mitsuru mais ce<strong>do</strong> voltou com força total. Mitsuru<br />

não pensava que era gran<strong>de</strong> coisa, por isso fez o <strong>melhor</strong> para ignorar <strong>de</strong>sta vez: Kazuo Kiriyama<br />

nunca sorriu.<br />

O próximo pensamento <strong>de</strong> Mitsuru parecia estar se aproximan<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong>: “E sempre<br />

parecia que havia muitos pensamentos em sua cabeça. Era provavelmente este o caso. Mas talvez<br />

haja algo incrivelmente sombrio passan<strong>do</strong> na mente <strong>de</strong> Kazuo, algo tão sombrio que está além da<br />

minha imaginação? Talvez nem seja tão sombrio, talvez apenas uma ausência, um tipo <strong>de</strong> buraco<br />

negro...”<br />

E talvez Sho Tsukioka já tivesse senti<strong>do</strong> isto sobre Kazuo.<br />

Mitsuru não tinha mais tempo para pensar. Ele estava completamente concentra<strong>do</strong> em seu<br />

<strong>de</strong><strong>do</strong> indica<strong>do</strong>r (isso mesmo, um <strong>do</strong>s <strong>de</strong><strong>do</strong>s quebra<strong>do</strong>s naquele fatídico dia) no gatilho <strong>do</strong> Walther<br />

PPK em sua mão direita.<br />

Então uma brisa passou, misturada com o crescente cheiro da poça <strong>de</strong> sangue. As ondas<br />

continuavam baten<strong>do</strong>.<br />

A Walther PPK na mão <strong>de</strong> Mitsuru tremeu levemente, mas o casaco escolar pendurada sobre<br />

as costas <strong>de</strong> Kazuo já estava se moven<strong>do</strong>.<br />

Houve um som <strong>do</strong>cemente confortável <strong>de</strong> estouros. Claro, era diferente, mas algo na rajada<br />

das 950 balas disparadas por minuto parecia o barulho <strong>de</strong> digitar numa antiga máquina <strong>de</strong> escrever<br />

que você encontraria em uma loja <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>s. Izumi Kanai, Ryuhei Sasagawa e Hiroshi<br />

Kuronaga foram to<strong>do</strong>s apunhala<strong>do</strong>s, então estes foram os primeiros sons <strong>de</strong> tiro a ecoarem pela ilha<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o jogo começou.<br />

Mitsuru ainda estava <strong>de</strong> pé. Ele não podia ver claramente sob seu uniforme, mas havia<br />

quatro buracos da grossura <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> seu peito até seu estômago. Por alguma razão suas costas<br />

tinham <strong>do</strong>is buracos da grossura <strong>de</strong> uma lata. Sua mão direita que segurava a Walther PPK estava<br />

tremen<strong>do</strong> em sua mão. Seus olhos estavam vira<strong>do</strong>s para cima, fitan<strong>do</strong> a Estrela <strong>do</strong> Norte. Mas como<br />

a lua estava brilhan<strong>do</strong> forte esta noite, a estrela provavelmente não estava visível.<br />

Kazuo segurava uma caixa <strong>de</strong> metal grosseira que parecia uma lata <strong>de</strong> sobremesa com um<br />

cabo. Era uma submetralha<strong>do</strong>ra Ingram M10. Ele disse:<br />

– Se <strong>de</strong>sse coroa na moeda, eu <strong>de</strong>cidi que tomaria parte no jogo.<br />

Kazuo Kiriyama ficou senta<strong>do</strong> por um tempo. Então ele se ergueu e se aproximou <strong>do</strong><br />

cadáver <strong>de</strong> Mitsuru Numai. Ele tocou suavemente o corpo atravessa<strong>do</strong> por balas com sua mão<br />

esquerda, como se estivesse checan<strong>do</strong> alguma coisa.<br />

Não havia nenhuma resposta emocional. Ele não sentia nada, nenhuma culpa, nenhum pesar,<br />

nem pena... nem uma simples emoção.<br />

Ele simplesmente queria saber como um corpo humano reagia <strong>de</strong>pois que levava tiros. Não,<br />

ele meramente pensou: “Po<strong>de</strong> não ser uma má idéia saber.”<br />

Ele removeu sua mão e tocou sua têmpora direita; para ser mais preciso, um pouco mais<br />

atrás <strong>de</strong> sua têmpora. Qualquer estranho po<strong>de</strong>ria ter pensa<strong>do</strong> que ele estava apenas ajeitan<strong>do</strong> seu<br />

cabelo.<br />

61


Mas não era isso. Ele fez isto por causa <strong>de</strong> uma sensação estranha que tinha; não <strong>do</strong>r, não<br />

coceira, mas algo evasivo e raro, ocorren<strong>do</strong> apenas poucas vezes por ano, quan<strong>do</strong> ele<br />

reflexivamente tocava o ponto on<strong>de</strong>, assim com a sensação, se tornou bastante comum para Kazuo.<br />

Os “pais” <strong>de</strong> Kazuo haviam da<strong>do</strong> a ele uma educação especial. Mas apesar <strong>de</strong> ter aprendi<strong>do</strong><br />

tu<strong>do</strong> o que havia para saber sobre o mun<strong>do</strong> em uma ida<strong>de</strong> tão baixa, o próprio Kazuo não tinha idéia<br />

<strong>do</strong> que causava esta sensação. Era inevitável. Quaisquer traços <strong>do</strong> dano haviam <strong>de</strong>sapareci<strong>do</strong><br />

completamente quan<strong>do</strong> ele tinha ida<strong>de</strong> suficiente para se reconhecer no espelho. Em outras<br />

palavras, ele não sabia nada: o fato <strong>de</strong> que ele quase morreu <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte incomum que causou o<br />

dano quan<strong>do</strong> ele ainda estava na barriga <strong>de</strong> sua mãe, é claro, o fato <strong>de</strong> que sua mãe fora morta pelo<br />

aci<strong>de</strong>nte, a conversa que seu pai e um médico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> reputação tiveram a respeito <strong>do</strong> estilhaço<br />

entran<strong>do</strong> em seu crânio antes <strong>de</strong> seu nascimento, o fato <strong>de</strong> que nem seu pai e nem o médico que<br />

comemorara que a operação havia si<strong>do</strong> um sucesso sabiam que o estilhaço havia arranca<strong>do</strong> um<br />

pedaço frágil <strong>de</strong> células nervosas. Cada um <strong>de</strong>stes fatos era <strong>de</strong> uma outra época. O médico morrera<br />

<strong>de</strong> um problema no fíga<strong>do</strong>, seu pai, ou mais precisamente, “seu verda<strong>de</strong>iro pai”, também morreu <strong>de</strong><br />

<strong>do</strong>ença. Então não havia ninguém sobran<strong>do</strong> para compartilhar estes fatos com Kazuo.<br />

Uma coisa era absolutamente certa: isto foi da<strong>do</strong> a Kazuo. Apesar <strong>de</strong>le não ter percebi<strong>do</strong><br />

claramente, ou mais apropriadamente, talvez porque ele fosse incapaz <strong>de</strong> perceber tal coisa, foi isto<br />

que aconteceu: ele, Kazuo Kiriyama, não sentia nenhuma emoção, nenhuma culpa, nenhuma mágoa<br />

e nenhuma pieda<strong>de</strong> em relação aos cadáveres, incluin<strong>do</strong> Mitsuru; e isto aconteceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia em<br />

que ele foi joga<strong>do</strong> neste mun<strong>do</strong>. É assim que ele sempre foi; ele nunca sentiu nem uma única<br />

emoção.<br />

34 estudantes restantes<br />

62


12<br />

No la<strong>do</strong> norte da ilha, oposto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> Kazuo e os outros foram, um penhasco íngreme pairava sobre<br />

o mar. Tinha mais <strong>de</strong> vinte metros <strong>de</strong> altura. No penhasco havia um pequeno campo com uma coroa<br />

<strong>de</strong> grama. As ondas batiam conta o penhasco e explodiam em uma névoa que era levada pelo vento<br />

suave.<br />

Sakura Ogawa (Estudante Feminina No. 4) e Kazuhiko Yamamoto (Estudante Masculino<br />

No. 21) estavam senta<strong>do</strong>s juntos na beira <strong>do</strong> penhasco. Suas pernas estavam penduradas na beirada.<br />

A mão direita <strong>de</strong> Sakura segurava suavemente a mão esquerda <strong>de</strong> Kazuhiko.<br />

Seus kits <strong>de</strong> sobrevivência, junto com seus compassos, estavam espalha<strong>do</strong>s em torno <strong>de</strong>les.<br />

Assim como Kazuo havia combina<strong>do</strong> <strong>de</strong> encontrar os outros na ponta sul da ilha, Sakura havia<br />

rabisca<strong>do</strong> “na ponta norte” no pedaço <strong>de</strong> papel (logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Nós vamos matar uns aos outros”) que<br />

ela passou para Kazuhiko. Pelo menos eles tinham sorte suficiente para se encontrar em algum lugar<br />

que não coincidiu com o local <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong> Kazuo. Apesar das circunstâncias, eles tiveram sorte<br />

suficiente para passarem mais tempo sozinhos. Havia uma Magnum Colt .357 enfiada sob o cinto<br />

<strong>de</strong> Kazuhiko, mas ele já sabia que não a usaria.<br />

– Está quieto. – Sakura murmurou.<br />

Sob seu cabelo, que era curto para uma garota, seu belo perfil, começan<strong>do</strong> por sua testa<br />

larga, parecia estar forman<strong>do</strong> um sorriso. Ela era alta, por isso parecia magra, e como sempre, ela se<br />

sentava reta. Kazuhiko só havia chega<strong>do</strong> recentemente. Quan<strong>do</strong> se abraçaram, o corpo <strong>de</strong>la tremia<br />

levemente, como um passarinho feri<strong>do</strong>.<br />

– Sim, é mesmo. – Kazuhiko disse.<br />

Tiran<strong>do</strong> o seu nariz, que era levemente largo, ele tinha uma boa aparência. Ele <strong>de</strong>sviou o<br />

olhar <strong>de</strong>la para observar a paisagem. O mar escuro se espalhava sob a luz da lua, o esboço negro das<br />

ilhas espalhadas, e além <strong>de</strong>las havia terra. As luzes estavam brilhan<strong>do</strong> forte nas ilhas e parecia ser a<br />

ilha principal <strong>de</strong> Honshu mais distante. Era um pouco antes das 3:30. Entre aquelas luzes flutuan<strong>do</strong><br />

na escuridão a maioria das pessoas <strong>do</strong>rmia tranquilamente. Ou talvez houvesse crianças como ele<br />

estudan<strong>do</strong> até tar<strong>de</strong> da noite para os exames <strong>de</strong> admissão <strong>do</strong> colegial 13 . Não parecia terrivelmente<br />

distante, mas agora era um mun<strong>do</strong> além <strong>de</strong> seu alcance.<br />

Kazuhiko confirmou a existência <strong>de</strong> um pequeno ponto a aproximadamente duzentos metros<br />

no mar. Parecia ser um <strong>do</strong>s navios “lá para matar qualquer um que tentar escapar pelo mar” que<br />

Sakamochi mencionou. Apesar <strong>do</strong> Mar Interno <strong>de</strong> Seto sempre estar ocupa<strong>do</strong> com tráfego <strong>de</strong><br />

barcos, mesmo à noite, nenhum navio passava mostran<strong>do</strong> suas luzes. O governo proibira to<strong>do</strong><br />

tráfego aqui.<br />

Estava congelan<strong>do</strong>. Kazuhiko tirou seus olhos <strong>do</strong> ponto negro. Ele havia visto os corpos <strong>de</strong><br />

Mayumi Ten<strong>do</strong> e Yoshio Akamatsu quan<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>ixou a escola. Ele também ouviu o som <strong>de</strong> tiros à<br />

distância antes <strong>de</strong> chegar aqui. O jogo havia começa<strong>do</strong>, e continuaria até o fim. Ele e Sakura já<br />

sabiam disso, e isto também não parecia mais importar.<br />

13 Muitas escolas <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau <strong>do</strong> Japão fazem uma espécie <strong>de</strong> “vestibular”, pois são bastante concorridas por causa<br />

<strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino superior.<br />

63


– Muito obrigada por isto. – Sakura esta olhan<strong>do</strong> para o pequeno buquê <strong>de</strong> flores em sua mão<br />

esquerda. No caminho pra cá Kazuhiko encontrara várias flores parecidas com trevos que ele<br />

juntou. No topo <strong>do</strong>s longos cabos as pequenas pétalas estavam juntas com pompons <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

torcida. Aquele não era o conjunto mais impressionante <strong>de</strong> flores, mas foi tu<strong>do</strong> que ele pô<strong>de</strong><br />

encontrar.<br />

Kazuhiko olhou para baixo, para o pequeno buquê, então finalmente disse:<br />

– Então nós nunca vamos po<strong>de</strong>r ir pra casa juntos. Nós não vamos po<strong>de</strong>r passar tempo juntos<br />

andan<strong>do</strong> pela cida<strong>de</strong>, toman<strong>do</strong> sorvete e fazer qualquer outra coisa.<br />

– Bom...<br />

Sakura interrompeu Kazuhiko.<br />

– É inútil resistir. Eu <strong>de</strong>via saber. Eu ouvi que meu pai era contra o governo e então um dia...<br />

Kazuhiko podia ver pela mão <strong>de</strong>la que ela estava tremen<strong>do</strong>.<br />

– A polícia veio e matou meu pai. Sem aviso, sem nada. Eles entravam sem falar uma palavra<br />

e atiraram nele. Eu ainda posso lembrar claramente. Nós estávamos na cozinha. Eu ainda era<br />

pequena. Eu estava sentada à mesa. Minha mãe me abraçava forte. Então eu cresci e comi minhas<br />

refeições naquela mesma mesa.<br />

Sakura se virou para Kazuhiko:<br />

– Não adianta resistir.<br />

Foi a primeira vez que ela havia conta<strong>do</strong> a ele sobre o inci<strong>de</strong>nte, mesmo eles estan<strong>do</strong> sain<strong>do</strong><br />

juntos há <strong>do</strong>is anos. Na primeira vez que eles <strong>do</strong>rmiram juntos, apenas um mês atrás na casa <strong>de</strong>la,<br />

ela não mencionou isto.<br />

vulgar:<br />

Kazuhiko sentiu que ele tinha que dizer algo, mas tu<strong>do</strong> o que ele pô<strong>de</strong> pensar lhe parecia<br />

– Puxa, <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> difícil.<br />

Mas Sakura <strong>de</strong>u um sorriso:<br />

– Você é tão gentil, Kazuhiko. Você é tão gentil. É isto que eu gosto em você.<br />

Se ele não fosse tão inarticula<strong>do</strong>, Kazuhiko teria dito muito mais. Como as expressões <strong>de</strong>la,<br />

a palavras, os mo<strong>do</strong>s gentis e a alma pura <strong>de</strong>la significavam para ele. Resumin<strong>do</strong>, o quão importante<br />

a existência <strong>de</strong>la era para ele. Mas ele não era capaz <strong>de</strong> transformar em palavras. Ele era apenas um<br />

estudante <strong>de</strong> oitava série, e pior ainda, redação era uma <strong>de</strong> suas piores matérias.<br />

– Bem. – Sakura fechou seus olhos e respirou profundamente, como um pequeno alívio. Então<br />

ela exalou. – Eu queria muito ter certeza <strong>de</strong> te ver.<br />

Então ela continuou<br />

– Coisas horríveis vão acontecer. Não... <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o que você disse, já começaram.<br />

Ontem mesmo to<strong>do</strong>s éramos amigos. E agora nós vamos matar uns aos outros.<br />

Pon<strong>do</strong> seus pensamentos em palavras, ela tremeu <strong>de</strong> novo. E <strong>de</strong> novo Kazuhiko podia<br />

perceber pela mão <strong>de</strong>la.<br />

64


Sakura <strong>de</strong>u a ele um sorriso cansa<strong>do</strong> que mostrava me<strong>do</strong> junto com a terrível ironia <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>stino que os esperava.<br />

– Eu não posso suportar isso.<br />

É claro que não. Sakura era amável. Kazuhiko não conhecia ninguém mais amável.<br />

– Além disso... – Sakura disse <strong>de</strong> novo – Nós não po<strong>de</strong>mos voltar juntos. Mesmo se por algum<br />

milagre um <strong>de</strong> nós pudéssemos voltar, nós ainda não estaríamos juntos. Mesmo se... mesmo se eu<br />

fosse a sobrevivente... eu não suportaria estar sem você. Por isso...<br />

Sakura parou. Kazuhiko compreen<strong>de</strong>u on<strong>de</strong> ela estava chegan<strong>do</strong>. “Por isso eu vou me matar<br />

aqui. Antes que alguém me pegue. Bem na sua frente.”<br />

Em vez <strong>de</strong> terminar o que ela tinha a dizer, ela disse:<br />

– Mas você <strong>de</strong>ve viver.<br />

Kazuhiko sorriu assusta<strong>do</strong>, então apertou a mão <strong>de</strong>la forte e sacudiu a cabeça.<br />

– Sem jeito. Estou com você. Mesmo se eu sobrevivesse, eu não suportaria ficar sem você.<br />

Não me <strong>de</strong>ixe sozinho.<br />

Lágrimas caíam <strong>do</strong>s olhos <strong>de</strong> Sakura que estavam fixos nos olhos <strong>de</strong> Kazuhiko.<br />

Sakura se virou. Enxugan<strong>do</strong> suas lágrimas com a mão esquerda que segurava o buquê <strong>de</strong><br />

floresela disse subitamente:<br />

– Você viu o episódio final <strong>de</strong> Hoje, no Mesmo Lugar, que para toda quinta às nove?<br />

Kazuhiko fez que sim. Era uma novela da TV que passava na re<strong>de</strong> nacional DBS. Era uma<br />

história <strong>de</strong> amor supérflua produzida pela Re<strong>de</strong> Televisiva da República <strong>do</strong> Leste da Ásia Maior,<br />

mas era bastante boa, chegan<strong>do</strong> ao topo <strong>do</strong>s <strong>melhor</strong>es da TV pelos últimos anos.<br />

– Sim, eu assisti. Você queria que eu visse.<br />

– Sim, eu queria. Por isso que eu estava pensan<strong>do</strong>...<br />

Enquanto ela falava, Kazuhiko pensou: “Isto é exatamente como nós sempre conversamos.” É<br />

sempre sobre algo realmente comum e sem senti<strong>do</strong>, mas havia algo bastante agradável nessas<br />

conversas que eles tinham. “Sakura quer que a gente fique <strong>do</strong> jeito que sempre estivemos.”<br />

O pensamento subitamente fez Kazuhiko querer chorar.<br />

– Bem, por mim ficaria legal os <strong>do</strong>is personagens principais acabarem juntos. É como <strong>de</strong>veria<br />

acontecer. Mas eu não sei sobre a amiga da Miki, Mizue, aquela interpretada pela Anna Kitagawa.<br />

Como Mizue po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sistir <strong>do</strong> rapaz que ela ama? Pelo menos eu teria i<strong>do</strong> atrás <strong>de</strong>le.<br />

Kazuhiko sorriu:<br />

– Eu sabia que você diria isso.<br />

Sakura riu timidamente.<br />

– Não posso escon<strong>de</strong>r nada <strong>de</strong> você. – Então ela disse contente. – Eu ainda lembro <strong>de</strong> quan<strong>do</strong><br />

nós viramos colegas <strong>de</strong> classe no primário. Você era alto e bonito, claro, mas a coisa que me<br />

impressionou foi o que eu senti: ‘Este rapaz me enten<strong>de</strong>ria, ele po<strong>de</strong>ria me compreen<strong>de</strong>r até o fun<strong>do</strong><br />

da minha alma.’<br />

– Eu não sei como dizer isso bem, mas – Kazuhiko enrolou a língua um pouco, pensou por um<br />

momento e então continuou – Eu me senti da mesma maneira.<br />

65


Ele disse bem.<br />

Então ele se inclinou um pouco na direção <strong>de</strong> Sakura. Com sua mão esquerda ainda<br />

apertan<strong>do</strong> a mão direita <strong>de</strong>la, ele envolveu seu outro braço pelo ombro <strong>de</strong>la.<br />

Eles se abraçaram nesta posição e trocaram beijos. Foi só por alguns segun<strong>do</strong>? Foi por um<br />

minuto? Ou era uma eternida<strong>de</strong>?<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, o beijo terminou. Eles ouviram o som <strong>de</strong> algo se arrastan<strong>do</strong>. Eles<br />

sentiram alguém nos arbustos atrás <strong>de</strong>les. Este era seu sinal: to<strong>do</strong>s a bor<strong>do</strong>. O trem está partin<strong>do</strong>,<br />

então é <strong>melhor</strong> embarcar.<br />

Eles não tinham mais nada para dizer. Eles podiam ter luta<strong>do</strong> contra o intruso. Ele podia ter<br />

tira<strong>do</strong> sua arma e mira<strong>do</strong> na pessoa atrás <strong>de</strong>les. Mas ela não queria aquilo. O que ela queria era<br />

<strong>de</strong>ixar este mun<strong>do</strong> em paz antes que eles fossem engoli<strong>do</strong>s por este horrível massacre. Nada era<br />

mais importante a ele <strong>do</strong> que ela. Não havia porque discutir. Se isto é o que a alma abalada <strong>de</strong>la<br />

queria, então ele a seguiria. Se ele fosse mais eloqüente, po<strong>de</strong>ria ter <strong>de</strong>scrito seus sentimentos como<br />

“Eu vou morrer em respeito profun<strong>do</strong> por ela.”<br />

Seus <strong>do</strong>is corpos dançaram no ar além <strong>do</strong> penhasco, com o mar negro ao fun<strong>do</strong>, suas mãos<br />

ainda estavam juntas.<br />

Yukie Utsumi (Estudante Feminina No. 2) ergueu um pouco sua cabeça <strong>do</strong>s arbustos. Ela<br />

segurou a respiração e os vigiou. Ela não tinha nenhuma intenção, qualquer que fosse, <strong>de</strong> causar<br />

mal a ninguém, então ela não tinha idéia <strong>de</strong> que o barulho que ela fez sinalizou a partida <strong>de</strong>les. Ela<br />

estava simplesmente ator<strong>do</strong>ada pela visão <strong>do</strong> casal No.1 da classe <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong> além <strong>do</strong> penhasco<br />

grama<strong>do</strong>. O som das ondas calmamente baten<strong>do</strong> contra a face rochosa escarpada continuava e os<br />

pequenos trevos que Sakura <strong>de</strong>rrubou permaneciam caí<strong>do</strong>s sobre a grama.<br />

Até mesmo quan<strong>do</strong> Haruko Tanizawa (Estudante Feminina No. 12) se aproximou <strong>de</strong>la por<br />

trás e perguntou “O que está haven<strong>do</strong>, Yukie?”, Yukie continuou parada ali tremen<strong>do</strong>.<br />

32 estudantes restantes<br />

66


13<br />

Megumi Eto (Estudante Feminina No. 3) estava sentada na escuridão, abraçan<strong>do</strong> seus joelhos<br />

enquanto seu pequeno corpo tremia violentamente. Ela estava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma casa um pouco<br />

afastada da área mais populada da ilha na borda leste. As luzes po<strong>de</strong>riam estar funcionan<strong>do</strong>, mas<br />

Megumi nem tentou ligá-las. A luz da lua entran<strong>do</strong> através da janela não alcançava sob a velha<br />

mesa <strong>de</strong> jantar em que ela estava se escon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>. Estava quase totalmente escuro, por isso ela não<br />

conseguia ver o relógio, mas duas horas provavelmente se passaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ela se sentou ali. Era<br />

provavelmente quase 4h. Já fazia uma hora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ela ouviu aquele som distante, apaga<strong>do</strong>, que<br />

parecia fogos <strong>de</strong> artifício? Não, Megumi não queriam nem pensar sobre o que aquilo era na<br />

verda<strong>de</strong>.<br />

Ela ergueu o rosto e viu a silhueta sob a luz da lua <strong>do</strong> armário e da chaleira em cima da pia.<br />

Ela estava ciente <strong>de</strong> que o governo provavelmente havia realoca<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res da ilha para<br />

alguma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> habitação temporária, mas os traços restantes da vida <strong>de</strong> alguém nesta casa eram<br />

anormais e horripilantes. Isto a lembrou da história <strong>de</strong> fantasmas que ouviu quan<strong>do</strong> era criança,<br />

sobre o navio Marie Celeste cuja tripulação inteira <strong>de</strong>sapareceu no meio <strong>do</strong> nada, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> pra trás<br />

apenas suas refeições e coisas usadas. Megumi ficou ainda mais aterrorizada.<br />

Logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> partir, ela não tinha nenhuma idéia <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela estava in<strong>do</strong>. A única coisa<br />

que ela sabia era que estava no meio <strong>de</strong>sta área resi<strong>de</strong>ncial. O primeiro pensamento que ocorreu a<br />

ela foi <strong>de</strong> que não havia muitos estudantes fora ainda. Ela foi a sexta a sair da escola. Cinco já<br />

estavam fora... mas apenas cinco. Havia cinqüenta ou sessenta casas nesta área, por isso as chances<br />

<strong>de</strong> encontrar algum <strong>de</strong>les era quase nula. E enquanto ela trancasse a porta e ficasse naquele lugar...<br />

ela po<strong>de</strong>ria estar segura pelo menos até que tivesse que se mover. O colar que podia explodir se ela<br />

ficasse em uma das zonas proibidas era opressivo, mas não havia nada que ela pu<strong>de</strong>sse fazer sobre<br />

isto. Sakamochi já avisara “Se vocês tentarem abrir, vai explodir.”. De qualquer mo<strong>do</strong>, o importante<br />

era se certificar <strong>de</strong> que ela pu<strong>de</strong>sse ouvir o anúncio <strong>de</strong> Sakamochi da hora e local <strong>de</strong> cada zona<br />

proibida.<br />

Por isso Megumi tentou entrar em uma casa, mas a primeira estava trancada. A segunda<br />

também. Ela foi para os fun<strong>do</strong>s da terceira e quebrou a vidraça com uma pedra que encontrara no<br />

chão. Fez um barulho tão gran<strong>de</strong> que ela se abaixou atrás da varanda. Apesar disso, não parecia<br />

haver ninguém na área. Ela entrou. Não tinha senti<strong>do</strong> trancar a porta <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois disso.<br />

Ela teve que fechar a porta <strong>de</strong> vidro cuida<strong>do</strong>samente. Assim que estava fechada, o local <strong>de</strong>ntro ficou<br />

totalmente escuro e ela sentiu como se estivesse andan<strong>do</strong> por uma casa mal assombrada. Ela<br />

conseguiu tirar sua lanterna e examinar a casa. Ela pegou duas varas <strong>de</strong> pescar e as usou para<br />

pren<strong>de</strong>r a porta <strong>de</strong> tempesta<strong>de</strong>.<br />

E agora ela estava sob a mesa da cozinha. Matar um ao outro estava fora <strong>de</strong> questão. Mas e<br />

se... e se só se esta área (checan<strong>do</strong> o mapa, ela <strong>de</strong>scobriu que toda a área estava quase<br />

completamente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> setor H=8) nunca se tornasse uma zona proibida, ela po<strong>de</strong>ria acabar<br />

sobreviven<strong>do</strong>.<br />

67


Mas... Megumi continuava a tremer enquanto continuava a pensar. Isto era terrível. Claro, <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com as regras <strong>do</strong> jogo, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> era seu inimigo, por isso você não podia confiar em<br />

ninguém. É o porquê <strong>de</strong> ela estar tremen<strong>do</strong> agora... mas, mas mesmo se o jogo terminasse e ela<br />

saísse como a única sobrevivente, então isto significaria que to<strong>do</strong>s os outros haviam morri<strong>do</strong>: suas<br />

amigas (como Mizuho Inada e Kaori Minami), assim como Shuya Nanahara, que fazia o coração<br />

<strong>de</strong>la se tumultuar cada vez que pensava nele.<br />

Megumi puxou seus joelhos e pensou em Shuya e na escuridão. O que ela realmente gostava<br />

nele era sua voz. Aquela voz levemente grossa que não era nem alta e nem baixa. Ele<br />

aparentemente amava aquela música censurada chamada “rock”, por isso ele sempre parecia bem<br />

infeliz nas aulas <strong>de</strong> música quan<strong>do</strong> eles tinham que cantar músicas glorifican<strong>do</strong> o governo e o<br />

Dita<strong>do</strong>r, mas ele cantava incrivelmente bem. O som <strong>de</strong> sua guitarra quan<strong>do</strong> ele tocava passagens<br />

improvisadas era soberbo. Seu ritmo diferente fazia você querer dançar. E ainda por cima havia<br />

alguma coisa graciosa no som, não muito diferente <strong>do</strong> som <strong>de</strong> sinos soan<strong>do</strong> em uma linda igreja. E<br />

então lá estava ele com seu longo cabelo ondula<strong>do</strong> (Shuya disse uma vez “Estou imitan<strong>do</strong> Bruce<br />

Springsteen”, mas Megumi não tinha idéia <strong>de</strong> sobre o que ele estava falan<strong>do</strong>), sem mencionar seu<br />

olhar levemente sonolento, olhos amáveis com pálpebras duplas. Ele também se movia muito<br />

graciosamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ele era uma estrela da Pequena Liga na escola elementar.<br />

O tremor <strong>de</strong>la diminuiu um pouco quan<strong>do</strong> pensou no rosto e na voz <strong>de</strong> Shuya. “Oh, se Shuya<br />

Nanahara estivesse comigo aqui e agora seria tão maravilhoso...”<br />

Mas então... mas então por que ela nunca contou a Shuya sobre como ela se sentia em<br />

relação a ele? Por carta <strong>de</strong> amor? Ou mandan<strong>do</strong> alguém trazê-lo para que ela pu<strong>de</strong>sse confessar<br />

diretamente a ele? Ou por telefone? Agora ela nunca teria a chance.<br />

Foi quan<strong>do</strong> ela teve uma idéia.<br />

O telefone.<br />

“É isso. Sakamochi disse que nós não po<strong>de</strong>ríamos usar os telefones nas casas. Mas...”<br />

Megumi pegou sua mochila <strong>de</strong> nylon, que estava caída perto <strong>do</strong> kit <strong>de</strong> sobrevivência<br />

recebi<strong>do</strong>. Ela abriu o zíper e empurrou suas roupas e objetos pessoais.<br />

Ela tocou um objeto duro e reto e o agarrou.<br />

Era um telefone celular. Sua mão o comprara para esta viagem no caso <strong>de</strong> qualquer coisa<br />

(bem, isto não era qualquer coisa) acontecer durante sua viagem. Era verda<strong>de</strong> que ela tinha inveja<br />

<strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>is ou três colegas <strong>de</strong> classe que tinham um, pois era uma sensação emocionante ter seu<br />

link particular, mas Megumi também pensou que seus pais estavam sen<strong>do</strong> superprotetores e que sua<br />

mãe era neurótica. Ela se perguntou “Por que um estudante <strong>de</strong> oitava série precisaria disto?” quan<strong>do</strong><br />

pôs o celular brilhante <strong>de</strong>ntro da mochila. Ela havia esqueci<strong>do</strong> completamente sobre ele até este<br />

exato momento.<br />

Megumi abriu o celular com suas mãos tremen<strong>do</strong>.<br />

O celular automaticamente mu<strong>do</strong>u <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> recepção para o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> envio e o pequeno<br />

painel LCD e os botões <strong>de</strong> discagem acen<strong>de</strong>ram com um brilho ver<strong>de</strong>. Os seus joelhos sob a saia e<br />

68


suas mochilas agora estavam visíveis. Mas, mais importante, sem dúvidas lá estava a antena e os<br />

símbolos <strong>de</strong> ondas brilhan<strong>do</strong> no painel, indican<strong>do</strong> que estava pronto para fazer uma chamada!<br />

– Ah, meu Deus...<br />

Megumi freneticamente apertou nos botões <strong>de</strong> discagem o número <strong>de</strong> sua casa em Shiroiwa-<br />

cho. 0, 8, 7, 9, 2...<br />

Depois <strong>de</strong> um momento <strong>de</strong> silêncio, o sinal <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> começou a tocar no celular em seu<br />

ouvi<strong>do</strong>, e seu peito se encheu <strong>de</strong> esperança.<br />

“Um, <strong>do</strong>is, três toques. Por favor, atendam. Pai, mãe. Eu posso estar chaman<strong>do</strong> em uma hora<br />

incomum, mas vocês <strong>de</strong>vem estar saben<strong>do</strong> que sua filha está em uma situação <strong>de</strong> emergência.<br />

Rápi<strong>do</strong>...”<br />

O toque foi interrompi<strong>do</strong> por uma voz falan<strong>do</strong>:<br />

– Alô.<br />

– Ah pai! – Em sua posição encolhida Megumi fechou seus olhos. Ela pensou estar fican<strong>do</strong><br />

louca <strong>de</strong> alívio. “Eu serei salva. Salva!”<br />

– Papai, sou eu! Megumi! Ah pai! Por favor, me ajuda! Por favor, me tira daqui! – ela gritou<br />

no celular num frenesi, mas ela voltou a si quan<strong>do</strong> não houve resposta. Algo... estava erra<strong>do</strong>. “O<br />

que... Por que o papai não... não, este é...”<br />

Finalmente a voz <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> falou:<br />

– Eu não sou seu pai, Megumi. Aqui é Sakamochi. Eu disse pra você que telefone não ia<br />

funcionar, Megumi.<br />

Megumi gritou e jogou o celular no chão. Então ela apressadamente bateu no botão “Fim”.<br />

Seu coração estava baten<strong>do</strong> freneticamente. Mais uma vez Megumi foi superada pelo<br />

<strong>de</strong>sespero. “Oh não... então não <strong>de</strong>u certo.. então eu vou morrer aqui... Eu vou morrer...”<br />

Mas então o coração <strong>de</strong> Megumi disparou.<br />

...era um som <strong>de</strong> algo <strong>de</strong>spedaçan<strong>do</strong>.<br />

O som <strong>de</strong> vidro quebra<strong>do</strong>.<br />

Megumi se virou em direção à origem <strong>do</strong> som. Veio da sala <strong>de</strong> estar que ela havia checa<strong>do</strong><br />

para ter certeza <strong>de</strong> que estava trancada. Alguém estava vin<strong>do</strong>. “Alguém. Por quê? De todas as casas<br />

aqui, por que justo esta?”<br />

Megumi entou em pânico e fechou o painel <strong>do</strong> celular, que estava brilhan<strong>do</strong> ver<strong>de</strong>. Ela o pôs<br />

no bolso, pegou a arma <strong>de</strong> seu kit <strong>de</strong> sobrevivência, e tirou a faca <strong>de</strong> mergulha<strong>do</strong>r <strong>de</strong> <strong>do</strong>is gumes <strong>de</strong><br />

seu estojo. Ela segurou com força. Ela tinha que escapar o mais rápi<strong>do</strong> possível.<br />

Mas seu corpo estava congela<strong>do</strong> e ela não podia se mover. Megumi diminuiu a respiração.<br />

“Por favor, por favor, Deus, não <strong>de</strong>ixe ouvirem meu coração baten<strong>do</strong>.”<br />

Ela ouviu a voz <strong>de</strong> uma janela abrin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois fechan<strong>do</strong>. Então o som <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>sos e<br />

silenciosos passos. Eles pareciam estar moven<strong>do</strong> pela casa, mas então vieram diretamente em<br />

direção à cozinha e Megumi. O coração <strong>de</strong> Megumi bateu ainda mais forte.<br />

pia.<br />

Um fino raio <strong>de</strong> luz atravessou a cozinha. O raio passou pela chaleira e o armário sobre a<br />

69


Alguém suspirou <strong>de</strong> alívio e disse a si mesmo:<br />

– Que bom, não há ninguém aqui.<br />

Os passos entraram na cozinha. Tão logo Megumi ouviu a voz, ficou horrorizada. Qualquer<br />

mínima esperança que ela pu<strong>de</strong>sse ter <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r caso o intruso fosse um amigo havia si<strong>do</strong><br />

completamente esmagada. Porque... a voz era <strong>de</strong>la, Mitsuko Souma (Estudante Feminina No. 11), a<br />

garota mais terrível <strong>de</strong> toda a escola. Mesmo ela sen<strong>do</strong> a mais bela, com o rosto mais angelical, um<br />

simples olhar <strong>de</strong>la era suficiente para intimidar qualquer professor.<br />

Mitsuko Souma era mais aterrorizante para Megumi <strong>do</strong> que qualquer um <strong>do</strong>s garotos <strong>de</strong> má<br />

reputação, Kazuo Kiriyama e Shogo Kawada. Talvez porque como Megumi, Souma era uma garota<br />

e também, é claro, porque a própria Megumi havia si<strong>do</strong> perturbada por Hirono Shimizu, que estava<br />

na gangue <strong>de</strong> Mitsuko quan<strong>do</strong> elas se tornaram colegas <strong>de</strong> classe na sétima série. Se elas estivessem<br />

todas no mesmo corre<strong>do</strong>r, Hirono faria ela tropeçar ou então cortaria sua saia com um estilete.<br />

Ultimamente, talvez porque ela simplesmente tivesse perdi<strong>do</strong> o interesse em Megumi, Hirono parou<br />

<strong>de</strong> incomodá-la. (Porém Megumi ainda ficou <strong>de</strong>sapontada quan<strong>do</strong> soube que sua sala da oitava série<br />

seria a mesma que a da sétima série). A própria Mitsuko nunca atormentou Megumi, mas Mitsuko<br />

era alguém que nem mesmo Hirono podia <strong>de</strong>safiar.<br />

É isso... Mitsuko Souma saborearia matar alguém como ela.<br />

O corpo <strong>de</strong> Megumi começou a tremer <strong>de</strong> novo. “Oh, por favor, não, não trema... se ela me<br />

ouvir...” Megumi abraçou seu corpo forte com os braços para impedir seus braços <strong>de</strong> tremer.<br />

Debaixo da mesa Megumi podia ver a mão <strong>de</strong> Mitsuko seguran<strong>do</strong> uma lanterna e o cinto <strong>de</strong><br />

sua saia brilhan<strong>do</strong>. Ela ouviu o som <strong>de</strong> Mitsuko esvazian<strong>do</strong> as gavetas na pia.<br />

“Por favor, vá logo... vai rápi<strong>do</strong> e saia daqui. Se você pu<strong>de</strong>sse pelo menos sair <strong>de</strong>sta sala... é<br />

isso... então eu po<strong>de</strong>ria ir até o banheiro. Eu po<strong>de</strong>ria trancá-lo por <strong>de</strong>ntro e escapar pela janela. Por<br />

favor, rápi<strong>do</strong>...”<br />

BRRIIINNG<br />

O sinal eletrônico tocou e Megumi sentiu seu coração saltan<strong>do</strong> pela sua boca.<br />

Mitsuko Souma também pareceu pular levemente. O feixe <strong>de</strong> luz da lanterna <strong>de</strong> repente<br />

<strong>de</strong>sapareceu com o brilho <strong>do</strong> cinto. Ela parecia estar chegan<strong>do</strong> mais perto <strong>do</strong> canto da sala.<br />

Megumi percebeu que o som estava vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu bolso. Ela tirou o celular freneticamente.<br />

Sua mente estava vazia e ela automaticamente o abriu e apertou os botões aleatoriamente.<br />

Uma voz saiu:<br />

– Ei, é Sakamochi <strong>de</strong> novo. Eu só queria te avisar, Megumi, para <strong>de</strong>sligar seu telefone celular.<br />

Senão, se eu te ligar como agora, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> irá saber on<strong>de</strong> você está, certo? Então...<br />

Os <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> Megumi encontraram o botão “Fim”, cortan<strong>do</strong> a voz <strong>de</strong> Sakamochi.<br />

O silêncio sufocante continuou por um tempo. Então ela ouviu a voz <strong>de</strong> Mitsuko:<br />

– Megumi? – ela perguntou – Megumi? É você?<br />

Mitsuko parecia estar no outro canto da cozinha escura. Megumi cuida<strong>do</strong>samente colocou<br />

seu celular no chão. A única coisa em suas mãos agora era a faca. Suas mãos estavam tremen<strong>do</strong><br />

ainda mais e a faca parecia um peixe tentan<strong>do</strong> escapar, mas ela apertou o mais forte que podia.<br />

70


Mitsuko era mais alta que Megumi, mas ela não podia ser muito mais forte. A arma <strong>de</strong><br />

Mitsuko (será que podia ser uma arma <strong>de</strong> fogo? Não, senão Mitsuko teria aponta<strong>do</strong> e atira<strong>do</strong>.). Se<br />

Mitsuko não tinha uma arma então Megumi tinha uma chance. Estava claro, ela tinha que matar. Se<br />

ela não matasse, Mitsuko certamente a mataria.<br />

Ela tinha que matar.<br />

Houve um som <strong>de</strong> clique e novamente o feixe <strong>de</strong> luz apareceu. Ele iluminou embaixo da<br />

mesa e Megumi <strong>de</strong>u uma breve olhada. Agora era a hora, tu<strong>do</strong> o que ela tinha que fazer era <strong>de</strong><br />

levantar e correr em direção à origem da luz com sua faca.<br />

inespera<strong>do</strong>s.<br />

Mas as intenções <strong>de</strong> Megumi foram abruptamente minadas por uma série <strong>de</strong> eventos<br />

A luz da lanterna apontou para baixo e Mitsuko Souma se abaixou no chão, olhan<strong>do</strong> para<br />

Megumi. Lágrimas estavam corren<strong>do</strong> pelas bochechas <strong>de</strong> Mitsuko.<br />

– Estou tão feliz... – seus lábios estremeci<strong>do</strong>s finalmente se abriram e ela falou com uma voz<br />

débil. – Eu... Eu estou... Eu estou tão assustada...<br />

A voz <strong>de</strong> Mitsuko estava meio aguda. Ela levou suas duas mãos para frente, como se<br />

estivesse procuran<strong>do</strong> pela proteção <strong>de</strong> Megumi. Suas mãos estavam vazias.<br />

Então ela continuou:<br />

– Eu posso confiar em você, certo? Eu posso confiar em você. Você não ia pensar em me<br />

matar, né? Vai ficar comigo, não vai?<br />

ajuda...”<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la.<br />

Megumi estava chocada. Ali estava Mitsuko Souma choran<strong>do</strong>. “Ela está queren<strong>do</strong> a minha<br />

E assim como o tremor em seu corpo diminuiu, Megumi sentiu uma emoção in<strong>de</strong>scritível<br />

É isso. Então era assim que as coisas eram. Não importava o quão ruim era sua reputação,<br />

Mitsuko Souma era só mais uma estudante <strong>de</strong> oitava série assim como ela. Até mesmo Mitsuko<br />

Souma não podia tomar parte em algo tão horrível quanto matar colegas <strong>de</strong> classe. Era só estava<br />

sozinha e assustada.<br />

horrível.”<br />

“E... Oh, que horrível... eu realmente consi<strong>de</strong>rei... eu pensei em matá-la. Eu sou... tão<br />

Megumi caiu em pranto, <strong>de</strong>vastada por se odiar e pela segurança que ela agora sentia por<br />

não estar mais sozinha. Ela estava com alguém.<br />

A faca escorregou das mãos <strong>de</strong> Megumi. Ela engatinhou no chão, saiu <strong>de</strong>baixo da mesa e<br />

segurou as mãos que Mitsuko oferecia. Como se uma represa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la estivesse explodin<strong>do</strong>, ela<br />

exclamou: Mitsuko! Mitsuko!<br />

Ela sabia que o tremor <strong>de</strong>sta vez era <strong>de</strong> um tipo diferente <strong>de</strong> emoção. Não importava. Ela<br />

estava... Ela estava...<br />

– Está tu<strong>do</strong> bem. Vou ficar com você. Nós vamos ficar juntas.<br />

– Ah-Ahã. – Mitsuko enfregou seu rosto cheio <strong>de</strong> lágrimas e apertou as mãos <strong>de</strong> Megumi <strong>de</strong><br />

volta, concordan<strong>do</strong> e repetin<strong>do</strong>: – Ahã, Ahã<br />

71


Megumi abraçou Mitusko no chão da cozinha. Ela sentiu o calor <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> Mitsuko e<br />

sentiu-se ainda mais culpada quan<strong>do</strong> seus braços sentiam o corpo <strong>de</strong> Mistuko tremen<strong>do</strong> in<strong>de</strong>feso.<br />

“E-Eu estava mesmo pensan<strong>do</strong> em fazer algo horrível... tão horrível... Eu realmente tentei<br />

matar essa garota...”<br />

– Ei... – Megumi começou a falar – E-Eu...<br />

– Ãh ? – Mitsuko ergueu seus olhos cheios <strong>de</strong> lágrimas em direção a Megumi.<br />

Megumi apertou seus lábios com força pra reprimir um choro e sacudiu a cabeça. – E-Eu<br />

estou tão envergonhada <strong>de</strong> mim mesma. Por um instante eu tentei te matar. Eu pensei em te matar.<br />

Porque eu estava... eu tava tão assustada.<br />

Os olhos <strong>de</strong> Mistuko se alargaram quan<strong>do</strong> ela ouviu isso, mas ela não ficou preocupada.<br />

To<strong>do</strong> que ela fez foi abaixar seu rosto que estava marca<strong>do</strong> pelo choro histérico. Então ela <strong>de</strong>u um<br />

sorriso gentil:<br />

– Ta tu<strong>do</strong> bem. Mesmo. Não se preocupe muito. É o que se esperava nesta situação horrível.<br />

Não fique preocupada, sério. Tá bom? Só fique junto comigo, por favor?<br />

Depois que Mitsuko disse isso, ela gentilmente segurou o rosto <strong>de</strong> Megumi com sua mão<br />

esquerda e apertou sua bochecha esquerda na bochecha <strong>de</strong> Megumi. Megumi podia sentir as<br />

lágrimas <strong>de</strong> Mitsuko.<br />

“Ah.” Megumi pensou. “Eu estava tão errada sobre ela. Acabou que Mitsuko Souma é uma<br />

garota incrivelmente amável. Ela conseguiu per<strong>do</strong>ar alguém que tentou matá-la com uma reação tão<br />

gentil. ‘Tu<strong>do</strong> bem’ Não é que nosso professor, Sr. Hayashida, que está morto, havia nos avisa<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

como é erra<strong>do</strong> julgar as pessoas só pelas suas reputações?”<br />

Com estes pensamentos Megumi sentiu algo muito bom <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la <strong>de</strong> novo. Ela abraçou<br />

Mitsuko ainda mais forte. Era o que ela podia fazer por enquanto. “Sinto muito, me <strong>de</strong>sculpe. Sou<br />

uma pessoa tão horrível. Eu sou mesmo...”<br />

O som <strong>de</strong> corte que Megumi ouviu parecia como um limão sen<strong>do</strong> corta<strong>do</strong>.<br />

Era um bom som. A faca <strong>de</strong>via estar muito bem afiada e o limão fresco, <strong>do</strong> mesmo jeito que<br />

se via nos programas <strong>de</strong> cozinha da TV como em “Hoje, nós cozinharemos salmão ao limão”.<br />

Levou alguns segun<strong>do</strong>s para ela perceber o que aconteceu.<br />

Megumi viu a mão direita <strong>de</strong> Mitsuko no la<strong>do</strong> direito, sob seu queixo. A mão <strong>de</strong>la segurava<br />

uma faca levemente curvada, com o formato <strong>de</strong> uma banana, que refletia fosca contra a luz da<br />

lanterna. Era uma foice, <strong>do</strong> tipo que se usa para colher arroz. E agora sua ponta estava presa na<br />

garganta <strong>de</strong> Megumi...<br />

Com a mão esquerda seguran<strong>do</strong> a parte <strong>de</strong> trás da cabeça <strong>de</strong> Megumi, Mitsuko enterrou a<br />

foice ainda mais fun<strong>do</strong>. Ela fez outro som cortante.<br />

A garganta <strong>de</strong> Megumi começou a queimar, mas não durou muito. Ela não conseguiu dizer<br />

uma palavra e per<strong>de</strong>u a consciência quan<strong>do</strong> seu peito ficou quente com o sangue. Ela expirou,<br />

incapaz <strong>de</strong> formar qualquer idéia sobre o que significava exatamente ter uma lâmina atravessada em<br />

sua garganta. Traída nos braços <strong>de</strong> Mitsuko, ela morreu sem quaisquer pensamentos em relação a<br />

Shuya Nanahara ou sua família.<br />

72


Mitsuko soltou Megumi, que caiu no chão logo ao la<strong>do</strong>.<br />

Ela rapidamente <strong>de</strong>sligou a lanterna e levantou. Mitsuko limpou as lágrimas irritantes (que<br />

ela podia produzir a qualquer hora. Era <strong>de</strong> fato um <strong>de</strong> seus outros talentos especiais). Seguran<strong>do</strong> a<br />

foice em sua mão direita sob a luz da lua, ela jogou o sangue no chão. As gotas <strong>de</strong> sangue fizeram<br />

um som <strong>de</strong> impacto contra o chão.<br />

“Nada mal pra uma iniciante”, Mitusko pensou. Ela imaginava que uma faca seria mais fácil<br />

<strong>de</strong> usar, mas acabou que uma foice não era tão ruim. Ela não fora cuida<strong>do</strong>sa o suficiente ao entrar<br />

em uma casa que já pu<strong>de</strong>sse estar ocupada. “De agora em diante eu tenho que ser mais cuida<strong>do</strong>sa...”<br />

Olhan<strong>do</strong> para baixo, para o cadáver <strong>de</strong> Megumi, ela disse baixo e lentamente:<br />

– Desculpe. Eu também estava tentan<strong>do</strong> te matar.<br />

31 estudantes restantes<br />

73


Parte 2<br />

Estágio Médio<br />

31 estudantes restantes<br />

74


14<br />

Sua primeira noite terminou em um brilhante amanhecer.<br />

Shuya Nanahara olhou para cima e observou o céu azul fican<strong>do</strong> gradualmente branco através<br />

<strong>do</strong> bosque cerra<strong>do</strong>. Os galhos e folhas <strong>de</strong> carvalho, camélia, algum tipo <strong>de</strong> cerejeira e outros tipos<br />

<strong>de</strong> árvores balançavam em uma re<strong>de</strong> intrincada ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong>les que os mantinham escondi<strong>do</strong>s.<br />

Shuya percebeu várias coisas ao reexaminar o mapa. A ilha tinha o formato <strong>de</strong> um diamante<br />

bruto. As colinas subiam para as pontas sul e norte da ilha. Eles estavam agora localiza<strong>do</strong>s no la<strong>do</strong><br />

sul da montanha ao norte, perto da la<strong>de</strong>ira no la<strong>do</strong> oeste. De acor<strong>do</strong> com as coor<strong>de</strong>nadas <strong>do</strong> mapa, a<br />

localização parecia ser C=4. Seguin<strong>do</strong> as linhas <strong>de</strong> contorno, o mapa estava <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>, incluin<strong>do</strong> a<br />

área resi<strong>de</strong>ncial e outras casas (indicadas por pontos azuis), várias construções (há havia muito além<br />

<strong>de</strong> símbolos indican<strong>do</strong> uma clínica médica, um posto <strong>de</strong> bombeiros, um farol, também a prefeitura,<br />

a cooperativa <strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res; e isto era tu<strong>do</strong>), e estradas pequenas e largas, permitin<strong>do</strong> a ele on<strong>de</strong><br />

cada área estava <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as posições das formações <strong>de</strong> terreno, estradas e casas espalhadas.<br />

À noite ele já havia confirma<strong>do</strong> assim que estiveram mais alto na colina que o mapa<br />

representava fielmente esta ilha. Silhuetas <strong>de</strong> ilhas, gran<strong>de</strong>s e pequenas, estavam espalhadas pelo<br />

mar negro; e como Sakamochi dissera, havia (quase ao oeste exato da ilha) a silhueta <strong>de</strong> o que<br />

parecia um barco <strong>de</strong> guarda com suas luzes apagadas.<br />

Imediatamente a oeste <strong>de</strong> on<strong>de</strong> Shuya e Noriko estavam, o bosque acabava abruptamente e<br />

era substituí<strong>do</strong> por uma la<strong>de</strong>ira escarpada. Havia um pequeno campo abaixo e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le a la<strong>de</strong>ira<br />

continuava em direção ao oceano. Havia uma pequena cabana com o chão eleva<strong>do</strong> no meio <strong>do</strong><br />

campo pelo qual eles passaram na noite anterior. Ven<strong>do</strong> o arco Shinto 14 <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira antiga a <strong>de</strong>z<br />

metros da cabana, Shuya presumiu que fosse um templo (que também estava marca<strong>do</strong> no mapa). A<br />

porta da frente estava aberta e não havia ninguém <strong>de</strong>ntro.<br />

Assim como ele fez com as outras casas, Shuya <strong>de</strong>cidiu não se escon<strong>de</strong>r neste templo. Po<strong>de</strong><br />

haver outros fazen<strong>do</strong> o mesmo... e da<strong>do</strong> como há apenas uma entrada, eles estariam presos no<br />

momento em que fossem encontra<strong>do</strong>s.<br />

Shuya se assentou em um lugar cerca<strong>do</strong> por arbustos relativamente perto <strong>do</strong> mar, on<strong>de</strong> eles<br />

po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>itar e <strong>de</strong>scansar. Mais acima na colina os arbustos pareciam mais espessos, mas ele<br />

imaginava que isto po<strong>de</strong>ria atrair outros também e no caso <strong>de</strong> eles encontrarem alguém que fosse<br />

um inimigo, ele achou que seria <strong>melhor</strong> estar em algum lugar não muito íngreme, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> era difícil<br />

fugir. Além <strong>do</strong> mais, a perna <strong>de</strong> Noriko estava machucada.<br />

Shuya sentou-se contra uma árvore, que tinha a largura aproximada <strong>de</strong> <strong>de</strong>z centímetros.<br />

Noriko sentou-se imediatamente à sua esquerda. Ela inclinou-se contra a árvore, sua perna direita<br />

machucada lentamente se esticou. Eles estavam completamente exaustos agora. Noriko lentamente<br />

fechou os olhos.<br />

Shuya discutiu seu curso <strong>de</strong> ação com Noriko, mas eles não conseguiram ir muito longe.<br />

14 Arcos Shinto são estruturas que representam entradas <strong>de</strong> templos shintoístas.<br />

75


Ele pensou primeiro em encontrar um barco para escapar da ilha. Mas ele imediatamente<br />

percebeu o quão inútil seria. Havia um barco <strong>de</strong> guarda no mar e além disso...<br />

Shuya lentamente tocou seu pescoço e a superfície fria “daquela coisa”. Ele já estava<br />

acostuma<strong>do</strong> à sensação, mas parecia pesa<strong>do</strong>, como se fosse seu <strong>de</strong>stino inescapável, sufocan<strong>do</strong> sua<br />

existência.<br />

Sim... aquele colar.<br />

Assim que um sinal especial é transmiti<strong>do</strong> da escola, a bomba <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> colar explo<strong>de</strong>. De<br />

acor<strong>do</strong> com as regras isto aconteceria a qualquer um pego numa zona proibida, mas é claro que o<br />

mesmo po<strong>de</strong>ria se aplicar a qualquer um tentan<strong>do</strong> escapar pelo mar. De fato estes colares tornaram<br />

os barcos <strong>de</strong> guarda <strong>de</strong>snecessários. Mesmo se eles conseguissem pegar um barco, seria impossível<br />

escapar enquanto estes colares estivessem em seus pescoços.<br />

Por isso, a única maneira <strong>de</strong> sair era atacarem Sakamochi na escola e <strong>de</strong>sabilitar as travas<br />

<strong>do</strong>s colares. Mas mesmo com isso, o setor G=7 on<strong>de</strong> estava localizada a escola era impossível <strong>de</strong> se<br />

aproximar. Além disso, suas localizações estavam sen<strong>do</strong> constantemente monitoradas.<br />

Ele continuou a pensar nisto enquanto a área era iluminada pela luz <strong>do</strong> sol. Ele imaginou que<br />

po<strong>de</strong>riam esperar <strong>de</strong> novo pelo cair da noite.<br />

Mas <strong>de</strong> novo havia outro problema, o limite <strong>de</strong> tempo. “Se ninguém morrer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> vinte e<br />

quatro horas.” A última vez que Shuya viu alguém morrer foi quan<strong>do</strong> ele <strong>de</strong>ixou a escola, que havia<br />

si<strong>do</strong> há três horas atrás. Se to<strong>do</strong>s ficassem vivos, em pouco mais <strong>de</strong> vinte horas to<strong>do</strong>s estariam<br />

mortos. Mesmo se eles fizessem uma tentativa <strong>de</strong> escapar, ao cair da noite já seria tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais para<br />

agirem juntos. Ironicamente, mais colegas <strong>de</strong> classe morren<strong>do</strong> daria tempo para eles sobreviverem.<br />

Shuya tentou tirar isso da cabeça.<br />

Eles estavam presos.<br />

Shuya continuou <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong> que eles pu<strong>de</strong>ssem se encontrar com Shinji Mimura. Com seu<br />

vasto conhecimento e a gran<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicá-lo, um cara como Shinji po<strong>de</strong>ria encontrar uma<br />

solução para sua situação...<br />

Ele também continuou lamentan<strong>do</strong> não ter toma<strong>do</strong> o risco <strong>de</strong> esperar por Shinji <strong>de</strong>pois <strong>do</strong><br />

ataque <strong>de</strong> Yoshio Akamatsu. “Eu fiz mesmo a coisa certa? Será que eu seria ataca<strong>do</strong> como inimigo<br />

ali? Talvez Yoshio Akamatsu fosse a única exceção.”<br />

Não... isso não era necessariamente verda<strong>de</strong>. Podia haver muito mais “inimigos”. Era<br />

impossível saber quem era seu inimigo, em primeiro lugar. Quem ainda era normal e quem já não<br />

era mais? “Mas... talvez nós sejamos os que já não são mais normais? Talvez estejamos loucos?”<br />

Ele sentiu que ficaria maluco.<br />

“No final nós não temos opção senão sentar aqui e ver o que irá acontecer. Mas nós<br />

conseguiremos encontrar uma solução? Se não funcionar, nós po<strong>de</strong>remos esperar até a noite por<br />

para procurar por Shinji Mimura... mas conseguiremos mesmo fazer isso? Mesmo esta ilha sen<strong>do</strong><br />

pequena, com um diâmetro <strong>de</strong> seis quilômetros, encontrar alguém sob estas condições não seria<br />

fácil. Além disso, teremos tempo suficiente entre o escurecer e o ‘tempo limite’?”<br />

76


“Além disso... vamos assumir que por algum golpe <strong>de</strong> sorte (mas que expressão) nós<br />

terminemos junto com Shinji, ou se sobrar só nós <strong>do</strong>is, e que <strong>de</strong> alguma forma conseguirmos<br />

escapar, nós seríamos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s fugitivos. A menos que imigremos para algum lugar, nós<br />

passaremos o resto <strong>de</strong> nossas vidas como fugitivos. E um dia nós vamos acabar sen<strong>do</strong> assassina<strong>do</strong>s<br />

por um agente <strong>do</strong> governo em algum beco aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> nossos cadáveres para os ratos<br />

gor<strong>do</strong>s que aparecem e mordiscam nossos <strong>de</strong><strong>do</strong>s.”<br />

No final seria <strong>melhor</strong> ficar maluco.<br />

Shuya pensou em Yoshitoki Kuninobu. Ele estava choca<strong>do</strong> pela morte <strong>de</strong> Yoshitoki, mas<br />

talvez Yoshitoki estivesse <strong>melhor</strong> por não ter que passar por essa insanida<strong>de</strong>. Esta situação que<br />

parecia absolutamente perdida.<br />

“Seria <strong>melhor</strong> nós cometermos suicídio. Noriko concordaria em nos matarmos?”<br />

Shuya olhou na direção <strong>de</strong>la e pela primeira vez observou <strong>de</strong> perto o perfil <strong>de</strong> Noriko sob a<br />

luz pacífica <strong>do</strong> amanhecer.<br />

Ela tinha sobrancelhas bem <strong>de</strong>finidas, cílios suaves em seus olhos fecha<strong>do</strong>s, um belo nariz<br />

com a ponta fina e lábios cheios. Era uma garota muito bonita. Ele podia enten<strong>de</strong>r porque Yoshitoki<br />

era afim <strong>de</strong>la.<br />

Agora havia areia grudada no rosto <strong>de</strong>la e seu cabelo, que passava um pouco <strong>do</strong>s ombros,<br />

estava amassa<strong>do</strong>. E, é claro, o colar. O colar pratea<strong>do</strong> preso ao re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> pescoço <strong>de</strong>la como se ela<br />

fosse uma escrava <strong>de</strong> tempos passa<strong>do</strong>s.<br />

Esta droga <strong>de</strong> jogo estava tiran<strong>do</strong> <strong>de</strong>la todas as qualida<strong>de</strong>s atrativas.<br />

Shuya então subitamente sentiu uma onda incrível <strong>de</strong> ódio. E com isto ele voltou a si.<br />

“Nós não vamos per<strong>de</strong>r. Nós vamos sobreviver. Não só isso, nós vamos contra atacar. E não<br />

vai ser só um contragolpe tosco. Eles que venham com um soco direto que nós vamos esperá-los<br />

com um bastão <strong>de</strong> baseball.”<br />

Noriko disse:<br />

Noriko abriu os olhos. Seus olhos se encontraram e eles se encararam. Então calmamente<br />

– Tem algo erra<strong>do</strong>?<br />

– Nada... Bom, eu estava pensan<strong>do</strong>.<br />

Shuya estava envergonha<strong>do</strong>, pois ele esteve observan<strong>do</strong> Noriko e ela o pegou fazen<strong>do</strong> isso,<br />

então ele disse <strong>de</strong> uma vez:<br />

– Eu sei que parece esquisito, mas eu espero que não esteja pensan<strong>do</strong> em cometer suicídio.<br />

Noriko olhou para baixo, sua expressão ambígua formava o que parecia ser um sorriso.<br />

Então ela disse:<br />

você estaria...<br />

– Sem chance... apesar <strong>de</strong> que...<br />

– Apesar <strong>do</strong> quê?<br />

Noriko pensou por um momento. Então ela continuou:<br />

– Eu iria querer cometer suicídio se nós fôssemos os únicos que restassem. Então pelo menos<br />

77


Surpreso, Shuya sacudiu a cabeça. Ele sacudiu com muita força. Ele disse a idéia por acaso e<br />

não esperava que ela respon<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ssa forma.<br />

– Não seja absurda. Nem mesmo pense nisso. Olha, você e eu, nós estaremos juntos até o fim.<br />

Não importa como. Certo?<br />

Noriko sorriu um pouco, ofereceu sua mão direita e tocou a mão esquerda <strong>de</strong> Shuya.<br />

– Obrigada. – ela disse.<br />

– Olha, nós vamos conseguir. Nem pense em morrer.<br />

Noriko sorriu um pouco novamente. Então ela disse:<br />

– Então você não <strong>de</strong>sistiu, Shuya?<br />

Shuya gesticulou com força.<br />

– Claro que não.<br />

Noriko concor<strong>do</strong>u e disse:<br />

– Eu sempre imaginei isso, que você sempre teve essa força positiva.<br />

– Força positiva?<br />

Noriko sorriu.<br />

– Eu não sei como dizer isto, mas você tem esta atitu<strong>de</strong> positiva sobre a vida. Como agora,<br />

você está totalmente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a viver. E... – Ela ainda tinha um fraco sorriso no rosto quan<strong>do</strong><br />

olhou diretamente para o rosto <strong>de</strong>le. – É o que eu realmente gosto em você.<br />

Shuya sentiu um pouco <strong>de</strong> vergonha e respon<strong>de</strong>u:<br />

– É porque eu sou um idiota. – Então ele acrescentou:<br />

– Mesmo se pudéssemos escapar, você sabe, quero dizer que eu não me importaria com isso,<br />

pois eu não tenho pais. Mas, você... você não seria capaz <strong>de</strong> ver sua mãe ou seu pai... ou seu<br />

irmão.Você se sentiria bem com isso?<br />

Noriko sorriu um pouco <strong>de</strong> novo.<br />

– Eu posso lidar com isso... eu me <strong>de</strong>cidi <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que... o jogo começou. – Ela pausou, então<br />

continuou. – E você?<br />

– Que você quer dizer?<br />

Noriko continuou:<br />

– Você não será capaz <strong>de</strong> vê-la <strong>de</strong> novo...<br />

Shuya hesitou. Era verda<strong>de</strong>, Noriko sabia um monte sobre Shuya. Como a própria Noriko<br />

disse: “Eu estive te observan<strong>do</strong> por um bom tempo.”<br />

Ele estaria mentin<strong>do</strong> se dissesse que não importava. Ele esteve muito afim <strong>de</strong> Kazumi<br />

Shintani to<strong>do</strong> este tempo. O pensamento <strong>de</strong> não vê-la novamente era...<br />

Mas Shuya sacudiu a cabeça.<br />

– Não tem muita importância.<br />

Ele pensou em dizer “Eu só um amor unilateral mesmo.”, mas ele foi interrompi<strong>do</strong> pela súbita<br />

explosão da voz <strong>de</strong> Sakamochi soan<strong>do</strong> pelo ar.<br />

31 estudantes restantes<br />

78


15<br />

– Bom dia a to<strong>do</strong>s.<br />

Era a voz <strong>de</strong> Sakamochi. Era impossível localizar os auto falantes, mas sua voz vinha alta e<br />

clara, tiran<strong>do</strong> alguma distorção metálica. Os auto falantes estavam instala<strong>do</strong>s não só na escola, mas<br />

também por toda a ilha.<br />

Sakamochi.<br />

Akamatsu.<br />

– Aqui é o seu instrutor Sakamochi. Agora são 6h. Como vocês estão?<br />

Antes que pu<strong>de</strong>sse fazer uma careta, o queixo <strong>de</strong> Shuya caiu <strong>de</strong> surpresa pelo tom alegre <strong>de</strong><br />

– Bom, então eu vou anunciar os nomes <strong>do</strong>s seus amigos mortos. Primeiro, Yoshio<br />

As bochechas <strong>de</strong> Shuya contraíram. Sim, era outra morte, mas o anúncio <strong>do</strong> nome <strong>de</strong> Yoshio<br />

Akamatsu também significava mais para Shuya.<br />

“Yoshio Akamatsu não estava morto naquele momento. Então... ele foi morto tentan<strong>do</strong> matar<br />

mais alguém? Ou, não, ele permaneceu inconsciente, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> ali... e então feito em pedaços por este<br />

lin<strong>do</strong> colar que nós estamos usan<strong>do</strong> porque a escola agora era uma ‘zona proibida’?”<br />

mortos.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte disso, o fato <strong>de</strong> que Shuya o <strong>de</strong>ixara inconsciente não o fazia se sentir <strong>melhor</strong>.<br />

Esta linha <strong>de</strong> pensamento imediatamente se evaporou com o anúncio <strong>do</strong>s outros nomes <strong>do</strong>s<br />

– Agora, No. 9 Hiroshi Kuronaga, No. 10 Ryuhei Sasagawa, No. 17 Mitsuru Numai, No. 21<br />

Kazuhiko Yamamoto. E então, vamos ver, as garotas, No. 3 Megumi Eto, No. 4 Sakura Ogawa, No.<br />

5 Izumi Kanai, No. 14 Mayumi Ten<strong>do</strong>.<br />

Esta lista <strong>de</strong> nomes significava que suas chances <strong>de</strong> sobreviver foram levemente<br />

aumentadas, mas este pensamento nem mesmo ocorreu a Shuya. Ele sentia vertigens. Os rostos <strong>do</strong>s<br />

seus colegas <strong>de</strong> classe mortos passeavam em sua mente e então <strong>de</strong>sapareciam. Eles foram to<strong>do</strong>s<br />

mortos, o que significava que havia mais assassinos lá fora. Isto é certo, a menos que alguns <strong>de</strong>les<br />

tenham cometi<strong>do</strong> suicídio.<br />

“Aquilo” estava continuan<strong>do</strong>. O jogo estava inegavelmente em progresso. Uma longa<br />

procissão <strong>de</strong> funeral, uma multidão <strong>de</strong> pessoas vestin<strong>do</strong> preto. Um homem <strong>de</strong> terno negro com um<br />

rosto sombrio <strong>de</strong> quem sabia <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> falava <strong>de</strong>les: “Oh, Shuya Nanahara e Noriko Nakagawa? Vocês<br />

<strong>do</strong>is, certo, vocês estão um pouco adianta<strong>do</strong>s. Mas vocês acabaram <strong>de</strong> passar por seus túmulos bem<br />

aqui. Nós enterramos no número que vocês <strong>do</strong>is partilham, No. 15. Não se preocupem, nós estamos<br />

oferecen<strong>do</strong> um bônus especial.”<br />

– Bom começo, pessoal. Estou muito impressiona<strong>do</strong>. Agora então, as zonas proibidas. Eu vou<br />

anunciar suas áreas e horas. Peguem seus mapas e marquem neles.<br />

Ainda choca<strong>do</strong> com o número <strong>de</strong> colegas <strong>de</strong> turma mortos e com raiva <strong>do</strong> tom <strong>de</strong> voz <strong>de</strong><br />

Sakamochi, Shuya relutantemente tirou seu mapa apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>.<br />

Enten<strong>de</strong>ram?<br />

– Primeiro, uma hora a partir <strong>de</strong> agora. Às sete, 7h no setor J=2. Saiam <strong>de</strong> J=2 às 7h.<br />

79


J=2 estava levemente ao oeste na ponta sul da ilha.<br />

– Depois, em três horas, F=1 as 9h.<br />

F=1 estava na costa oeste da ilha, mas era uma área remota no sul.<br />

– Depois, cinco horas mais tar<strong>de</strong>. H=8 às 11h.<br />

A maioria da área resi<strong>de</strong>ncial da costa leste estava em H=8.<br />

– Isto é tu<strong>do</strong> por enquanto. Agora eu quero que vocês to<strong>do</strong>s se esforcem ao máximo hoje...<br />

O local <strong>de</strong> Shuya e Noriko não estava nas zonas proibidas por Sakamochi. Sakamochi<br />

dissera que as zonas eram escolhidas aleatoriamente. De qualquer mo<strong>do</strong>, eles tomaram a <strong>de</strong>cisão<br />

correta evitan<strong>do</strong> a área resi<strong>de</strong>ncial. Mas sua localização po<strong>de</strong>ria estar incluída no próximo anúncio.<br />

– Sakura e... – quan<strong>do</strong> Noriko falou, Shuya virou-se para ela. – Os nomes <strong>de</strong> Sakura e Kazuhiko<br />

foram menciona<strong>do</strong>s.<br />

– É... – Shuya murmurou <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua garganta. – Eu me pergunto se... eles se mataram.<br />

Noriko olhou para seus pés.<br />

– Eu não sei. Mas eles <strong>de</strong>vem ter esta<strong>do</strong> juntos, conhecen<strong>do</strong> aqueles <strong>do</strong>is, até o último<br />

momento. De alguma forma eles conseguiram se encontrar.<br />

Shuya havia visto Sakura passar uma mensagem para Kazuhiko. Apesar disso, ele e Noriko<br />

só estavam fazen<strong>do</strong> observações otimistas. Até on<strong>de</strong> sabiam, os <strong>do</strong>is po<strong>de</strong>m ter si<strong>do</strong> mortos<br />

separadamente, em lugares distantes, por colegas <strong>de</strong> turma insanos.<br />

Afastan<strong>do</strong> a imagem <strong>de</strong> Sakura <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> um bilhete para Kazuhiko quan<strong>do</strong> suas mãos se<br />

tocaram, Shuya tirou sua lista <strong>de</strong> estudantes <strong>do</strong> bolso. Ela veio junto com o mapa no kit <strong>de</strong><br />

sobrevivência. Ele se sentia mal, mas Shuya tinha que marcar a informação. Ele tirou a caneta e<br />

então quan<strong>do</strong> estava prestes a marcar os nomes com X, <strong>de</strong>cidiu por não fazer. Isso era tão... tão<br />

horrível.<br />

Em vez disso, ele riscou um pequeno V ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nomes. Ele também incluiu Yoshitoki<br />

Kuninobu e Fumiyo Fujiyoshi. Shuya sentiu-se como o homem <strong>de</strong> terno preto da visão que ele<br />

acabara <strong>de</strong> imaginar. “Vamos ver, você, e também você. Qual é o seu tamanho <strong>de</strong> caixão? É um<br />

número pequeno, mas nós po<strong>de</strong>mos oferecer nosso popular mo<strong>de</strong>lo No. 8 a você por um preço<br />

especialmente reduzi<strong>do</strong>.”<br />

Chega. De qualquer mo<strong>do</strong>, três <strong>do</strong>s quatro membros da gangue <strong>de</strong> Kazuo Kiriyama estavam<br />

mortos. Hiroshi Kuronaga, Ryuhei Sasagawa e Mitsuru Numai. Os únicos que não foram<br />

menciona<strong>do</strong>s eram Sho Tsukioka, cujo apeli<strong>do</strong> era “Zuki” (ele era meio esquisito), e o próprio Kazuo<br />

Kiriyama.<br />

Ele lembrou <strong>do</strong> rosto presunçoso <strong>de</strong> Mitsuru Numai quan<strong>do</strong> Kazuo <strong>de</strong>ixou a sala. Shuya<br />

suspeitava que Kazuo organizasse sua gangue e tentasse escapar. Então o que estes resulta<strong>do</strong>s<br />

significavam? Talvez, mesmo que concordassem em se encontrar em algum lugar, eles tiveram<br />

suspeitas e se viraram uns contra os outros? Então Sho Tsukioka e Kazuo Kiriyama conseguiram<br />

escapar... isto significava que Sho Tsukioka e Kazuo Kiriyama ainda estavam juntos? Não, algo<br />

completamente diferente <strong>de</strong>ve ter aconteci<strong>do</strong>. Shuya não tinha idéia.<br />

80


Então ele lembrou <strong>do</strong> som fraco <strong>de</strong> armas disparan<strong>do</strong>. Ele só ouviu uma única vez. Se aquilo<br />

tivesse si<strong>do</strong> tiro <strong>de</strong> uma arma <strong>de</strong> fogo, então qual <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>z pessoas ela teria mata<strong>do</strong>?<br />

Seus pensamentos foram interrompi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> súbito por um som <strong>de</strong> algo <strong>de</strong> arrastan<strong>do</strong>. O rosto<br />

<strong>de</strong> Noriko contraiu. Shuya imediatamente pôs a caneta e a lista em seu bolso.<br />

Shuya ouviu <strong>de</strong> perto. O som continuava. De fato, aproximava-se <strong>de</strong>les.<br />

Ele sussurrou para Noriko:<br />

– Fique quieta.<br />

Shuya pegou seu kit <strong>de</strong> sobrevivência. Eles tinham que ser capazes <strong>de</strong> se mover a qualquer<br />

momento, por isso ele pôs tu<strong>do</strong> que precisava <strong>de</strong>ntro da bolsa. Ele <strong>de</strong>ixou algumas roupas em sua<br />

mochila esportiva, mas não tinha importância jogá-la fora. Noriko também fez suas mochilas da<br />

mesma maneira.<br />

Ele elevou os kits <strong>de</strong> sobrevivência até seu ombro esquer<strong>do</strong>. Ofereceu a Noriko suas mãos<br />

para ajudá-la a se levantar. Então eles esperaram em uma posição agachada.<br />

Shuya puxou sua faca. Sua mão direita a segurava em empunhadura inversa. “Eu posso saber<br />

como segurar uma guitarra”, ele pensou, “mas eu não sei nada sobre como usar isto.”.<br />

distância.<br />

O som <strong>de</strong> rastejar ficou cada vez maior. Estava provavelmente apenas a alguns metros <strong>de</strong><br />

Shuya estava sobrecarrega<strong>do</strong> pela mesma tensão que sentiu ao sair da escola. Ele segurou o<br />

ombro <strong>de</strong> Noriko com sua mão esquerda e a puxou para trás. Ele se levantou e <strong>de</strong>u um passo para<br />

trás. Quanto antes <strong>melhor</strong>. Quanto antes possível!<br />

Eles se dirigiram através <strong>do</strong>s arbustos e saíram em uma trilha. Ela ia subin<strong>do</strong> a colina.<br />

Árvores se agitavam acima <strong>de</strong>les, galhos se misturavam e o céu estava azul.<br />

Ainda seguran<strong>do</strong> Noriko, Shuya <strong>de</strong>u passos para trás por vários metros junto da trilha. O<br />

som <strong>de</strong> rastejar continuou nos arbustos <strong>do</strong>s quais eles saíram. O som aumentou e então...<br />

Os olhos <strong>de</strong> Shuya se arregalaram<br />

Um gato branco pulou <strong>do</strong>s arbustos e parou na trilha. Era malha<strong>do</strong> e seu pêlo estava<br />

amassa<strong>do</strong>, mas <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>, é o que ele era... um gato.<br />

Shuya e Noriko se olharam.<br />

– É um gato. – ela disse dan<strong>do</strong> um sorriso.<br />

Shuya também sorriu. Então o gato se virou para eles como se tivesse finalmente os nota<strong>do</strong>.<br />

Ele olhou para eles por um tempo e então correu na direção <strong>de</strong>les.<br />

Shuya <strong>de</strong>volveu sua faca à bainha enquanto Noriko se agachou, cuida<strong>do</strong>samente <strong>do</strong>brou sua<br />

perna machucada e ofereceu suas mãos ao gato. O gato saltou para as mãos <strong>de</strong>la e se enroscou em<br />

seus pés. Noriko pôs as mãos sob os pés dianteiros <strong>do</strong> gato e o abraçou.<br />

– Pobre gatinho. Olha só como está magro. – Noriko disse fazen<strong>do</strong> um bico com os lábios<br />

como se fosse beijá-lo. O gato respon<strong>de</strong>u entusiasmadamente, ronronan<strong>do</strong>, miau.<br />

– Deve ser um gato <strong>do</strong>méstico. É tão amigável.<br />

– Não sei.<br />

81


“O governo realocou to<strong>do</strong>s os resi<strong>de</strong>ntes da ilha por causa <strong>do</strong> jogo. (Por o Programa ser uma<br />

operação secreta até que terminasse, eles não <strong>de</strong>viam ter si<strong>do</strong> informa<strong>do</strong>s). Como Noriko disse,<br />

talvez este gato tivesse pertenci<strong>do</strong> alguém aqui e foi aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> assim que seu <strong>do</strong>no foi embora.<br />

Não há nenhuma casa na área, então ele se per<strong>de</strong>u nas colinas?”, Shuya pensava enquanto ele<br />

<strong>de</strong>spreocupadamente <strong>de</strong>sviava o olhar <strong>de</strong> Noriko. Ele se virou...<br />

...em choque.<br />

Lá estava alguém usan<strong>do</strong> um uniforme escolar a <strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> distância, para<strong>do</strong> na trilha<br />

como se seus pés estivessem gruda<strong>do</strong>s nela. Apesar <strong>de</strong> ter altura mediana, como Shuya, ele tinha<br />

uma constituição sólida <strong>de</strong> seu treinamento no time <strong>de</strong> handball. Sua pele estava bronzeada e ele<br />

cabelos curtos. Seu cabelo se erguia na frente. Era Tatsumichi Oki (Estudante Masculino No. 3).<br />

31 estudantes restantes<br />

82


16<br />

Noriko seguiu os olhos <strong>de</strong> Shuya e se virou. Seu rosto subitamente ficou tenso. É verda<strong>de</strong>... o que<br />

havia com Tatsumichi? Ele era um inimigo ou não?<br />

Tatsumichi Oki parou ali, olhan<strong>do</strong> para eles. Shuya sentiu seu campo <strong>de</strong> visão estreitar pela<br />

tensão (assim como um carro em gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>), mas <strong>do</strong> canto <strong>do</strong>s olhos ele podia ainda<br />

enxergar a machadinha na mão direita <strong>de</strong> Tatsumichi.<br />

Shuya reflexivamente ergueu a mão na direção da faca enfiada em seu cinto.<br />

Aquilo foi o estopim. A mão <strong>de</strong> Tatsumichi, aquela que segurava a machadinha, estremeceu,<br />

e então ele começou a correr na direção <strong>de</strong>les.<br />

Shuya empurrou Noriko, que ainda estava seguran<strong>do</strong> o gato, nos arbustos.<br />

Tatsumichi já estava bem na frente <strong>de</strong>le.<br />

Shuya rapidamente ergueu seu kit <strong>de</strong> sobrevivência. A machadinha entrou nela, abrin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong><br />

maneira que seu conteú<strong>do</strong> se esparramou no chão. Água espirrou para fora da mochila, da garrafa<br />

<strong>de</strong> água quebrada. A lâmina alcançou o braço <strong>de</strong> Shuya. Uma <strong>do</strong>r abrasa<strong>do</strong>ra correu por sua pele.<br />

Ele jogou o kit <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> e pulou para trás para ganhar alguma distância. O<br />

rosto <strong>de</strong> Tatsumichi estava tão contorci<strong>do</strong> que o branco <strong>de</strong> seus olhos formava círculos em torno <strong>de</strong><br />

suas pupilas.<br />

Shuya não podia acreditar nisso. Sim, eles estavam em uma situação horrível e Shuya por<br />

um momento também teve suspeitas, mas como ele podia...? Como podia Tatsumichi, aquele cara<br />

alegre, legal, fazer tal coisa?<br />

Tatsumichi rapidamente olhou para on<strong>de</strong> Noriko estava, nos arbustos. Seguin<strong>do</strong> seu olhar,<br />

Shuya também olhou para Noriko. O rosto e lábios <strong>de</strong> Noriko petrificaram com o olhar <strong>de</strong><br />

Tatsumichi. O gato já havia i<strong>do</strong> a algum outro lugar.<br />

Subitamente Tatsumichi se virou para Shuya e girou sua machadinha lateralmente.<br />

Shuya foi <strong>de</strong> encontro com o golpe usan<strong>do</strong> a faca que ele tirara <strong>do</strong> cinto. Infelizmente ainda<br />

estava <strong>de</strong>ntro da bainha <strong>de</strong> couro, mas <strong>de</strong> qualquer maneira, houve um som <strong>de</strong> travamento. Ele<br />

conseguiu parar o golpe a quase cinco centímetros <strong>de</strong> sua bochecha. Shuya podia ver as ondas azuis<br />

na lâmina da machadinha provavelmente formadas quan<strong>do</strong> ela foi forjada.<br />

Antes que Tatsumichi pu<strong>de</strong>sse retornar o golpe, Shuya jogou sua faca e agarrou o braço<br />

direito <strong>de</strong> Tatsumichi, que estava seguran<strong>do</strong> a machadinha. Mas Tatsumichi forçou um giro, que,<br />

apesar <strong>de</strong> ser lento, conseguiu atingir o la<strong>do</strong> direito da cabeça <strong>de</strong> Shuya. Alguns <strong>do</strong>s longos cabelos<br />

ondula<strong>do</strong>s sobre sua orelha direita caíram e uma fina gota caiu <strong>do</strong> lóbulo <strong>de</strong> sua orelha. Não <strong>do</strong>eu<br />

muito. Um pensamento bobo e inapropria<strong>do</strong> ocorreu em sua mente: “bem, não é gran<strong>de</strong> coisa, Shinji<br />

teve sua orelha furada, apesar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>.”<br />

Tatsumichi girou a machadinha <strong>de</strong> sua mão direita para a esquerda, mas antes que pu<strong>de</strong>sse<br />

atacar <strong>de</strong> novo, Shuya arrastou sua perna esquerda sob os pés <strong>de</strong> Tatsumichi. As pernas <strong>de</strong> <strong>de</strong>le se<br />

inclinaram, estava quase cain<strong>do</strong>!<br />

83


Mas ele conseguiu continuar <strong>de</strong> pé balançan<strong>do</strong>-se e então giran<strong>do</strong>. Ele caiu em cima <strong>de</strong><br />

Shuya, que recuou para os arbustos. O som <strong>de</strong> galhos quebran<strong>do</strong> os cercou.<br />

Shuya continuou a se mover para trás. Força<strong>do</strong> pela incrível força <strong>de</strong> Tatsumichi, ele estava<br />

agora praticamente cain<strong>do</strong> pra trás. O rosto <strong>de</strong> Noriko estava sumin<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua vista. Nesta situação<br />

irreal, outro pensamento absur<strong>do</strong> cruzou sua mente. Ele se lembrou <strong>do</strong>s treinos da Pequena Liga.<br />

“Shuya Nanahara, o campeão <strong>de</strong> corrida <strong>de</strong> costas, isso aí!”<br />

templo.<br />

Então seus pés ficaram estranhos.<br />

Ele subitamente se lembrou que havia uma <strong>de</strong>scida íngreme em direção ao campo com o<br />

“Estou cain<strong>do</strong>!”<br />

Ambos então caíram <strong>de</strong>scen<strong>do</strong> a la<strong>de</strong>ira coberta <strong>de</strong> arbustos. O claro céu da manhã e a<br />

vegetação giravam em volta. Mas ele ainda conseguiu se segurar no pulso <strong>de</strong> Tatsumichi.<br />

Ele sentiu como se tivessem caí<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> altura, mas foi provavelmente em torno <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>z metros. Seus corpos bateram com uma pancada estron<strong>do</strong>sa e eles ficaram para<strong>do</strong>s. A área<br />

estava banhada com luz <strong>do</strong> sol. Eles caíram no campo.<br />

pu<strong>de</strong>sse.<br />

Shuya estava esmaga<strong>do</strong> sob Tatsumichi. Ele tinha que se levantar antes que Tatsumichi<br />

Mas foi quan<strong>do</strong> Shuya sentiu algo estranho. Apesar <strong>de</strong> Tatsumichi ter vin<strong>do</strong> para cima <strong>de</strong>le<br />

com a força <strong>de</strong> um compressor <strong>de</strong> ar, a força em seus braços tinha sumi<strong>do</strong>. Eles estavam frouxos.<br />

para cima.<br />

Com o rosto sob a parte inferior <strong>do</strong> peito <strong>de</strong> Tatsumichi, Shuya viu o porquê, quan<strong>do</strong> olhou<br />

Logo acima <strong>de</strong>le, a machadinha estava alojada no rosto <strong>de</strong> Tatsumichi. Meta<strong>de</strong> da lâmina<br />

estava sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu rosto como a camada superior <strong>de</strong> um bolo <strong>de</strong> chocolate. A machadinha estava<br />

enterrada em sua testa, dividin<strong>do</strong> perfeitamente o olho esquer<strong>do</strong> (um líqui<strong>do</strong> viscoso saía junto com<br />

sangue), e uma luz azul pálida refletia-se da lâmina para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua boca.<br />

Tatsumichi ainda segurava a machadinha, mas Shuya era quem segurava seus punhos.<br />

Shuya sentiu uma sensação terrível corren<strong>do</strong> a velocida<strong>de</strong> da luz <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Tatsumichi aos seus<br />

punhos.<br />

Como se traçan<strong>do</strong> o curso <strong>de</strong>sta sensação, sangue <strong>de</strong>scia da lâmina, fluin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Tatsumichi às<br />

mãos <strong>de</strong> Shuya que seguravam os pulsos <strong>de</strong> Tatsumichi. Shuya <strong>de</strong>ixou escapar um gemi<strong>do</strong> baixo,<br />

soltou as mãos e saiu <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> Tatsumichi. O corpo rolou, com rosto para cima, sua<br />

expressão terrível <strong>de</strong> morte invadia a luz da manhã.<br />

Bufan<strong>do</strong> e sopran<strong>do</strong>, Shuya sentiu uma compulsão <strong>de</strong> vomitar.<br />

O horror incomparável <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Tatsumichi não era algo trivial, mas para Shuya era algo<br />

ainda mais importante para si mesmo. Ele havia mata<strong>do</strong> alguém. Pior ainda, um colega <strong>de</strong> classe.<br />

Não adiantava tentar se convencer se que era um aci<strong>de</strong>nte. No final, ele havia feito tu<strong>do</strong> que<br />

pô<strong>de</strong> para <strong>de</strong>sviar a lâmina e então dirigi-la na direção <strong>de</strong> Tatsumichi ao torcer seus pulsos para trás<br />

tanto quan<strong>do</strong> possível.<br />

Ele sentiu uma náusea incrivelmente gran<strong>de</strong>.<br />

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Mas Shuya engoliu em seco e segurou a ânsia <strong>de</strong> vômito. Ele ergueu a cabeça e olhou para<br />

cima da la<strong>de</strong>ira que ele acabara <strong>de</strong> <strong>de</strong>scer rolan<strong>do</strong>.<br />

Ele não pô<strong>de</strong> ver além <strong>do</strong>s arbustos cobrin<strong>do</strong> a la<strong>de</strong>ira. Ele havia <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> Noriko sozinha.<br />

Está certo, o mais importante era proteger Noriko. Ele não tinha tempo <strong>de</strong> vomitar. Ele tinha que<br />

voltar para Noriko, Shuya dizia a si mesmo enquanto estes pensamentos o acalmavam. Ele se<br />

levantou e olhou para o rosto <strong>de</strong> Tatsumichi e a machadinha por um momento.<br />

Ele hesitou, mas então cerrou os lábios e tirou os <strong>de</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong> Tatsumichi <strong>do</strong> cabo da<br />

machadinha que dividia seu rosto. Ele não podia <strong>de</strong>ixar Tatsumichi daquele jeito. É claro que ele<br />

não podia enterrá-lo, mas o rosto <strong>de</strong> Tatsumichi com a machadinha já era <strong>de</strong>mais. Ele não podia<br />

suportar. Ele segurou o cabo e tentou puxar a machadinha <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Tatsumichi.<br />

O rosto estava preso a ela como se ele fosse sair junto com a machadinha. A machadinha<br />

estava enterrada tão fun<strong>do</strong> que ficara presa.<br />

Shuya tomou um fôlego profun<strong>do</strong>. “Oh Deus.”<br />

Então ele pensou sobre isto. “Não. Que negócio <strong>de</strong> Deus é esse? Srta. Anno era uma cristã<br />

<strong>de</strong>vota, mas mesmo assim ela terminou estuprada pelo Sakamochi. Ah, claro, louvai o Senhor...“<br />

Shuya sentiu outra onda <strong>de</strong> raiva.<br />

Ele cerrou os <strong>de</strong>ntes e se ajoelhou ao la<strong>do</strong> da cabeça <strong>de</strong> Tatsumichi e pôs sua mão esquerda<br />

que estava tremen<strong>do</strong> na testa <strong>de</strong> seu colega <strong>de</strong> classe. Com sua mão direita ele puxou a machadinha,<br />

que fez um som horrível <strong>de</strong> esguicho quan<strong>do</strong> sangue espirrou <strong>do</strong> rosto <strong>de</strong> Tatsumichi e a<br />

machadinha se soltou.<br />

Shuya se sentia como se estivesse num pesa<strong>de</strong>lo. Quebrada ao meio, a cabeça <strong>de</strong> Tatsumichi<br />

estava agora assimétrica. Parecia irreal <strong>de</strong>mais. Parecia até uma falsificação <strong>de</strong> plástico. Shuya<br />

percebeu pela primeira vez na vida o quão maleável e frágil é o corpo humano.<br />

Ele <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> fechar os olhos <strong>de</strong> Tatsumichi. Seu olho e pálpebra esquer<strong>do</strong>s estavam<br />

corta<strong>do</strong>s. A pálpebra estava tão inchada e encolhida que mal podia ser fechada. Seu olho direito<br />

provavelmente estava normal, mas quem iria querer um cadáver que pisca? Era <strong>de</strong> muito mau gosto,<br />

dadas as circunstâncias.<br />

Ele se sentiu mal <strong>de</strong> novo.<br />

Mas então se ergueu e se virou. Para retornar até Noriko ele teria que pegar o caminho mais<br />

longo através da trilha.<br />

Os olhos <strong>de</strong> Shuya se arregalaram novamente pois...<br />

... ali estava um garoto vestin<strong>do</strong> um casaco escolar no meio <strong>do</strong> campo, o representante<br />

masculino da classe, Kyoichi Motobuchi.<br />

E este representante estava seguran<strong>do</strong> uma pistola.<br />

30 estudantes restantes<br />

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