Wesley e seu século - Sociedade Arminiana em Língua Portuguesa
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WESLEY<br />
E<br />
SEUSÉCULO<br />
Um estudo de Forças Espirituais<br />
Pelo<br />
Rev. W. H. Fitchett,<br />
B. A. L. L. D.<br />
Diretor do Colégio das Senhoras Metodistas, Hawtthorn, Melborne<br />
Presidente da Igreja Metodista da Austrália.<br />
Autor de “Como a Inglaterra salvou a Europa”<br />
-----------<br />
Vertido <strong>em</strong> português por<br />
Eduardo E. Joiner<br />
-----------<br />
Volume I<br />
1916<br />
Tipografia de Carlos Echenique<br />
Porto Alegre<br />
Essa edição eletrônica<br />
e com linguag<strong>em</strong> atualizada<br />
é uma publicação do site<br />
da Igreja Metodista de Vila Isabel, Rio<br />
de Janeiro, Brasil.<br />
www.metodistavilaisabel.org.br<br />
OBS: As palavras e expressões entre parênteses e<br />
grafadas <strong>em</strong> vermelho são um acréscimo dessa edição<br />
visando facilitar a leitura de um livro publicado <strong>em</strong> 1916 e<br />
que usa palavras e expressões muito pouco conhecidas<br />
nesse início de Século XX.
Prefácio<br />
O Lugar de <strong>Wesley</strong> na História<br />
Se João <strong>Wesley</strong>, o exigente, narigudo e queixudo homenzinho,<br />
que, aos 9 de março de 1791, foi levado à sepultura por seis pobres,<br />
deixando nada senão uma boa biblioteca, uma b<strong>em</strong> gasta sobrepeliz<br />
(veste branca usada pelos clérigos sobre a batina), uma reputação<br />
muito vilipendiada, e a Igreja Metodista voltasse ao mundo agora,<br />
enquanto muitos estão a derramar-lhe à cabeça tanta tinta de<br />
admiração, talvez seria mais surpreendido do que qualquer outro<br />
hom<strong>em</strong> sobre o planeta. Pois se <strong>Wesley</strong> alcançou a fama foi s<strong>em</strong><br />
cortejá-la. Seeley diz que a Inglaterra conquistou e povoou a metade do<br />
mundo num acesso de sonambulismo. E se <strong>Wesley</strong> edificou uma das<br />
maiores entre as Igrejas hodiernas, e deu um novo ponto de partida<br />
para a história religiosa nos t<strong>em</strong>pos modernos, fê-lo s<strong>em</strong> pr<strong>em</strong>editação.<br />
Durante mais de uma geração depois de sua morte os<br />
historiadores ou ignoravam ou não se importavam com João <strong>Wesley</strong>.<br />
Era tido por um fanático, visível à humanidade por um momento, sobre<br />
uma onda de fanatismo, para desaparecer na escuridão s<strong>em</strong> deixar<br />
qu<strong>em</strong> o chorasse n<strong>em</strong> o l<strong>em</strong>brasse.<br />
A literatura recusou tomá-lo a sério, negando-lhe direito a lugar<br />
qualquer entre os afamados de todo o t<strong>em</strong>po. Mas afinal <strong>Wesley</strong> chegou<br />
ao reino de sua fama. Os maiores elogios, que são lhe tributados hoje,<br />
não vêm do íntimo da Igreja que ele fundou, mas dos de fora. Leslie<br />
Stephen o descreve como o principal capitão-mor entre os homens de<br />
<strong>seu</strong> <strong>século</strong>. Macaulay ridiculariza os escritores de livros intitulados<br />
“História da Inglaterra” que não descobr<strong>em</strong>, entre os eventos<br />
determinantes dessa história, o nascimento do Metodismo. Ele afirma<br />
que <strong>Wesley</strong> “possuía uma capacidade regente <strong>em</strong> nada inferior àquela<br />
de Richelieu". Matheos Arnold tributa-lhe louvor, ainda mais nobre,<br />
quando o chama de “um gênio de piedade”. Southey, que escreveu a<br />
vida de <strong>Wesley</strong>, s<strong>em</strong> entender, mesmo superficialmente, o <strong>seu</strong> segredo,<br />
assevera que, “foi a inteligência mais influente do <strong>século</strong> passado; o<br />
hom<strong>em</strong> que terá conseguido os maiores resultados, <strong>século</strong>s e talvez<br />
milênios no futuro, caso a presente raça de homens subsistir por tanto<br />
t<strong>em</strong>po”. Buckle o intitula, “o primeiro entre os estadistas eclesiásticos”.<br />
Leckey diz, que a humilde reunião, na rua Aldersgate, onde João<br />
<strong>Wesley</strong> se converteu, “constitui uma época na história inglesa”<br />
acrescentando, que a revolução religiosa começada na Inglaterra pela<br />
pregação dos <strong>Wesley</strong>, “é de maior importância histórica do que todas as<br />
conquistas gloriosas, por terra e mar ganhas, sob o governo de Pitt". Ele<br />
afirma que <strong>Wesley</strong> foi uma das principais forças que salvaram a<br />
Inglaterra de uma revolução, tal como a que visitou a França. O Sr.<br />
Agostinho Birrell diz que, “nenhum outro fez uma obra tão vital para a<br />
Inglaterra; n<strong>em</strong> se pode tirá-lo da vida nacional”.<br />
Em suma, a Inglaterra se acha tão intimamente relacionada com<br />
<strong>Wesley</strong> quanto com Shakespeare. E como as forças que nasc<strong>em</strong> da<br />
religião são mais poderosas do que qualquer coisa conhecida na<br />
literatura, é conclusão lógica que, na determinação da história da raça<br />
que fala a língua inglesa, <strong>Wesley</strong> é de maior importância do que<br />
Shakespeare.<br />
Que houve, pois, no próprio <strong>Wesley</strong>, ou no <strong>seu</strong> trabalho, para<br />
justificar tão grandiosos elogios por parte de autoridades tão diversas?<br />
Em certo sentido, o menor monumento a <strong>Wesley</strong>, é a Igreja que, ele<br />
edificou; entretanto, a escala e majestade dessa Igreja não são<br />
facilmente explicadas, n<strong>em</strong> tão pouco a rica e crescente energia pujante<br />
<strong>em</strong> sua vida. Quando <strong>Wesley</strong> morreu <strong>em</strong> 1791, as suas “<strong>Sociedade</strong>s”<br />
na Grã-bretanha contavam 76.000 m<strong>em</strong>bros e 300 pregadores. Hoje, o<br />
Metodismo na Grã-bretanha, no Canadá, nos Estados Unidos e na<br />
Austrália, t<strong>em</strong> 49.000 ministros <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s púlpitos, e cerca de 30.000.000<br />
de pessoas <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s auditórios. T<strong>em</strong> construído 88.000 igrejas; e todos<br />
os domingos ensina a mais de 8.000.000 de crianças <strong>em</strong> suas Escolas<br />
Dominicais.<br />
Os ramos do Metodismo são, <strong>em</strong> certo sentido, mais pujantes do<br />
que o tronco original. No Canadá, <strong>em</strong> uma população inferior a<br />
6.000.000, quase 1.000000 são Metodistas. Na Austrália uma pessoa<br />
<strong>em</strong> cada nove pertence à Igreja de <strong>Wesley</strong>. Em alguns pontos, pelo<br />
menos, é a mais pujante forma do Protestantismo no mundo. A Igreja<br />
Metodista nos Estados Unidos levantou 4.000.000 de libras esterlinas<br />
<strong>em</strong> com<strong>em</strong>oração do <strong>seu</strong> centenário - nunca houve na história do<br />
Cristianismo outra soma tão grande levantada <strong>em</strong> um só esforço por<br />
qualquer Igreja.<br />
O t<strong>em</strong>po é um crítico áspero; dissolvendo, qual um forte ácido,<br />
todos os <strong>em</strong>bustes. Mas a Igreja que <strong>Wesley</strong> fundou faz mais do que
sobreviver a esta prova. Um <strong>século</strong> depois da morte de <strong>Wesley</strong> ela está<br />
b<strong>em</strong> perto de c<strong>em</strong> vezes de que era quando ele a deixou.<br />
Entretanto, repetimos que o verdadeiro monumento de <strong>Wesley</strong><br />
não é a· Igreja que t<strong>em</strong> o <strong>seu</strong> nome. É a Inglaterra do <strong>século</strong> XX! Mais<br />
ainda, é o t<strong>em</strong>peramento do mundo inteiro de hoje; os novos ideais na<br />
política, o novo espírito na religião, o novo padrão na filantropia. Qu<strong>em</strong><br />
quer entender o trabalho de <strong>Wesley</strong> deve comparar o espírito moral do<br />
<strong>século</strong> XVIII com o do <strong>século</strong> XX; pois, um dos mais poderosos fatores<br />
pessoais na produção desta maravilhosa mudança se acha no próprio<br />
<strong>Wesley</strong>.<br />
De algum modo, o <strong>século</strong> XVIII é o mais vilipendiado período na<br />
história inglesa. É a “Cinderela” dos <strong>século</strong>s. Ninguém t<strong>em</strong> por ele uma<br />
palavra de louvor. Thomas Carlyle descreve-o <strong>em</strong> uma frase pungente:<br />
“Alma extinta; barriga b<strong>em</strong> viva”. Entretanto não se pode condensar um<br />
<strong>século</strong> no estreito limite de um epigrama, e ainda menos num que foi<br />
escrito com fel. O <strong>século</strong> XVIII sofre porque colocamo-lo numa falsa<br />
perspectiva. Comparamo-lo com os <strong>século</strong>s seguintes, e não com os<br />
<strong>seu</strong>s precedentes. Os <strong>seu</strong>s traços são deveras sombrios quando<br />
encarados entre a revolução inglesa do <strong>século</strong> XVII que destruiu os<br />
Stuarts, e a revolução francesa do <strong>século</strong> XIV que expulsou os<br />
Bourbons. Mas não sejamos injustos, n<strong>em</strong> sequer, com um <strong>século</strong>! O<br />
<strong>século</strong> XVIII é para a Inglaterra, um fio de nomes ilustres e de feitos<br />
estupendos. Achou a Inglaterra, a Escócia e a Irlanda, reinos separados<br />
e deixou-os unidos. Se b<strong>em</strong> que nos tirou os Estados Unidos. Mas <strong>em</strong><br />
compensação, deu-nos o Canadá, as Índias e a Austrália. Se ele deu a<br />
Inglaterra doze anos do malfadado governo de Lord North, também,<br />
contribuiu com os vinte anos do esplendoroso governo de Guilherme<br />
Pitt. Se esse <strong>século</strong> test<strong>em</strong>unhou o fuzilamento de um almirante inglês,<br />
no tombadilho de <strong>seu</strong> navio, pelo crime de covardia, e uma frota inglesa<br />
revoltada <strong>em</strong> Nore, também, presenciou as vitórias marítimas de<br />
Rodney, na batalha dos Santos; de Lord Howe, ao 1° de Junho; e de<br />
Nelson, no Nilo. Foi ganha a batalha de Blenheim no ano seguinte<br />
(1704) ao do nascimento de João <strong>Wesley</strong> (17/6/1703), e a do Nilo no<br />
ano que ele morreu (2/3/1791) . O <strong>século</strong> que correu entre tais<br />
acontecimentos não podia ser inglório. Foi indubitavelmente um <strong>século</strong><br />
de crescimento social e político. A Inglaterra de George lII e de Pitt foi<br />
muito superior à da Rainha Anna e de Walpole.<br />
O verdadeiro escândalo de Inglaterra no <strong>século</strong> XVIII, a lepra que<br />
lhe envenenou o sangue, a mancha negra sobre o escudo luminoso de<br />
sua história, estava na decadência geral da religião que reinava nos<br />
<strong>seu</strong>s primeiros cinqüenta anos. A fé da Inglaterra estava moribunda. Os<br />
<strong>seu</strong>s horizontes espirituais escureciam com as trevas de uma meianoite<br />
polar, e estavam frios como as geleiras árticas.<br />
Só por um esforço da imaginação histórica se pode recordar a<br />
condição de Inglaterra <strong>em</strong> 1703. Quando <strong>Wesley</strong> nasceu ainda existiam<br />
homens que viram, na presidência do tribunal, o juiz Jeffreys; e como<br />
test<strong>em</strong>unha, o Tito Oates; e sete bispos no cepo. Montesquieu, que<br />
estudou na Inglaterra desse <strong>século</strong> XVIII, através de <strong>seu</strong>s olhos<br />
penetrantes (críticos) de francês, diz laconicamente: "Religião, tal coisa<br />
não existe na Inglaterra". Sab<strong>em</strong>os que isto não foi a pura verdade, pois<br />
a existência do presbitério de Epworth o desmente; e s<strong>em</strong> dúvida houve<br />
muitos outros lares ingleses s<strong>em</strong>elhantes àquele <strong>em</strong> que Suzana<br />
<strong>Wesley</strong> era mãe. Mas as palavras do astuto francês continham uma<br />
terrível aparência da verdade. Nunca antes, n<strong>em</strong> depois, esteve o<br />
Cristianismo tão vizinho à morte.<br />
Qu<strong>em</strong> não se l<strong>em</strong>bra das sentenças que o Bispo Butler, um<br />
espírito tão melancólico, sutil e poderoso, prefixou à sua "Analogia”. Ele<br />
escreveu: "De certo modo já se toma por estabelecido que o<br />
Cristianismo não somente é assunto indigno de investigação, mas que<br />
agora, afinal t<strong>em</strong>-se provado fictício... Os homens o tratam no <strong>século</strong><br />
presente como se isto fosse admitido, e como se nada restasse se fazer<br />
senão expô-lo como alvo principal de riso e mofa". Entre Montesquieu e<br />
Butler, o grande francês e o ainda maior inglês, que grande procissão<br />
de test<strong>em</strong>unhas poderiam ser citadas <strong>em</strong> prova da decadência da fé no<br />
começo do <strong>século</strong> XVIII! E morta a fé, que resta mais?<br />
Aqueles que desejam ver a moralidade desse período, a acharão<br />
refletida na arte de Hogarth, na política de Walpole, nos escritos da Sra.<br />
Aphra Benn e de Smolett, e nos divertimentos do Clube dos Loucos. Ela<br />
acha-se registrada na podridão da literatura da época, na crueldade das<br />
leis, e no desespero de sua religião. O Cristianismo não chegou a<br />
perecer, mas chegou b<strong>em</strong> perto a sua agonia mortal nesse <strong>século</strong>. O<br />
historiador Green assevera que havia uma revolta aberta contra a<br />
religião e as Igrejas nos dois extr<strong>em</strong>os da sociedade inglesa. “A classe<br />
pobre foi ignorante e brutal, num grau que agora seria difícil imaginarse.<br />
A classe abastada, que chegou a uma descrença quase total na<br />
religião, acrescentava um viver tão imoral que, felizmente, é hoje quase<br />
inconcebível.”<br />
Então veio um grande avivamento! O movimento mais<br />
maravilhoso na história do <strong>século</strong> XVIII, cujo maior benefício para o
povo que fala a língua inglesa não foi nada no domínio da política, n<strong>em</strong><br />
da literatura, n<strong>em</strong> da ciência; não foi o desenvolvi mento da classe<br />
média, que deslocou o centro do poder político; n<strong>em</strong> foi o grande<br />
despertamento industrial, que multiplicou dez vezes a riqueza da nação;<br />
mas está no renascimento de sua religião! E disto <strong>Wesley</strong> foi, há um<br />
t<strong>em</strong>po, o símbolo e a causa.<br />
Este avivamento traduziu para a vida inglesa, e <strong>em</strong> termos muito<br />
mais felizes, a reforma que Lutero efetuou na Al<strong>em</strong>anha. A reforma de<br />
Wycliffe não teve raiz; a reforma no t<strong>em</strong>po de Henrique VIII foi pior: foi<br />
política e destituída da moral. O verdadeiro despertamento da vida<br />
religiosa do povo que fala a língua inglesa aconteceu com <strong>Wesley</strong>.<br />
Afirmar-se que foi <strong>Wesley</strong> que reformou a consciência de Inglaterra é<br />
verdade, mas não é tudo, pois ele a recriou! Estava morta - duplamente<br />
morta; e por <strong>seu</strong>s lábios Deus soprou nela outra vez o fôlego vital.<br />
Sente-se hoje o pulso de João <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> cada fase da<br />
religiosidade inglesa. O fogo dele arde nas múltiplas formas da nossa<br />
filantropia. Citamos o historiador Green mais uma vez: "Os Metodistas<br />
constituíram o menor resultado do avivamento metodista. A sua<br />
influência sobre a Igreja acabou com a letargia do clero. Mas o <strong>seu</strong><br />
resultado mais benéfico está no esforço constante, que desde então até<br />
hoje, nunca cessou, para diminuir o crime, a ignorância, o sofrimento<br />
físico, a degradação social das classes profligas (abatidas, destruídas) e<br />
pobres... O grande avivamento reformou as nossas cadeias, aboliu o<br />
tráfico de escravos, tornou mais cl<strong>em</strong>ente o nosso código penal, e deu o<br />
primeiro impulso à instrução (educação) popular”.<br />
Mas qual foi o segredo de João <strong>Wesley</strong>? Qual o estranho encanto<br />
que <strong>em</strong>pregou para efetuar tamanho milagre? Criar-se uma nova Igreja<br />
é um grande feito, mas reformar uma Igreja já velha e amortecida é,<br />
talvez, tarefa ainda mais difícil.<br />
Como foi que <strong>Wesley</strong> conseguiu as duas coisas? A resposta<br />
acha-se na história narrada nestas páginas. Mas compreendamos<br />
desde já que seria fútil buscarmos a explicação num mero dote de um<br />
gênio pessoal. Os elogios que se tec<strong>em</strong> a <strong>Wesley</strong> são, muitas vezes,<br />
desmedidos. Não foi ele, como quer o Buckle, “o primeiro entre<br />
estadistas eclesiásticos” – um Leão X de batina. Não possuía como<br />
julgou Southey, "a mais robusta inteligência do <strong>seu</strong> <strong>século</strong>”. T<strong>em</strong> algo<br />
de verdade a crítica de Coleridge quando diz, que <strong>Wesley</strong> tinha uma<br />
inteligência lógica, mas não filosófica. Nada teve do gênio sonhador de<br />
Bunyan; não se comparava, na extensão e na largura de <strong>seu</strong>s<br />
pensamentos, com o autor da "Analogia". Se descermos a nomes e<br />
t<strong>em</strong>pos mais recentes, não teve a profunda e sutil inteligência de<br />
Newman. O segredo de sua obra não se acha no b<strong>em</strong> designado e<br />
magnífico mecanismo eclesiástico com que dotou a sua Igreja. As<br />
instituições características do Metodismo não originaram o grande<br />
avivamento; são apenas os resultados. <strong>Wesley</strong> não inventou qualquer<br />
doutrina nova; n<strong>em</strong> tão pouco aumentou a soma de conhecimentos<br />
cristãos por qualquer verdade nova. Ele mesmo disse: “Eu somente<br />
ensino a simples e velha religião da Igreja Anglicana”. Ou como disse<br />
<strong>em</strong> outro lugar, “Verdades que constituíam simplesmente os ensinos<br />
gerais e fundamentais do cristianismo”. E isto foi a pura verdade.<br />
<strong>Wesley</strong> não redescobriu o cristianismo; não o perturbou com uma nova<br />
heresia, n<strong>em</strong> dotou-o de uma nova doutrina; n<strong>em</strong> tão pouco colocou as<br />
doutrinas velhas <strong>em</strong> nova perspectiva.<br />
O fracasso da religião do <strong>século</strong> XVIII estava nisto: tinha deixado<br />
de ser uma vida, n<strong>em</strong> tocava na vida. Fora exausta (esvaziada) de <strong>seu</strong>s<br />
el<strong>em</strong>entos dinâmicos - a visão de Cristo Redentor, a mensag<strong>em</strong> de um<br />
perdão presente e pessoal. Estava congelada numa teologia; achava-se<br />
cristalizada num sist<strong>em</strong>a filosófico; tinha se tornado <strong>em</strong> simples adjunta<br />
política. Ninguém a prezava, n<strong>em</strong> a estimava, n<strong>em</strong> procurava desfrutála<br />
como sendo um livramento espiritual; livramento este, ao alcance dos<br />
próprios dedos; livramento realizável na consciência individual. A<br />
religião, traduzida nos termos da experiência vital do hom<strong>em</strong>,<br />
subsistindo como uma energia divina na alma, era coisa esquecida.<br />
Uma lâmpada elétrica separada da corrente elétrica é somente uma<br />
série de voltas de delicados fios sombrios e mortos. E o próprio<br />
Cristianismo, na Inglaterra, ao começo do <strong>século</strong> XVIII, foi essa série de<br />
voltas de fios amortecidos. Mas <strong>Wesley</strong> fez derramar a corrente mística<br />
da vitalidade divina sobre a calcinada alma da nação, convertendo a<br />
escuridão <strong>em</strong> chamas.<br />
O segredo de <strong>Wesley</strong>, portanto, não se achava no <strong>seu</strong> gênio de<br />
estadista, n<strong>em</strong> na sua habilidade <strong>em</strong> organizar, n<strong>em</strong> na sua capacidade<br />
intelectual. O <strong>seu</strong> “segredo” desde o princípio até o fim, pertence ao<br />
domínio espiritual. A energia que vibrava no <strong>seu</strong> olhar, que <strong>em</strong>anava de<br />
sua presença, que fazia de sua vida uma chama, e de sua voz um<br />
encanto, fica, <strong>em</strong> última análise, na categoria de forças espirituais. Mas<br />
tudo isto d<strong>em</strong>onstra quão elevado era o plano <strong>em</strong> que <strong>Wesley</strong><br />
trabalhava, e quão grandes eram as forças que representava.<br />
George Dawson, <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s “Discursos Biográficos”, diz: “Nunca<br />
penso <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong> associá-lo com os quatro homens que tiveram o
mesmo nome de batismo, e dos quais a Inglaterra se orgulha, a saber:<br />
João Wycliffe, o reformador antes da Reforma Protestante de 1516;<br />
João Milton, a maior alma que a Inglaterra jamais conheceu; João<br />
Bunyan, o autor de “O Peregrino”, o melhor livro – excetuada a Bíblia –<br />
que o mundo jamais apreciou; e João Locke, que dedicou uma<br />
esclarecida inteligência, uma educação esmerada e uma consciência<br />
pura <strong>em</strong> colocar, sobre as bases da filosofia, aquilo que antes se<br />
considerara um simples sentimento. Então veio João <strong>Wesley</strong>, e creio<br />
que, considerado <strong>em</strong> tudo, é digno de andar na companhia desses<br />
quatro”. Mas Dawson não atinou que, não obstante <strong>Wesley</strong> não possuir<br />
o gênio de Milton, n<strong>em</strong> a imaginação luminosa de Bunyan, n<strong>em</strong> a<br />
inteligência sutil de Locke, contudo, exerceu uma influência muito mais<br />
profunda sobre a história inglesa do que os outros três juntos.<br />
Há homens que viv<strong>em</strong> na história por ter<strong>em</strong> incorporado <strong>em</strong> si<br />
mesmos as idéias regentes do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po, fazendo-as vitoriosas. Há<br />
outros, de poderes mais elevados, que não são refletores apenas, mas<br />
criadores dos impulsos que reg<strong>em</strong> o mundo <strong>em</strong> que habitam. Eles<br />
amoldam o <strong>século</strong> s<strong>em</strong> ser<strong>em</strong> por este amoldados. Napoleão Bonaparte<br />
pertencia ao primeiro tipo: não criou a revolução, mas tornou-se o<br />
herdeiro e a expressão dela. Cezar, Imperador Romano, foi da outra<br />
ord<strong>em</strong> superior: não somente achou um novo canal para as correntes<br />
da história romana, mas mudou a direção dessas correntes; pela força<br />
de <strong>seu</strong> gênio ele dotou a história e a ord<strong>em</strong> política de Roma com uma<br />
nova fisionomia.<br />
João <strong>Wesley</strong> também, julgado pela escala e permanência de sua<br />
obra, pertence ao tipo superior. Não foi simplesmente o intérprete do<br />
<strong>seu</strong> <strong>século</strong>, o figurão acidental de uma revolução espiritual que teria se<br />
posto <strong>em</strong> movimento independente dele, o centro humano, <strong>em</strong> cujo<br />
redor ter-se-iam cristalizados os impulsos que lentamente fermentavam<br />
<strong>em</strong> milhares de outros. Não foi a reflexão do <strong>seu</strong> <strong>século</strong>, mas o ajustou<br />
a um novo molde; fê-lo vibrante com a energia de uma nova vida.<br />
Estava, na realidade, <strong>em</strong> oposição ao t<strong>em</strong>peramento essencial do <strong>seu</strong><br />
<strong>século</strong>; entretanto, fê-lo conformar (tomar a forma, experimentar) a <strong>seu</strong><br />
próprio (um t<strong>em</strong>peramento e uma espiritualidade marcados pela<br />
vitalidade e santidade da Graça de Deus) . Ele foi o expoente de<br />
influências que mudaram a história religiosa de Inglaterra.<br />
Em suma, <strong>Wesley</strong> foi grande; grande no simples escopo e escala<br />
de inteligência; maior do que a sua geração imaginava, ou do que a sua<br />
própria Igreja ainda reconhece. Ninguém é capaz de estudar a vida e a<br />
obra de <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong> receber uma mais profunda compreensão da<br />
escala do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> comparação com as outras figuras notáveis da<br />
história. Mas a obra que efetuou foi muito maior do que o próprio<br />
<strong>Wesley</strong>; e maior, porque teve o <strong>seu</strong> segredo no domínio (poder, força)<br />
espiritual (na graça e poder de Deus).<br />
É justamente isso que torna a sua história <strong>em</strong> uma inspiração<br />
para todos os t<strong>em</strong>pos. Os supr<strong>em</strong>os dotes de inteligência não são<br />
transferíveis. O gênio criador de Shakespeare, a imaginação penetrante<br />
de Dante, a habilidade de Darwin <strong>em</strong> combinar mil fatos aparent<strong>em</strong>ente<br />
desligados numa generalizarão triunfante, a capacidade de Wellington<br />
<strong>em</strong> adivinhar “que havia do outro lado do morro" - eram dotes originais<br />
da natureza. Eram dons, não aquisições. Mas as grandes forças e<br />
graças do domínio espiritual não depend<strong>em</strong> da liberalidade n<strong>em</strong> da<br />
negação da natureza. O <strong>seu</strong> segredo não está escondido nas<br />
convulsões da massa encefálica; antes depende de condições e está,<br />
portanto, ao alcance de qu<strong>em</strong> quiser.<br />
Repetimos: o segredo de <strong>Wesley</strong> está justamente aqui. Grande<br />
como foi a sua obra, contudo, a sua explicação é fácil e simples. E o<br />
reconhecimento deste fato, logo no começo, é o que torna a história da<br />
vida de <strong>Wesley</strong> digna de ser escrita e lida.<br />
Sim! Através o que se costuma chamar a magreza do <strong>século</strong> XVIII<br />
estende-se uma áurea corrente de nomes poderosos. O Marlborough -<br />
que venceu a Blenheim no ano que <strong>Wesley</strong> nasceu – encabeça a lista;<br />
o hom<strong>em</strong> que sob a máscara de um s<strong>em</strong>blante sereno escondia os<br />
mais terríveis dotes militares conhecidos a história inglesa. O Nelson e o<br />
Wellington acham-se perto do fim desse <strong>século</strong>. Entre as figuras ainda<br />
visíveis à história são os dois Pitts - pai altivo e filho ainda mais; o Wolf,<br />
com o nariz apontando para as nuvens, nos deram a América; o Clive,<br />
cuja testa franzida ganhou-nos a Índia; e o Canning, que chamou à<br />
existência o novo mundo para restaurar o equilíbrio do velho. O papel<br />
do <strong>século</strong> <strong>em</strong> literatura foi esplêndido; corre desde Swift e Addison,<br />
Johnson e Goldsmith, Pope e Gibbon, até Byron e Burns, até Coleridgo<br />
e Wordsworth. Isaac Newton é o <strong>seu</strong> representante na ciência; Burke e<br />
Pitt no estado; Wilberforce na filantropia. Entretanto, naquela multidão<br />
de grandes, o expoente da força que influiu mais profundamente na<br />
história inglesa foi o narigudo e ruivo s<strong>em</strong>blante de João <strong>Wesley</strong>, de<br />
olhar penetrante, queixo dominante e cachos cumpridos.<br />
Alguns quer<strong>em</strong> que Newman, nascido dez anos depois da morte<br />
de <strong>Wesley</strong> (, tenha exercido uma tão profunda influência sobre a vida<br />
religiosa do <strong>seu</strong> país como ele (<strong>Wesley</strong>). É perdoável para um
protestante convicto, a opinião de que a influência de Newman foi má, e<br />
não boa. Mas, à parte disso, deve-se l<strong>em</strong>brar que, dos <strong>seu</strong>s noventa<br />
anos, Newman lançou os primeiros quarenta e cinco na balança a favor<br />
da Igreja Anglicana e os últimos quarenta e cinco a favor da Igreja<br />
Romana. N<strong>em</strong> a Anglicana n<strong>em</strong> a Romana pod<strong>em</strong> chamá-lo <strong>seu</strong>, na<br />
totalidade; pois passou a primeira metade de sua vida <strong>em</strong> protestar<br />
contra a Romana, e a segunda metade <strong>em</strong> protestar contra a Anglicana.<br />
George Washington é o único nome nos anais do <strong>século</strong> dezoito que<br />
rivaliza com o de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> sua influência sobre a nossa raça, e <strong>Wesley</strong><br />
representa a energia mais perdurável.<br />
Tudo isto se pode dar (tributar) a <strong>Wesley</strong>, não porque o <strong>seu</strong> gênio<br />
sobrepujasse os homens do <strong>seu</strong> <strong>século</strong>, mas, porque lidava com forças<br />
mais elevadas do que eles. Aquele que desperta as grandes energias<br />
de religião, toca na força motriz da vida humana; uma força mais<br />
profunda do que a política, mais elevada do que a literatura, e mais<br />
larga do que a ciência. <strong>Wesley</strong> trabalhou num domínio abanado pelas<br />
brisas da eternidade.<br />
PARTE I<br />
O Feitio do Hom<strong>em</strong>
CAPÍTULO I<br />
Forças ancestrais<br />
João <strong>Wesley</strong> veio de notáveis antecedentes: os <strong>seu</strong>s<br />
antepassados por três gerações eram nobres de nascimento, doutos à<br />
força de estudos, clérigos por escolha, e mártires, <strong>em</strong> certo sentido, à<br />
dureza da sorte. Pertenciam a um <strong>século</strong> duro: época de despejos e<br />
proscrições <strong>em</strong> que a intolerância cristalizava-se <strong>em</strong> leis do parlamento<br />
e ostentava-se por religião. Daniel Defoe, por três vezes, foi exposto<br />
publicamente no tronco, no mesmo ano <strong>em</strong> que João <strong>Wesley</strong> nasceu<br />
pelo simples fato de ter escrito a incomparável peça de ironia, intitulada:<br />
“Um meio Breve e Fácil de acabar com os Dissidentes”.<br />
Uma grande t<strong>em</strong>pestade de crueldade legalizada desabou sobre<br />
os <strong>Wesley</strong>s daquela época. Bartolomeu <strong>Wesley</strong>, bisavô de João, teve<br />
de despejar (desocupar) a boa casa paroquial de Dorsetshire <strong>em</strong><br />
antecipação da expulsão geral provocada pela “Lei de Uniformidade”<br />
<strong>em</strong> 1662 (que colocou os cargos da Igreja Oficial e do Estado nas mãos<br />
dos anglicanos e proibiu as reuniões dos puritanos. Por causa do Ato de<br />
Uniformidade, <strong>em</strong> 1662, que exigia total aceitação do Livro de Orações<br />
anglicano, nada menos que dois mil ministros presbiterianos,<br />
independentes e batistas foram obrigados a deixar suas igrejas e os<br />
puritanos se tornaram uma parte da tradição não-conformista da<br />
Inglaterra). O filho de Bartolomeu de nome João, ainda mais letrado do<br />
que o pai, mas de fibra menos rígida, foi encarcerado <strong>em</strong> 1661, um<br />
pouco antes da expulsão do pai, por não usar o “Livro de Oração<br />
Comum”. Foi arr<strong>em</strong>essado (expulso) da paróquia de Blandford <strong>em</strong><br />
1662, e depois vivia oprimido e perturbado sob as leis cruéis desse<br />
período. Era natural de Weymouth, mas não lhe foi permitido residir ali;<br />
e uma boa mulher, por dar-lhe pousada, foi multada <strong>em</strong> vinte libras pela<br />
“ofensa”. “Muitas vezes perturbado, diversas vezes, preso, quatro vezes<br />
encarcerado”, é o tom melancólico de <strong>seu</strong> paciente diário. Sob a infame<br />
"Lei das Cinco Milhas” ele foi tocado de lugar <strong>em</strong> lugar, até a sua morte,<br />
quando ainda comparativamente jov<strong>em</strong>, vitimado pelo espírito cruel<br />
dessa época.<br />
Samuel <strong>Wesley</strong>, neto de Bartolomeu e pai de João <strong>Wesley</strong>,<br />
possuía todas as virtudes essenciais de <strong>seu</strong>s antecedentes – a mesma<br />
paixão pelo estudo, a mesma corag<strong>em</strong>, a mesma independência de<br />
espírito, mas era de um t<strong>em</strong>peramento mais rígido do que o <strong>seu</strong> pai<br />
João. Esse espírito independente tomou um curso um tanto<br />
surpreendente; pois o filho e neto de ministros vitimados do despejo,<br />
decidiu que a Igreja (a Anglicana, a igreja oficial do estado inglês), que<br />
lhes despejou, tinha razão, e uniu-se ao <strong>seu</strong> ministério, contrariando<br />
assim duas gerações de parentes ludibriados! Esteve nesse t<strong>em</strong>po<br />
numa escola dissidente, rapaz que apenas alcançara sua maioridade;<br />
mas o caráter da dissidência que o rodeava b<strong>em</strong> podia escandalizar a<br />
um jov<strong>em</strong> sério e generoso. Encontrou ali simplesmente uma espécie<br />
de amargurada política, absolutamente despida de idéias e forças<br />
religiosas. Assim, Samuel <strong>Wesley</strong> renunciou a ela, e seguiu a pé para<br />
Oxford, com exatos quarenta e cinco shillings no bolso, onde se<br />
matriculou no colégio de Exeter como “estudante pobre”.<br />
Foi nesse t<strong>em</strong>po, mais ou menos, que uma menina de treze anos,<br />
Suzana,filha de um famoso ministro dissidente de Londres, estava<br />
pondo na balança de <strong>seu</strong>s juízos a <strong>seu</strong> pai e a teologia dele, decidindo<br />
tanto contra o pai como contra as suas opiniões!<br />
O moço dest<strong>em</strong>ido que caminhara para Oxford no rigor do<br />
inverno, com tão pouco dinheiro no bolso, mas com tão nobre propósito<br />
no coração, e a menina notável que estudara a teologia quando ainda<br />
se vestia de criança, não se conheciam ainda; mas foram destinados a<br />
se casar<strong>em</strong>. Existiam entre eles certas afinidades b<strong>em</strong> notáveis, e<br />
quando se encontrass<strong>em</strong> e casass<strong>em</strong>, seria razoável esperar que <strong>seu</strong>s<br />
filhos possuíss<strong>em</strong> qualidades descomunais.<br />
Todos os auxílios que Samuel <strong>Wesley</strong> recebia da família<br />
enquanto cursava a universidade importava <strong>em</strong> apenas cinco shillings;<br />
entretanto saiu no fim com o <strong>seu</strong> pergaminho e com dez libras e quinze<br />
shillings no bolso! Talvez nunca houvesse um estudante que desse<br />
menos ou que recebesse mais de Oxford do que Samuel <strong>Wesley</strong>. Nas<br />
universidades escocesas gerações de estudantes rígidos têm cultivado<br />
muita literatura com muito pouco mingau de aveia, mas b<strong>em</strong> se pode<br />
desafiar as universidades ao norte do Tweed que apresent<strong>em</strong> um<br />
ex<strong>em</strong>plo de uma formatura nutrida de tão pouco dinheiro, ou de dieta<br />
tão minguada como no caso de Samuel <strong>Wesley</strong>.<br />
Ele serviu de cura (vigário) <strong>em</strong> Londres por um ano, depois foi<br />
capelão de um navio na marinha real durante outro ano e depois<br />
ganhou a posição de capelão de um regimento, <strong>em</strong> virtude de um<br />
po<strong>em</strong>a que escrevera sobre a batalha de Blenheim (uma famosa<br />
batalha da Guerra da Sucessão Espanhola, <strong>em</strong> 13 de agosto de 1704,
que ocorreu próxima à vila de Blenheim na Bavária, atual Al<strong>em</strong>anha,<br />
onde as tropas anglo-austríacas, lideradas pelo líder militar britânico,<br />
John Churchill, primeiro duque de Marlborough e o general austríaco<br />
Eugene de Savoy, venceram os franceses e os bávaros), posição que<br />
mais tarde perdeu, segundo diz alguém, por ter publicado um discurso<br />
contra os Dissidentes. Foi-lhe dado a paróquia de Epworth, que foi<br />
depois, aumentada com a de Wrocte.<br />
Samuel, o pai de João <strong>Wesley</strong>, mesmo depois de passado tanto<br />
t<strong>em</strong>po, desperta uma admiração meio humorística, meio exasperadora.<br />
Era homenzinho irascível, com olhar irriquieto, de sentimentos nobres,<br />
ativo de pensamento, de grande constância e corag<strong>em</strong>, mas algo de<br />
desajeitado e irresponsável na sua natureza. Quis - contra a natureza -<br />
fazer-se poeta; e sobre os <strong>seu</strong>s versos, Alexander Pope (considerado o<br />
maior poeta inglês do <strong>século</strong> XVIII), <strong>em</strong>bora <strong>seu</strong> amigo, acha t<strong>em</strong>po no<br />
“Dunciad” (escrito satírico cujo nome v<strong>em</strong> de "dunce", pateta, bobo, tolo)<br />
para destilar uma gota de fel. O <strong>seu</strong> filho João <strong>Wesley</strong>, que conhecia de<br />
vista a má poesia do pai, tendo a lealdade filial lutando com o <strong>seu</strong> juízo<br />
literário, diz de sua obra “Vida de Cristo” <strong>em</strong> verso: “Os clichês são<br />
bons; as anotações regulares; os versos assim, assim”. Elogio de uma<br />
t<strong>em</strong>peratura mais gelada, dificilmente se pode imaginar. A obra prima<br />
de Samuel <strong>Wesley</strong> foi um comentário sobre o Livro de Jó,<br />
<strong>em</strong>preendimento este que teria proporcionado mais uma oportunidade,<br />
para o exercício de paciência àquele mui aflito personag<strong>em</strong> bíblico (Jó)<br />
caso fosse obrigado a lê-lo. “Pobre de Jó”, disse o bispo Warburton, “foi<br />
s<strong>em</strong>pre a sua sorte ser perseguido por <strong>seu</strong>s amigos”.<br />
Suzana, a ativa mulher de Samuel <strong>Wesley</strong>, que amava o <strong>seu</strong><br />
desajeitado e irascível marido com uma dedicação que maridos <strong>em</strong><br />
geral b<strong>em</strong> pod<strong>em</strong> invejar, admite que, entre os incultos paroquianos de<br />
Epworth, os talentos de <strong>seu</strong> esposo estavam enterrados; acrescentando<br />
com a habilidade de esposa leal, que ele está “obrigado a um modo de<br />
viver para o qual não se acha tão b<strong>em</strong> qualificado quanto eu desejaria.”<br />
Mas isto foi simplesmente a suave crítica da esposa. O marido<br />
desajeitado se ocupava <strong>em</strong> martelar versos laboriosos no <strong>seu</strong> gabinete,<br />
ou montava a cavalo, d<strong>em</strong>andando as convocações onde debatia com<br />
os párocos vizinhos, deixando à inteligente esposa o cuidado da<br />
paróquia, o cultivo das terras e o governo de <strong>seu</strong> tão numeroso grupo<br />
de filhinhos.<br />
Suzana <strong>Wesley</strong> seria mulher notável <strong>em</strong> qualquer <strong>século</strong> ou país.<br />
Era filha do Dr. Anesley, um ministro que havia sofrido ejeção (que fora<br />
expulso da casa paroquial onde morava e da igreja onde era vigário por<br />
ser dissidente denro da igreja anglicana) hom<strong>em</strong> douto e de boa família,<br />
cuja filha possuía natural inclinação para o estudo. Suzana sabia grego,<br />
latim e francês antes de ter vinte anos de idade, e achava-se saturada<br />
de teologia. Em suas reflexões, aceitou primeiro o socinianismo<br />
(doutrina baseada na teologia de Fausto Socino, falecido na Polônia,<br />
<strong>em</strong> 1604, que era antitrinitária, rejeitava o batismo e a ceia do Senhor<br />
como meios de graça e o pecado original e afirmava que Jesus de<br />
Nazaré era apenas um hom<strong>em</strong>), para depois tornar a rejeitá-lo. Ela teve<br />
um gosto geral pelas questões difíceis, que nos dias suaves de hoje são<br />
pouco apreciadas.<br />
Suzana lia os padres primitivos (os Pais da Igreja) e lutava com as<br />
sutilezas da metafísica enquanto uma menina de hoje estaria jogando<br />
tênis, ou estudando sonatas. Com treze anos, apenas, ela revistou toda<br />
a matéria <strong>em</strong> discussão entre os dissidentes e a Igreja, opinando contra<br />
a posição mantida por <strong>seu</strong> pai e pai tão nobre. Uma menina de tão<br />
pouca idade, que estudava a teologia e se julgava capaz de decidir <strong>em</strong><br />
tal assunto, e que de fato decidiu de um modo tal, e na face de tais<br />
autoridades, seria hoje tomada por um portento alarmante. Entretanto<br />
Suzana Annesley foi uma linda e espirituosa menina - cuja irmã foi<br />
pintada por Lely como uma das mais belas do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po – inteligente,<br />
mas modesta, com jeito para negócios práticos. É certo que n<strong>em</strong> foi<br />
descuidada n<strong>em</strong> melancólica, sendo provavelmente a mais notável<br />
mulher de Inglaterra nos dias <strong>em</strong> que viveu.<br />
Aos dezenove anos casou-se com Samuel <strong>Wesley</strong>, e durante os<br />
vinte e um anos seguintes deu à luz dezenove filhos. Ela própria<br />
ocupava o vigésimo quinto lugar entre os filhos de <strong>seu</strong> pai. O <strong>século</strong><br />
XVIII foi um <strong>século</strong> de pequenos vencimentos (salários) e grandes<br />
famílias!<br />
Suzana foi esposa ideal, incomparavelmente superior a <strong>seu</strong><br />
marido <strong>em</strong> gênio e jeito, entretanto ingenuamente cega a este fato. Ela<br />
b<strong>em</strong> podia ter discutido a filosofa com a Hypathia (filha do filósofo Téon<br />
e nascida <strong>em</strong> 370 depois de Cristo, era mat<strong>em</strong>ática, filósofa e foi a<br />
última cientista a trabalhar na biblioteca de Alexandria, antes que fosse<br />
destruída), discorrido <strong>em</strong> latim e grego com a Lady Jane Grey<br />
(considerada uma das mulheres mais cultas da sua época, 1537-1554,<br />
que subiu ao trono inglês por desejo do Rei Eduardo VI e que foi<br />
retirada do trono 9 dias depois por Maria I, filha legítima do rei, e<br />
condenada e executada por traição). No entanto com o <strong>seu</strong> marido<br />
desajeitado e impetuoso mostrou-se tão paciente, se b<strong>em</strong> que, n<strong>em</strong>
s<strong>em</strong>pre tão submissa como Griselda (personag<strong>em</strong> da poesia de Lord<br />
Alfred Tennyson).<br />
Tanto Samuel quanto Suzana possuíam vontade própria, e ambos<br />
costumavam pensar por si mesmos. Ela escrevia depois ao filho João,<br />
“É uma infelicidade, quase peculiar à nossa família, que eu e teu pai<br />
raramente pensamos do mesmo modo”. Mas é certo que quando<br />
discordavam, quase s<strong>em</strong>pre Suzana tinha razão. Entretanto ela<br />
manteve para com o <strong>seu</strong> marido a mais admirável obediência. O pugnaz<br />
(briguento) homenzinho mui propriamente despendia muitos de <strong>seu</strong>s<br />
versos trabalhosos com a esposa. Eram versos de pé quebrado; e a<br />
prosa da vida conjugal é geralmente mais dura do que a sua poesia.<br />
Um dia fatal o pároco de Epworth descobriu que a mulher tinha<br />
opinião própria sobre a política, não o acompanhava no responso das<br />
orações pelo rei. “Suzana”, disse ele majestosamente, “se hav<strong>em</strong>os de<br />
ter dois reis, tenhamos duas camas”; e o homenzinho absolutista,<br />
irresponsável e imperioso montou o cavalo e foi <strong>em</strong>bora, deixando à<br />
mulher o cuidado da família e da paróquia. Segundo Southoy – mas isto<br />
é duvidoso - ela não teve mais notícias dele até falecer o rei Guilherme<br />
III, um ano depois, quando teve a condescendência de voltar outra vez<br />
para o seio de sua família.<br />
O corajoso casal começou a vida conjugal com uma freguesia<br />
(pessoas que freqüentavam a paróquia) que rendia trinta libras por ano;<br />
os filhos vinham depressa - como já diss<strong>em</strong>os, dezenove filhos <strong>em</strong> vinte<br />
e um anos. De modo que a pobreza – s<strong>em</strong>pre assombrada com o<br />
espectro (fantasma, assombro) de dívidas, e às vezes tr<strong>em</strong>ente (que<br />
tr<strong>em</strong>e, que balança) à beira da dura necessidade - foi um el<strong>em</strong>ento<br />
s<strong>em</strong>pre presente na vida da família.<br />
Muitos anos depois, numa carta dirigida a <strong>seu</strong> bispo, Samuel<br />
<strong>Wesley</strong> deu-lhe o interessante informe que recebera somente 50 libras<br />
por ano durante seis ou sete anos consecutivos, e “ao menos um filho<br />
por ano”. O parocozinho de Epworth foi muito dado aos probl<strong>em</strong>as de<br />
aritmética familiar para a edificação de <strong>seu</strong> diocesano. Numa carta ao<br />
Arcebispo, comunicando-lhe o nascimento de filhos gêmeos, diz:<br />
“A noite passada a minha mulher me apresentou com uns<br />
poucos filhos. Até agora só há dois, menino e menina, e julgo que<br />
são todos present<strong>em</strong>ente. Já tivéramos quatro <strong>em</strong> dois anos e um<br />
dia, três dos quais viv<strong>em</strong>... Quarta·feira de manhã eu e a minha<br />
esposa reunimos os nossos haveres, que importavam <strong>em</strong> seis<br />
shillings, para comprar carvão”.<br />
Pode·se perdoar o espírito de ansiedade num pai que, com<br />
somente seis shillings no bolso, t<strong>em</strong> de providenciar pela chegada de<br />
gêmeos. Mas o chefe da família <strong>Wesley</strong> deixava este dever familiar,<br />
como quase tudo mais, à sua mulher. Era ela qu<strong>em</strong> carregava o fardo<br />
dos cuidados caseiros, enquanto <strong>seu</strong> marido assistia às convocações<br />
ou ia para a prisão por dívidas no espírito de vero filósofo. Ele escreveu<br />
ao arcebispo de York, logo que as portas do Castelo de Lincoln<br />
fecharam-no dentro: “Agora posso descansar, pois já cheguei ao abrigo<br />
onde, há muito, eu esperava parar” Incidentalmente, acrescentou:<br />
“Quando aqui cheguei, os meus haveres só importavam <strong>em</strong> pouco mais<br />
de dez shillings, e a minha mulher <strong>em</strong> casa não tinha tanto.”<br />
Evident<strong>em</strong>ente este notável marido não reconhecia que a mulher<br />
deixada com um grupo de filhinhos, e menos de dez shillings tinha mais<br />
razão de incomodar-se do que ele. Ela ao menos, não podia assentarse<br />
para escrever filosoficamente: “Agora posso descansar”. Ele<br />
acrescentou: “Ela logo me mandou os <strong>seu</strong>s anéis, porque nada mais<br />
possuía com que pudesse me socorrer; mas eu lhos devolvi”.<br />
Somente uma vez se ouviu queixumes desta mulher corajosa.<br />
Enquanto <strong>seu</strong> marido ainda jazia preso <strong>em</strong> virtude de dívidas, o<br />
Arcebispo de York perguntou-lhe: “Dizei-me madame <strong>Wesley</strong>, de fato<br />
jamais sentiste falta de pão?”.<br />
“Meu senhor”, respondeu ela, “para dizer a verdade, nunca<br />
me faltou o pão; mas tenho tido tanto trabalho para arranjá-lo<br />
antes de comer, e para pagá-lo depois, que muitas vezes ele é<br />
me muito amargo; e julgo que se ter pão <strong>em</strong> tais condições<br />
aproxima b<strong>em</strong> ao grau de miséria <strong>em</strong> que não se t<strong>em</strong> nenhum”.<br />
Mais tarde ela escreveu acerca do “inconcebível desespero” que<br />
freqüent<strong>em</strong>ente sofriam nesses t<strong>em</strong>pos tristes; e uma das filhas, Emília,<br />
fala <strong>em</strong> tom mais agudo da ‘intolerável necessidade” que a família<br />
padecia, e da “dura precisão de coisas indispensáveis“ que não raras<br />
vezes lhes acometia.<br />
É indubitável que Samuel <strong>Wesley</strong> dirigia mui mal os <strong>seu</strong>s<br />
negócios financeiros. Praticamente entendeu toda a triste filosofia de<br />
dívidas. Ele escreve: “S<strong>em</strong>pre me ped<strong>em</strong> dinheiro antes de eu tê-lo<br />
ganho, e tenho de comprar tudo nas piores condições”. Mas faltava-lhe<br />
o bom senso no manejo do dinheiro. Mui delgada era a parede que<br />
separava a sua casa da mais urgente necessidade; entretanto este<br />
incomparável marido e pai podia gastar não menos de 150 libras <strong>em</strong>
assistir por três vezes a Convocação! Mas não obstante isto era mui<br />
sensível a qualquer censura de <strong>seu</strong> jeito e cuidado como chefe de<br />
família; e, ao cunhado que lhe repreendeu asperamente sobre o<br />
assunto, citando as Escrituras <strong>em</strong> abono da tese pouco confortável que,<br />
“qu<strong>em</strong> deixa de prover pela própria casa é pior do que o infiel”. Ele<br />
ofereceu a seguinte exposição de <strong>seu</strong>s negócios. O algarismo t<strong>em</strong> uma<br />
confusão característica e deliciosa, e b<strong>em</strong> pod<strong>em</strong> levar um bom<br />
contador ao desespero; contudo mostram que, se o impaciente<br />
homenzinho nunca soube viver dentro dos limites de <strong>seu</strong>s vencimentos,<br />
ao menos conseguiu existir com muito pouco. Nota-se que tudo está<br />
escrito na terceira pessoa:<br />
Libra Shilling Pence<br />
Imprimis, quando primeiro foi a Oxford, tinha <strong>em</strong><br />
dinheiro<br />
2,50<br />
Viveu ali até formar-se bacharel, s<strong>em</strong> qualquer 0,50<br />
preferência ou auxilio, senão uma coroa<br />
Pela benção de Deus sobre o <strong>seu</strong> próprio <strong>em</strong>penho<br />
trouxe a Londres<br />
101,50<br />
Chegado a Londres, recebeu ord<strong>em</strong>; de diácono e um<br />
curato, recebendo por um ano<br />
28,00<br />
Neste ano pela pensão, ordenação e hábito ficou<br />
endividado, 30 L que depois pagou.<br />
30,00<br />
Então foi ao mar, onde teve por um ano 70 libras que<br />
recebeu dois anos depois.<br />
70,00<br />
Então tomou um curato com 30 libras por ano, durante<br />
dois anos, e por esforço próprio, <strong>em</strong> escrever etc.<br />
ganhou mais 60 libras por ano.<br />
120,00<br />
Jamais houve uma peça de aritmética mais complicada?<br />
Entretanto através dos algarismos confusos transparece o espírito<br />
corajoso!<br />
Em carta a <strong>seu</strong> arcebispo, Samuel <strong>Wesley</strong> faz uma<br />
desnecessária, mas franca confissão de sua falta de tino <strong>em</strong> negócios<br />
comerciais:<br />
“Não duvido que uma das razões porque me acho tão<br />
<strong>em</strong>baraçado seja a minha falta de entendimento <strong>em</strong> negócios<br />
deste mundo, e a minha aversão a d<strong>em</strong>andas, circunstância<br />
d<strong>em</strong>asiadamente b<strong>em</strong> conhecida a meu povo. Tive somente<br />
cinqüenta libras por ano durante seis ou sete anos consecutivos,<br />
começando a vida s<strong>em</strong> nada, e ao menos um filho por ano, e a<br />
mulher doente pela metade do t<strong>em</strong>po”.<br />
Deve-se acrescentar a todos os mais males de Samuel <strong>Wesley</strong> as<br />
rixas que tinha com os vizinhos, nascidas pela maior parte de questões<br />
políticas, que entre a plebe inculta tomaram um caráter bastante áspero.<br />
Judiaram do <strong>seu</strong> gado, destruíram-lhe a roça, impugnaram-lhe o<br />
caráter, e tentaram incendiar a sua moradia. Cobravam-se as décimas<br />
com muita irregularidade, e às vezes, à força. Mas o homenzinho rígido<br />
possuía, ao menos, a virtude da corag<strong>em</strong>. Ele disse: “Até aqui somente<br />
conseguiram ferir-me, e creio que não pod<strong>em</strong> matar-me”. A relação do<br />
sacerdote com os paroquianos era b<strong>em</strong> curiosa e seriamente<br />
perturbada.<br />
Suzana <strong>Wesley</strong> era mãe notável, e a maneira pela qual governava<br />
os <strong>seu</strong>s filhos b<strong>em</strong> pode provocar o desespero de todas as mães e a<br />
inveja de todos os pais até o fim dos t<strong>em</strong>pos. Esta corajosa, sábia e<br />
b<strong>em</strong> criada mulher, com cérebro de teólogo atrás de olhos meigos, e<br />
com gosto pelo estudo no <strong>seu</strong> sangue, possuía elevados ideais por<br />
<strong>seu</strong>s filhos: haviam de ser b<strong>em</strong> criados, doutos e cristãos. A sua<br />
maternidade obedecia a um plano inexorável; e nunca houve qu<strong>em</strong><br />
des<strong>em</strong>penhasse os múltiplos deveres de mãe com método tão<br />
insistente ou com propósito tão inteligente. Toda a vida familiar<br />
corria como por um horário: até o sono das crianças foi -lhes<br />
ministrado por medida. Todo o filho, ao chegar a certa idade, tinha<br />
de aprender o alfabeto dentro de determinado t<strong>em</strong>po. Esta mãe<br />
compreendia que a vontade é a raiz do caráter e, que este é por ela<br />
determinado. A família <strong>Wesley</strong> foi ricamente dotada <strong>em</strong> matéria de<br />
vontade, assim o primeiro passo n a educação de cada filho visava a<br />
redução desta força ao governo. Era regra fixa e imperativa que<br />
criança alguma recebesse qualquer coisa pela qual chorasse, e o<br />
efeito moral sobre o espírito da criança, ao descobrir que o único<br />
modo infalível, de não conseguir o objeto desejado, seria <strong>em</strong> chorar<br />
por ele, devia ter sido admirável.<br />
As crianças foram ensinadas a falar cortesmente; a chorar<br />
suav<strong>em</strong>ente, quando realmente houvesse necessidade do choro – e<br />
às vezes esta excelentíssima mãe dava a <strong>seu</strong>s filhos abunda nte<br />
razão de chorar<strong>em</strong>.<br />
A Sra. <strong>Wesley</strong> levou os <strong>seu</strong>s princípios metódicos e o <strong>seu</strong><br />
horário para o domínio da religião. Começou logo: “B<strong>em</strong> cedo as<br />
crianças souberam distinguir o Domingo dos outros dias, e logo<br />
foram ensinadas a ficar quietas durante o culto doméstico, e a pedir<br />
a bênção logo <strong>em</strong> seguida, isto elas costumavam fazer por acenos,
antes de poder<strong>em</strong> se ajoelhar ou falar”. As células de cada cérebro<br />
infantil foram b<strong>em</strong> carregadas com passagens das Escrituras, hinos,<br />
orações, etc. A oração foi tecida na própria fábrica da vida diária; as<br />
lições diárias de cada filho foram colocadas numa moldura de hinos.<br />
Mais adiante havia horas especiais designadas a cada m<strong>em</strong>bro da<br />
família, quando a mãe falava particularmente com o filho para o qual a<br />
hora fora marcada. É provável que aquelas rigorosas introspecções,<br />
aquela seriedade de análise pessoal, habituais na vida de <strong>Wesley</strong> nos<br />
anos depois, tivess<strong>em</strong> a sua orig<strong>em</strong> nessas entrevistas que nas quintasfeiras<br />
a Senhora <strong>Wesley</strong> tivera com o “Joãozinho”.<br />
O sr. Birrell acusa a Sra. Suzana <strong>Wesley</strong> de dureza, dizendo: “Ela<br />
foi uma mãe rígida, áspera, e quase insensível”. Sr. Lecky diz que o lar<br />
de Epworth “não era feliz”. Dificilmente haveria crítica mais injusta. É<br />
certo que a vida não fora indulgente para com a Sra. <strong>Wesley</strong>; o próprio<br />
<strong>século</strong> não era indulgente. Um traço da mãe espartana estava no <strong>seu</strong><br />
sangue, e não foi s<strong>em</strong> causa; pois um espaço mui estreito separava a<br />
família de <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> Epworth, da verdadeira miséria. Cada manhã, ao<br />
acordar, devia ter sido a preocupação de Suzana <strong>Wesley</strong>, como prover<br />
pão para saciar a fome de sua numerosa família. Condição esta que<br />
não era mui favorável ao folguedo e riso; mas ninguém pode estudar os<br />
documentos desse lar s<strong>em</strong> ver que a sua atmosfera era de amor. Amor<br />
que, é verdade, era de um t<strong>em</strong>peramento heróico, s<strong>em</strong> el<strong>em</strong>ento algum<br />
de ociosa ternura, e s<strong>em</strong> qualquer traço enervante de indulgência; mas<br />
ainda amor de uma qualidade imorredoura. O próprio João <strong>Wesley</strong> foi<br />
um hom<strong>em</strong> mui pouco sentimental; entretanto no <strong>seu</strong> afeto pela mãe se<br />
vê rasgos de ternura e fervor que são admiráveis. Ele lhe escreve<br />
manifestando o desejo de morrer primeiro, para não ter o desgosto de<br />
sobreviver-lhe!<br />
É possível combater certos métodos da Sra. <strong>Wesley</strong>; e existe um<br />
lado trágico na história da família: de <strong>seu</strong>s dezenove filhos, quase a<br />
metade morreu na infância; e de suas sete filhas espirituosas, cinco<br />
foram infelizes nos casamentos. Mas grandes riscos pairam sobre todas<br />
as famílias humanas.<br />
A única acusação que se pode estabelecer contra Suzana Wes!ey<br />
é que ela não teve el<strong>em</strong>ento algum de humor. Os nomes que deram<br />
para as filhas provam concludent<strong>em</strong>ente a completa ausência de<br />
qualquer senso do ridículo, tanto no pároco de Epworth, como na sua<br />
mulher. Uma filha foi cruelmente carimbada, Mehetabel; outra Jedidah!<br />
As cogitações teológicas de Suzana <strong>Wesley</strong>, quando ainda criança,<br />
mostram a falta de humor. Uma menina de treze anos que pudesse<br />
julgar-se suficiente (autônoma) para resolver “toda a matéria <strong>em</strong><br />
discussão entre os Dissidentes e a Igreja oficial” devia ter sido estranha<br />
ao riso e possuída da seriedade de uma coruja. Mas o humor<br />
des<strong>em</strong>penha funções mui salutares: é o sal da inteligência,<br />
conservando-a saborosa; habilita o <strong>seu</strong> possuidor <strong>em</strong> distinguir os<br />
tamanhos relativos de coisas, dando um jeito especial e um toque<br />
delicado aos poderes intelectuais. À Senhora <strong>Wesley</strong> visivelmente<br />
faltava qualquer dote especial desta preciosa graça.
CAPÍTULO II<br />
A Família <strong>Wesley</strong><br />
A família <strong>Wesley</strong>, como já vimos, era composta de naturezas<br />
fortes; regidas fort<strong>em</strong>ente e para fins nobres. Um grupo de meninos e<br />
meninas inteligentes, ve<strong>em</strong>entes e argüidores, que viviam segundo um<br />
código limpo e reto, se b<strong>em</strong> com trato mui simples; disciplinados a se<br />
portar<strong>em</strong> com gentileza e vera cortesia; tendo por ideal o saber, por<br />
atmosfera o dever, e por lei o t<strong>em</strong>or de Deus. A religião era, como deve<br />
ser <strong>em</strong> toda a família, a força motriz; uma força com a pressão<br />
constante e prevalecente de uma atmosfera. É mui certo como as<br />
páginas subseqüentes hão de mostrar, que não era a mais inteligente<br />
forma de religião. Entretanto, preencheu o <strong>seu</strong> papel eterno <strong>em</strong><br />
enobrecer as vidas que tocava.<br />
Pode-se afirmar, com confiança, que nesse período particular do<br />
<strong>século</strong> XVIII, o presbitério de Epworth abrigava mais inteligência do que<br />
existia sob qualquer outro teto na Inglaterra. O velho <strong>Wesley</strong> deveras<br />
parecia - se b<strong>em</strong> que somente na sua ingenuidade e falta de prática,<br />
com o Doutor Primrose do livro “O Vigário de Wakefield” (escrito por<br />
Oliver Goldsmith por volta de 1761. É um romance sentimental que<br />
exibe a crença de uma inata bondade nos seres humanos) e pode-se<br />
acrescentar que, o viver com ele devia ter sido muito menos agradável<br />
do que com o insosso, se b<strong>em</strong> que bondoso herói de Goldsmith. Mas<br />
possuía uma inteligência ativa, uma vontade enérgica, e bastante<br />
corag<strong>em</strong> para suprir um batalhão. Era s<strong>em</strong> dúvida, de um<br />
t<strong>em</strong>peramento per<strong>em</strong>ptório, e a sua vontade imperiosa por natureza, foi<br />
reforçada por uma luta perpétua com circunstâncias adversas, até<br />
tornar-se quase incapaz de flexibilidade alguma. Na família foi um<br />
déspota, mas tal disposição era a moda desse período. Suzana <strong>Wesley</strong>,<br />
quando escrevia às pessoas amigas, costumava falar no <strong>seu</strong> arbitrário<br />
marido, como “meu amo”, <strong>em</strong>bora, como é freqüent<strong>em</strong>ente o caso na<br />
vida de cônjuges, o imperioso marido tivesse muito menos autoridade<br />
do que ele mesmo imaginara.<br />
O escritor Sir Thomas Artur Quiller-Couch no <strong>seu</strong> livro “Hetty<br />
<strong>Wesley</strong>” descreve o pai da família <strong>Wesley</strong> de um modo que não passa<br />
de uma simples caricatura. Samuel <strong>Wesley</strong>, como ele o pinta, com olhos<br />
fogosos, separados por nariz cumprido e obstinado, é uma espécie de<br />
Quilp <strong>em</strong> sobrepeliz (veste branca usada pelos clérigos sobre a batina)<br />
do <strong>século</strong> XVIII. É o tirano e mau gênio na vida de <strong>seu</strong>s filhos e o alvo<br />
do b<strong>em</strong> fundado ódio deles. Até a sábia e gentil Suzana <strong>Wesley</strong> é<br />
pintada como sabendo amoldar as vidas de <strong>seu</strong>s notáveis filhos, mas<br />
como manifestando singular incapacidade <strong>em</strong> dirigir as filhas. Uma cena<br />
<strong>em</strong> Hetty <strong>Wesley</strong> representa a Mariquinhas, a mais tímida e acanhada<br />
das filhas, como encarando a <strong>seu</strong> terrível pai, e a xingá-lo por<br />
parágrafos inteiros. Ela informa o pai, <strong>em</strong> sentenças que cheiram do Dr.<br />
Johnson: “O vosso gênio faz da vida uma tortura. Derrotado <strong>em</strong> outra<br />
parte, tendes vos <strong>em</strong>briagado de poder <strong>em</strong> casa, até crerdes que as<br />
nossas almas são vossas”; e termina, apontando-o e gritando: “Ei-lo,<br />
que homenzinho ridículo!”.<br />
A cena é falsa tanto na realidade como na forma. Não há nessa<br />
passag<strong>em</strong> eco algum do trato familiar desse <strong>século</strong>, e ainda menos da<br />
fala no presbitério de Epworth. Samuel <strong>Wesley</strong> não era d<strong>em</strong>asiado<br />
sábio como pai, mas b<strong>em</strong> poucos t<strong>em</strong> havido, que maiores sacrifícios<br />
tenham feito a b<strong>em</strong> dos filhos, ou que mais intimamente se tenham<br />
identificado com a sua felicidade. E onde se acharia outra esposa ou<br />
mãe nesse <strong>século</strong> que seria comparável com a Suzana <strong>Wesley</strong>? É uma<br />
das mulheres afamadas entre as de todos os t<strong>em</strong>pos. Dos três filhos,<br />
um havia de amoldar <strong>em</strong> novo tipo a vida religiosa da raça a qual<br />
pertencia; outro havia de ser o maior autor de hinos na literatura inglesa;<br />
enquanto o mais velho do grupo, Samuel Filho, possuiria uma força de<br />
vontade e um vigor intelectual iguais aos de <strong>seu</strong>s irmãos famosos, e<br />
ainda lhes sobrepujaria <strong>em</strong> vivacidade de espírito. Infelizmente, no caso<br />
dele, nunca o calor chegou a derreter a geada que congelava a teologia<br />
da Igreja alta (Anglicana) na qual ele se achava preso.<br />
Era de se esperar que as meninas do presbitério (as filhas de<br />
Samuel e Suzana <strong>Wesley</strong>) tivess<strong>em</strong> uma vida menos cheia e variada do<br />
que <strong>seu</strong>s irmãos. Os filhos foram logo para as atividades e agitações de<br />
uma grande escola pública; para a culta atmosfera da Universidade, e,<br />
ainda mais tarde para o grande palco do mundo. E mui naturalmente a<br />
imaginação, tanto do pai como da mãe, acompanharia os filhos nesses<br />
novos campos com o mais vivo interesse. As figuras, pois, tomariam<br />
nova escala sobre a tela; porque para as filhas só restaria a monotonia<br />
da vida caseira: da vida num presbitério rural, situado, como foi o de<br />
Epworth, <strong>em</strong> terras úmidas, e isto nos meados do <strong>século</strong> XVIII. A<br />
monotonia devia ter sido grande, e a própria natureza não lhe era<br />
propícia. A vida corria mui vagarosamente e encerrava tarefas tediosas.<br />
As meninas tinham um pai preocupado e uma mãe sobrecarregada,
casa mal mobiliada e recursos mui inadequados. Poucos eram os<br />
pretendentes ao casamento; era sonhar ociosamente o pensar <strong>em</strong><br />
vestidos novos, e árduos trabalhos eram inevitáveis. As filhas não<br />
possuíam - e n<strong>em</strong> era de esperar que possuíss<strong>em</strong> - a sábia filosofia da<br />
mãe. Emília, a mais velha e, a menos contente das filhas, fala freqüente<br />
e asperamente da escandalosa falta dos meios de subsistência.<br />
As terras alagadiças e monótonas, salpicadas com fileiras de<br />
salgueiros e sabugueiros, e sulcadas de canais para escoar<strong>em</strong> as<br />
águas superabundantes - canais que no inverno pareciam meras fitas<br />
de gelo - isto tudo contribuía para a formação de uma paisag<strong>em</strong><br />
tristonha, que no inverno, foi castigada por ventos suestes. Aqui e acolá,<br />
na distância, erguia-se a torre de uma ou outra igreja que, qual ponta de<br />
lança feria o horizonte. Ou um agrupamento de tetos baixos formava<br />
uma vila, ou uma solitária vivenda de campo dava um aspecto ainda<br />
mais acentuado para a solidão da cena. Os incultos moradores dessas<br />
terras alagadiças não apreciavam aos que, tais quais os <strong>Wesley</strong>, não<br />
foss<strong>em</strong> da sua classe. Cinqüenta anos antes, essa raça obstinada havia<br />
sustentado uma mal disfarçada guerra civil contra o engenheiro<br />
holandês, Cornélio Vermuyden, que o rei Guilherme III trouxe de<br />
Holanda para drenar essas terras alagadas. Rompiam-lhe os diques,<br />
judiavam de <strong>seu</strong>s operários, queimavam-lhe as cearas. E mantinham<br />
algo do mesmo espírito com os <strong>Wesley</strong>s: eles apunhalavam as vacas<br />
do pároco, aleijavam-lhe as ovelhas, rompiam os diques de noite para<br />
alagar<strong>em</strong>-lhe os campos. Judiavam dele por causa de suas dívidas, e<br />
tentavam, e não s<strong>em</strong> êxito, queimar-lhe o presbitério (a casa pastoral),<br />
para depois acusá-lo, a ele mesmo, de tê-lo incendiado!<br />
Os amigos instavam que ele saísse de Epworth, mas ninguém,<br />
<strong>em</strong> cujas veias corresse o sangue de um <strong>Wesley</strong>, se sujeitaria a ser<br />
tocado (expulso, fugido) para qualquer lugar. Samuel <strong>Wesley</strong> escreveu<br />
a <strong>seu</strong> bispo: "Seria um ato de covardia se eu deixasse o meu posto na<br />
face do fogo cerrado com que o inimigo me alveja”. Estava escrevendo<br />
da prisão onde fora encerrado por dívidas. Pode-se admitir com<br />
franqueza que tais condições não eram muito consoantes com a<br />
felicidade doméstica. Acarretavam muitas solicitudes e grandes<br />
limitações para os horizontes sociais da família <strong>em</strong> Epworth.<br />
Pode-se acrescentar que a história da família no presbitério de<br />
Epworth foi assombrada por não poucas tragédias, e todas estas se<br />
agrupavam <strong>em</strong> redor das inteligentes e jeitosas filhas da família. Há<br />
males piores do que a necessidade, dissabores mais cruéis do que a<br />
pobreza, coisas mais difíceis de agüentar do que a dor ou a morte.<br />
Pouca mãe t<strong>em</strong> experimentado dores mais profundas do que as que<br />
caiam sobre Suzana <strong>Wesley</strong>. O único grito de dor, audível <strong>em</strong> toda a<br />
sua correspondência, acha-se num trecho de uma carta dirigida a <strong>seu</strong><br />
irmão Annesley:<br />
“Raramente me acho com saúde; o sr. meu esposo<br />
continua no declínio; a minha querida Emília que me confortaria<br />
grand<strong>em</strong>ente na minha presente necessidade, está obrigada a ir a<br />
<strong>seu</strong> serviço <strong>em</strong> Lincoln, onde é professora num internato; a minha<br />
segunda filha Sukey, uma bela mulher e digna de melhor sorte,<br />
quando, de vossas últimas cartas pouco caridosas, entendeu que<br />
estavam frustradas todas as suas esperanças <strong>em</strong> vós, ela deu-se<br />
impensadamente a um hom<strong>em</strong> (se é lícito chamar hom<strong>em</strong> àquele<br />
que é pouco inferior aos anjos apóstatas <strong>em</strong> iniqüidade), o qual<br />
não somente constitui a desgraça dela, mas é o constante pesar<br />
da família também. Oh, sr! Oh, irmão! Feliz, três vezes feliz sois<br />
vós, e feliz a minha irmã, que enterrastes vossos filhos ainda na<br />
infância: seguros da tentação, seguros da culpa, seguros da<br />
pobreza e da vergonha, ou da perda de amigos! Estão seguros<br />
além do alcance da dor ou da miséria; tendo partido daqui, nada<br />
pode incomodá-los jamais. Crede-me sr. quando vos digo, que é<br />
melhor chorar dez filhos mortos do que um vivo; e tenho enterrado<br />
a muitos”.<br />
A referência vaga e amarga que encontramos aqui, é a respeito de sua<br />
filha Hetty (apelido de Mehetabel), a mais espirituosa, vivaz, ativa e<br />
infeliz desse grupo de lindas moças sob o teto do presbitério de<br />
Epworth. Hetty possuía raros dotes intelectuais, e é narrado que aos<br />
oito anos lia o novo testamento <strong>em</strong> Grego. Uma menina fascinante e<br />
brilhante, com algo de brincalhona, possuindo uma vontade<br />
independente e imperiosa; no entanto, nesse t<strong>em</strong>po, não havia moça<br />
sob qualquer teto inglês que tivesse um espírito mais terno, uma<br />
inteligência mais viva, n<strong>em</strong> sorte mais infeliz. Foi ela a única filha que<br />
envergonhou a família (o probl<strong>em</strong>a da vergonha é que namorou um<br />
advogado, mas Samuel, o pai, não aprovou o namoro, pois considerava<br />
o candidato a namorado um advogado s<strong>em</strong> princípios. Numa viag<strong>em</strong> a<br />
Londres, ela acabou se entregando a ele e, na volta, teve uma grande<br />
briga com o pai, que teve o apoio de todas as outras irmãs. Foi obrigada<br />
a casar-se, para reparar a sua honra, com qu<strong>em</strong> se dispôs a aceitá-la<br />
naquelas condições).<br />
Quando o <strong>seu</strong> desvio ficou conhecido, <strong>seu</strong> pai teve um aceso de<br />
terrível e inexorável raiva. Por muito t<strong>em</strong>po não consentiu <strong>em</strong> ver a sua
filha; se não fosse a paciência da mãe, talvez tivesse sido expulsa do<br />
abrigo do teto familiar. A própria Hetty, anos depois quando o <strong>seu</strong> pai<br />
tinha ficado parcialmente reconciliado, escreveu:<br />
“Eu teria sacrificado pelo menos um dos meus olhos pela<br />
liberdade de ter-me lançado aos vossos pés antes de me casar;<br />
mas desde que já passou, e dificuldades matrimoniais são<br />
geralmente irr<strong>em</strong>ediáveis, espero que haveis de ter a<br />
condescendência de fazer-vos do meu parecer, ao ponto de<br />
reconhecer que, desde que, <strong>em</strong> certas coisas, tenho mais<br />
felicidade do que mereço, e melhor dizer b<strong>em</strong> pouco de coisas<br />
que não são r<strong>em</strong>ediáveis“.<br />
A única contenda que João <strong>Wesley</strong> teve com o pai resultou de um<br />
sermão que eIe pregou sobre ”A caridade que se deve usar para com<br />
os ímpios,” que o pai interpretou como sendo uma censura a ele <strong>em</strong><br />
defesa de Hetty.<br />
Num acesso de tristeza - uma condição de espírito entre a<br />
contrição e o desespero - Hetty jurou que se casaria com qualquer<br />
pessoa que os pais quisess<strong>em</strong>, e o comprimento desta penitência<br />
imposta a si mesma foi exigido com rigor. Um funileiro chamado Wright<br />
ofereceu-se para casar com Hetty quando a ira do pai ainda ardia, e<br />
Samuel fez o casamento. Talvez nunca houve um casamento mais<br />
infeliz. Wright, <strong>em</strong> caráter, educação, hábitos e t<strong>em</strong>peramento, foi<br />
exatamente o oposto de sua mulher. Foi o casamento de uma moça<br />
jeitosa, educada e espirituosa, com um tolo beberrão e dissoluto. Foi<br />
esposa negligenciada, filha exilada, mãe infeliz, pois os <strong>seu</strong>s filhos<br />
morreram quase ao nascer<strong>em</strong>.<br />
A sua vida de casada, s<strong>em</strong>eada de toda a espécie de desgostos,<br />
acabrunhou o espírito da infeliz Hetty, e ela procurou com sentida<br />
solicitude a graça de perdão do <strong>seu</strong> pai ofendido.<br />
“Honrado sr.”, escreveu ela, “ainda que me abandoastes, e<br />
sei que um propósito uma vez por vós tomado não é facilmente<br />
abandonado, eu tenho de dizer-vos que alguma comunicação do<br />
vosso perdão não somente é me necessária, mas tornaria mais<br />
feliz o casamento, no qual visto que vós o determinastes, deveis<br />
ainda sentir um não pequeno interesse. A minha criança, com<br />
cujo fraco apoio, eu contara para fazer a vida mais suportável,<br />
tanto para mim como para o meu marido, já morreu. E se Deus<br />
ainda me der e tirar outra, nunca me posso escapar do<br />
pensamento que a intercessão do pai poderia ter prevalecido <strong>em</strong><br />
aplacar aquela ira de Deus que então tomarei como sendo<br />
manifesta.”<br />
“Perdoai-me, sr., se eu vos tomar por participante na<br />
felicidade (ou na infelicidade) que o mundo geralmente considera<br />
como sendo pela graça de Deus, a sorte de dois! Mas como<br />
plantastes a minha felicidade matrimonial, assim não podeis<br />
correr da minha petição quando vos peço que a regueis com um<br />
pouco de boa vontade. Meus irmãos hão de relatar-vos o que têm<br />
visto da minha maneira de viver e das minhas lutas diárias para<br />
redimir o passado. Mas tenho chegado ao ponto onde eu sinto<br />
que o teu perdão é para mim uma necessidade. Rogo-vos, pois<br />
que não mo negueis.“<br />
Samuel <strong>Wesley</strong>, entretanto, ouviu s<strong>em</strong> se convencer. Não achou<br />
qualquer nota de sinceridade nas cartas de sua infeliz filha. Ele a<br />
aconselhou que, quando escrevesse outra vez, se ela desejasse<br />
convencê-lo, “se mostrasse menos espirituosa e desse mais evidência<br />
de contrição”. Ele pergunta: “Que dano vos causou o casamento? Sei<br />
unicamente que vos deu o vosso bom nome”. É certo que uma mãe não<br />
teria respondido deste modo a uma tal carta como a que a pobre Hetty<br />
escrevera. Mas Samuel <strong>Wesley</strong>, mais do que os homens <strong>em</strong> geral,<br />
possuía a incapacidade de entender as sensibilidades f<strong>em</strong>ininas.<br />
Mas se a pobreza, o abandono e a solidão lhe esmagaram o<br />
orgulho da uma vez espirituosa Hetty, ao mesmo t<strong>em</strong>po lhe purificaram<br />
o caráter: Ela escreveu a <strong>seu</strong> irmão João <strong>em</strong> 1743:<br />
“Ainda que eu esteja privada de todos os auxílios e serviços<br />
humanos, não estou desamparada; <strong>em</strong>bora eu não tenha nenhum<br />
amigo espiritual, n<strong>em</strong> tivesse jamais, a não ser, talvez, uma ou<br />
duas vezes por ano, quando tenho visto furtivamente um dos<br />
meus irmãos ou outra pessoa religiosa; entretanto (<strong>em</strong>bora não o<br />
mereça) posso ainda buscar a Deus, e não me satisfaço com<br />
causa alguma senão Aquele <strong>em</strong> cuja presença afirmo esta<br />
verdade. Não ouso desejar a saúde, somente a paciência,<br />
resignação, e um espírito são. Tenho sido fraca por tanto t<strong>em</strong>po<br />
que não sei até quando durará a minha provação, mas tenho uma<br />
firme convicção e uma bendita esperança (<strong>em</strong>bora não a plena<br />
certeza) que no país para onde eu vou, não cantarei sozinha<br />
”Aleluia“ e “Santo, santo, santo!” como tenho feito aqui. “<br />
A última referência que <strong>Wesley</strong> faz de sua irmã Hetty é
indizivelmente, se b<strong>em</strong> que inconscient<strong>em</strong>ente, tocante:<br />
“Aos 5 de março de 1750. Fiz oração ao lado da minha irmã<br />
Wright, uma alma graciosa, tenra e tr<strong>em</strong>ente; uma cana quebrada<br />
que o Senhor não esmagará. Tive com ela comunhão deliciosa na<br />
capela enquanto eu lhe explicava as palavras maravilhosas:<br />
Nunca mais se porá o teu sol, n<strong>em</strong> a tua luz minguará, e os dias<br />
do teu luto se virão a acabar-se”.<br />
Sobre este fundo record<strong>em</strong>os a figura da menina espirituosa e<br />
culta, a luz e o orgulho do presbitério, antes de ser manchada pela<br />
vergonha e quebrada pela crueldade humana; e assim se torna visível<br />
um dos mais tocantes capítulos na família <strong>Wesley</strong>.<br />
Outra filha, Martha, teve sorte quase tão cruel como a de Hetty, se<br />
b<strong>em</strong> que no caso dela, não havia qualquer culpa pessoal para lhe<br />
aumentar a amargura. Martha casou-se com um companheiro escolar<br />
de João <strong>Wesley</strong> chamado <strong>Wesley</strong> Hall, clérigo de boa família, mas<br />
hom<strong>em</strong> cujo caráter possuía imprevistas funduras de vileza. Adão<br />
Clarke faz um resumo de sua história: “Ele foi cura na Igreja Anglicana,<br />
depois se tornou moraviano, quietista, deista (senão ateu) e poligamista.<br />
Ele defendeu a poligamia pelo ensino e ex<strong>em</strong>plificou na prática”.<br />
Hall inicialmente enamorou-se de Kezia <strong>Wesley</strong> e anunciou que<br />
fora lhe revelado que tinha de casar com ela. O <strong>seu</strong> afeto e as suas<br />
revelações, entretanto, eram de caráter mui transferíveis. E logo lançou<br />
um olhar sobre Martha, e relatou que, recebera outra revelação e tinha<br />
de casar com ela. A pobre Kezia morreu de desgosto; e sobre Martha<br />
caiu a sorte ainda mais triste de casar com Hall. Hall teve uma<br />
capacidade para o engano, e para atos de crueldade que era sugestiva<br />
de possessão diabólica.<br />
Martha, quando menina, foi a mais alegre de todos no grupo de<br />
Epworth. “Ficareis menos risonhos algum dia”, disse a sábia mãe,<br />
cont<strong>em</strong>plando os filhos risonhos com olhos proféticos. Martha lhe<br />
perguntou: “Eu também ficarei menos risonha mamãe?” A mãe lhe<br />
respondeu, sorrindo: “Não”. Ela julgava que nada seria capaz de<br />
acabrunhar o espírito alegre daquela menina! Entretanto a mais alegre<br />
das meninas passou pelo escuro mar de sofrimentos.<br />
Martha desenvolveu uma paciência heróica, e mais notável do<br />
que a da personag<strong>em</strong> Griselda na poesia de Lord Alfred Tennyson;<br />
encobriu as faltas do <strong>seu</strong> vil marido, servindo-lhe de enfermeira para as<br />
amásias (amantes, concubinas) dele. Recebeu <strong>em</strong> braços piedosos (de<br />
braços abertos) os filhos ilegítimos desse esposo ingrato, e manifestou<br />
para com ele uma fidelidade heróica. E anos depois quando <strong>seu</strong> marido<br />
inútil morreu, umas das últimas palavras que ele proferiu foram: “Tenho<br />
judiado de um anjo, um anjo que nunca me repreendeu”.<br />
Entretanto, a mansidão heróica dessa mulher não significava<br />
qualquer falta de corag<strong>em</strong> ou de força. Conservou a inteligência<br />
disciplinada, as feições serenas, no meio de todas as vicissitudes, e<br />
pelo simples encanto de suas qualidades mentais (intelectuais), tornouse<br />
uma das mais íntimas e apreciadas companheiras do Dr. Samuel<br />
Johnson (que é, de todos os escritores ingleses dos <strong>século</strong>s XVII a XIX,<br />
um dos mais citados autores mencionados naquela época, só perdendo<br />
para William Shakespeare). Ela dizia: “O mal não foi me estranho, mas<br />
não foi permitido ao mal me fazer dano”. Se b<strong>em</strong> que a sua vida fosse<br />
uma tragédia, comtudo, a sua morte foi assinalada por uma grande paz.<br />
Um pouco antes de render o <strong>seu</strong> espírito, a sua sobrinha lhe perguntou<br />
se sentia dor? Ela respondeu: "Não, mas tenho uma nova sensação.<br />
Tenho a plena certeza que por tanto t<strong>em</strong>po tenho pedido. Jubilai-vos” e<br />
assim morreu. Seria difícil achar nos anais (nos registros, na história) de<br />
mulheres outro ex<strong>em</strong>plo de espírito tão grand<strong>em</strong>ente experimentado, e<br />
ainda tão serenamente heróico como o de Martha <strong>Wesley</strong>.<br />
Uma outra das moças <strong>Wesley</strong> também fez naufrágio de sua<br />
felicidade por casamento desastrado. Suzana, a filha, teve a<br />
infelicidade de escolher um marido de caráter tão atroz, que ela foi<br />
obrigada a deixá-lo. O casamento para os da família <strong>Wesley</strong>, era uma<br />
experiência, curiosamente perigosa. No entanto, todas essas tragédias<br />
estavam ainda, nesse t<strong>em</strong>po, no vago, distante e desconhecido futuro.
CAPÍTULO III<br />
Contos do Lar<br />
Certos acontecimentos, na meninice de <strong>Wesley</strong>, deviam ter<br />
afetado profundamente a sua religião. Um foi o histórico incêndio, que<br />
destruiu o presbitério (a casa pastoral onde morava) <strong>em</strong> 1709, quando<br />
<strong>Wesley</strong> ainda não contava seis anos feitos. O edifício era velho e seco,<br />
construído de ripas e argamassa, com madeiras antigas. Cerca da meia<br />
noite, de 24 de agosto de 1709, foi descoberto o fogo, cujas chamas já<br />
corriam pelo madeiramento do velho presbitério, como se fosse palha.<br />
Todos da família <strong>Wesley</strong> conseguiram sair da construção <strong>em</strong> chamas,<br />
mas João, no alarme e pressa da família, foi esquecido.<br />
O pequeno, acordando, achou o <strong>seu</strong> quarto tão cheio de luz, que<br />
pensava ser o raiar do dia. Ergueu a cabeça e olhou através as cortinas,<br />
viu um vermelho rabisco de fogo correr pelo forro! Ele pulou da cama, e<br />
correu <strong>em</strong> direção da porta que, já se achava envolta numa terrível<br />
cortina do de rubras chamas. Trepou numa caixa, que estava abaixo da<br />
janela, e olhou para fora. Era noite escura, mas a luz, que <strong>em</strong>anava da<br />
casa incendiada, caia sobre as faces da agitada multidão. O forte vento<br />
nordeste que soprava, através a porta aberta, havia feito da escadaria<br />
um túnel de fogo, e o pai viu que seria morte certa, para qu<strong>em</strong> tentasse<br />
subi-la. Samuel <strong>Wesley</strong> caiu de joelhos no corredor, e clamou a Deus<br />
<strong>em</strong> favor de <strong>seu</strong> filho, que parecia encerrado numa prisão de fogo.<br />
A própria Suzana <strong>Wesley</strong>, que se achava doente, atravessou o<br />
fogo para a rua, com as mãos e faces queimadas; e quando virou, e<br />
olhou <strong>em</strong> direção da casa, viu o rosto do filhinho na janela do pavimento<br />
superior. João ainda se achava na casa <strong>em</strong> chamas!<br />
Não havia escada, a sua fuga parecia impossível. O menino ouvia<br />
atrás de si as ruidosas chamas, e via as faces pálidas da multidão, que<br />
o cont<strong>em</strong>plava, sobre o fundo da noite escura que a envolvia.<br />
Alguém, de mais iniciativa do que os outros correu até chegar<br />
<strong>em</strong>baixo da janela e, pediu que um outro lhe subisse aos ombros, assim<br />
alcançando o menino, tirando-o pela janela no mesmo instante que o<br />
teto da casa caia com grande ruído. O pai, quando lhe trouxeram o filho,<br />
disse:<br />
“Vizinhos, ajoelh<strong>em</strong>os e d<strong>em</strong>os graças a Deus! Ele me deu<br />
todos os oito filhos. Que a casa vá, sou bastante rico!”.<br />
Nenhuma criança de seis anos jamais se esqueceria de um<br />
incidente tal. Parece que impressionou profundamente a imaginação do<br />
menino. No decorrer dos anos, o incidente tornou-se luminoso, com<br />
significados novos e portentosos. Tornou-se uma parábola de sua<br />
própria história espiritual. Ele fora livrado de chamas, mais terríveis do<br />
que as que consumiram o presbitério de Epworth. Portanto, não foi ele,<br />
uma tocha tirada do fogo para um fim especial? Sim, o acontecimento<br />
se tornou <strong>em</strong> pintura mística da condição do mundo inteiro, e do papel<br />
que João <strong>Wesley</strong> havia de des<strong>em</strong>penhar nele.<br />
A sua teologia traduziu-se nos termos daquele acontecimento<br />
noturno. A casa incendiada simbolizava o mundo perdido. Toda a alma<br />
humana, no pensamento de <strong>Wesley</strong>, era s<strong>em</strong>elhante àquele menino<br />
rodeado pelo fogo, pelas chamas do pecado e por aquela ira divina e<br />
eterna que o pecado incendeia, apertando-o de todos os lados. Ele, que<br />
à meia noite daquele dia 24 de agosto de 1709 fora arrancado da casa<br />
<strong>em</strong> chamas, devia arrancar os homens das chamas de um incêndio,<br />
ainda mais terrível. A m<strong>em</strong>ória daquele perigo deu cor à imaginação de<br />
<strong>Wesley</strong>, até o dia de sua morte.<br />
A história do incêndio é narrada pelo pai Samuel, pela mãe<br />
Suzana e pelo próprio João, quando cita suas recordações juvenis. Das<br />
três narrações, a mais cheia e vivaz é a do pai Samuel <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong>bora,<br />
curiosamente, tenha sido geralmente passado por alto. Lendo-a, sentese<br />
algo da confusão, do calor e do terror do incêndio, quase dois<br />
<strong>século</strong>s depois do ocorrido. Ele diz:<br />
“Um pouco depois das onze horas da noite ouvi o grito de<br />
fogo!”, na rua mais próxima do lugar onde eu me deitara. Se eu<br />
estivesse no meu próprio quarto, como de costume, todos<br />
teríamos perecido. Pulei da cama e vesti-me de colete e de trajes<br />
noturnos e olhei pela janela. Vi a reflexão (a claridade) das<br />
chamas, mas não sabia onde estavam. Calcei uma meia, e com<br />
as calças nas mãos, corri para o quarto da minha mulher. Tentei<br />
forçar a porta, que estava trancada do lado de dentro, mas não<br />
podia. As duas filhas mais velhas estavam com ela; estas se<br />
levantaram e correram as escadarias para despertar o resto da<br />
família. Então vi que era a minha própria casa que estava toda<br />
tomada de chamas e nada senão uma porta entre o fogo e a<br />
escada “.
“Voltei à mulher que já havia se levantado e aberto a porta.<br />
Mandei·lhe que saísse já. Tínhamos um pouco de prata e ouro<br />
cerca de 20 libras esterlinas. Ela teria permanecido para procurálas,<br />
mas eu a <strong>em</strong>purrei para fora. Eu subi a escada, achei os<br />
filhos, desci e abri a porta da rua. O capim do teto estava caindo<br />
no fogo, o vento nordeste tocava as chamas sobre mim; duas<br />
vezes tentei subir a escada, mas fui obrigado a ceder. Corri à<br />
porta, que dava para o jardim, e abri-a; sendo o fogo ai mais<br />
manso. Mandei que as crianças me seguiss<strong>em</strong>, mas achavam-se<br />
somente duas comigo e a criada trazia no colo um outro, o Carlos,<br />
que ainda não anda. Corri com eles ao meu gabinete no jardim,<br />
fora do alcance das chamas: coloquei o menor no colo da outra, e<br />
vendo que a minha esposa não havia me seguido, voltei<br />
apressadamente para buscá-la, mas não a achei.”<br />
“Voltei <strong>em</strong> seguida para os filhos que deixei no jardim para<br />
ajudá-los a transpor o muro. Estando do lado de fora, ouvi um dos<br />
meus pobres cordeirinhos de cerca de seis anos, ainda deixado<br />
no segundo andar, clamar trist<strong>em</strong>ente: “Acode-me!”. Corri outra<br />
vez para subir a escadaria, mas esta agora se achava tomada<br />
pelas chamas. Tentei transpô-las pela segunda vez.<br />
Defendendo a cabeça com as calças que levava nas mãos,<br />
mas a corrente de fogo me tocou para baixo. Julguei haver<br />
cumprido o meu dever. Com o clamor do meu filho ainda aos<br />
ouvidos, saí da casa para o jardim, onde se achava a parte da<br />
família que eu havia salvo. Fiz que todos se ajoelhass<strong>em</strong>, para<br />
pedir<strong>em</strong> que Deus recebesse a alma do pequeno João.”<br />
“Corri, de uma a outra parte, indagando a respeito da<br />
esposa e dos filhos. Encontrei-me com o principal hom<strong>em</strong> do<br />
lugar, oficial de justiça, o qual não ia <strong>em</strong> direção da minha<br />
casa, para ajudar-me, mas <strong>em</strong> direção oposta. Eu lhe peguei<br />
na mão, e lhe disse: “Seja feita a vontade de Deus!”. Ele<br />
respondeu: “Nunca hás de deixar de tuas artes? Incendiou a<br />
tua casa uma vez antes; não conseguiste bastante então, e já<br />
o fizeste outra vez?” Foi muito pouco conforto. Eu lhe disse:<br />
“Deus te perdoe”. Mas um pouco depois fui mais confortado,<br />
ouvindo que a minha mulher fora salva, então caí de joelhos e<br />
dei graças a Deus.”<br />
“Fui ter com ela. Ainda vivia, se b<strong>em</strong> que apenas falava.<br />
Ela julgava que eu havia perecido, e os outros também assim<br />
pensavam, não me tendo visto, n<strong>em</strong> qualquer dos nossos oito<br />
filhos, por um quarto de hora. E durante este t<strong>em</strong>po foram<br />
todos os quartos da casa , e tudo mais, reduzidos à cinza; pois<br />
o fogo era muito mais forte do que o de um forno e o violento<br />
vento o açoitou contra a casa. Ela me contou depois como<br />
encapara. Quando fui abrir a porta dos fundos, ela tentara<br />
atravessar o fogo, até a porta da frente, mas duas vezes fora<br />
derrubada no chão. Ela julgava que ai morreria, mas tendo<br />
pedido que Cristo lhe ajudasse , achou-se com novas forças,<br />
levantou-se sozinha, atravessou dois ou três metros de<br />
chamas, estando o fogo no chão até os joelhos. Ela vestia<br />
somente um delgado vestido, tendo sobre o braço um paletó, e<br />
calçava sapatos. Com o paletó ela envolvia o peito, e chegou<br />
ao quintal <strong>em</strong> segurança, s<strong>em</strong> receber aux ílio de uma alma<br />
sequer. Ela não ergueu os olhos n<strong>em</strong> falou até a minha<br />
chegada. Somente quando lhe trouxeram o último filho, ela<br />
mandou que o deitass<strong>em</strong> na ca ma. Este foi o menino que eu<br />
ouvira clamar <strong>em</strong> meio das chamas , mas Deus o salvou quase<br />
por milagre. Ele só foi esquecido pelos criados, na<br />
perturbação. Ele correu para a janela que abria para o quintal,<br />
subiu numa cadeira e pediu socorro. Umas poucas pesso as<br />
haviam se ajuntado, e entre elas um hom<strong>em</strong> que me quer b<strong>em</strong>,<br />
este ajudou um outro a subir à janela.O menino, vendo o<br />
hom<strong>em</strong> entrar pela janela, assustou-se, e quis fugir para o quarto<br />
da mãe; mas, não podendo abrir a porta, voltou outra vez à janela.<br />
O hom<strong>em</strong> havia caído da janela, e a cama e tudo mais no quarto<br />
do menino achavam-se <strong>em</strong> chamas. Ergueram o hom<strong>em</strong> pela<br />
segunda vez, e pequeno e assustado João pulou <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s braços<br />
e foi salvo. Eu não podia acreditar antes de beijá-lo duas ou três<br />
vezes.”<br />
No dia seguinte, passeando pelo jardim e cont<strong>em</strong>plando as ruínas<br />
da casa, Samuel achou meia página de sua Bíblia poliglota, onde estas<br />
palavras eram ainda legíveis: “Vai; vende tudo que tens; e toma a tua<br />
cruz, e segue-me.”<br />
É de se admirar que uma tal experiência ficasse indelevelmente<br />
registrada na imaginação de João <strong>Wesley</strong>? <strong>Wesley</strong>, na sua meninice<br />
devia ter observado, com olhos graves e admiráveis, um outro incidente<br />
na casa de Epworth. Estando o pai ausente numa convocação, a<br />
senhora <strong>Wesley</strong> começou a celebrar reuniões religiosas na cozinha do<br />
presbitério. Ela começou essas reuniões para os <strong>seu</strong>s próprios<br />
<strong>em</strong>pregados domésticos e filhos. Então os vizinhos solicitaram
permissão de vir<strong>em</strong>, até que trinta ou quarenta se ajuntavam aos<br />
domingos à noite. O fogoso e exclusivista eclesiástico, <strong>seu</strong> marido,<br />
ouviu as novas. Um “conventículo” estava <strong>em</strong> pleno vigor sob o próprio<br />
teto do <strong>seu</strong> presbitério, com uma mulher orando publicamente, e talvez<br />
exortando; e essa mulher a sua esposa! Aqui havia coisa para acender<br />
o fogo de ira austera na consciência sacerdotal! As cartas da Senhora<br />
<strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> resposta a <strong>seu</strong> marido imperioso, eram modelos de bom<br />
senso e bondade, e a sua lógica foi d<strong>em</strong>asiada forte para o homenzinho<br />
irascível. “Parecia esquisito”, disse o marido, “que ela celebrasse o<br />
culto”. A sua esposa responde:<br />
“Admito, e é assim com quase tudo mais de sério, ou, que<br />
de qualquer modo possa promover a glória de Deus e a salvação<br />
de almas, se for feito fora do púlpito.”<br />
“Também por ser mulher, na opinião do marido, tornava<br />
pouco desejável que ela dirigisse o culto. ” A Senhora <strong>Wesley</strong><br />
responde:”Visto que sou mulher, assim também sou mãe de<br />
família numero sa; e <strong>em</strong>bora a responsabilidade superior, pelas<br />
almas que ela contém paire sobre vós como cabeça da família<br />
e como <strong>seu</strong> ministro, na vossa ausência, entretanto, não posso<br />
me esquivar de considerar, cada alma que deixais sob os<br />
meus cuidados, como sendo um talento entregue a mim pelo<br />
grande Senhor de todas as famílias do céu e da terra. Se eu<br />
for infiel a Ele ou a vós, como posso respon der quando Ele me<br />
exigir contas da minha administração? ”<br />
O Senhor <strong>Wesley</strong> pergunta: “Por que ela não pedia que qualquer<br />
outro lesse um sermão?” Ela responde: “Infelizmente não considerais<br />
que povo é este. Julgo que ninguém entre eles seria capaz de ler um<br />
sermão, s<strong>em</strong> soletrá-lo, <strong>em</strong> grande parte. E como isto serviria de<br />
edificação para os outros?”<br />
Quanto à alegação de que era um “conventículo”, um concorrente<br />
da Igreja, a senhora <strong>Wesley</strong> assegura a <strong>seu</strong> marido, “que estas<br />
pequenas reuniões têm trazido mais gente à Igreja, do que qualquer<br />
outra coisa <strong>em</strong> tão curto espaço de t<strong>em</strong>po. Antes não tiv<strong>em</strong>os mais de<br />
vinte ou vinte e cinco, no culto à noite, mas agora t<strong>em</strong>os entre duzentos<br />
e trezentos”.<br />
A modéstia da senhora <strong>Wesley</strong> é encantadora: “Nunca ouso<br />
de presumir positivamente <strong>em</strong> esperar que Deus se sirva de mim<br />
como instrumento para o b<strong>em</strong>. O mais que eu ouso pensar é: Pode<br />
ser! Qu<strong>em</strong> sabe? A Deus tudo é possível. Entregar -me-ei a Ele.<br />
Como diz Herbert: ‘Visto que Deus freqüent<strong>em</strong>ente faz, por coisas<br />
humildes serviços honrados, eu me lanço a teus pés; a í<br />
permanecerei, e quando o meu Mestre procurar alguma coisa vil <strong>em</strong><br />
que possa manifestar a sua pe rícia, então, será a minha vez’.”<br />
Com muita dignidade a senhora <strong>Wesley</strong> fecha a sua carta: “Enfim,<br />
se houverdes por b<strong>em</strong> dissolver esta ass<strong>em</strong>bléia, não me peçais que eu<br />
o faça, pois isto não satisfará a minha consciência. Mas dá-me a vossa<br />
ord<strong>em</strong> terminante, <strong>em</strong> termos tão expressos e inequívocos que me<br />
absolverão da culpa e do castigo, por ter eu desprezado esta<br />
oportunidade de fazer o b<strong>em</strong>, quando eu e vós comparecermos ante o<br />
augusto e tr<strong>em</strong>endo tribunal do Nosso Senhor Jesus Cristo”.<br />
Esta sentença foi d<strong>em</strong>ais para o pequeno pároco, e as reuniões<br />
continuaram até o <strong>seu</strong> retorno de Londres.<br />
Mas é fácil de imaginar-se que este incidente impressionaria<br />
profundamente a João <strong>Wesley</strong>, que então contava apenas nove anos. O<br />
perfil de sua mãe, diante desse grupo de plebeus, o rosto meigo, grave<br />
e nobre, <strong>em</strong> tão notável contraste com todos os outros na reunião. O<br />
ex<strong>em</strong>plo de um zelo sério e intenso, os probl<strong>em</strong>as - os mesmos que ele<br />
próprio teria de resolver mais tarde, <strong>em</strong> campo mais vasto. Que seria de<br />
mais importância, a forma decorosa ou o fato espiritual? Seria um mal<br />
fazer o b<strong>em</strong>, sendo o método pouco regular? As almas humanas<br />
exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> benefício de formas eclesiásticas, ou exist<strong>em</strong> essas formas<br />
<strong>em</strong> benefício dessas almas? As reuniões dirigidas por Suzana e a<br />
controvérsia que isso suscitou, repetimos, devia ter impressionado<br />
profundamente a <strong>Wesley</strong>. E o corajoso zelo e a louvável persistência da<br />
sua mãe deviam tê-lo ajudado a determinar todo o sist<strong>em</strong>a de sua<br />
própria vida, nos anos vindouros.<br />
Neste meio t<strong>em</strong>po, veio à família <strong>em</strong> Epworth, uma das mais<br />
inexplicáveis experiências que jamais visitou o circulo familiar de um<br />
pároco - as artes daquele “poltergeista” (ruidoso espírito ou diabo) que<br />
as meninas da família apelidaram de “Velho Jeffrey”, nome de um<br />
célebre juiz iníquo. Qu<strong>em</strong> não conhece a história do “Velho Jeffrey” t<strong>em</strong><br />
perdido uma das narrações mais b<strong>em</strong> atestadas e mais curiosas de<br />
assombração que há na literatura.<br />
Durante quase seis meses - desde dez<strong>em</strong>bro de 1761 até abril de<br />
1717 – o presbitério ficou tomado de ruídos misteriosos e estranhos.<br />
Batia-se nas portas e nas paredes, havia socos <strong>em</strong>baixo do assoalho,<br />
ruído como de queda de louças, o repenicar de correntes de ferro, o
etinir de moedas ao caír<strong>em</strong>, o barulho de passos misteriosos. As<br />
manifestações resistiam a todas as explicações mais prosaicas, e por<br />
fim, foram atribuídas por consentimento comum, a qualquer espírito<br />
inquieto. Tornaram-se tão familiares que ninguém se incomodava mais,<br />
e as meninas espirituosas do presbitério rotulavam a fada invisível, se<br />
b<strong>em</strong> que muito audível, de “Velho Jeffrey”.<br />
A narração é feita <strong>em</strong> cartas, com detalhes minuciosos,<br />
sucessivamente por todos os m<strong>em</strong>bros da família; e todos esses contos<br />
foram colecionados pelo próprio João <strong>Wesley</strong> - que se achava na<br />
Escola de Charterhouse quando o “Velho Jeffrey” estava <strong>em</strong> atividade -<br />
e fê-los publicar na Arminian Magazine. Há um el<strong>em</strong>ento humorístico,<br />
nos variados tons, <strong>em</strong> que é relatado o conto maravilhoso. Samuel o<br />
narra no estilo direto de um hom<strong>em</strong>, cuja crença na assombração<br />
manifestamente gera, não o medo, mas, somente a raiva, e um desejo<br />
de encontrar o perturbador, mais de perto, e até surrá-lo. A Suzana<br />
conta a história, segundo <strong>seu</strong> modo prático, e com a simplicidade de um<br />
Defoe (jornalista e escritor autor do romance Robinson Crusoé). As<br />
espirituosas moças relatam a história com traços de humor e<br />
imaginação juvenis. Um clérigo vizinho, que fora chamado para ajudar<br />
<strong>em</strong> silenciar o espírito, acrescenta a sua voz sonora ao coro. A<br />
evidência, se fosse dada <strong>em</strong> tribunal, no julgamento de um assassino,<br />
seria suficiente para conseguir a sentença máxima.<br />
Certos atos do espírito eram de caráter surpreendente. A Senhora<br />
<strong>Wesley</strong>, de mãos dadas com o marido, à meia noite, descendo ao<br />
quarto donde procediam os ruídos, relata que “parecia-me como se<br />
alguém tivesse derramado um grande vaso de moedas na minha<br />
cintura, para correr<strong>em</strong> retinindo, pela camisola de dormir, até os pés”.<br />
Mais de uma vez o pároco indignado (Samuel) sentia-se <strong>em</strong>purrado por<br />
uma força invisível. Notava-se nas primeiras manifestações que as<br />
crianças adormecidas, e que estavam inconscientes do ruído, tr<strong>em</strong>iam<br />
de agitação e t<strong>em</strong>or, mesmo no sono. O sr. <strong>Wesley</strong>, com solicitude<br />
paternal, perguntou ao espírito porque estava a perturbar os inocentes<br />
filhos, desafiando-o a um encontro consigo no <strong>seu</strong> gabinete de estudos,<br />
se tivesse algo para dizer-lhe. Ele saiu majestosamente <strong>em</strong> direção do<br />
gabinete, para encontrar-se com o espírito, e achou a porta segurada<br />
contra ele.<br />
As meninas logo descobriam que, o ‘Velho Jeffrey“ se indignava<br />
quando lhe faziam referências pessoais, atribuindo as suas artes a<br />
ratos, etc.; pois ele dava então murros no assoalho e na parede com<br />
grande ve<strong>em</strong>ência”. O “Velho Jeffrey“ fora espírito com b<strong>em</strong> definidas<br />
opiniões de política, e dava pancadas no assoalho e na parede quando<br />
o sr. <strong>Wesley</strong> fazia preces pelo rei. Mas o sentimento leal do pároco não<br />
podia ser sufocado por um simples espírito jacobino, e ele repetia a<br />
oração pelo rei George I, <strong>em</strong> tom ainda mais ousado. Samuel <strong>Wesley</strong><br />
aqui apresentou esta sisuda observação: ”Se eu mesmo fosse rei, antes<br />
desejaria ter o diabo por inimigo do que amigo”. O sr. <strong>Wesley</strong> perseguiu<br />
o ruído <strong>em</strong> quase todos os quartos da casa, o seguiu até o jardim;<br />
tentou travar uma conversa com o espírito, valendo-se dos serviços de<br />
um grande cachorro para contê-lo, mas, quando o espírito começou a<br />
discorrer, o cachorro ignobilmente (covard<strong>em</strong>ente, vergonhosamente)<br />
refugiou-se debaixo da cama, tomado de grande terror. Uma vez ele fez<br />
um preparo elaborado para fuzilá-lo, mas foi detido por um colega que<br />
vigiava consigo, l<strong>em</strong>brando-lhe que o chumbo não havia de ferir o<br />
espírito. Era espírito pontual, e geralmente começava com as suas<br />
artes um pouco antes das dez horas da noite. As meninas por fim<br />
vieram a tomar isto como intimação que já “era hora de dormir<strong>em</strong> “.<br />
João <strong>Wesley</strong> narra que, um leve bater na cabeceira da cama<br />
geralmente começava, entre as nove e às dez horas da noite; então<br />
costumavam dizer umas às outras: ”Já v<strong>em</strong> o Velho Jeffrey; são<br />
horas de dormir“. Pode se afirmar que o ”Velho Jeffrey“, foi o mais<br />
gentil e cavalheiresco poltergeista (fantasma) conhecido da<br />
literatura. Quando ele se achava “de serviço” levantava a tramela<br />
das portas para as moças passar<strong>em</strong>. A sra. <strong>Wesley</strong>, segundo <strong>seu</strong><br />
modo literal, pediu que o visitante invisível não lhe perturbasse, entre<br />
as cinco e seis horas, sendo esta, sua hora tranqüila; e que<br />
suspendesse todo o ruído <strong>em</strong> quanto ela estivesse na sua devoção;<br />
e o “Velho Jeffrey” o mais cavalheiro d os espíritos, acedeu a <strong>seu</strong>s<br />
desejos, suspendendo com as ruidosas manifestações durante<br />
esses períodos.<br />
As manifestações <strong>em</strong> certo aposento tornaram-se<br />
especialmente ruidosas uma noite . O sr. <strong>Wesley</strong> para lá se dirigiu e,<br />
<strong>em</strong> vão, esconjurou a o espírito para que falasse. Então disse: “Estes<br />
espíritos amam as trevas. Apaga a vela e talvez fale ”. A sua filha,<br />
Anna, apagou a vela, e o pároco repetiu a sua adjuração<br />
(esconjuração) nas trevas; mas houve apenas pancadas <strong>em</strong><br />
resposta. Com isto ele disse: “Anna, dois cristãos são d<strong>em</strong>ais fortes<br />
para o diabo; desce a escada. Pode ser que quando eu estiver<br />
sozinho ele terá a corag<strong>em</strong> de falar”. Tendo a filha saído, ele disse:<br />
“Se tu és o espírito do meu filho Samuel, peço -te que dês três<br />
pancadas e mais nenhuma”. Imediatamente tudo ficou <strong>em</strong> silêncio e<br />
não houve mais pancadas nessa noite.
As proezas deste esquisito “poltergeista” no presbitério de<br />
Epworth têm paralelos <strong>em</strong> muitas histórias s<strong>em</strong>elhantes: quais são as<br />
possíveis explicações delas? A senhora <strong>Wesley</strong>, segundo <strong>seu</strong> estilo<br />
direto e prático, julgou o “Velho Jeffrey” pelo padrão da utilidade e<br />
condenou-o: “Se estas aparições”, disse ela, “nos advertiss<strong>em</strong> do<br />
perigo, nos fizess<strong>em</strong> mais sábios ou melhores, haveria algo para<br />
recomendá-las; mas aparições que para nada serv<strong>em</strong> senão para<br />
espantar a gente, quase a ponto de se perder a razão, parec<strong>em</strong> de todo<br />
censuráveis”. Espírito muito tolo foi o “Velho Jeffrey”, na opinião da<br />
Senhora <strong>Wesley</strong>!<br />
Samuel Taylor Coleridge (poeta e ensaísta inglês) descobre na<br />
família “uma irascível e censurável predeterminação” pela crença na<br />
aparição, teoria essa que é totalmente contrária aos fatos. Ele diz que<br />
“as manifestações eram puramente subjetivas, da natureza de uma<br />
doença nervosa contagiosa” - explicação que, não obstante o respeito<br />
que t<strong>em</strong>os pelo grande nome de qu<strong>em</strong> a oferece, não obsta que a<br />
tax<strong>em</strong>os de pueril. “O Velho Jeffrey” era d<strong>em</strong>ais para a filosofa do S.T.<br />
Coleridge.<br />
Há muitas explicações do “Velho Jeffre”. O Doutor Salmon acusa<br />
a Hetty <strong>Wesley</strong> de ter iludido a família, produzindo todos os ruídos, mas<br />
o sr. André Lang, autoridade sobre aparições e suas manifestações,<br />
escreve um longo artigo <strong>em</strong> defesa de Hetty, na Cot<strong>em</strong>porary, decidindo<br />
que ela não podia ter invadido o quarto do criado, calçada de botas, e<br />
assustando tanto o grande cachorro que ele uivasse de medo. Joseph<br />
Priestley (renomado teólogo e estudioso inglês do <strong>século</strong> XVIII) oferece<br />
a teoria de falcatruas por parte dos criados e vizinhos. Isaac Taylor<br />
(escritor, filósofo e historiador que viveu entre 1787 – 1865) resolve o”<br />
Velho Jeffrey “<strong>em</strong> espírito palhaceiro e macaqueador. O Sr. <strong>Wesley</strong><br />
havia pregado por alguns Domingos contra os feiticeiros da vizinhança,<br />
que os ignorantes plebeus consultavam como sendo magos; e o Sr.<br />
André Lang pensa que as artes do “Velho Jeffrey “constituíram a<br />
desforra que os feiticeiros lhe tomavam.<br />
Samuel <strong>Wesley</strong> Filho, o filho mais velho dos <strong>Wesley</strong>, oferece o<br />
juízo mais sensato sobre a história, arranjando-o, inconscient<strong>em</strong>ente,<br />
<strong>em</strong> forma epigramática, dizendo: “ A troça (multidão), julgo eu,<br />
acharia muitas interpretações, mas a sabedoria, nenhuma”. O leitor<br />
moderno, advinhamos, tomará a parte da “sabedoria”.<br />
O “Velho Jeffrey” pertence àquela classe de fenômenos<br />
esquisitos, que burlam qualquer explicação, mas a história<br />
indubitavelmente influiu grand<strong>em</strong>ente na imaginação de João<br />
<strong>Wesley</strong>. Servindo-nos da frase do sr. André Lang, pod<strong>em</strong>os dizer<br />
que, “ela construiu no <strong>seu</strong> espírito uma estrada real para o<br />
sobrenatural”. Deu-lhe a predisposição, não para crer <strong>em</strong> todas as<br />
histórias de aparições, mas, para esperá-las: para escutá-las com<br />
viva atenção; para registrá-las e tratá-las com o devido respeito. Ele<br />
registra um cento de histórias de aparições <strong>em</strong> <strong>seu</strong> “Diário”, e<br />
s<strong>em</strong>pre mantém para com elas a mesma atitude mental de vi vo<br />
interesse, e um espírito aberto a respeito de qualquer explicação.<br />
Pode-se acrescentar que, segundo uma tradição, o “Velho<br />
Jeffrey“ tornou a visitar outra vez a sua querência familiar quase um<br />
<strong>século</strong> depois e um inquilino, de menos corag<strong>em</strong> do que aque la<br />
possuída pela família <strong>Wesley</strong>, foi acossado do presbitério de<br />
Epworth pelos ruídos estranhos, persistentes e de tudo inexplicáveis.
CAPÍTULO IV<br />
Preparo Pessoal<br />
Na sombria e b<strong>em</strong> disciplinada vida da família, no presbitério de<br />
Epworth, João <strong>Wesley</strong> crescia como menino grave, sossegado e<br />
paciente, com cabeça meditativa e modos pensativos, e hábito<br />
invencível de exigir uma razão de tudo que fosse mandado fazer. O<br />
pároco Samuel disse a Suzana, sua mulher: “Acho, querida, que o<br />
nosso Joãozinho não comeria o <strong>seu</strong> jantar se não achasse uma razão<br />
por fazê-lo”.<br />
O menino teve um traço do silêncio e da perseverança de um<br />
estóico, mesmo com essa tenra idade. Em 1712, ele, com mais quatro<br />
irmãos, teve a varíola, a peste comum e terrível dessa época. A sua<br />
mãe escreve:<br />
“Joãozinho suportou a moléstia com a corag<strong>em</strong> de hom<strong>em</strong>,<br />
deveras, como cristão; se b<strong>em</strong> que parecia se zangar com as<br />
pústulas, quando estavam doloridas, a julgarmos pela maneira<br />
carrancuda <strong>em</strong> que as cont<strong>em</strong>plava, pois nada dizia”.<br />
A seriedade do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>peramento e, o que se pode chamar, de<br />
docilidade religiosa eram tão notáveis que, quando ainda não contava<br />
oito anos completos, o <strong>seu</strong> pai - s<strong>em</strong>pre disposto a fazer tudo às<br />
pressas – o admitiu à Ceia do Senhor. A sua mãe, com a bela<br />
presciência que o amor materno dá, viu no <strong>seu</strong> segundo filho hom<strong>em</strong> os<br />
indícios de um grande, mas desconhecido, futuro, e escreveu no <strong>seu</strong><br />
diário, sob a data de 17 de Maio 1717, à tarde:<br />
“Que oferecerei ao Senhor por todas as suas misericórdias?<br />
Eu desejaria te oferecer a mim mesma e tudo que tu me deste; e<br />
dedicaria – oh! dá-me a graça de fazê-lo ao teu serviço o resto<br />
da minha vida.”<br />
“E com a alma deste filho (João) para o qual tu tens tão<br />
misericordiosamente providenciado, pretendo ser mais<br />
cuidadosa do que tenho sido até aqui a fim de poder incutir na<br />
sua inteligência os princípios da virtude e da verdadeira<br />
religião. Senhor, dá-me a graça de fazê-lo com sinceridade e<br />
prudência.”<br />
Em 1714 <strong>seu</strong> pai conseguiu-lhe, do Duque de Buckingham, um<br />
lugar na Charterhouse, e assim quando ainda não completara onze<br />
anos, do abrigo do lar - e lar monumental - e de uma atmosfera<br />
carregada de oração qual a fragrância de incenso ardente, João<br />
<strong>Wesley</strong> passou-se para as porfias e o tumulto de uma grande escola<br />
pública. A mudança de atmosfera e do meio foi grande.<br />
A Chaterhouse de então, era escola com grandes tradições, e<br />
com sofrível padrão de estudos; mas era indisciplinada, para não<br />
dizer desordeira, <strong>em</strong> grau que é hoje difícil de imaginar. O sist<strong>em</strong>a<br />
odioso do “fag” (da exploração dos alunos maiores e mais velhos<br />
sobre os mais novos) prevalecia numa forma áspera. Realmente a<br />
escola era um pedacinho da sociedade humana, exaurida <strong>em</strong> certos<br />
aspectos de todos os el<strong>em</strong>entos civilizadores, e governada pela<br />
moral de selvagens. Os rapa zes maiores e mais fortes,<br />
sist<strong>em</strong>aticamente roubavam a carne das refeições dos menores; e<br />
durante a maior parte dos seis anos que <strong>Wesley</strong> freqüentava aquela<br />
escola, ele diariamente sofria este ignóbil roubo, e praticamente<br />
alimentava -se somente de pão.<br />
Um menino disciplinado nas necessidades do presbitério de<br />
Epworth, entretanto, facilmente sobreviveria às refeições desfalcadas<br />
de Charterhouse. O pai aconselhou -o que corresse três vezes ao<br />
redor do jardim da Charterhouse toda a manhã; e o filho obedecia à<br />
advertência com a fidelidade literal que lhe era característica. Todas<br />
as manhãs, se via um pequeno vulto, magro e juvenil, a correr<br />
ligeiramente três vezes ao redor do jardim da Charterhouse. O<br />
cabelo de <strong>Wesley</strong> na meninice era castanho; mas ficou mais escuro<br />
com o correr dos anos; e cabelo tão lindo, encimando um rosto delgado,<br />
com olhos sérios, mas vivos, deviam ter constituído feições notáveis.<br />
Frugalidade de comida, e exercícios constantes no ar fresco da manhã<br />
contribuíram <strong>em</strong> dotar-lhe de um admirável vigor físico que o habilitava,<br />
aos oitenta anos, a andar dez quilômetros para o lugar de pregação, e a<br />
declarar que o único sintoma de velhice que sentia era, “não poder<br />
andar n<strong>em</strong> correr tão ligeiramente como antes.<br />
É certo que era estudante ideal – ligeiro, incansável, metódico,<br />
frugal com o <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po e de espírito sóbrio. O filho de Suzana <strong>Wesley</strong>,<br />
saído havia pouco do contacto da sua vida diligente, e com o sopro de<br />
<strong>seu</strong> espírito ainda sobre ele, dificilmente seria outra coisa. E seis anos<br />
do viver atarefado, se b<strong>em</strong> que, contendo algo de duro e cruel, na<br />
famosa escola, forneceu a <strong>Wesley</strong> as bases amplas para todos os <strong>seu</strong>s<br />
estudos posteriores. A vida numa grande escola pública é algo mais do
que a instrução literária. Não há nada de moleza e de enervante na sua<br />
atmosfera; antes, desenvolve a corag<strong>em</strong>; a perseverança e a iniciativa;<br />
dá resistência a todas as fibras do caráter; é um longo e forte tônico.<br />
<strong>Wesley</strong> trouxe para a Charterhouse um corpo resistente; mas de lá saiu<br />
também com certa resistência de caráter; um admirável haver para um<br />
jov<strong>em</strong> de 17 anos que começa o curso numa grande Universidade, e<br />
Universidade qual era a de Oxford nos princípios do <strong>século</strong> XVIII.<br />
O irmão maior, Samuel, era nesse t<strong>em</strong>po lente (professor) na<br />
escola de Westminster, onde o mais novo dos três, Carlos, era<br />
estudante; e João <strong>Wesley</strong> estudava o hebraico com o <strong>seu</strong> irmão maior;<br />
pois os <strong>Wesley</strong> possuíram <strong>em</strong> grau admirável o hábito de ajudar<strong>em</strong>-se<br />
mutuamente. Samuel escreve ao pai; “Joãozinho está comigo; é rapaz<br />
corajoso, aprendendo o hebraico com a presteza possível”.<br />
Nesta época a boa fortuna fez uma visita aprazível à família de<br />
Epworth. Carlos <strong>Wesley</strong> estava <strong>em</strong> Westminster, estudante vivaz, com<br />
mais do que a inclinação normal de um estudante pelas brigas, quando<br />
um cavalheiro irlandês, Garrett <strong>Wesley</strong>, rico e s<strong>em</strong> filhos, escreveu ao<br />
presbitério de Epworth, perguntando se havia na família um filho com o<br />
nome de Carlos. Se houvesse ele desejava adotá-lo por herdeiro.<br />
Existia entre as duas famílias algum parentesco, cujo grau<br />
ignoramos. Parece que Garrett <strong>Wesley</strong>, por algum t<strong>em</strong>po, ajudou a<br />
custear os estudos do <strong>seu</strong> pretendido herdeiro, e finalmente queria leválo<br />
para a Irlanda e fazer-lhe às vezes de pai. O sr. Samuel <strong>Wesley</strong><br />
deixou ao rapaz a decisão do negócio, o qual recusou a proposta.<br />
Garrett <strong>Wesley</strong> escolheu por herdeiro outro parente (Richard Colley), o<br />
qual, assumindo o nome de <strong>Wesley</strong>, foi elevado à nobreza como Barão<br />
de Mornington, e tornou-se avô do duque de Wellington. Até o ano de<br />
1800 o mais famoso entre os soldados ingleses figurava sob o nome de<br />
“Arthur <strong>Wesley</strong>”; depois desse ano o nome foi mudado <strong>em</strong> Wellesley.<br />
Parece, portanto, que o hom<strong>em</strong> de Deus e reformador que mudou<br />
todo o curso da história religiosa da Inglaterra mediante forças<br />
espirituais, e o grande soldado que contribuiu para a sua história secular<br />
com vitórias tão esplêndidas, saíram do mesmo tronco ancestral. E<br />
entre <strong>Wesley</strong> e Wellington exist<strong>em</strong> indubitavelmente curiosos pontos de<br />
s<strong>em</strong>elhança. Os dois eram pequenos de corpo, mas de fibra resistente,<br />
com uma capacidade quase milagrosa para árduos trabalhos, e com<br />
corag<strong>em</strong> que, se possuída da frieza do gelo, ainda teve a dureza do<br />
aço. As “ordens” de Wellington e o “diário” de <strong>Wesley</strong> possu<strong>em</strong> muitas<br />
características <strong>em</strong> comum – um certo ar pessoal, e desprezo de<br />
ornamentações, uma predileção pelas palavras curtas e pensamentos<br />
claros. Se for<strong>em</strong> estudados os retratos, notar -se-ão também certos<br />
traços de s<strong>em</strong>elhança. Cada qual t<strong>em</strong> nariz comprido e obstinado,<br />
queixo resoluto, os olhos firmes e penetrantes de um líder de<br />
homens. Mas as feições do grande pregador são suavizadas e<br />
acalmadas pelo evangelho de amor que pregou por tanto t<strong>em</strong>po. O<br />
caráter do famoso soldado foi fundido e t<strong>em</strong>perado no forno<br />
vermelho de Badaj ós e São Sebastião, de Busaco e Waterloo. E os<br />
sinais das chamas perduram no <strong>seu</strong> s<strong>em</strong>blante, mesmo na velhice.<br />
Em 1720 João <strong>Wesley</strong> começou a vida <strong>em</strong> Oxford, entrando no<br />
Christ Church, como estudante comum com benef ício da<br />
Charterhouse na importância de quarenta libras esterlinas por ano.<br />
Oxford <strong>em</strong> 1720, pode-se dizer de ant<strong>em</strong>ão, era lugar pouco<br />
recomendável para um rapaz inteligente que tomava a vida a serio , e<br />
que - não obstante ser inconsciente disso - havia de ser o agente de<br />
Deus no maior movimento na hist ória religiosa da Inglaterra. A<br />
Oxford de então foi bastante r<strong>em</strong>o ta da Oxford que Matheos Arnold<br />
descreveu nas m<strong>em</strong>oráveis palavras: “Imbuída de sentimento,<br />
estendendo os <strong>seu</strong>s jardins ao luar, e, segredando de suas torres os<br />
últimos encantos da idade m édia”. Não havia romance algum ao<br />
redor da Oxford, sobre a qual o jove m João <strong>Wesley</strong> lançou olhares<br />
perplexos, n<strong>em</strong> existia ali qualquer atmosfera de sentimentalismo.<br />
No <strong>século</strong> que t<strong>em</strong> o “entusiasmo”, como sendo o mais mortífero<br />
entre todos os pecados, as universidades forçosamente mais<br />
sofreriam . Justamente como no corpo, <strong>em</strong> que é deficiente a<br />
circulação do sangue, as extr<strong>em</strong>idades são as partes mais afetadas.<br />
E Oxford nos começos do <strong>século</strong> XVIII, foi, talvez, o lugar menos<br />
poético <strong>em</strong> todo o país sombrio que era a Inglaterra.<br />
Não havia “entusiasmos” n<strong>em</strong> pelos jogos atléticos. Oxford era<br />
a moradia da insinceridade e preguiça, e dos vícios gerados por tais<br />
qualidades. Um tipo de sua insinceridade foi especialmente mau: estava<br />
organizada, possuía patrimônio, era respeitada, revestida de autoridade<br />
e até iludia-se a si mesma a ponto de julgar-se virtuosa. Existia toda a<br />
fórmula de uma grande instituição para o ensino cristão; mas os fatos<br />
desmentiam a fórmula. O Gibbon cruelmente <strong>em</strong>balsamou, qual mosca<br />
morta no âmbar imperecível de sua retórica, a <strong>seu</strong> próprio tutor que,<br />
s<strong>em</strong>pre “se l<strong>em</strong>brava de receber o <strong>seu</strong> salário, mas esquecia-se de<br />
cumprir o <strong>seu</strong> dever”. E este hom<strong>em</strong> era o tipo da própria Universidade.<br />
Os lentes (professores) recebiam os honorários por aulas que nunca<br />
deram; os estudantes compravam dispensas de preleções que não<br />
foram nunca proferidas, e juravam obediência a leis que nunca leram.
Oxford, quando <strong>Wesley</strong> pisava-lhe as ruas, foi, para os estudantes<br />
<strong>em</strong> geral, a instrução na má arte de subscrever<strong>em</strong> artigos que eles<br />
ridicularizavam; e de fingir<strong>em</strong> assistência <strong>em</strong> aulas que não. existiam.<br />
Qu<strong>em</strong> quiser sondar as profundezas <strong>em</strong> que ela se havia mergulhado,<br />
leia o terrível sermão que o próprio <strong>Wesley</strong> pregou, do púlpito de Santa<br />
Maria, no dia de São Bartolomeu <strong>em</strong> 1744. Aquele discurso foi, de fato,<br />
uma acusação flamejante da Universidade, pregado com infinita<br />
corag<strong>em</strong> do púlpito da própria Universidade, para um auditório<br />
composto de professores, lentes, diretores e estudantes. Não é de<br />
admirar que esse sermão fosse o último que <strong>Wesley</strong> foi permitido<br />
proferir do histórico púlpito de Santa Maria!<br />
No entanto, não se deve incluir a Universidade inteira numa só<br />
generalização. Havia alguns estudantes bons e um el<strong>em</strong>ento<br />
sobrevivente da vida salutar na própria Oxford de 1720-1744; mas<br />
ninguém seria capaz de compreender a evolução do Metodismo, <strong>em</strong><br />
sua forma primitiva <strong>em</strong> Oxford, s<strong>em</strong> saber algo primeiro da atmosfera<br />
moral e intelectual da grande Universidade.<br />
<strong>Wesley</strong> teve uma carreira estudiosa e útil, senão brilhante <strong>em</strong><br />
Oxford. Não ficou enervado com a atmosfera da Universidade; e, talvez,<br />
por alguma lei sutil de reação, fizesse mais intensa a sua aplicação.<br />
Bacharelou-se <strong>em</strong> 1724 e foi eleito lente de Lincoln <strong>em</strong> 1725. Um ano<br />
depois foi nomeado professor de grego e presidente das classes.<br />
Recebeu o grau de Mestre <strong>em</strong> 1727.<br />
Com vinte e dois anos, portanto, <strong>Wesley</strong> era lente do mais<br />
adiantado, se b<strong>em</strong> que quase o menor colégio de Oxford. O <strong>seu</strong> irmão<br />
Samuel tinha uma boa posição na escola de Westminster, onde<br />
granjeava poderosos amigos. Carlos, o irmão menor, de dezoito anos<br />
apenas, tinha um benefício <strong>em</strong> Christ Church. Os “filhos do presbitério<br />
de Epworth” manifestamente prometiam fazer melhor no mundo do que<br />
o fogoso e “imprático” pai.<br />
Oxford imprimiu sobre João <strong>Wesley</strong> o <strong>seu</strong> selo indelével. Era<br />
hom<strong>em</strong> universitário, com os méritos e as faltas desse tipo, até o dia de<br />
sua morte. Possuía faculdades mentais que trabalhavam com a<br />
exatidão de uma máquina. Era um perito na lógica, e costumava<br />
resolver tudo - até a própria experiência religiosa - <strong>em</strong> termos lógicos.<br />
Tinha modos de cautelosa confiança, brilhava na polêmica e nela<br />
achava certo prazer. O <strong>seu</strong> estilo Iiterário já manifestava as<br />
características que lhe deram fama no decorrer dos anos. Era claro,<br />
ríspido, direto, e notável pelo rígido desprezo de adorno e de toda a<br />
pirotécnica verbal. <strong>Wesley</strong> prezava palavras curtas, engastadas <strong>em</strong><br />
curtas sentenças. A sua brevidade, de fato – o <strong>seu</strong> hábito de tomar o<br />
caminho mais direto <strong>em</strong> definição, e de vestir os <strong>seu</strong>s pensamentos<br />
com o menor número possível de sílabas – dava muitas vezes o efeito<br />
do humor. Falava <strong>em</strong> epigramas s<strong>em</strong> tencionar fazê-lo, e até<br />
inconscient<strong>em</strong>ente.<br />
O jov<strong>em</strong> lente de Lincoln planejava grandes coisas para o <strong>seu</strong><br />
futuro. A frase um tanto pomposa “Já me despedi da folga” pertence a<br />
este período de sua vida. Mais tarde foi traduzida <strong>em</strong> fato sóbrio e<br />
humilde, mas mesmo nesse t<strong>em</strong>po ele considerava a sua formatura não<br />
como sendo o fim, mas o começo de sua vida de estudante. Fez a<br />
distribuição de suas horas segundo um plano característico, tantas aos<br />
clássicos, tantas ao hebraico e arábico, tantas à lógica e moral. Os<br />
sábados foram dados à retórica e poesia; porque <strong>Wesley</strong> já fazia<br />
excursões proveitosas para as encantadoras regiões da versificação. A<br />
sua sisuda mãe lhe escreveu: “Faze da poesia a tua diversão; mas não<br />
o teu trabalho”.<br />
Uma carta do <strong>seu</strong> colega de Universidade, Roberto Kirkham, nos<br />
deixa ver através da cena algo da vida do <strong>Wesley</strong> secular, o elegante e<br />
ativo argumentador, o jov<strong>em</strong> lente de Lincoln; e descreve com o gosto<br />
de estudante um jantar de cabeça de bezerro e toucinho enfumaçado,<br />
com o melhor repolho da cidade. O grupo de banqueteadores ”abriu um<br />
barril de cidra admirável”. E como t<strong>em</strong>pero para a “cabeça de bezerro e<br />
toucinho enfumaçado com o melhor repolho da cidade”, <strong>Wesley</strong> é<br />
informado, que eles falavam do vosso caráter de mérito descomunal, do<br />
vosso vulto pequeno e elegante, e da vossa conversa agradável e<br />
proveitosa. Continuando ele diz: ”Tendes ocupado freqüent<strong>em</strong>ente os<br />
pensamentos da M. B., fato que tenho curiosamente observado, quando<br />
a sós com ela, nos íntimos sorrisos e suspiros, e nas expressões<br />
abruptas a vosso respeito”. M.B. “era Miss Betty Kirkham, irmã do<br />
escritor cuja carta mostra que o vulto pequeno e elegante do jov<strong>em</strong><br />
lente de Lincoln já era a admiração de olhos f<strong>em</strong>ininos”.<br />
Neste período <strong>Wesley</strong> tomava um interesse aprazível na sua<br />
aparência pessoal. Discutia seriamente com <strong>seu</strong> irmão Samuel se devia<br />
ter o cabelo comprido ou curto. “Quanto às minhas feições”, dizia ele,<br />
“tê-lo cortado, s<strong>em</strong> dúvida melhoraria a minha fisionomia, por deixar-me<br />
mais corado; e talvez me ajudaria a ter uma aparência mais gentil”. Mas<br />
João <strong>Wesley</strong>, à s<strong>em</strong>elhança da mulher de João Gilpin, possuía espírito<br />
frugal, e decidiu que as melhoras <strong>em</strong> sua aparência não compensariam
o gasto de duas ou três libras por ano com o barbeiro.<br />
É fato que as dívidas perseguiram a João <strong>Wesley</strong> até o<br />
t<strong>em</strong>po da sua eleição como lente. O <strong>seu</strong> pai escreveu “ao meu<br />
Caro Lente eleito de Lincoln”, lhe enviando doze libras, e<br />
dizendo: “Já fiz mais do que pude para vós. Não tenho cinco<br />
libras para custear a família até depois da cei fa. Qual será a<br />
minha sorte, só Deus sabe”. Samuel tinha diante de <strong>seu</strong>s olhos<br />
uma visão b<strong>em</strong> clara de outra visita ao castelo de Lincoln na<br />
condição de preso por causa das dívidas. Entretanto, escreve:<br />
“Sed passi graviora. Esteja eu onde estiver, o meu Joãozinho é<br />
lente de Lincoln”.<br />
Mas uma onda de sentimentos mais profundos começava inundar<br />
os canais da vida de João <strong>Wesley</strong>, de tal modo que Miss Betty Kirkham<br />
e <strong>seu</strong>s suspiros, e o barbeiro e sua tesoura foram logo submergidos e<br />
para s<strong>em</strong>pre perdidos da vista humana.<br />
PARTE II<br />
O Desenvolvimento do santo
CAPÍTULO V<br />
A Piedade Juvenil<br />
A religião constitui o fato supr<strong>em</strong>o na vida de João <strong>Wesley</strong>, a<br />
única coisa que a torna de interesse histórico e imortal. No grande<br />
domínio da religião ele encontrou as forças que lhe habilitavam a gravar<br />
o <strong>seu</strong> nome tão profundamente na história humana. Ao serviço da<br />
religião ele fez o trabalho que tornou famoso o <strong>seu</strong> nome para s<strong>em</strong>pre.<br />
À parte do grande avivamento no qual era o principal ator, s<strong>em</strong> dúvida,<br />
teria des<strong>em</strong>penhado papel saliente no <strong>século</strong> <strong>em</strong> que viveu. Um cérebro<br />
tão claro e ativo, um corpo tão resistente, uma figura tão graciosa, uma<br />
tão surpreendente capacidade para o trabalho, teria lhe dado êxito <strong>em</strong><br />
qualquer domínio ou sob quaisquer condições.<br />
Se tivesse continuado como elegante eclesiástico da Igreja Alta,<br />
com uma religião puramente mecânica, poderia ter-se vestido das<br />
mangas de cambraia de um bispo, e o <strong>seu</strong> nome, talvez, hoje se acharia<br />
gravado <strong>em</strong> letras evanescentes (que se esva<strong>em</strong>, que desaparec<strong>em</strong>)<br />
numa tumba de qualquer catedral inglesa. Mas <strong>em</strong> tal caso, o <strong>seu</strong> único<br />
titulo à recordação humana, seria uma dúzia de áridos volumes sobre a<br />
teologia pol<strong>em</strong>ista.<br />
<strong>Wesley</strong> mudou as próprias correntes da história inglesa; deu um<br />
novo desenvolvimento ao Protestantismo inglês, e assim fez-se visível<br />
para todo o s<strong>em</strong>pre e soube fazer isto por ter-se assenhoreado do<br />
segredo central e essencial da religião, fazendo da sua vida o canal<br />
pelo qual as grandes forças pertencentes àa religião achass<strong>em</strong> via de<br />
comunicação com a vida de <strong>seu</strong>s conterrâneos. E é a história religiosa<br />
de João <strong>Wesley</strong> que ainda afeta o mundo.<br />
Até aqui t<strong>em</strong>os nos ocupado somente dos el<strong>em</strong>entos puramente<br />
humanos e seculares na sua educação, para que a sua história<br />
espiritual seja dada como narração separada, e assim seja cont<strong>em</strong>plada<br />
numa perspectiva contínua.<br />
Em certo sentido a história espiritual de João <strong>Wesley</strong> é<br />
curiosamente moderna, e o próprio <strong>Wesley</strong>, como religioso, é hom<strong>em</strong><br />
moderníssimo. Na sua biografia acham-se refletidas e reproduzidas<br />
todas as escolas religiosas da vida moderna. A ciência relata que nos<br />
graus do desenvolvimento pré-natal, a criança ensaia de novo, elo por<br />
elo, toda a corrente, fisiológica da existência. Assim os graus de<br />
experiência religiosa, pelos quais João <strong>Wesley</strong> passou, cobr<strong>em</strong> toda a<br />
extensão dos sentimentos e <strong>em</strong>oções religiosos, que comov<strong>em</strong> a vida<br />
dos homens no dia de hoje.<br />
T<strong>em</strong>os o que se pode chamar a religião da meninice - a única<br />
religião que alguns conhec<strong>em</strong> coisa puramente imitativa, impressa<br />
sobre a vida à força da disciplina exterior, o resultado da educação<br />
doméstica, mas, s<strong>em</strong> qualquer raiz vital e espiritual. T<strong>em</strong>os a religião do<br />
ritualista – High Churchman – reduzida ao mecanismo de regras<br />
exteriores e mantida por disciplina externa; a do legalista, com todos, os<br />
el<strong>em</strong>entos salvadores da religião, gelados, deixando com vida<br />
unicamente a moral; a do asceta, que tenta salvar a sua alma pelo<br />
castigo do corpo – humoristicamente taxada por alguém como “a<br />
salvação por inanição”; a do místico, que perde de vista a terra firme e<br />
os deveres comuns e deixa-se flutuar à toa <strong>em</strong> alguma região vaga de<br />
cerração espiritual.<br />
Todos estes tipos existiam <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong>. Ele experimentava todas<br />
as interpretações da religião; as experimentava sinceramente; provavaas<br />
com uma inteireza heróica; e gastou treze anos no processo - e no<br />
fim achou-se um falido espiritual.<br />
Afinal aprendeu o segredo profundo e eterno da religião como a<br />
libertação presente e pessoal; uma <strong>em</strong>ancipação verificada na<br />
consciência íntima e trazendo à alma redimida a relação de filiação com<br />
Deus; a religião com o <strong>seu</strong> segredo do poder sobre o pecado; o <strong>seu</strong><br />
grande dom de uma moralidade incendiada pelo amor. E com essa<br />
descoberta supr<strong>em</strong>a, a sua vida transfigurou-se. As experiências<br />
religiosas de <strong>Wesley</strong> são, assim, a história de uma alma; mas muito<br />
mais do que isso; são a reprodução da história das grandes escolas<br />
religiosas dentro dos limites de uma só vida sincera. Todas as<br />
sucessivas fases da experiência religiosa de <strong>Wesley</strong> exist<strong>em</strong> hoje;<br />
exist<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>poraneamente como separados tipos da religião.<br />
No desenvolvimento espiritual de <strong>Wesley</strong> também se pod<strong>em</strong> ver<br />
todas essas transformações de experiência com uma clareza cristalina,<br />
pod<strong>em</strong> ser traçados com uma certeza inequívoca. A sua alma <strong>em</strong> todas<br />
as suas fases estava engastada <strong>em</strong> cristal; e o <strong>seu</strong> hábito de rígido<br />
exame próprio, a franqueza tanto de suas cartas como de <strong>seu</strong> Diário<br />
imortal, a bela simplicidade de <strong>seu</strong> estilo, habilitam-nos seguir, s<strong>em</strong><br />
esforço, todas as fases de sua evolução religiosa. Ele tinha durante toda
a vida a franqueza de Rousseau s<strong>em</strong> possuir o <strong>seu</strong> astuto egoísmo; e<br />
movia num plano tão elevado que parece pertencer a uma ord<strong>em</strong><br />
espiritual deferente da do Savoyard. T<strong>em</strong>os também os juízos do<br />
próprio <strong>Wesley</strong>, revisados por ele mesmo, a largos intervalos de t<strong>em</strong>po<br />
e de progresso espiritual. Assim coloca a sua juventude na luz<br />
fulgurante, e a julga pelo fervor de sua conversão. Afinal de novo julga a<br />
ambos pela sabia e sóbria reflexão da sua velhice. Assim t<strong>em</strong>os o<br />
<strong>Wesley</strong>, digamos de 1728, julgado pelo <strong>Wesley</strong> de 1738; e esses, por<br />
suas vezes, re-julgados pelo <strong>Wesley</strong> de 1788.Se for possível estudar<br />
uma alma humana <strong>em</strong> detalhe, e sob o microscópio, então se pode<br />
predicá-lo da alma de João <strong>Wesley</strong>.<br />
Certos el<strong>em</strong>entos, daquilo que se pode chamar “a religião da<br />
meninice”, estão na superfície e são facilmente descritos e avaliados. A<br />
criança adquire prontamente uma crosta (casca, escama, camada<br />
espessa) de hábitos exteriores, impressos por regra; um sist<strong>em</strong>a<br />
completo de crenças indiscriminadas – crenças desprovidas de provas –<br />
s<strong>em</strong> qualquer relação com a razão e aceitas <strong>em</strong> virtude da autoridade.<br />
Esta piedade dócil e imitadora é tão exterior à alma quanto é a peIe ao<br />
corpo; mas, como a peIe, t<strong>em</strong> muitas qualidades serviçais.<br />
<strong>Wesley</strong> possuía todos esses el<strong>em</strong>entos da religião juvenil <strong>em</strong> grau<br />
b<strong>em</strong> elevado. O caráter da mãe, a disciplina materna insistente e<br />
ordeira que rodeava as vidas de <strong>seu</strong>s filhos qual atmosfera, e com algo<br />
da pressão perpétua e irresistível da atmosfera, era b<strong>em</strong> calculada para<br />
produzir o invólucro de hábito que constitui <strong>em</strong> grande parte a religião<br />
da criança. A teologia que <strong>em</strong> criança aprendeu era naturalmente do<br />
tipo de ritualista. Por ex<strong>em</strong>plo, foi ensinado que <strong>seu</strong>s pecados foram<br />
lavados pelo batismo, e anos depois eIe seriamente escreve “que só<br />
quando eu chegara à idade de dez anos, eu havia, pelo pecado<br />
pessoal, me desfeito daquela lavag<strong>em</strong> do Espírito Santo que eIe me<br />
dera no batismo”. Também foi ensinado que ele não se salvaria se não<br />
cumprisse todos os mandamentos de Deus; uma interpretação do<br />
Evangelho de Cristo que lhe custou, mais tarde, anos de sofrimento. O<br />
resultado de tal disciplina e doutrina, sobre uma natureza predisposta à<br />
séria meditação, era produzir uma piedade juvenil de uma seriedade<br />
normal e quase aflitiva. Mas isto tão completamente satisfez os<br />
ideais sacerdotais do <strong>seu</strong> pai que, como já vimos, quando o menino<br />
contava apenas oito anos, fê-lo ajoelhar à mesa da ceia do Senhor.<br />
Era <strong>século</strong> de crianças maravilhosas! É narrado seriamente<br />
que o pai de Suzana <strong>Wesley</strong>, o Dr. Annesley, “quando tinha cerca<br />
de cinco ou seis anos, começou o hábito, que depois continuava, de<br />
ler vinte capítulos na Bíblia todos os dias”. O fenômeno de uma<br />
criança, que ainda não conta seis anos, seriamente formando, nas<br />
células do <strong>seu</strong> cérebro infantil, o plano de ler vinte capítulos da<br />
Bíblia todos os dias – e a execução desse hábito durante uma longa<br />
vida – seria no dia de hoje considerado como um prodígio. De Hetty<br />
<strong>Wesley</strong>, irmã de João, narra-se que aos “oito anos ela lia o Novo<br />
Testamento <strong>em</strong> Grego”. Exist<strong>em</strong> crianças tão fenomenais no dia de<br />
hoje?<br />
Talvez a piedade forçada e infantil de <strong>Wesley</strong> fê-lo, no<br />
decorrer dos anos, d<strong>em</strong>ais crédulo acerca de santos infantis; ao<br />
menos, isto nos ajuda <strong>em</strong> explicar a sua experiência melancólica de<br />
Kingswood, quando tentou, <strong>em</strong> larga escala, transfigurar meninos<br />
de sete, oito e dez anos <strong>em</strong> santos maduros.<br />
Mas alguns dos el<strong>em</strong>entos mais preciosos e graciosos da<br />
piedade juvenil são conspicuamente ausentes da infância de João<br />
<strong>Wesley</strong>. Felizmente a Igreja moderna t<strong>em</strong> descoberto na religião<br />
infantil algumas das mais belas e apreciáveis graças; uma confiança<br />
inabalável que sobrepuja a metafísica dos grandes teólogos; um<br />
fácil e feliz amor a Deus, que seria irreverente, se não fosse a sua<br />
simplicidade; um regozijo na religião, tão espontâneo e prazenteiro<br />
como o trinar dos passarinhos; uma simplicidade <strong>em</strong> oração que faz<br />
a mãe, ao ouvi-la, sorrir-se e ao mesmo t<strong>em</strong>po chorar. Wordsworth<br />
diz: “O céu nos rodeia na nossa infância”; e ao redor de uma<br />
criancinha respirando a atmosfera de um lar cristão, está o céu de um<br />
simples e cordial amor a Deus, e de uma fé nele, isenta de qualquer<br />
sombra de dúvida. Cristo está b<strong>em</strong> perto do coração da criança. Ainda<br />
hoje, como nos t<strong>em</strong>pos idos, ele coloca o pequenino no meio da sua,<br />
Igreja e nos avisa a todos que nessa direção está o céu!<br />
João <strong>Wesley</strong> não possuía esses el<strong>em</strong>entos graciosos, alegres e<br />
confiantes da religião infantil. Teriam sido para ele um anacronismo.<br />
Não pertencia a <strong>seu</strong> <strong>século</strong> n<strong>em</strong> ao tipo de teologia ensinada sob o teto<br />
do presbitério de Epworth. Não formava el<strong>em</strong>ento algum na disciplina<br />
exatamente medida – disciplina que contava as horas e os deveres<br />
como o farmacêutico conta as gotas de uma tintura – que foi a melhor<br />
coisa que a própria sra. Suzana <strong>Wesley</strong>, nesse t<strong>em</strong>po, conhecia. Nunca<br />
criança alguma sobrepuja a religião da própria mãe; e se <strong>em</strong> certo<br />
sentido foi o mérito, era também o defeito, na piedade de Suzana<br />
<strong>Wesley</strong>, a ser construída sob o sist<strong>em</strong>a de horário de uma viação férrea,<br />
e com algo de <strong>seu</strong> esforço mecânico; era esta a escola <strong>em</strong> que ela<br />
mesma se nutrira. Escrevendo <strong>em</strong> 1709 a <strong>seu</strong> filho maior, Samuel, que
estava então <strong>em</strong> Westminster, ela diz:<br />
“Vou dizer-te a regra que eu costumava observar quando ainda<br />
me achava na casa do meu pai e tinha tão pouca, senão menos,<br />
liberdade do que tu tens agora. Eu deixava tanto t<strong>em</strong>po para o recreio<br />
quanto gastara <strong>em</strong> devoção particular. Não que eu s<strong>em</strong>pre gastasse<br />
tanto, mas eu me permitia ir até aí, mas não além. Assim <strong>em</strong> tudo mais;<br />
designes certo t<strong>em</strong>po para o sono, para o comer, para a vida social,<br />
etc.”<br />
Uma menina que orava pelo relógio, e que media essas orações,<br />
permitindo-se, então, exatamente tanto t<strong>em</strong>po para o recreio quanto<br />
gastara <strong>em</strong> oração e não mais, certamente compreendeu a seriedade<br />
da religião; mas que sabia ela da sua graciosa liberdade? E foi este o<br />
característico geral da piedade de Suzana <strong>Wesley</strong>. Era de fibra heróica<br />
e não pod<strong>em</strong>os senão apreciar, quase com rasgos de admiração, os<br />
métodos de sua religião; e sua seriedade e energia de rotina. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo, esta mãe de dezenove filhos - que tinha de lhes servir de<br />
professora e quase de provedora de pão, b<strong>em</strong> como de mãe ,<br />
entretanto, todos os dias, resolutamente passava uma hora de<br />
manhã e outra de tarde <strong>em</strong> oração e meditação. E geralmente<br />
furtava ainda mais uma hora ao meio dia para a med itação<br />
particular, e tinha o hábito de escrever, <strong>em</strong> tais t<strong>em</strong>pos, os <strong>seu</strong>s<br />
pensamentos sobre os grandes assuntos. Muitos dos quais ainda se<br />
conservam, marcados, “Manhã”, “Meio -dia”, e “Noite”; e eles<br />
possu<strong>em</strong> uma certa elevação de tom, uma separação dos el<strong>em</strong>e ntos<br />
seculares que os torna não menos que admiráveis. Parec<strong>em</strong> ser<br />
abanados pelas brisas de outros mundos. Eis um ex<strong>em</strong>plo :<br />
“Noite. - Se o estimar e o ter para Ti a maior reverência; se<br />
constante e sinceramente reconhecer-Te, como o único e<br />
supr<strong>em</strong>o b<strong>em</strong> desejável, é amar-Te, então eu Te amo. Se<br />
comparativamente desprezar e contar de pouco valor tudo que o<br />
mundo contém, e considera de grande, lindo ou bom; se sincera e<br />
constant<strong>em</strong>ente desejar-Te, o Teu favor, a Tua aceitação, a Ti<br />
mesmo, mais do que qualquer ou todas as coisas que criaste, é<br />
amar-Te, então eu Te amo...”<br />
“Se o me regozijar na Tua glória e majestade essenciais;<br />
se me sentir o coração dilatado e confortado com cada<br />
percepção da Tua grandeza, ao l<strong>em</strong>brar-me que Tu és Deus;<br />
que tudo está sujeito a Teu poder; que não há ninguém<br />
superior n<strong>em</strong> igual a Ti, é amar-Te, então eu Te amo.”<br />
É esta uma notável peça de meditação religiosa, e digna da<br />
Madama Guyon. Realmente exist<strong>em</strong> muitos pontos de s<strong>em</strong>elhança<br />
entre a mística francesa e esta inglesa prática e nobre. Mas se a<br />
Madama Guyon tivesse sido mãe de dezenove filhos e tivesse de<br />
sustentá-los com os minguados recursos do presbitério de Epworth,<br />
é duvidoso que as suas “reflexões” tivess<strong>em</strong> a atitude serena das<br />
sentenças que citamos.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> 1742, escreveu o epitáfio de sua mãe.<br />
“True daughter of affliction she,<br />
Inured to pain and misery ;<br />
Mourned a long night of griefs and fears.<br />
A legal night of seventy Years .<br />
Ou,<br />
“Ela, vera filha de aflição,<br />
acostumada à dor e à pobreza;<br />
chorava uma longa noite de tristezas e t<strong>em</strong>ores,<br />
uma noite legal de setenta anos”.<br />
Mas não se pode descrever como “noite legal” essa experiência<br />
<strong>em</strong> que estrelavam pensamentos como os que citamos. Entretanto, o<br />
extrato que damos, mostra os defeitos na teologia de sua escritora.<br />
Reflete exatamente os métodos espirituais do <strong>seu</strong> filho durante os anos<br />
fatigosos que precediam a sua conversão. Ela possui as graças<br />
essenciais do caráter cristão, mas s<strong>em</strong> qualquer nota de exultante<br />
confiança ou de qualquer certeza de sua aceitação perante Deus. Os<br />
métodos da lógica na sua vida espiritual tomam o lugar do “test<strong>em</strong>unho”<br />
do Espírito Santo. Ela t<strong>em</strong> de certificar, tanto a Deus, como a si mesma<br />
que ela o ama, pelo auxílio dos silogismos (dedução a partir de<br />
pr<strong>em</strong>issas). Na linguag<strong>em</strong> da teologia técnica, ela confundia a<br />
justificação com a santificação; e isto não foi um simples erro da<br />
metafísica. Ela cria, e ensinava a <strong>seu</strong>s filhos a crer<strong>em</strong>, que a<br />
consciência da nossa aceitação por parte de Deus vinha, não no<br />
começo da vida cristã, mas no fim. Não era tanto o motivo para a<br />
obediência, mas constituía o galardão por uma obediência que existia<br />
independent<strong>em</strong>ente dela.<br />
Se a senhora Suzana <strong>Wesley</strong> tivesse aplicado a sua teologia à<br />
parábola do Filho Pródigo teria escrito inteiramente de novo aquela<br />
pérola das parábolas. Teria descrito o pai como protelando o beijo, o<br />
anel, o melhor vestido - todos os penhores da filiação restaurada - até
que o pobre desgraçado, já de volta; entrasse na cozinha da casa<br />
paterna, servisse de criado, e comprasse, com o dinheiro assim ganho,<br />
uma boa fatiota para si mesmo! Já <strong>em</strong> idade avançada ela disse que,<br />
s<strong>em</strong>pre considerara a consciência da graça perdoadora de Deus, como<br />
sendo uma experiência rara de grandes santos, impossível aos cristãos<br />
<strong>em</strong> geral. Era impossível à senhora Suzana <strong>Wesley</strong> ensinar o que ela<br />
mesma não sabia, e isto explica os el<strong>em</strong>entos faltos na piedade infantil<br />
de <strong>seu</strong> grande filho João.<br />
A religião infantil de <strong>Wesley</strong> não sobreviveu aos duros golpes da<br />
vida na Charterhouse e <strong>em</strong> Oxford. Desvaneceu-se inevitavelmente<br />
com os tenros anos que lhe davam existência. O próprio <strong>Wesley</strong> diz:<br />
“Sendo r<strong>em</strong>ovidas as restrições externas, tornei-me muito mais<br />
descuidado do que antes no cumprimento dos deveres exteriores, e me<br />
fiz continuamente réu de pecados exteriores, que eu b<strong>em</strong> conhecia por<br />
tais, <strong>em</strong>bora não foss<strong>em</strong> escandalosos aos olhos do mundo”. <strong>Wesley</strong><br />
escreve estas palavras <strong>em</strong> 1738, logo depois da sua conversão; e<br />
então, julgando a sua vida anterior pelo padrão das <strong>em</strong>oções e dos<br />
recém-nascidos ideais daquela grande experiência, naturalmente a<br />
pintava bastante escura. Ele diz: “Eu ainda lia as Escrituras e fazia as<br />
minhas orações de manhã e de noite”. Então com traço característico<br />
daquilo que se pode chamar de ex post facto – análise de si próprio –<br />
ele acrescenta: “Aquilo pelo qual eu então esperava ser salvo era: 1) o<br />
não ser tão ruim como outra gente, 2) ainda conservar um respeito pela<br />
religião, e 3) ler a Bíblia, assistir na Igreja e fazer as minhas orações”. É<br />
evidente que este sist<strong>em</strong>a de religião achava-se singularmente<br />
inadequado. E <strong>em</strong>bora não se diga que <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> qualquer época,<br />
fosse culpado de conduta viciada, entretanto, deslizou-se <strong>em</strong> maneiras<br />
frívolas. A sua consciência perdeu tanto na sua vigilância como na sua<br />
autoridade. E quando <strong>Wesley</strong> alcançara os <strong>seu</strong>s vinte e dois anos de<br />
idade – e realmente, por anos antes disso – a religião puramente<br />
imitativa da sua infância, mesmo para a sua própria consciência, havia<br />
se tornado <strong>em</strong> fracasso.<br />
CAPÍTULO VI<br />
Em busca de uma Teologia<br />
Nos começos de 1725, <strong>Wesley</strong>, tendo completado com êxito o<br />
<strong>seu</strong> curso universitário, tinha de escolher uma carreira. A sua posição<br />
de lente abria-lhe a porta para uma das três profissões doutas, o direito,<br />
a medicina ou a Igreja. <strong>Wesley</strong> possuía, <strong>em</strong> grau supr<strong>em</strong>o, alguns<br />
dotes, pelo menos, que constitu<strong>em</strong> o grande advogado; e também tinha<br />
uma forte inclinação natural, como os sucessivos anos d<strong>em</strong>onstraram,<br />
<strong>em</strong> direção da medicina. De fato, lidava com medicamentos durante<br />
toda a sua vida. Contudo a Igreja foi para ele inevitável. As forças<br />
hereditárias, a pressão de sua educação, e certas qualidades de<br />
t<strong>em</strong>peramento natural o levaram nesta direção. Havia também colações<br />
colegiais e colações ao dispor da Charterhouse que tornavam agradável<br />
a perspectiva. O <strong>seu</strong> pai havia lhe feito pressão neste sentido; e logo no<br />
começo do ano <strong>Wesley</strong> escreveu a Epworth dizendo-se disposto tomar<br />
ordens sacras.<br />
A escolha foi para ele de importância supr<strong>em</strong>a, pois<br />
definitivamente lançou a sua vida nas correntes da religião. Carlos<br />
<strong>Wesley</strong>, traçando as forças que lhe determinaram o espírito na mesma<br />
direção, diz: ”A diligência me levou a pensar seriamente”. A seriedade,<br />
com que se aplicava aos estudos, despertou, como se fosse por<br />
vibrações aparentadas, porém mais profundas todas as faculdades mais<br />
nobres da sua alma. E como no caso de <strong>seu</strong> irmão João, a sua decisão<br />
de tomar ordens sacras fê -lo cont<strong>em</strong>plar a religião com novas vistas.<br />
Mais tarde <strong>Wesley</strong> ensinou à sua Igreja que a conversão era o<br />
primeiro requisito essencial ao cargo ministerial; mas no caso dele<br />
mesmo essa ord<strong>em</strong> foi invertida. Ele decidiu tomar ordens sacras, e<br />
então resolveu “a pensar seriamente” para descobrir qual o preparo<br />
espiritual que possuísse para a vocação que encolhera.<br />
É curioso ler a exposição que o <strong>seu</strong> pai faz dos motivos que<br />
dev<strong>em</strong> atuar o candidato para o grande cargo do ministério cristão. Ele<br />
escreve:<br />
“É da minha opinião que, se não houvesse mal algum no<br />
propósito de galgar esta posição, mesmo como os filhos de Eli, a<br />
fim de comer<strong>em</strong> um pedaço de pão, ainda assim, o desejo e o<br />
propósito de seguir uma vida mais estrita, e a crença que se deve
fazer isto, seria razão ainda melhor. E isto, no entanto, deve-se<br />
começar antes ou são dez para um que enganar-nos-<strong>em</strong>os<br />
depois”.<br />
Isto nos parece uma descrição curiosamente inadequada do<br />
equipamento espiritual necessário para um tão grande<br />
<strong>em</strong>preendimento.<br />
Suzana <strong>Wesley</strong> toca numa nota mais elevada:<br />
“Querido Joãozinho, a mudança no vosso espírito t<strong>em</strong><br />
me ocasionado muitas cogitações. Eu, que s<strong>em</strong>pre me inclino<br />
ao otimismo, espero que isto seja o resultado da operação do<br />
Espírito Santo de Deus, que, por tirar-vos o gosto pelos<br />
prazeres sensuais, quer-vos preparar e predis por-vos o<br />
espírito para uma consagração mais séria e constante às<br />
coisas de uma natureza mais sublime e espiritual. Se for<br />
assim, faríeis b<strong>em</strong> <strong>em</strong> nutrir tais sentimentos; e agora, pois,<br />
com toda a sinceridade resolvais a fazer da religião o principal<br />
<strong>em</strong>preendimento da vossa vida. Agora, que falo nisto, me<br />
recordo da carta que escrevestes ao vosso pai <strong>em</strong> relação ao<br />
vosso propósito de tomar ordens. Fiquei mui contente e gostei<br />
desse propósito. Aprovo a disposição do vosso espírito e acho<br />
que quanto mais cedo for diácono, tanto melhor, porque pode<br />
ser que vos seja um incentivo para uma maior aplicação ao<br />
estudo da teologia prática, que eu humild<strong>em</strong>ente considero<br />
como a melhor matéria de estudo para os candidatos a<br />
ordens”.<br />
A Senhora <strong>Wesley</strong>, segundo <strong>seu</strong> costume, propõe que o <strong>seu</strong> filho<br />
imediatamente proceda a uma interrogação de si mesmo, “para que<br />
saibais se tendes uma esperança racional de salvação”; isto é, se estais<br />
num estado de arrependimento e fé ou não. Se estiverdes”, diz ela, ”a<br />
vossa satisfação <strong>em</strong> sabê-lo será uma abundante recompensa de<br />
vossos esforços. Se não estais, tereis uma ocasião mais razoável para<br />
lágrimas do que se pode encontrar numa tragédia”.<br />
É s<strong>em</strong> dúvida um bom conselho; mas aqui, outra vez,<br />
encontramos a mesma inversão da verdadeira ord<strong>em</strong> espiritual. O<br />
ofício espiritual v<strong>em</strong> primeiro, e depois o prepar o! O <strong>seu</strong> filho não<br />
deve tomar ordens porque já t<strong>em</strong> o necessário preparo <strong>em</strong><br />
teologia prática; mas precisa ordenar-se afim de que estude essa<br />
teologia.<br />
Entretanto, <strong>Wesley</strong>, tendo decidido quanto a sua carreira,<br />
dedicou-se com o denodo característico <strong>em</strong> preparar-se para ela. A sua<br />
própria narração diz:<br />
“Quando tive cerca de vinte e dois anos o meu pai insistiu<br />
comigo que eu entrasse <strong>em</strong> ordens sacras. Comecei a mudar<br />
toda a forma da minha conversação e a tentar sinceramente a<br />
entrar numa vida nova”.<br />
Sendo estudioso, dado a livros acostumado a se aproximar a tudo<br />
do lado Iiterário, dedicou-se a literatura devocional. E três escritores<br />
largamente separados, quanto ao t<strong>em</strong>po, uns dos outros, e mui<br />
diferentes <strong>em</strong> gênio e atmosfera – Thomaz A. K<strong>em</strong>pis, Jer<strong>em</strong>ias Taylor<br />
e Guilherme Law – impressionaram-no profundamente. Grande, sutil, e<br />
de largo alcance é o poder de um bom livro! Em certo sentido, como<br />
ensinou Milton, é uma força imortal. A mão que o escreveu e o cérebro<br />
no qual foi concebido voltam ao pó; mas o livro ainda vive e canta,<br />
instrui ou adverte as sucessivas gerações de leitores novos.<br />
O livro A imitação de Cristo, de Thomaz A. K<strong>em</strong>pis t<strong>em</strong> sido<br />
impresso <strong>em</strong> mais línguas, t<strong>em</strong> achado mais leitores e talvez t<strong>em</strong><br />
exercido uma influência sobre maior número de almas, do que<br />
qualquer outro livro fora da Bíblia. Qu<strong>em</strong> o escreveu não se sabe ao<br />
certo, mas o monge que na sua cela distante, soube destilar nas<br />
sentenças da Imitação, segundo as palavras do Deão Milman, “tudo<br />
de elevado e animador que havia <strong>em</strong> todos os velhos místicos”, foi o<br />
primeiro que, atrav és do espaço de três <strong>século</strong>s, despertou um<br />
sentimento profundamente religioso no coração de <strong>Wesley</strong>. Ao<br />
passo que lia esse livro imortal, ele nos diz:<br />
“Eu comecei a ver que a verdadeira religião t<strong>em</strong> a sua<br />
raiz no coração, e que a lei de Deus aplica-se a todos os<br />
nossos pensamentos b<strong>em</strong> como a todas as no ssas palavras e<br />
ações... Eu destaquei uma ou duas horas por dia para um<br />
retiro religioso. Eu tomava a comunhão uma vez todas as<br />
s<strong>em</strong>anas; vigiava contra todo o pecado, quer por palavra quer<br />
por ação. De modo que, agora, fazendo tanto e levando uma<br />
vida tão boa, eu não duvidava que era bom cristão”.<br />
Jer<strong>em</strong>ias Taylor impressionou a <strong>Wesley</strong> quase tão<br />
profundamente como Thomaz A. K<strong>em</strong>pis. Entretanto não podia<br />
haver contraste maior entre duas inteligências: <strong>Wesley</strong>, com a sua<br />
lógica, clara como o gelo e quase tão fr ia, e com o <strong>seu</strong> desprezo da<br />
retórica; e Jer<strong>em</strong>ias Taylor, ”o pregador da boca áurea”, com a sua<br />
mais que trópica profusão de eloqüência. Jer<strong>em</strong>ias Taylor t<strong>em</strong> sido
chamado “O Shakespeare da teologia”. De Quincey nos conta que<br />
começou uma biografia do grande teólogo, mas nunca foi além da<br />
primeira sentença – “Jer<strong>em</strong>ias Taylor, o mais eloqüente e o mais<br />
sutil dos filósofos cristãos, era filho de barbeiro e genro do rei” . Mas<br />
o próprio De Quincey, um dos mestres supr<strong>em</strong>os do estilo da<br />
literatura inglesa, nunca se c ansa <strong>em</strong> cantar o louvor da prosa de<br />
Jer<strong>em</strong>ias Taylor. Ele o classifica junto com o autor do “Enterro da Urna”<br />
e com o Jean Paul Richter, como sendo o mais rico, o mais<br />
deslumbrante e o mais cativante retórico. E talvez o hom<strong>em</strong> que,<br />
durante o tumulto e as lutas da Guerra Civil, escreveu “As Regras de<br />
uma Vida Santa”, tivesse a voz mais melodiosa na literatura cristã. E<br />
ainda se ouve sua voz sobressaindo às lutas partidárias e ao ruído das<br />
batalhas entre as quais o Jer<strong>em</strong>ias Taylor se movia.<br />
A sua erudição, o <strong>seu</strong> fervor espiritual, o <strong>seu</strong> gênio meigo, por<br />
algum t<strong>em</strong>po, cativavam o espírito de <strong>Wesley</strong>. Entretanto, Jer<strong>em</strong>ias<br />
Taylor devia ter exercido <strong>em</strong> certo sentido, uma influência perniciosa<br />
sobre <strong>Wesley</strong>. Coleridge afirma que o autor do “Santo Viver e da Morte<br />
Santa” era, “de coração meio sociniano” (que aceita a doutrina baseada<br />
na teologia de Fausto Socino, falecido na Polônia, <strong>em</strong> 1604, que era<br />
antitrinitária, rejeitava o batismo e a ceia do Senhor como meios de<br />
graça e o pecado original e afirmava que Jesus de Nazaré era apenas<br />
um hom<strong>em</strong>); e certo é que a cruz de Cristo não aparece, senão mui<br />
indistintamente, através da áurea neblina da retórica Tayloriana. Era<br />
protegido do Arcebispo Laud, e o <strong>seu</strong> alto eclesiasticismo, que, a<br />
s<strong>em</strong>elhança do eclesiasticismo (afeição excessiva e/ou culto a formas,<br />
métodos e práticas eclesiásticas, a instituição igreja) mais moderno da<br />
mesma atitude, é dificilmente distinguido do papismo. Coleridge ,<br />
queixa-se de que Taylor, “nunca falava com o menor sintoma de afeto<br />
ou respeito por Lutero, ao passo que chamam de santos todos os<br />
p<strong>seu</strong>do-monges e frades até as mais recentes canonizações dos<br />
modernos”. Jer<strong>em</strong>ias Taylor nada contribuiu para a clarificação da<br />
teologia de <strong>Wesley</strong>; antes serviu para dar-lhe um acrescido sabor de<br />
sacerdotalismo (clericalismo, teocracia).<br />
Mas <strong>Wesley</strong> não confiava <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s mestres, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> si mesmo.<br />
Ele os interrogava, com a mesma diligência incansável, <strong>em</strong> que<br />
sindicava de sua própria condição espiritual. Portanto, o <strong>seu</strong> bom senso<br />
levou-o a rejeitar o el<strong>em</strong>ento ascético do livro A Imitação de Cristo, onde<br />
K<strong>em</strong>pis combate a alegria inocente, e exagera o valor espiritual da<br />
tristeza. <strong>Wesley</strong> diz à sua mãe: “Não posso entender que Deus, ao<br />
enviar-nos para este mundo, irrevogavelmente decretasse que aqui<br />
estejamos s<strong>em</strong>pre tristes”. O <strong>seu</strong> pai, entretanto, concordava com<br />
K<strong>em</strong>pis, e dizia que: “a mortificação era ainda, para o cristão um dever<br />
indispensável”. Contudo, os traços heróicos da Imitação eram elevados<br />
d<strong>em</strong>ais para o bom parocozinho (Samuel), e com um rasgo de sensatez<br />
descomunal, ele recomenda a João que consulte a mãe, dizendo: “ela<br />
terá t<strong>em</strong>po para peneirar o assunto até o farelo.”<br />
A Senhora <strong>Wesley</strong> discute com notável sensatez toda a moral do<br />
prazer:<br />
“Se quereis julgar da legitimidade ou da ilegitimidade de<br />
qualquer prazer, segui esta regra: Tudo que vos enfraquece a<br />
razão, debilita-vos a sensibilidade da consciência, obscurecevos<br />
a percepção de Deus, ou vos diminui o gosto pelas coisas<br />
espirituais - mesmo que seja inocente <strong>em</strong> si mesmo - é para<br />
vós um pecado”.<br />
Os mais sábios casuístas talvez achariam dificuldade <strong>em</strong> formular<br />
melhor interpretação do dever humano!<br />
<strong>Wesley</strong>, com notável presteza observou o que havia de salutar <strong>em</strong><br />
<strong>seu</strong>s novos mestres. Do livro A Imitação de Cristo ele aprendeu algo da<br />
altitude e do escopo da vida espiritual. Depois de tê-lo lido, ele diz: “Vi<br />
que, mesmo dando toda a minha vida a Deus, supondo que isto me<br />
fosse possível, nada me aproveitaria, s<strong>em</strong> eu dar-lhe o meu coração,<br />
sim, todo o meu coração”. Jer<strong>em</strong>ias Taylor ensinou-lhe a grande<br />
verdade, na qual ele medita com ênfase tão terna e comovente, da<br />
necessidade de um propósito absolutamente puro e simples. <strong>Wesley</strong><br />
diz:<br />
“Instantaneamente resolvi dedicar toda a minha vida a<br />
Deus - todos os meus pensamentos, palavras e ações - sendo<br />
convencido de que não existe meio termo, mas que todas as<br />
particularidades da minha vida - não algumas somente – têm de<br />
ser um sacrifício a Deus. Ou a mim mesmo, isto é ao diabo”.<br />
Mas ele discorda, com a sensatez inevitável, do exagero de<br />
Jer<strong>em</strong>ias Taylor quanto a virtude da humildade. Seria, deveras, uma<br />
forma da piedade o julgarmo-nos piores do que a outros quaisquer? “É<br />
tudo”, diz <strong>Wesley</strong>, “questão determinável pelos fatos. Por ex<strong>em</strong>plo,<br />
alguém, estando na presença de um livre-pensador, não pode deixar se<br />
conhecer como sendo o melhor dos dois”.<br />
Nesse t<strong>em</strong>po, entretanto, <strong>Wesley</strong> se achava mais <strong>em</strong>penhado <strong>em</strong><br />
tornar clara a sua teologia do que <strong>em</strong> determinar a sua própria condição<br />
espiritual. Discute uma multidão de questões difíceis de teologia, com o
<strong>seu</strong> pai e a sua mãe e é difícil crer se, que nesse t<strong>em</strong>po houvesse<br />
qualquer outra correspondência na Inglaterra que rivalizasse, <strong>em</strong><br />
sensatez e seriedade, com as cartas que se trocavam entre João<br />
<strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> Oxford, e a família no presbitério de Epworth. A sua mãe<br />
era, talvez, a mais adestrada <strong>em</strong> teologia do grupo, posto que a sua<br />
teologia n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre fosse do tipo evangélico.<br />
João <strong>Wesley</strong> discute com a mãe a intrigada questão da<br />
predestinação. Ela lhe diz: “Essa doutrina, como mantida pelos<br />
calvinistas rígidos, é horripilante, e deve ser odiada; porque diretamente<br />
acusa ao Deus Altíssimo como sendo o autor do pecado”. Ela assevera<br />
que “Deus t<strong>em</strong> uma eleição, mas é baseada na sua presciência, e de<br />
modo algum derroga na livre graça de Deus, n<strong>em</strong> prejudica a liberdade<br />
do hom<strong>em</strong>”. Anos depois, <strong>Wesley</strong> publicou as cartas da sua mãe na<br />
Arminian Magazine, e s<strong>em</strong> dúvida, elas lhe ajudavam <strong>em</strong> formar a sua<br />
teologia, e a da Igreja que eIe fundou.<br />
Mãe e filho ainda debatiam assuntos tais como a verdadeira<br />
natureza da fé, do arrependimento, da Trindade; as cláusulas<br />
condenatórias no credo de Atanásio; o castigo futuro, a doutrina de<br />
plena certeza, etc., etc. Sobre o assunto da plena certeza <strong>Wesley</strong>,<br />
nesse t<strong>em</strong>po, teve idéias mais acertadas do que a mãe. Ela diz: “A<br />
certeza absoluta que Deus nos t<strong>em</strong> perdoado, nunca pod<strong>em</strong>os ter até<br />
que formos ao céu”. <strong>Wesley</strong> respondeu: “Estou persuadido que<br />
possamos agora saber, se estamos na graça de salvação, visto ser<br />
expressamente prometido nas Santas Escrituras <strong>em</strong> recompensa dos<br />
nossos esforços sinceros”. Mas aqui ele vacila e perde - como perdeu<br />
durante os treze anos seguintes - a grande verdade da atestação pelo<br />
Espírito Santo, na alma crente, ao perdão dos pecados. Diz ele:<br />
“Certamente somos capazes de julgar da nossa própria sinceridade;” e<br />
a estimação que a alma humana é capaz de fazer da sua própria<br />
sinceridade é, aparent<strong>em</strong>ente, o único alicerce sobre o qual se pode<br />
construir a alegre certeza do perdão de pecados!<br />
<strong>Wesley</strong> foi ordenado diácono aos 19 de Set<strong>em</strong>bro de 1725.<br />
Pregou o <strong>seu</strong> primeiro sermão <strong>em</strong> South Leigh, vila pequena na<br />
vizinhança de Whitney. Mais tarde, passou o verão de 1726 <strong>em</strong><br />
Epworth, pregando com o pai e seguindo os <strong>seu</strong>s estudos.<br />
Esta visita devia ter sido mui apreciada pelos pais. João <strong>Wesley</strong><br />
teve sobre si as glórias de sua então recente eleição a posição de lente;<br />
para ele a vida começara fulgurant<strong>em</strong>ente; era de caráter imaculado, e<br />
estava no limiar do mais sagrado cargo dado aos homens exercer<strong>em</strong>. O<br />
<strong>seu</strong> pai lhe escrevera, havia poucos meses, ao perceber nas cartas do<br />
filho uma nova nota de seriedade: “Se és o que escreves, eu e tu<br />
ser<strong>em</strong>os felizes”. E agora o pai podia julgar que o filho era o que<br />
escrevera.<br />
À lareira do presbitério, toda a noite, <strong>Wesley</strong> sentava-se com os<br />
pais, palestrando com eles sobre grandes t<strong>em</strong>as. Ele anota no <strong>seu</strong><br />
Diário a lista dos tópicos que essas palestras versavam: Como<br />
aumentar nossa fé, a esperança, o amor a Deus; a prudência, a<br />
simplicidade, a sinceridade, etc. Para uma mãe, com o espírito nobre e<br />
sério de Suzana <strong>Wesley</strong>, aquelas palestras à lareira com o <strong>seu</strong> douto e<br />
brilhante filho, que lhe viera da atmosfera da Universidade, e que<br />
manifestamente se achava ao limiar de uma grande carreira, deviam ter<br />
constituído um prazer indizível.<br />
Mas <strong>Wesley</strong>, nesse t<strong>em</strong>po, era, no sentido claro e escriturístico do<br />
termo, cristão? Que ele responda por si mesmo. Em 1744 ele fez uma<br />
exposição das grandes verdades evangélicas que lhe mudaram a vida,<br />
e por cuja pregação, estava afetando as vidas de multidões. Então ele<br />
passou revista no t<strong>em</strong>po que acabamos de descrever:<br />
“Passaram muitos anos, diz ele, depois de ter-me<br />
ordenado ao diaconato antes de convencer-me das grandes<br />
verdades que acima citamos; e durante todo esse t<strong>em</strong>po eu era<br />
completamente ignorante tanto da natureza como da condição da<br />
Justificação. Às vezes eu a confundia com a santificação,<br />
particularmente quando eu estive na Geórgia. Outras vezes eu<br />
tinha alguma noção confusa acerca do perdão de pecados; mas<br />
eu então tomava por verdade que a ocasião deste perdão devia<br />
ser ou na hora da morte ou no dia de juízo. Eu era igualmente<br />
ignorante da natureza da fé salvadora, julgando que significava<br />
unicamente um firme assentimento a todas as proposições<br />
contidas no Antigo e no Novo Testamento”.<br />
Certamente foi um grau de ignorância teológica bastante notável<br />
numa inteligência tão clara e que havia sido tão b<strong>em</strong> educada. Mas a<br />
teologia do presbitério de Epworth, não obstante <strong>seu</strong> encanto e<br />
seriedade, era mui defeituosa. E se b<strong>em</strong> que os homens são julgados,<br />
não por sua teologia, mas por suas vidas, entretanto, qualquer erro<br />
grave na interpretação da verdade divina t<strong>em</strong> de afetar profundamente a<br />
vida.<br />
Quanto a <strong>Wesley</strong>, uma incessante inteireza assinalava a cada
passo a sua têmpera religiosa. Não queria incerteza alguma, n<strong>em</strong><br />
ilusões suaves e fáceis. A religião como dom de Deus e como<br />
experiência humana era algo definido. Ele o possuía ou não o possuía;<br />
não era admissível qualquer meio termo. E com um sábio - se b<strong>em</strong> que<br />
inconsciente - instinto ele sujeitou a sua teologia à prova final. Lançou-a<br />
no alambique da experiência. Provou-a pelo toque vital: o <strong>seu</strong> poder <strong>em</strong><br />
determinar e formar a vida. Gastou os dezenove anos seguintes neste<br />
processo; experimentando o <strong>seu</strong> credo com uma corag<strong>em</strong> infinita e com<br />
uma sinceridade transparente, e freqüent<strong>em</strong>ente com sofrimentos e<br />
trabalhos, pelo áspero ácido da vida, até finalmente alcançar aquela<br />
concepção de Cristo e de <strong>seu</strong> Evangelho que elevou o <strong>seu</strong> espírito às<br />
regiões resplandecentes do gozo e poder.<br />
É indubitável que, nessa época, Guilherme Law exercia uma<br />
influência mais profunda sobre <strong>Wesley</strong> do que o próprio Thomaz A.<br />
K<strong>em</strong>pis ou Jer<strong>em</strong>ias Taylor. A Chamada Séria é um dos grandes livros<br />
da literatura cristã. Dr. Johnson disse a Boswell que ele havia, com<br />
pouco escrúpulo, falado contra a religião até ler essa obra de Law. Ele<br />
disse:<br />
“Peguei no livro, esperando achá-lo insípido, como são <strong>em</strong><br />
geral tais livros; mas Law era d<strong>em</strong>ais para mim; aquele livro me<br />
fez pensar sinceramente”. <strong>Wesley</strong>, na tarde da vida, e depois de<br />
ter renunciado o próprio Law como guia religioso, ainda declarou<br />
que “não havia na língua inglesa qualquer obra que sobrepujasse<br />
A Chamada Séria quer na beleza de expressão quer na justiça e<br />
profundidade de <strong>seu</strong>s pensamentos”.<br />
Law existe vagamente na idéia popular como um místico; e é<br />
verdade que, como diz o Southey, “o hom<strong>em</strong> que abalara tantas<br />
inteligências finalmente sacrificou a dele às divagações e rapsódias de<br />
Jacob Behmen”. Mas se o Guilherme Law findou-se no misticismo, os<br />
<strong>seu</strong>s primeiros anos não estavam envoltos nessa malfadada cerração<br />
(nevoeiro espeço, escuridão, trevas).<br />
Não havia qualquer indício do misticismo nas aparências de Law,<br />
um hom<strong>em</strong> corpulento, de rosto cheio, com as faces coradas, de passo<br />
pesado e de corpo sólido. Não há nada, tão pouco, da nebulosidade<br />
mística <strong>em</strong> suas primeiras obras. Seria difícil igualar a lógica de Law, na<br />
rigidez de fibra, na presteza e penetração com que descobre as falácias<br />
no argumento do adversário. Os <strong>seu</strong>s livros, para o gosto moderno,<br />
perd<strong>em</strong> muito do <strong>seu</strong> encanto pelo hábito do autor <strong>em</strong> personificar todos<br />
os <strong>seu</strong>s vícios e virtudes, rotulando-os com nomes latinizados –<br />
“Paternus”, “Modestus,” etc. Entretanto poucos escritores usam tão<br />
facilmente de inglês tão ressonante e expressivo como Guilherme Law.<br />
As suas sentenças picantes freqüent<strong>em</strong>ente contêm um t<strong>em</strong>pero de<br />
sátira digna de Swift.<br />
Law, durante algum t<strong>em</strong>po, era o diretor espiritual da família do<br />
pai de Gibbon, o famoso historiador, e a este serviu de tutor. Existe um<br />
el<strong>em</strong>ento humorístico nessa associação - a combinação do místico, que<br />
cont<strong>em</strong>plava tudo no mundo material como sendo uma parábola do<br />
universo espiritual, e o cético árido, que tratou o mundo espiritual como<br />
irrelevante, ou como se não existisse. Entretanto, a manifesta<br />
sinceridade e consagração de Law ganharam a admiração do próprio<br />
Gibbon. Diz ele: “Law, achando, n<strong>em</strong> que seja, uma só faísca de<br />
piedade <strong>em</strong> qualquer espírito, logo a soprará <strong>em</strong> chamas”.<br />
O efeito produzido pelo grande e poderoso escritor sobre <strong>Wesley</strong> é por<br />
este descrito assim:<br />
“Tendo encontrado nesse t<strong>em</strong>po A Perfeição Cristã e A Chamada<br />
Séria, do sr. Law, não obstante ter-me escandalizado com muitos trechos<br />
de ambas; entretanto, por elas, eu me convenci mais do que nunca do<br />
grande comprimento, largura e profundidade da lei de Deus. A luz me veio<br />
à alma tão poderosamente que tudo parecia <strong>em</strong> nova perspectiva. Clamei a<br />
Deus que me ajudasse; resolvi como nunca antes, a não protelar o t<strong>em</strong>po<br />
de obedecer-lhe. E, por meus constantes <strong>em</strong>penhos para guardar a lei<br />
interior e exteriormente até onde me dess<strong>em</strong> as forças, eu me persuadia<br />
que seria aceito por Ele, e que eu estava então mesmo na graça da<br />
salvação”.
CAPÍTULO VII<br />
Uma nota mais Ressonante<br />
É possível agora estimar aproximadamente a influência que os<br />
livros A Imitação de Cristo, de Thomaz A. K<strong>em</strong>pis, e A Chamada Séria,<br />
do sr. Guilherme Law, exerceram sobre <strong>Wesley</strong>. Deram-lhe uma visão<br />
transfiguradora do majestoso escopo e altitude da religião; quão<br />
grandes eram os direitos de Deus e quão vastos os deveres do hom<strong>em</strong>.<br />
Mas se lhe despertaram as grandes aspirações não lhe ensinaram a<br />
arte de realizá-las. Não enfatizaram a graça de Deus, mas os deveres<br />
do hom<strong>em</strong>. Se, pois, lhe despertaram a consciência, deixaram-lhe<br />
impotente. O grande segredo triunfante do Cristianismo: o perdão divino<br />
pela graça mediante a fé, e a obediência pelas forças que aflu<strong>em</strong> à<br />
alma <strong>em</strong> virtude desse perdão, não lhe foram revelados. Em uma<br />
palavra, eles erraram a ord<strong>em</strong> eterna e imutável que Deus t<strong>em</strong><br />
estabelecido para a vida espiritual. Nessa ord<strong>em</strong>, o perdão v<strong>em</strong><br />
primeiro, pois é a Porta Formosa do t<strong>em</strong>plo de uma vida santa. Ou, para<br />
variar a metáfora, é o canal pelo qual corr<strong>em</strong>, para a alma perdoada,<br />
todas as grandes forças do amor e gratidão que não somente tornam<br />
possível a obediência, mas a faz<strong>em</strong> inevitável e exultante.<br />
É verdade que <strong>em</strong> todos estes grandes livros se encontram frases<br />
esparsas que são tão evangélicas como qualquer coisa que se encontra<br />
nos hinos mais triunfantes de Carlos <strong>Wesley</strong>, ou nos mais <strong>em</strong>ocionantes<br />
apelos de George Whitefield. Por ex<strong>em</strong>plo, Law disse a <strong>Wesley</strong>:<br />
“Quereis uma religião filosófica, mas tal coisa não existe. A<br />
religião é a coisa mais simples deste mundo. É simplesmente nós<br />
amarmos a Deus, porque ele nos amou primeiro. Onde se pode<br />
achar palavras que vão mais diretamente ao coração do<br />
Cristianismo! São João podia tê-las escrito; e São Paulo tê-las-ia<br />
subscrito”.<br />
Mas toda a ênfase efetiva dos escritos de Law está sobre ponto<br />
diverso. E a força dos três grandes livros que tão poderosamente<br />
influíram sobre <strong>Wesley</strong> neste ponto de <strong>seu</strong> desenvolvimento espiritual,<br />
está <strong>em</strong> salientar, repetimos, não tanto a graça divina como a obrigação<br />
humana. Eles vestiam a grande moral do Cristianismo com uma<br />
autoridade mais imperiosa à consciência de <strong>Wesley</strong>, mas deixavam de<br />
ensinar-lhe a mensag<strong>em</strong> especial desse Cristianismo, a relação da alma<br />
pessoal com o Salvador pessoal. Assim o deixou falido daquela energia<br />
espiritual diretamente proveniente do Espírito Santo, o qual é o único<br />
que traz a alta moral do Novo Testamento ao domínio da possibilidade<br />
humana.<br />
João <strong>Wesley</strong> voltou a Oxford <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro de 1726 e recebeu o<br />
grau de Mestre <strong>em</strong> Artes <strong>em</strong> 1727. Em agosto do mesmo ano tornou-se<br />
cura (pastor ajudante) de <strong>seu</strong> pai <strong>em</strong> Epworth e Wroote, até 22 de<br />
Nov<strong>em</strong>bro de 1729, quando foi chamado novamente a Oxford. <strong>Wesley</strong><br />
assim teve mais de dois anos de trabalho paroquial como cura de <strong>seu</strong><br />
pai. Possuía, o que seria quase universalmente considerado, dotes<br />
pro<strong>em</strong>inentes para o êxito <strong>em</strong> tal trabalho. Era douto, cavalheiro, com<br />
uma educação esmerada, um corpo incansável, uma facilidade<br />
incomparável <strong>em</strong> discurso cristalino, um zelo intenso, e uma concepção<br />
do dever religioso quase austera <strong>em</strong> sua aplicação. Isto quer dizer que<br />
possuía todas as qualificações humanas necessárias ao êxito<br />
ministerial, <strong>em</strong> grau tão elevado como <strong>em</strong> qualquer época de sua vida.<br />
Entretanto falhou, falhou por completo, e era consciente do <strong>seu</strong> fracasso<br />
- falhou justamente como mais tarde falhou na Geórgia! Não aprendera<br />
ainda a primeira letra do alfabeto de êxito. Não atraia multidão alguma;<br />
não alarmava a consciência de qu<strong>em</strong> quer que fosse, não influía na vida<br />
de ninguém. A sua própria apreciação do <strong>seu</strong> trabalho nesse t<strong>em</strong>po é:<br />
“Preguei muito, mas vi pouco fruto do meu trabalho. N<strong>em</strong><br />
podia ser de outra forma, pois eu n<strong>em</strong> deitava as bases do<br />
arrependimento n<strong>em</strong> da fé no Evangelho, julgando que aqueles a<br />
qu<strong>em</strong> eu pregava foss<strong>em</strong> todos crentes, e que muitos deles não<br />
necessitass<strong>em</strong> do arrependimento”.<br />
O completo fracasso de <strong>Wesley</strong> nesta época de sua vida é tão<br />
notável quanto é o <strong>seu</strong> êxito mais tarde. Durante este período a nota<br />
séria, para não dizer ascética, tornava-se mais dominante <strong>em</strong> sua<br />
experiência. Quando veio residir no Colégio Lincoln, ele escreveu:<br />
“Entretanto agora, num novo mundo, resolvi que não teria conhecido<br />
algum por acaso, mas unicamente por escolha, e que eu havia de<br />
escolher somente aos que eu tivesse razões para crer que me<br />
ajudariam na minha viag<strong>em</strong> para o céu”. Outra vez escreveu: ”Eu<br />
preferiria, ao menos por algum t<strong>em</strong>po, uma reclusão tal que me<br />
afastasse de todo o mundo para a posição na qual agora estou”. O<br />
impulso que faz o monge estava se fazendo sentir no sangue frio de<br />
<strong>Wesley</strong>!<br />
A direção de uma escola <strong>em</strong> Yorkshire, que foi lhe oferecida<br />
nesse t<strong>em</strong>po, tinha a vantag<strong>em</strong> de um bom salário, mas havia também
aquilo que, para o espírito de <strong>Wesley</strong> nessa época, tinha ainda o<br />
encanto maior de ser quase inacessível. Ele possuía geralmente uma<br />
imaginação notavelmente sã; mas agora estava doentia, e o que<br />
<strong>Wesley</strong> chamava ”a descrição medonha” dada às terras ao redor da<br />
escola, e a dificuldade de se chegar ali, o fascinavam. Afinal a escola foi<br />
dada a outro, e a sua mãe, com o bom senso que lhe era característico<br />
escreveu congratulando-se com ele por tê-la perdido. Ela diz: “Aquela<br />
maneira de vida não teria dado com o teu gênio, e espero que Deus<br />
tenha um trabalho melhor para ti”.<br />
Em nov<strong>em</strong>bro de 1729 <strong>Wesley</strong> foi de novo chamado a Oxford.<br />
Estavam fazendo um esforço para restaurar a disciplina na<br />
Universidade. Como uma medida, decidiu-se que os lentes mais novos,<br />
que foram escolhidos moderadores, pessoalmente des<strong>em</strong>penhass<strong>em</strong><br />
as funções de <strong>seu</strong>s cargos. Na Oxford de então os debates públicos<br />
figuravam entre as mais importastes funções da Universidade. No<br />
Colégio Lincoln esses debates se realizavam diariamente, e era dever<br />
do moderador presidi-los. <strong>Wesley</strong> foi chamado outra vez para este fim, e<br />
dedicou-se, com a costumada energia, ao <strong>seu</strong> trabalho. Achava nisto<br />
uma disciplina intelectual de não pouco valor para si mesmo;<br />
aumentava-lhe a facilidade <strong>em</strong> falar, a sua prontidão <strong>em</strong> debate, a<br />
ligeireza <strong>em</strong> descobrir as falácias num argumento qualquer. Ajudavam a<br />
dar-lhe as qualidades formidáveis de pol<strong>em</strong>ista que lhe serviram tão<br />
b<strong>em</strong> <strong>em</strong> anos futuros e mais t<strong>em</strong>pestuosos.<br />
<strong>Wesley</strong> permaneceu <strong>em</strong> Oxford desde 22 de Nov<strong>em</strong>bro de 1729<br />
até a sua partida para Geórgia aos 6 de Outubro de 1735. Aqueles seis<br />
anos eram, para <strong>Wesley</strong>, anos de lutas s<strong>em</strong> atingir o alvo; de grandes<br />
aspirações e de grandes derrotas espirituais. Ele estava vivendo, como<br />
disse alguém, no capítulo sete da Epistola aos Romanos, não tendo<br />
ainda alcançado o capítulo oito! E nesses seis anos trabalhosos - anos<br />
<strong>em</strong> que <strong>Wesley</strong> praticava as austeridades de um asceta, e ardia no zelo<br />
de um fanático – e tudo sob as bases da teologia de um ritualista s<strong>em</strong><br />
iluminação – nasceu o Metodismo! Porque nunca se deve esquecer que<br />
o Metodismo partilha e reflete todas as fases espirituais do <strong>seu</strong><br />
fundador. Começou na época de sua teologia ritualista de <strong>seu</strong>s esforços<br />
para achar a salvação mediante as obras, para agir segundo a moral<br />
cristã s<strong>em</strong> possuir a energia de forças cristãs, para produzir os frutos da<br />
vida cristã enquanto a raiz ainda não existia.<br />
Quando <strong>Wesley</strong> voltou a Oxford naquele 1729 ele julgava que a<br />
religião fosse uma dedicação incansável a atos de piedade, um zelo<br />
intenso no cumprimento dos deveres exterioras, uma forma de piedade<br />
para ser nutrida pelo uso incessante de todos os meios de graça<br />
exteriores. E ele achou <strong>em</strong> existência já uma pequena sociedade que<br />
exatamente refletia esta concepção da religião, e supria o mecanismo<br />
para o <strong>seu</strong> exercício.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong>, que então estudava <strong>em</strong> Christ Church, havia<br />
resistido aos primeiros esforços do <strong>seu</strong> irmão <strong>em</strong> querer lhe impor o<br />
selo de sua própria piedade triste e mecânica. Ele perguntou: “Queres<br />
que eu me faça santo de repente?”. Mas enquanto João <strong>Wesley</strong><br />
trabalhava na freguesia estéril de Wroote, Carlos se dedicava com nova<br />
seriedade a <strong>seu</strong>s estudos, e ele diz que “a diligência me levou a penar<br />
seriamente”. Um dos resultados desta inclinação nova e mais séria era<br />
a sua assistência ao Sacramento da Ceia do Senhor todas as s<strong>em</strong>anas.<br />
E na moral de então, toda a t<strong>em</strong>peratura religiosa se graduava pela<br />
freqüência com que se participava da Ceia do Senhor. Participar dela<br />
uma vez por s<strong>em</strong>ana constituía a piedade - ou a esquisitice - segundo o<br />
ponto de vista do crítico.<br />
A personalidade de Carlos <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong>pre possuía um encanto<br />
singular. O <strong>seu</strong> irmão mais varonil dominava os homens; Carlos <strong>Wesley</strong><br />
lhes atraia qual o imã ao aço. Um grupinho de companheiros de estudos<br />
o cercavam; e se cristalizavam numa espécie de clube, tentavam viver<br />
<strong>em</strong> obediência à regra, e se reuniam com freqüência para se ajudar<strong>em</strong><br />
mutuamente. Este grupinho de almas ordeiras logo chamou a si a<br />
atenção do público. Cumpriram todos os deveres com seriedade: a lei<br />
de Deus, o governo da Igreja, os estatutos da Universidade – todos<br />
deviam ser guardados, e guardados com exata precisão. Tais coisas<br />
eram deveras novidades! O espírito vivaz da Universidade logo achou<br />
rótulo para esse grupo de raridades. Eram chamados “O Clube dos<br />
Piedosos”, “Traças da Bíblia”, “Sacramentarianos”. Mas a maneira<br />
ordeira de suas vidas por fim determinou o <strong>seu</strong> título. Eram<br />
“Metodistas”! Assim nasce o grande termo histórico, <strong>em</strong>bora o jov<strong>em</strong><br />
espirituoso que o inventou - ou que o redescobriu - não sonhasse que<br />
estivesse a formular o nome de uma grande Igreja preste a nascer.<br />
O grupo original de Metodistas era uma constelação de bons<br />
nomes: Roberto Kirkham, Guilherme Morgan, Jayme Harvey, o autor<br />
das então famosas, mas agora, felizmente, esquecidas “Meditações<br />
entre as Tumbas”; George Whitefield, o maior pregador que o púlpito<br />
inglês jamais conheceu; CarIos Kinchin, da vida santa. Do pequeno<br />
grupo, três eram tutores nos colégios, os outros eram mestres <strong>em</strong> artes,<br />
ou então estudantes.
João <strong>Wesley</strong>, voltando a Oxford naquele 1729, achou existente<br />
esta sociedade, que já havia adquirido o respeito de alguns e o ridículo<br />
(zombaria) de muitos. Logo João <strong>Wesley</strong> se associou ao clube e se<br />
tornou o <strong>seu</strong> espírito diretor. A sua posição na Universidade, a sua<br />
vontade enérgica, a sua facilidade de palavra, o <strong>seu</strong> gênio natural <strong>em</strong><br />
influir nos outros constituíam-no o espírito diretor do pequeno Clube. O<br />
<strong>seu</strong> pai Samuel lhe escreveu: ”Ouço dizer que o meu filho, João, é pai<br />
do Clube Santo; se for verdade, então estou certo que sou o avô”.<br />
João <strong>Wesley</strong> imprimiu à vida do pequeno clube uma seriedade<br />
ainda mais profunda. Deu·lhe a disciplina uma nova austeridade, e uma<br />
ord<strong>em</strong> mais acentuada, uma nova ousadia a <strong>seu</strong> zelo. A pequena<br />
companhia reunia-se todas as noites para passar <strong>em</strong> revista os feitos<br />
durante o dia, e para planejar o trabalho do dia seguinte. Visitavam aos<br />
doentes, auxiliavam aos pobres, ensinavam às crianças nas escolas,<br />
visitavam aos presos nas penitenciárias e nas cadeias.<br />
O grupinho de almas sérias cresceu até contar quinze. Os <strong>seu</strong>s<br />
m<strong>em</strong>bros jejuavam às quartas e às sextas-feiras, sujeitavam-se a<br />
elaborado exame próprio. Multiplicavam e tornavam ainda mais rígidas<br />
as regras que determinavam os trabalhos de cada hora e o <strong>em</strong>prego de<br />
todas as faculdades. O conselho dado a <strong>seu</strong> filho pela senhora Suzana<br />
<strong>Wesley</strong> contribuiu <strong>em</strong> determinar a fisionomia da pequena sociedade.<br />
Ela escreveu: “Tanto t<strong>em</strong>po para o sono, as refeições, as visitas, etc...<br />
Freqüent<strong>em</strong>ente te faças a pergunta: Porque faço isto ou aquilo? Por<br />
este meio chegarás ao grau de firmeza e constância digno de uma<br />
criatura racional e de um bom cristão”.<br />
O Novo Clube naturalmente ocasionou bastante ridículo: logo<br />
provocou uma oposição que se tornou violenta! Eis uma história<br />
interessante contada por Benson <strong>em</strong> sua Vida de <strong>Wesley</strong>:<br />
“Um cavalheiro <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente douto e b<strong>em</strong> estimado pela<br />
piedade, disse ao sobrinho que se unira à pequena companhia,<br />
que se ousasse assistir por mais t<strong>em</strong>po à comunhão s<strong>em</strong>anal o<br />
expulsaria de casa. Este argumento não surtiu efeito, pois o jov<strong>em</strong><br />
comungou na s<strong>em</strong>ana seguinte. O tio agora se tornou mais<br />
violento, e pegando-lhe ao pescoço, sacudiu ao sobrinho para<br />
convencê-lo, mais eficazmente, que o participar do sacramento<br />
s<strong>em</strong>analmente estivesse baseado <strong>em</strong> erro; mas também este<br />
argumento parecia ao jov<strong>em</strong> não ser b<strong>em</strong> fundado e continuava<br />
comungar s<strong>em</strong>analmente. Este hom<strong>em</strong> <strong>em</strong>inente e tão b<strong>em</strong><br />
estimado pela piedade agora mudou de tática. Por maneiras<br />
suaves e agradáveis abrandou as resoluções do jov<strong>em</strong>,<br />
conseguindo que não continuasse tão estritamente religioso, e<br />
desde então começou a se ausentar da comunhão por cinco<br />
domingos <strong>em</strong> cada seis. Um aluno do curso adiantado,<br />
consultando com o doutor (o tio), conseguiu que os outros jovens<br />
prometess<strong>em</strong> que somente comungariam três vezes ao ano”.<br />
Que devia ter sido o clima religioso da grande Universidade<br />
quando os <strong>seu</strong>s dirigentes se preparavam deste modo, e por tais<br />
métodos, para combater<strong>em</strong> a piedade entre os <strong>seu</strong>s estudantes?<br />
<strong>Wesley</strong> respondeu aos ataques dirigidos à pequena sociedade por<br />
preparar, <strong>em</strong> estilo socrático, uma série de perguntas, das quais as<br />
seguintes são ex<strong>em</strong>plo:<br />
“Se não hav<strong>em</strong>os de ficar tanto mais felizes no futuro<br />
quanto mais praticarmos o b<strong>em</strong> aqui?<br />
Se não pod<strong>em</strong>os procurar a fazer b<strong>em</strong> entre os jovens da<br />
Universidade; especialmente se não dev<strong>em</strong>os procurar a<br />
convencê-los da necessidade de ser<strong>em</strong> cristãos, e de ser<strong>em</strong><br />
estudiosos?<br />
Se não pod<strong>em</strong>os tentar a convencê-los da necessidade de<br />
método e diligência, a fim de adquirir<strong>em</strong> tanto a instrução como a<br />
virtude?<br />
Se não pod<strong>em</strong>os tentar confirmar e aumentar-lhes a<br />
diligência por comungar<strong>em</strong> quantas vezes puder<strong>em</strong>?<br />
Não pod<strong>em</strong>os nos esforçar <strong>em</strong> fazer b<strong>em</strong> aos famintos, aos<br />
nus, aos doentes?<br />
Se soubermos de qualquer família necessitada, não<br />
pod<strong>em</strong>os lhes dar um pouco de dinheiro, roupa ou r<strong>em</strong>édios,<br />
segundo a exigência do caso?<br />
Se puder<strong>em</strong> ler, não seria lícito dar-lhes uma Bíblia, um<br />
Livro de Oração comum?<br />
Não pod<strong>em</strong>os indagar de vez <strong>em</strong> quando da maneira <strong>em</strong><br />
que tenham <strong>em</strong>pregado tais livros, explicando-lhes aquilo que não<br />
compreendam e salientando o que entendam?<br />
Não dev<strong>em</strong>os dar o que pudermos para que os filhos sejam<br />
vestidos e lhes seja ensinada a leitura?<br />
Não pod<strong>em</strong>os fazer b<strong>em</strong> aos presos?<br />
Não pod<strong>em</strong>os dar <strong>em</strong>prestado um pouco de dinheiro<br />
àqueles que, tendo um ofício procuram para si a ferramenta e o<br />
material necessários a <strong>seu</strong> trabalho?”<br />
Naturalmente existe um traço da ironia socrática nestas<br />
interrogações! Ninguém poderia combater as ações aqui descritas s<strong>em</strong>
declarar a guerra à própria religião; e esta lista de perguntas incômodas<br />
a irrespondíveis, indubitavelmente silenciou por um momento, os<br />
zombadores. Mas se a diligência dos Metodistas na beneficência prática<br />
aumentava, assim também se tornava mais intenso o gênio ascético –<br />
para não dizer fradesco – de sua religião pessoal. João <strong>Wesley</strong>, nesse<br />
t<strong>em</strong>po, inventou para si e <strong>seu</strong>s companheiros um sist<strong>em</strong>a de exame<br />
próprio que Southey declara, com algo de razão, b<strong>em</strong> podia ser apenso<br />
(acréscimo, junto, anexo) aos exercícios espirituais de Ignácio Loyola.<br />
Eis uns ex<strong>em</strong>plos:<br />
“Tenho sido simples e consciencioso <strong>em</strong> tudo que fiz?“ E sob<br />
esta pergunta principal acha-se uma chusma (grande quantidade) de<br />
ensaios microscópicos para determinar a “sinceridade” com que a alma<br />
devia se provar.<br />
“Tenho orado com fervor?” Então segue uma lista das vezes que<br />
se devia orar todos os dias, e uma série de experiências para<br />
determinar o exato grau de fervor de cada oração – experiência<br />
irresistivelmente sugestiva de um termômetro espiritual, graduado para<br />
registrar a altura do mercúrio.<br />
<strong>Wesley</strong> adotou o costume que sua mãe lhe sugeriu, perguntandose:<br />
“Tenho eu, <strong>em</strong> oração particular, parado freqüent<strong>em</strong>ente para notar<br />
o meu fervor de devoção?” Isto quer dizer que a alma ansiosa devia ter<br />
os olhos dirigidos, um para Aquele a qu<strong>em</strong> se oferecia à prece e o outro<br />
fito vigilant<strong>em</strong>ente sobre si mesmo para observar o <strong>seu</strong> próprio<br />
comportamento. O ideal de cada m<strong>em</strong>bro do Clube Santo nessa época<br />
era, manifestamente, conservar a própria alma sob o microscópio, e<br />
vigiar-lhe cada movimento com uma solicitude incansável.<br />
As experiências práticas, pelas quais cada m<strong>em</strong>bro devia se<br />
provar, eram de uma espécie mais sã; mas o tom era bastante elevado:<br />
“1. Tenho aproveitado toda a oportunidade provável para fazer o<br />
b<strong>em</strong>; e para obstar, r<strong>em</strong>over ou minorar o mal?<br />
2. Tenho contado algo como d<strong>em</strong>ais precioso para ser <strong>em</strong>pregado<br />
no serviço do próximo?<br />
3. Tenho gastado pelo menos uma hora por dia <strong>em</strong> falar com um<br />
ou outro?<br />
4. Ao falar com estranhos tenho explicado o que a religião não é –<br />
não negativa, não externa – e então o que ela é – a recuperação da<br />
imag<strong>em</strong> de Deus – procurando que descubram onde estacionaram, e o<br />
que produziu este estacionamento?<br />
5. Tenho persuadido a todos quantos eu tenho podido para<br />
assistir<strong>em</strong> às orações públicas, aos sermões e aos sacramentos, e para<br />
obedecer<strong>em</strong> às leis gerais da Igreja Universal, da Igreja Anglicana, do<br />
Estado, da Universidade, e <strong>seu</strong>s respectivos colégios?<br />
6. Depois de cada visita tenho perguntado àqueIe que me<br />
acompanhava, se eu dissera algo de mal?<br />
7. Quando alguém t<strong>em</strong> pedido conselhos tenho lhe dirigido e<br />
exortado o quanto possível?<br />
8. Tenho me regozijado com o meu próximo na virtude ou no<br />
prazer; chorado com ele na dor, e chorado por ele no pecado?<br />
9. A boa vontade t<strong>em</strong> sido e parece ser, a fonte de todas as<br />
minhas ações para com os outros?”<br />
Não se pode negar que aqui há elevada nota cristã do tipo da vida<br />
alvejada, <strong>em</strong>bora as perguntas represent<strong>em</strong> propósitos mais do que<br />
posses. E as lindas virtudes da caridade, meiguice, devoção e diligência<br />
não tiveram raiz alguma. São deveras os frutos genuínos da religião;<br />
mas tiveram por raiz uma teologia defeituosa e incompleta. Deixavam a<br />
alma s<strong>em</strong> qualquer certeza de aceitação, e a consciência s<strong>em</strong> qualquer<br />
atmosfera de paz.<br />
Quanto ao próprio <strong>Wesley</strong>, laborava na rotina das boas obras com<br />
a diligência que só se pode descrever como uma paixão, e com a<br />
austeridade quase digna de um faquir indiano. Ele já formara o hábito<br />
de se levantar s<strong>em</strong>pre às quatro horas de madrugada, costume que<br />
continuava até quase o dia de sua morte. Descobriu que quando<br />
recebia trinta libras por ano era possível viver de vinte e oito, e então<br />
dava as duas libras restantes; e quando gozava do confortável benefício<br />
da sua posição de lente ainda vivia de vinte e oito libras e dava o resto<br />
de <strong>seu</strong>s vencimentos aos pobres. Jejuava com a diligência e a<br />
severidade heróicas, que, por fim, minou·lhe a saúde. Impunha-se uma<br />
taciturnidade (característica de qu<strong>em</strong> fala pouco, silencioso, calado)<br />
férrea.<br />
O <strong>seu</strong> irmão Carlos recorda incidentalmente: “não posso<br />
desculpar o meu irmão <strong>em</strong> não dizer nada de Epworth quando agora<br />
mesmo volta de lá. A taciturnidade <strong>em</strong> respeito a coisas familiares é a<br />
sua enfermidade. Foi muito que ele me contava quando me disse que<br />
todos aí estavam bons, pois anteriormente não era tão comunicativo”.<br />
Que contraste é este com o <strong>Wesley</strong> expansivo dos anos<br />
posteriores, com a sua língua jovial e face radiante; o <strong>Wesley</strong> de qu<strong>em</strong><br />
o Dr. Johnson – que tanto pregava a conversa – dizia, “eu poderia<br />
conversar com ele o dia inteiro e a noite inteira também”; o <strong>Wesley</strong>, no
qual, o Alexandre Knox – que o conhecia como b<strong>em</strong> poucos – achava<br />
“uma habitual alegria de coração”, manifestada tanto nas feições como<br />
na fala, descrevendo-o o como sendo “o mais perfeito ex<strong>em</strong>plo da<br />
felicidade moral que jamais conheci; descobrindo nas feições, fala e<br />
t<strong>em</strong>peramento de <strong>Wesley</strong>” mais para ensinar-me o que é o céu na<br />
terra...do que <strong>em</strong> tudo que tenho visto, ouvido ou lido fora do “Volume<br />
Sagrado”. A diferença entre os dois <strong>Wesley</strong> – o <strong>Wesley</strong> asceta e o<br />
<strong>Wesley</strong> evangelista – é a que se nota numa paisag<strong>em</strong> sobre a qual<br />
paira a noite e aquela sobre a qual nasce o sol. Knox descreve a<br />
<strong>Wesley</strong> como se tornou depois que descobrira o grande segredo da vida<br />
cristã. Nesta época de ascetismo <strong>em</strong> Oxford João <strong>Wesley</strong> estava ainda<br />
estava procurando o grande segredo, e procurando-o <strong>em</strong> direção<br />
errada.<br />
O zelo de <strong>Wesley</strong> neste t<strong>em</strong>po tr<strong>em</strong>ia à beira de um fanatismo<br />
exaltado. Ele escreveu: “Sou tentado a deixar de me dedicar a qualquer<br />
ensino senão àquele que tende à prática”. Seriamente cogitava da<br />
formação de uma sociedade para a observação ainda mais estrita dos<br />
dias santos, do sábado como uma festividade cristã, de todos os dias de<br />
jejum da Igreja antiga, etc. Tornou-se para ele coisa de consciência que<br />
o vinho na Santa Ceia fosse misturado com água; pois diz <strong>Wesley</strong>:<br />
“Éramos, no sentido mais absoluto, ritualistas – High Churchmen”.<br />
Escrevendo ao pai, diz: “Ninguém está na graça da salvação enquanto<br />
não seja desprezado por todo o mundo”; e <strong>Wesley</strong> nessa época estava<br />
se qualificando diligent<strong>em</strong>ente para ser assim desprezado, e achava um<br />
prazer mórbido no processo!<br />
Existe também um traço de misticismo claramente visível no<br />
espírito de <strong>Wesley</strong> neste t<strong>em</strong>po, e parece estar <strong>em</strong> conflito<br />
irreconciliável com o rígido ritualismo de sua vida exterior. O místico e o<br />
ritualista que combinação estranha! Representam a união de el<strong>em</strong>entos<br />
discordantes <strong>em</strong> uma só vida. O misticismo e o ritualismo não são<br />
meias-verdades; são contradições. O ritualismo põe a ênfase supr<strong>em</strong>a<br />
nos atos externos; e o misticismo nega a existência do mundo externo,<br />
e habita a região dos sonhos.<br />
<strong>Wesley</strong> se desfez do misticismo primeiro; surpreendido, como<br />
devia ter ficado, pelo conflito fundamental que este mantém com a<br />
religião prática. Escreveu a <strong>seu</strong> irmão Samuel uma análise<br />
notavelmente clara das características do misticismo:<br />
“Acho que onde quase fiz naufrágio da fé era nos escritos<br />
dos místicos; termo este que tomo como abrangendo a todos, e a<br />
estes somente, que desprezam quaisquer dos meios de graça.<br />
Tenho preparado um breve esboço de suas doutrinas e peço a<br />
vossa apreciação dele”.<br />
“Homens inteiramente despidos de livre-vontade, de amor e<br />
de atividade próprias, entram já numa condição passiva, e gozam<br />
de uma cont<strong>em</strong>plação tal que não somente os faz independentes<br />
da fé, mas da vista também, – de modo que se acham<br />
inteiramente livres de representações, pensamentos e discursos,<br />
não se perturbando mais com os pecados da enfermidade, n<strong>em</strong><br />
por distrações voluntárias. Já renunciaram à própria razão e<br />
entendimento por completo, de outra sorte não podiam ser<br />
guiados pela luz divina. Não buscam qualquer conhecimento claro<br />
e definido de coisa alguma; mas somente um conhecimento<br />
obscuro e geral, que é muito melhor.”<br />
“Tendo assim alcançado o fim, dev<strong>em</strong> cessar os meios. A<br />
esperança está absorvida pelo amor. A vista, ou algo mais que a<br />
vista, t<strong>em</strong> tomado o lugar da fé. Todas as virtudes eles possu<strong>em</strong><br />
na essência, e, portanto não necessitam praticá-las diretamente.<br />
Desprezam a devoção sensível de qualquer oração; como sendo<br />
um grande <strong>em</strong>pecilho à perfeição. Não necessitam ler as<br />
Escrituras, pois são apenas a carta daquele com qu<strong>em</strong> eles falam<br />
face a face. N<strong>em</strong> precisam da Ceia do Senhor, pois nunca<br />
cessam de l<strong>em</strong>brar-se de Cristo numa maneira ainda mais<br />
aceitável“.<br />
Uma tal interpretação de religião avizinha perigosamente a sua<br />
negação! <strong>Wesley</strong> discordava do misticismo sobre outro ponto também.<br />
Era lógico bom d<strong>em</strong>ais para não enxergar que, <strong>em</strong> última análise, o<br />
misticismo constitui a forma mais sutil de justiça própria; e toda a sorte<br />
de justiça própria constitui uma rejeição fundamental de Cristo e de sua<br />
redenção.<br />
“Se a justiça v<strong>em</strong> mediante a lei”, ou por qualquer espécie de<br />
esforço humano – então, segundo a tr<strong>em</strong>enda frase de São Paulo –<br />
“morreu Cristo s<strong>em</strong> necessidade”. Não somente se torna desnecessária<br />
a sua cruz, mas uma intrusão. E não pode haver coisa mais linda do que<br />
a lógica clara e penetrante com que <strong>Wesley</strong> persegue o misticismo até<br />
descobrir na sua última raiz uma forma de justiça própria.<br />
Escrevendo da Geórgia, no continente americano, a <strong>seu</strong> irmão ele<br />
criticara os ensinos místicos de Law; o qual lhe ensinara que as obras<br />
exteriores não eram nada quando a sós, e acrescenta:
“Ele recomendou para suprir a falta, orações mentais e<br />
exercícios s<strong>em</strong>elhantes, como sendo o meio mais eficaz <strong>em</strong><br />
purificar a alma e uni-la a Cristo”.<br />
“Mas estas coisas”, diz <strong>Wesley</strong> com a perspicácia que lhe<br />
era característica, “eram tão realmente as minhas obras como são<br />
o visitar aos doentes ou o vestir os nus; e a união com Deus que<br />
se quer alcançar deste modo seria tão realmente a minha própria<br />
justiça como seria qualquer outra que eu praticasse sob outro<br />
nome”.<br />
Em outro lugar, <strong>Wesley</strong> diz:<br />
“Todos os mais inimigos do Cristianismo são como nada;<br />
os místicos são os mais perigosos; pois lhe dão punhaladas nas<br />
partes vitais, e os adeptos mais sérios do Cristianismo são<br />
justamente os mais suscetíveis de caír<strong>em</strong> por esses golpes”.<br />
CAPÍTULO VIII<br />
A Religião que Fracassou<br />
O constrangimento de uma religião tal qual a que <strong>Wesley</strong> agora<br />
queria seguir era d<strong>em</strong>ais para a natureza humana. N<strong>em</strong> mesmo o corpo<br />
resistente de <strong>Wesley</strong>, com os nervos de arame e tecidos de ferro,<br />
poderia deixar de ceder. E mesmo que sobrevivesse aos jejuns, ao rigor<br />
dos trabalhos e ao minguado t<strong>em</strong>po para o sono, que ele se impunha;<br />
não é de admirar que a sua saúde fosse minada, quando a tudo isso se<br />
acrescentava um espírito inquieto, uma consciência religiosa vexada e<br />
perturbada por uma infinidade de dúvidas. Parece até que, nessa<br />
época, mau trato do corpo constituía parte da religião de <strong>Wesley</strong>.<br />
Numa carta humorística que Samuel <strong>Wesley</strong> escreveu <strong>em</strong> versos<br />
a <strong>seu</strong> irmão Carlos <strong>em</strong> 20 de Abril de 1732, ele pergunta:<br />
“Does John se<strong>em</strong> bent beyond his strelngth to go;<br />
To his frail carcass literally a foe:<br />
Lavish of health, as if ill haste to die,<br />
And shorten time t'ensure eternity “?<br />
Ou,<br />
“João parece resolvido ir além das suas forças;<br />
literalmente fazer-se inimigo do próprio corpo:<br />
Pródigo de saúde como que querendo morrer,<br />
e encurtar o t<strong>em</strong>po para segurar-se da eternidade?”<br />
A mãe Suzana, com solicitude que lhe era natural, t<strong>em</strong>ia que João<br />
tivesse a consumpção (definhamento progressivo e lento do organismo<br />
humano produzido por doença. Ato ou efeito de consumir-se); já tivera<br />
séria h<strong>em</strong>orragia dos pulmões, e por algum t<strong>em</strong>po se achava <strong>em</strong><br />
tratamento médico.<br />
Outro m<strong>em</strong>bro do pequeno grupo, Guilherme Morgan, morreu<br />
neste t<strong>em</strong>po e isto trouxe sobre o Clube Santo as suspeitas de havê-lo<br />
morto pelas suas austeridades. O pai de Morgan lhe escrevera quinze<br />
dias antes da sua morte, queixando-se:<br />
“Causa-me sensível perturbação <strong>em</strong> ouvir que estais
visitando a vila de Holt, congregando as crianças e lhes ensinando<br />
as orações e o catecismo e lhes dando um shil ling ao partirdes.<br />
Resolvi pedir conselhos de um clérigo sábio, piedoso e douto; e este<br />
me disse que havia conhecido os piores resultados seguire m um<br />
zelo tão cego, e me fez ver claramente que estais errando por<br />
completo da verdadeira piedade e religião. Ele acha que sois ainda<br />
jov<strong>em</strong>, e que o vosso juízo não está ainda amadurecido. E que com<br />
o t<strong>em</strong>po vereis o erro do vosso procedimento, e pensareis como ele,<br />
e que então andareis como convém e <strong>em</strong> segurança s<strong>em</strong> tentardes<br />
sobrepujar a todos os bons bispos, clérigos e outros homens<br />
piedosos do <strong>século</strong> presente e passados”.<br />
Na curiosa moral daquele <strong>século</strong>, “um clérigo sábio, piedoso<br />
e douto”, manifestamente julgava que um moço, culpado de ter<br />
ensinado as criancinhas a orar<strong>em</strong>, estava pecando contra a religião!<br />
Quando Morgan morreu , <strong>Wesley</strong> foi abertamente acusado de ter<br />
contribuído à sua morte. Isto fê-lo escrever uma longa e bela carta<br />
ao pai de Morgan, so b a data de 18 de outubro de 1732, dando<br />
relação do Clube Santo e de <strong>seu</strong>s métodos. A carta, que forma a<br />
página inicial do famoso Diário, é uma história da pequena<br />
sociedade até essa data, e também uma defesa, e está assinalada<br />
por qualidades que a faz<strong>em</strong> um dos documentos m<strong>em</strong>oráveis na<br />
literatura cristã.<br />
As qualidades que faltavam n a vida religiosa de <strong>Wesley</strong><br />
nesse t<strong>em</strong>po são mui evidentes. Faltava nele o el<strong>em</strong>ento de gozo. A<br />
religião deve preencher na paisag<strong>em</strong> espiritual a função da luz do<br />
sol, mas no céu esp iritual de <strong>Wesley</strong> não brilhava qualquer luz<br />
divina, quer de certeza, quer de esperança. Ele imaginava que<br />
poderia destilar, de exercícios religiosos meramente mecânicos, o<br />
precioso licor do gozo espiritual; mas achou-se desesperado e, nas<br />
próprias palavras dele, “estúpido, cansado e s<strong>em</strong> <strong>em</strong>oção no uso das<br />
ordenanças mais solenes”. Também o t<strong>em</strong>or, qual ave de mau agouro,<br />
lhe assombrava o espírito: t<strong>em</strong>ia que não seria aceito perante Deus;<br />
t<strong>em</strong>ia que perderia a pouca graça que já possuía; t<strong>em</strong>ia viver e também<br />
t<strong>em</strong>ia morrer. Ele declara que não ousava tomar a si mesmo a liberdade<br />
que outros gozavam. O <strong>seu</strong> irmão Samuel cujas cartas são s<strong>em</strong>pre<br />
t<strong>em</strong>peradas com o sal do bom senso lhe prevenia contra as<br />
austeridades que praticara e contra o rigor alarmante com que <strong>Wesley</strong><br />
se interrogava a si mesmo. Mas <strong>Wesley</strong> se defendia com o pleito – no<br />
qual, inconscient<strong>em</strong>ente mostrou um sentimento que ele não possui a<br />
força do <strong>seu</strong> irmão e não ousa tomar o risco:<br />
“Admito (diz ele) que o riso muito vos convenha a vós;<br />
mas seguir-se-á dai que me convenha a mim? Se vós vos<br />
regozijais s<strong>em</strong>pre por terdes posto <strong>em</strong> fuga a vossos inimigos,<br />
como posso eu ter o mesmo gozo quando os meus inimigos me<br />
assaltam s<strong>em</strong>pre? Sois contente que já passastes da morte para<br />
a vida. Muito b<strong>em</strong>! Mas tr<strong>em</strong>a aquele que não sabe se ele vai<br />
viver ou se vai morrer. Se tal é a minha condição ou não, qu<strong>em</strong><br />
saberia melhor do que eu mesmo?”<br />
Numa carta à sua mãe <strong>Wesley</strong> faz uma resenha das vantagens<br />
que ele goza, e pergunta:<br />
“Que farei para tornar efetivas todas estas bênçãos?<br />
Devo deixar de vez a procura de toda a instrução que não tende à<br />
pratica? Em outros t<strong>em</strong>pos eu desejava distinguir-me <strong>em</strong> línguas<br />
e na filosofia, mas isto já passou”. Então clama: “Qual será o<br />
caminho mais direto para a paz que eu suspiro? Não está <strong>em</strong><br />
fazer-me humilde? Mas suscita-se a pergunta: Como posso fazer<br />
isto? Simplesmente admitir a necessidade disso não é o fazer-me<br />
humilde”.<br />
Então este brilhante, jeitoso e letrado lente de Lincoln, com o<br />
corpo debilitado pelos jejuns, o espírito preso de saudades insaciáveis<br />
volve para a mãe com o gesto de uma criança cansada. Nos dias<br />
simples, passados havia muitos, no presbitério de Epworth, a sua<br />
mãe costumava designar uma hora a cada quinta-feira para palestrar<br />
com o Joãozinho . <strong>Wesley</strong> escreve:<br />
. “Em muitas coisas já intercedestes por mim e<br />
prevalecestes. Qu<strong>em</strong> sabe se, nisto também, não tenhais<br />
êxito? Se puderdes dar-me somente aquela pequena parte da<br />
noite de quinta-feira, que outrora, me destes de outra maneira,<br />
não duvido que agora me seríeis tão útil <strong>em</strong> corrigir-me o<br />
coração como fostes então <strong>em</strong> formar o meu juízo. Quando<br />
vejo quão velozmente a vida corre e quão vagarosamente<br />
v<strong>em</strong> as melhoras, convenço-me de que nunca se t<strong>em</strong><br />
d<strong>em</strong>asiado medo de morrer antes de se ter aprendido a viver”.<br />
O Cônego Overton, que di ligent<strong>em</strong>ente procura abotoar a<br />
João <strong>Wesley</strong>, por todas as fases de sua vida, numa batina ritualista,<br />
insiste que <strong>Wesley</strong> nesse t<strong>em</strong>po era santo s<strong>em</strong> sabê -lo. É verdade<br />
que o próprio <strong>Wesley</strong>, que devia ter se conhecido melhor do que<br />
qualquer outro quanto à sua condição espiritual declarou depois, que<br />
nesse t<strong>em</strong>po ele estava completamente destituído da verdadeira<br />
religião; mas o Cônego Overton heroicamente insiste <strong>em</strong> defender a<br />
João <strong>Wesley</strong> contra João <strong>Wesley</strong>. Ele conta a história da diligência
de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> todas as ordenanças da Igreja, do <strong>seu</strong> zelo <strong>em</strong> atos<br />
de beneficência cristã, de suas elevadas aspirações pelas virtudes<br />
cristãs, e pergunta: Se isto não é ser bom cristão, então que é? Ele<br />
diz:<br />
“Se o João <strong>Wesley</strong> não era verdadeiro cristão (quando<br />
estava na Geórgia); então Deus ajude os milhões que<br />
professam e se chamam cristãos”.<br />
Mas qu<strong>em</strong> pode estudar as experiências religiosas de<br />
<strong>Wesley</strong> nesse t<strong>em</strong>po e afirmar que representam os sentimentos<br />
espirituais que a religião visa criar e que realmente cria no coração<br />
crente? <strong>Wesley</strong>, nesse t<strong>em</strong>po, vivia unicamente naquilo que se pode<br />
chamar a teoria servil da religião. Não aprendera ainda o significado<br />
da declaração: “De modo que não és mais escravo, porém filho”.<br />
Entretanto <strong>Wesley</strong> ocasionalmente mostrava com clareza que,<br />
intelectualmente, possuía as doutrinas evangélicas. Em 1º de Janeiro de<br />
1733, por ex<strong>em</strong>plo, pregou <strong>em</strong> Santa Maria, Oxford, um sermão notável<br />
sobre “A circuncisão do Coração”; e como exposição dos ofícios do<br />
Espírito Santo na alma humana não pode ser ultrapassada, quer na<br />
força quer na clareza doutrinária; ainda ocupa lugar entre os cinqüenta<br />
e três sermões que, com as Notas de <strong>Wesley</strong> sobre o Novo<br />
Testamento, constitu<strong>em</strong> o padrão teológico da Igreja Metodista <strong>em</strong> todo<br />
o mundo. Eis a definição do estado espiritual que aqui descreve:<br />
“A circuncisão do coração é aquela disposição<br />
habitual da alma que, nas Sagradas Letras, se chama<br />
santificação, que significa claramente, ser purificado do<br />
pecado, de toda a imundícia da carne e do espírito; e, por<br />
conseguinte, ser revestido de todas aquelas virtudes que<br />
estavam também <strong>em</strong> Cristo Jesus, sendo renovado na<br />
imaginação de sua mente a ponto de ser perfeito como o é<br />
o nosso Pai Celeste”.<br />
Seria difícil, <strong>em</strong> tão poucas palavras, fazer uma apresentação<br />
mais enfática da doutrina de “perfeição”, que é o característico – e aos<br />
olhos de muitos, o escândalo – do ministério posterior de <strong>Wesley</strong>. O<br />
próprio <strong>Wesley</strong> diz <strong>em</strong> 1765: “Este sermão continha tudo que eu agora<br />
ensino <strong>em</strong> referência à salvação de todo o pecado, e de amar a Deus<br />
de todo o coração”. Entretanto o sermão pertence ao período não<br />
iluminado de sua teologia; quando o próprio <strong>Wesley</strong> se achava aflito por<br />
constantes dúvidas quanto à sua própria condição espiritual!<br />
No sermão de 1733 ele prossegue com a definição da fé que é<br />
o segredo da vitória Cristã. “É, diz ele, um assentimento inabalável a<br />
tudo que Deus t<strong>em</strong> revelado nas Escrituras; e especialmente àquelas<br />
verdades importantes, a saber, que Jesus Cristo veio a este mundo<br />
para salvar aos pecadores; levou ele próprio os nossos pecados <strong>em</strong> <strong>seu</strong><br />
corpo sobre o madeiro; ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não<br />
somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. E ai<br />
<strong>Wesley</strong> parou, mas <strong>em</strong> 1765, quando reeditou o sermão, ele<br />
acrescentou, com um significante, Nota bene, a seguinte anotação:<br />
“É igualmente a revelação de Cristo <strong>em</strong> nossos<br />
corações a evidência divina ou a convicção do <strong>seu</strong> amor; <strong>seu</strong><br />
amor livre e imerecido para mim, pecador; a confiança<br />
inabalável na sua misericórdia perdoadora efetuada <strong>em</strong> nós<br />
pelo Espírito Santo; confiança esta que habilita a todo o<br />
crente verdadeiro <strong>em</strong> test<strong>em</strong>unhar: ”eu sei que o meu<br />
Redentor vive“; que tenho para com o Pai um Advogado, e<br />
Jesus Cristo é meu Senhor, e é a propiciação pelos meus<br />
pecados. Sei que ele me ama, e deu-se a si mesmo por mim;<br />
e ele me reconciliou com Deus, e tenho a redenção mediante<br />
o <strong>seu</strong> sangue, a saber, o perdão dos pecados”.<br />
Por fim <strong>Wesley</strong> havia endireitado os <strong>seu</strong>s pronomes! Estas<br />
palavras são vibrantes com a nota essencial do Cristianismo; o acento<br />
pessoal, a cadência triunfante! Aqui o propósito mais central e divino da<br />
redenção de Cristo tornou-se realidade na experiência humana. A fé<br />
não é simplesmente o assentimento intelectual a certas proposições<br />
teológicas ou históricas; é antes a alegre confiança da alma pessoal<br />
num Salvador pessoal. Mas é esta justamente a nota que faltava no<br />
sermão de 1733, e faltava também na própria experiência de <strong>Wesley</strong><br />
até aquela data. É mui instrutivo notar aquele pequeno mosaico, no qual<br />
está traçada a alegre experiência de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> 1765 – experiência<br />
esta que já havia durado mais de um quarto de <strong>século</strong> posto como<br />
test<strong>em</strong>unha no meio das sentenças áridas do sermão de 1733.<br />
Outra ilustração das curiosas oscilações teológicas de <strong>Wesley</strong><br />
nesse período – a maneira <strong>em</strong> que, ao passo que apanhava<br />
intelectualmente a verdade evangélica, falhava por completo <strong>em</strong> tornála<br />
uma realidade na experiência – acha-se no contraste entre o primeiro<br />
livrinho que jamais publicou, um livro de orações publicado <strong>em</strong> 1733, e<br />
a segunda obra original que veio à luz uns dezoito meses depois, o<br />
sermão sobre “Os Trabalhos e o Descanso dos Bons”.<br />
As orações mostram um verdadeiro fervor evangélico; pela<br />
visão, clareza, simplicidade e beleza, são incomparáveis. Mas no
sermão de 1735 <strong>Wesley</strong> é outra vez o ritualista, pendendo de novo para<br />
o domínio da teologia sacerdotal. A perfeita santidade, ele declara, “não<br />
se acha na terra. Certos restos da nossa enfermidade s<strong>em</strong>pre serão<br />
sentidos”. E então pergunta: “Qu<strong>em</strong> nos livrará do corpo desta morte?"<br />
A sua resposta curiosamente anti-evangélica é: “a morte destruirá de<br />
vez todo o corpo de pecado”.<br />
A morte, <strong>em</strong> suma, é o Cristo da alma, e o único libertador que a<br />
alma jamais conhecerá. É evidente que <strong>Wesley</strong> nesse t<strong>em</strong>po não<br />
possuía a visão clara e nítida da verdade cristã, verificada pela própria<br />
experiência. Oscilava, qual o pêndulo, entre concepções contraditórias.<br />
Uma ilustração esquisita dessas oscilações acha-se numa<br />
correspondência, um tanto absurda, que <strong>Wesley</strong> mantinha nesse t<strong>em</strong>po<br />
com uma mulher que no correr dos anos atingiu a fama social e literária<br />
– Maria Granville, depois Madama Pendarvis. Era mais velha que<br />
<strong>Wesley</strong> por três anos, viúva jov<strong>em</strong> e fascinante, sobrinha do Lorde<br />
Lansdowne, rica, espirituosa e bonita. Eles encontraram-se <strong>em</strong> casa<br />
dos Kirkhams, e o jov<strong>em</strong> lente do colégio de Lincoln e a jov<strong>em</strong> viúva<br />
brilhante e catita (elegante) encetaram uma correspondência; <strong>Wesley</strong>,<br />
sob o nome de “Cyro”, e Maria Granville, sob o de “Aspásia”.<br />
Durante meses “Cyro” e “Aspásia” trocavam cartas nas quais<br />
corre uma curiosa mistura de teologia e de sentimentos pessoais que se<br />
aproximam de um namoro. Cyro diz: “Contai-me, Aspásia, se será mal<br />
que o meu íntimo coração arda ao l<strong>em</strong>brar-me das muitas provas de<br />
estima que já me mostrastes”. Então exorta a Aspásia a orar por ele, e<br />
discute com ela certos probl<strong>em</strong>as teológicos. Aspásia escreve: “Ó Cyro!<br />
Fazeis uma tão linda defesa! E como estais adornados com a beleza da<br />
santidade”. Mais tarde Aspásia queixa-se que “o Cyro já me apagara da<br />
m<strong>em</strong>ória”.<br />
Existe uma curiosa mistura de discussão doutrinária com<br />
sentimentos mui humanos nesta correspondência, e Cyro estava <strong>em</strong><br />
iminente perigo de fundir o teólogo no namorado. Deveras ele às vezes<br />
passava os limites, e a própria viúva – <strong>em</strong>bora tarde d<strong>em</strong>ais, e somente<br />
quando <strong>Wesley</strong> passara para outro domínio de sentimento – estava<br />
visivelmente b<strong>em</strong> disposta a difundir um calor mui humano <strong>em</strong> suas<br />
cartas.<br />
Aqui transparece algo dos modos de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> relacionar-se<br />
com o belo sexo, pois, nota-se que esta correspondência com a Aspásia<br />
floresceu do tronco de uma correspondência anterior – com Miss Betty<br />
Kirkham, Correspondência, na qual pulsava um mui definido amor<br />
humano. Betty Kirkham era irmã de <strong>seu</strong> amigo de colégio; e é quase<br />
certo que <strong>Wesley</strong> a amava a <strong>seu</strong> modo t<strong>em</strong>perado, e que teria se<br />
casado com ela. Mas algum contrat<strong>em</strong>po – talvez a autoridade paterna<br />
de um ou de outro lado – intervinha, e Betty Kirkham casou-se com<br />
outro, morrendo pouco t<strong>em</strong>po depois.<br />
Foi na casa dos Kirkham que <strong>Wesley</strong> encontrou a madame<br />
Pendarvis. Quando <strong>Wesley</strong> correspondia com Betty Kirkham lhe<br />
apelidara de Varanese; e as suas primeiras cartas à Aspásia estão<br />
cheias de referências “À minha Varanese” e “À minha querida<br />
Varanese”. Entretanto, <strong>Wesley</strong> vigiava cientificamente a suas próprias<br />
<strong>em</strong>oções, como namorado; e dizia a Aspásia:<br />
“Não posso deixar de notar com prazer a grande<br />
s<strong>em</strong>elhança que existe entre as <strong>em</strong>oções que sinto agora <strong>em</strong><br />
escrever a Aspásia e as que freqüent<strong>em</strong>ente me trasbordavam o<br />
coração quando comecei a relacionar-me com a nossa querida<br />
Varanese.”<br />
É mais uma prova que <strong>Wesley</strong> não possuía o pleno senso de<br />
humor. Seria de se esperar que uma moça sentisse qualquer interesse<br />
na circunstância do <strong>seu</strong> correspondente achar-se possuído exatamente<br />
das mesmas <strong>em</strong>oções que antes sentira <strong>em</strong> outro namoro já perdido?<br />
Durante toda a vida, <strong>Wesley</strong> nunca se aproxima tanto ao absurdo como<br />
quando se acha enamorado ou está no começo de um namoro. Talvez<br />
nunca sentisse o amor no sentido geral da humanidade. Mas foi criado<br />
numa família singularmente rica <strong>em</strong> influências f<strong>em</strong>ininas. Conhecia,<br />
como b<strong>em</strong> poucos poderiam ter conhecido, quão viva e espirituosa é a<br />
inteligência da mulher, e quão terno é o <strong>seu</strong> afeto, e quão clara é a sua<br />
penetração espiritual. E durante a sua vida toda ele procurava com<br />
avidez as amizades de mulheres puras e jeitosas.
CAPÍTULO IX<br />
Oxford perde o <strong>seu</strong> encanto<br />
Uma prova expressiva do caráter claustral (enclausurado,<br />
fechado numa redoma) e concentrado da piedade de <strong>Wesley</strong>, nesta<br />
época, acha-se na sua recusa de assumir o lugar de <strong>seu</strong> pai <strong>em</strong><br />
Epworth. O pai era já b<strong>em</strong> idoso, e de saúde precária; podia morrer a<br />
qualquer hora. Qu<strong>em</strong> seria o <strong>seu</strong> sucessor? Da resposta desta pergunta<br />
dependia, praticamente, o futuro da família de Epworth. O benefício era<br />
de valor; o pároco havia gasto uma parte considerável de <strong>seu</strong>s<br />
vencimentos <strong>em</strong> melhorar o presbitério. Se João pudesse assegurar-se<br />
da sucessão, então a mãe e as irmãs teriam casa pelo t<strong>em</strong>po que<br />
precisass<strong>em</strong>. O beneficio estava à mercê da Coroa, e insistiram com<br />
João <strong>Wesley</strong> que desse os passos necessários para assegurar-se da<br />
nomeação.<br />
Ele, hesitando, duvidando e debatendo, finalmente recusou<br />
terminant<strong>em</strong>ente, justificando-se com o pai por uma carta de estupendo<br />
comprimento, cujo tamanho quase daria um panfleto. Uma decisão que<br />
necessitasse de tamanha defesa devia ter sido duvidosa. As razões que<br />
<strong>Wesley</strong> dava pela recusa, quando analisadas, são todas de uma<br />
natureza pessoal, senão egoísta. Ele declara que a primeira<br />
consideração é o modo da vida que conduzia mais para o meu próprio<br />
melhoramento! Ele necessita de convivência diária com os <strong>seu</strong>s amigos,<br />
e diz, “não conheço outro lugar abaixo do céu, fora de Oxford, onde<br />
posso ter s<strong>em</strong>pre perto de mim uma meia dúzia de pessoas, do meu<br />
próprio pensar, <strong>em</strong>penhadas nos mesmos estudos... Ter-se um tal<br />
número de amigos tais, constant<strong>em</strong>ente, a velar<strong>em</strong> por minha alma” é<br />
uma benção que, <strong>em</strong> suma, <strong>Wesley</strong> não pode tomar a resolução de<br />
deixar. Em Oxford ele s<strong>em</strong>pre goza da exclusão. “Eu não somente<br />
tenho tantos, mas também, tão poucos companheiros quantos desejo”.<br />
Está livre de cuidado; goza de toda a sorte de oportunidades espirituais<br />
- a oração pública duas vezes por dia, o sacramento da Ceia do Senhor<br />
s<strong>em</strong>analmente, etc. “Outros façam o que puder<strong>em</strong>”, diz <strong>Wesley</strong>, “mas<br />
eu não sou capaz de conservar-me firme, por um mês sequer, contra a<br />
int<strong>em</strong>perança no dormir, comer e beber, contra a irregularidade no<br />
estudo, contra a moleza e as indulgências supérfluas, a não ser” – <strong>em</strong><br />
suma, que tenha os auxílios para a vida cristã que se encontram<br />
unicamente <strong>em</strong> Oxford. Ele diz que “meios cristãos” o matariam. Eles<br />
insensivelmente minam todas as minhas resoluções e me furtam o<br />
pouco fervor que tenho. Nunca volto de uma estadia entre esses santos<br />
do mundo s<strong>em</strong> sentir-me extenuado, desfalecido e exausto de todas as<br />
minhas forças”. A não ser que ele se abrigue sob as asas de uma fé<br />
mais robusta do que a sua. João <strong>Wesley</strong> protesta que há de morrer; de<br />
modo que não se aventura afastar-se de Oxford.<br />
Suscita-se mui naturalmente a questão de fazer b<strong>em</strong> a outros,<br />
mas <strong>Wesley</strong> laconicamente diz a <strong>seu</strong> pai, “a questão não é se eu posso<br />
fazer mais <strong>em</strong> benefício dos outros aqui ou ali, mas onde posso fazer<br />
melhor para mim mesmo; sendo claro que, onde eu mesmo puder ser<br />
mais santo, será onde poderei melhor promover a santidade <strong>em</strong> outros”.<br />
Mas este lugar é somente Oxford. Fora lhe dito que <strong>em</strong> Oxford “era<br />
desprezado” e que, pelo menos, indo a Epworth, encontraria uma<br />
atmosfera de respeito. Mas <strong>Wesley</strong> estava naquela condição de<br />
enfermidade espiritual <strong>em</strong> que a perseguição constitui uma espécie de<br />
petisco. Ele responde, “o Cristão será desprezado <strong>em</strong> qualquer lugar e<br />
até que seja assim desprezado ninguém está <strong>em</strong> estado de salvação”.<br />
Tudo isto mostra que a piedade de <strong>Wesley</strong> era do tipo<br />
claustral, que não suportaria o ar livre. Se não fosse b<strong>em</strong><br />
acondicionada <strong>em</strong> algodão, nutrida às colheradas, e feita respira r de<br />
uma atmosfera medicada, morreria forçosamente.<br />
O pai já se achava d<strong>em</strong>ais doente para lutar contra um filho<br />
de tão ingênua e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, tão astuta lógica. Ele diz ao filho<br />
Samuel: “Já tenho feito o possível, com a minha cabeça e corpo<br />
desfalecen tes, para satisfazer os escrúpulos do dever e da<br />
consciência que o teu irmão levanta contra a minha proposta”, e<br />
pede a Samuel que lhe ajude.<br />
Samuel, agora entra na correspondência, e pergunta ao<br />
irmão, com admirável espírito, se todos os <strong>seu</strong>s trabalhos h aviam<br />
dado nisto: Que houvesse uma necessidade mais absoluta para o<br />
<strong>seu</strong> próprio b<strong>em</strong> estar na vida cristã do que pela salvação de todos<br />
os párocos da Inglaterra! Tentou alistar a consciência de <strong>Wesley</strong> ao<br />
lado de sua ida a Epworth. Ele perguntou:<br />
“Não foste ordenado? Não prometeste deliberada e<br />
abertamente que havias de instruir, ensinar, admoestar e<br />
exortar a todos que estivess<strong>em</strong> a <strong>seu</strong> cargo? Então<br />
equivocaste por uma reservarão mental tão vil que resolvesses<br />
<strong>em</strong> teu coração que nunca terias cargo? Não é o colégio, não<br />
é a universidade, mas é a ord<strong>em</strong> das Igrejas na qual foste
chamado.”<br />
Em suma, Samuel diz a João <strong>Wesley</strong> que este tomou<br />
ordens, não para servir de tutor num colégio, mas para apascentar<br />
almas. E Samuel <strong>Wesley</strong> afirma:<br />
“A ord<strong>em</strong> da Igreja te prende, e quanto mais te<br />
esforçares <strong>em</strong> contrário tanto mais seguro ficarás. Se existe o<br />
que chamamos verdade, eu insisto que, quando a<br />
oportunidade te ofereça, tens de cumprir aquela promessa, ou<br />
arrepender-te de a teres feito”.<br />
Mas João era lógico d<strong>em</strong>ais e alerta para ser preso pelo<br />
argumento do irmão. Um presbítero que recusasse todo o cuidado de<br />
almas, s<strong>em</strong> dúvida, seria infiel; mas seria ele um perjuro por rejeitar a<br />
primeira paróquia que lhe fosse oferecida? Entretanto, a sua<br />
consciência lhe incomodava, e ele diz:<br />
“Confesso que não sou juiz insuspeito do voto que fiz ao<br />
ordenar-me; portanto, pelo correio, logo <strong>em</strong> seguida ao que me<br />
trouxe a tua carta, submeti a questão ao juízo do sumo sacerdote<br />
de Deus <strong>em</strong> cuja presença contraí este compromisso, fazendo-lhe<br />
a seguinte pergunta: Eu prometera, no meu voto de ordenação,<br />
<strong>em</strong>preender a direção de uma paróquia ou não?”.<br />
O apelo ao bispo <strong>em</strong> tais termos deixa transparecer a<br />
consciência legal de <strong>Wesley</strong>. Ele cumpriria a letra do <strong>seu</strong> compromisso;<br />
mas precisava ter a interpretação na letra, e por autoridade oficial!<br />
O bispo respondeu:<br />
"Não; contanto que, como clérigo, puderes melhor servir a<br />
Deus e a sua Igreja na tua presente posição ou <strong>em</strong> outra”.<br />
<strong>Wesley</strong> assim escapou do redil lógico (de ser encurralado, das<br />
redes, das argumentações) de <strong>seu</strong> irmão Samuel; entretanto, dez<br />
meses depois, com estranha inconsistência, ele partiu de Oxford para<br />
Geórgia, assim fazendo aquilo que declara ser-lhe-ia impossível, <strong>em</strong><br />
atenção cuidadosa da sua saúde espiritual, <strong>em</strong>bora interesses sagrados<br />
– o conforto de um velho pai, o futuro de sua mãe e de suas irmãs<br />
dependess<strong>em</strong> disso. A lógica de <strong>seu</strong> irmão Samuel, no decorrer do<br />
t<strong>em</strong>po, tornou-se forte d<strong>em</strong>ais para a consciência legalista de <strong>Wesley</strong>. E<br />
realmente há certa evidência que <strong>Wesley</strong>, depois da morte do pai, pediu<br />
o benefício; mas Sir Roberto Walpole não o favorecia e o pedido<br />
fracassou.<br />
Ninguém pode ler as cartas que se trocavam entre João <strong>Wesley</strong><br />
e <strong>seu</strong> pai velho e moribundo – com <strong>seu</strong> franco irmão Samuel fazendo<br />
coro – s<strong>em</strong> ver quão completamente centralizada <strong>em</strong> sua própria<br />
pessoa e quão destituída de fibra robusta era a piedade de <strong>Wesley</strong><br />
nesse t<strong>em</strong>po. Estava tão ocupado <strong>em</strong> pensar da sua própria alma que<br />
não podia dar pensamento algum a qualquer outro. E da sua própria<br />
alma ele pensava de uma maneira que, há um t<strong>em</strong>po, era tão mórbida e<br />
medrosa, que claro é ainda não aprendera as primeiras letras do grande<br />
alfabeto do Cristianismo.<br />
O pai de <strong>Wesley</strong> faleceu aos 25 de abril de 1735, e não havia<br />
nada <strong>em</strong> toda a história de sua vida tão lindo como a maneira <strong>em</strong> que a<br />
deixou. Os anos lhe suavizaram. O t<strong>em</strong>po lhe refrescara o fervor do <strong>seu</strong><br />
sangue. A doença lhe dera uma nova perspectiva à teologia, e uma<br />
nova ternura ao espírito. Ao passo que se aproximava das fronteiras<br />
misteriosas da eternidade, a sua piedade se aprofundava; estava<br />
batizado com novas influencias.<br />
João e Carlos <strong>Wesley</strong> estiveram com ele no fim, e numa carta<br />
sob a data de 30 de abril de 1735, Carlos descreve para o <strong>seu</strong> irmão<br />
Samuel a maneira <strong>em</strong> que o pai morrera. Algo da visão estranha que<br />
v<strong>em</strong> aos olhos dos moribundos foi concedido ao velho. Diz Carlos:<br />
“Freqüent<strong>em</strong>ente eIe punha-me a mão na cabeça, dizendo: Sê firme! A<br />
religião cristã certamente há de reviver neste reino. Tu o verás, mas eu<br />
não”. A João ele disse: "O test<strong>em</strong>unho íntimo, meu filho, o test<strong>em</strong>unho<br />
íntimo é a mais forte evidência do Cristianismo”.<br />
Este test<strong>em</strong>unho íntimo viera tarde ao velho, mas viera. Para o<br />
filho era então uma experiência desconhecida. As próprias palavras<br />
eram ininteligíveis; pertenciam a uma língua desconhecida. João diz,<br />
quando depois contava a história, “eu não as entendia nesse t<strong>em</strong>po”.<br />
Entretanto, o que consolava tão grand<strong>em</strong>ente a alma do pai moribundo,<br />
foi a mesma força que, mais tarde havia de transfigurar a vida do filho e,<br />
por ele, mudar a história religiosa da Inglaterra.<br />
Quando chegou o fim, João, se inclinando sobre o pai perguntoulhe,<br />
se estava perto do céu. Carlos diz: “Ele respondeu distintamente, e<br />
com o ar da maior esperança e triunfo que se pode expressar por sons:<br />
“Sim, estou”. Logo depois da oração <strong>em</strong> que o meu irmão o<br />
recomendava a Deus, ele falou outra vez: “Já fizestes tudo”. Foram<br />
estas as últimas palavras”.<br />
O sr. Samuel <strong>Wesley</strong>, o pai, deixou a família muito mal amparada.
Alugara uns campos e o gado que neles havia foi confiscado no dia do<br />
<strong>seu</strong> enterro, por um proprietário duro, para satisfazer os atrasos no<br />
aluguel. Carlos ainda não se formara; os honorários de João mal davam<br />
para provê-lo com as suas necessidades; e o peso do sustento da Sra.<br />
Suzana <strong>Wesley</strong> e de suas filhas solteiras caiu sobre o filho Samuel. O<br />
pai concluíra, antes de morrer, a sua magnum opus – um comentário<br />
sobre o Livro de Jó – e <strong>Wesley</strong> foi a Londres para oferecer um ex<strong>em</strong>plar<br />
à Rainha.<br />
Enquanto <strong>Wesley</strong> esteve <strong>em</strong> Londres, o Dr. Burton, do colégio de<br />
Corpus Christi, um dos diretores da nova colônia na Geórgia,<br />
apresentou-o ao general Oglethorpe, o fundador da colônia. Os<br />
diretores estavam, nessa época, à procura de um clérigo que pudesse<br />
pregar aos colonos e, também, aos índios na vizinhança, e <strong>Wesley</strong><br />
parecia-lhes ser justamente o hom<strong>em</strong> para o lugar. Era douto, um<br />
pregador de zelo conhecido e intenso, e com uma paixão pelos<br />
trabalhos religiosos que, para pessoas menos zelosas, parecia<br />
fanatismo. Seria de se supor que a lógica que obstara (que servira de<br />
obstáculo, que impedira) a João <strong>Wesley</strong> de deixar Oxford para ir a<br />
Epworth por causa dos “riscos <strong>em</strong> mudar-se de clima espiritual”, teria<br />
ainda mais força no presente caso. Mas <strong>Wesley</strong> inconscient<strong>em</strong>ente se<br />
mudara de pensamento. A sua consciência se colocara ao lado dos<br />
argumentos do <strong>seu</strong> irmão Samuel.<br />
Também grupos de universitários são, por natureza, t<strong>em</strong>porários.<br />
Os m<strong>em</strong>bros têm de espalhar-se entre as suas respectivas carreiras; e<br />
foi isto o que aconteceu <strong>em</strong> Oxford. Morgan morreu, Gambold e Ingham<br />
estavam prestes a tomar curatos (assumir<strong>em</strong> o cargo de curas, ou seja,<br />
um pároc de aldeia ou vilarejo). O George Whitefield, que ainda não fora<br />
ordenado, estava começando trabalho evangelístico no condado de<br />
Gloucester. Broughton era capelão na Torre. A bela camaradag<strong>em</strong> do<br />
Clube Santo <strong>em</strong> Oxford, à s<strong>em</strong>elhança dos Cavalheiros da Mesa<br />
Redonda do Rei Arthur, estava <strong>em</strong> dissolução. E <strong>Wesley</strong>, vendo os<br />
laços a romper<strong>em</strong>, um por um, voluntariamente atendeu a esta nova<br />
chamada rumo à Geórgia.<br />
É claro também que, o próprio <strong>Wesley</strong>, se não se cansara<br />
com o Clube Santo e <strong>seu</strong>s métodos, havia visivelmente perdido a<br />
fé nestas coisas. O <strong>seu</strong> programa de orações mecânicas, suas<br />
obras de piedade, suas austeridades físicas, eram simplesmente<br />
um s<strong>em</strong>pre caminhar espiritual, roda à roda, s<strong>em</strong> nunca chegar a<br />
nenhures (a lugar algum). <strong>Wesley</strong> já fizera este giro durante seis<br />
anos, e sabia o que acontecia. No fim desses anos de<br />
desenganos, cansaços e diligentes esforços, sentia que a religião<br />
possuía um segredo que ainda ele não alcançara por suas<br />
pesquisas, uma força que ainda não possuíra, um gozo que ainda<br />
não experimentara. Como seria possível traduzir a vida espiritual<br />
por termos mecânicos s<strong>em</strong> que perecesse na transição?<br />
Ao princípio, <strong>Wesley</strong> recusou o oferecimento da missão à<br />
Geórgia, mas com um acento que convidava uma repetição (uma<br />
recusa s<strong>em</strong> convicção). Ele declarou que não podia deixar a mãe,<br />
sendo indispensável ao <strong>seu</strong> sustento e conforto. Perguntaram-lhe, se<br />
iria, caso a mãe consentisse? <strong>Wesley</strong> julgava que seria impossível, mas<br />
permitiu que a consultass<strong>em</strong>. Se ele esperava que ela recusasse, era<br />
estranha e equivocada interpretação da têmpera elevada e corajosa do<br />
espírito de sua mãe. A dest<strong>em</strong>ida senhora respondeu: “Se eu tivesse<br />
vinte filhos, teria muito gosto que todos foss<strong>em</strong> assim <strong>em</strong>pregados,<br />
<strong>em</strong>bora eu nunca mais tornasse a vê-los”.<br />
Entretanto, <strong>Wesley</strong> não tomou o consentimento da mãe como<br />
sendo final. Consultou -se com muitas pessoas, desde Guilherme<br />
Law e <strong>seu</strong> irmão Samuel até o poeta João Byron. Todos<br />
concordavam que fosse. Samuel, s<strong>em</strong> dúvida, desejava que os ares<br />
do novo mundo e a rígida disciplina de uma vida diferente tirass<strong>em</strong><br />
do caráter do irmão certos el<strong>em</strong>entos mórbido s.<br />
Aos 18 de set<strong>em</strong>bro de 1735, <strong>Wesley</strong> consentiu e m ir. Tinha<br />
já trinta e dois anos de idade ; possuía a melhor erudição do <strong>seu</strong><br />
t<strong>em</strong>po; havia praticado <strong>em</strong> Oxford as austeridades de um asceta, e<br />
se mostrara possuidor do gênio natural para a liderança.<br />
Os diretores da colônia inglesa na Geórgia se julgavam felizes<br />
<strong>em</strong> achar um hom<strong>em</strong> como este. Entretanto, muitos, entre os amigos<br />
de <strong>Wesley</strong>, estavam desapontados. A sua nomeação para Geórgia<br />
lhes parecia um negro eclipse que caia sobre u ma carreira brilhante.<br />
<strong>Wesley</strong>, para justificar -se, explicou os <strong>seu</strong>s motivos numa carta<br />
notável, com a data de 10 de outubro, que é digna de citar-se <strong>em</strong><br />
grande parte:<br />
“Meu principal motivo é a salvação da minha própria<br />
alma. Espero aprender o verdadeiro sentido do Evangelho de<br />
Cristo por pregá-lo aos pagãos. Eles não têm comentários que<br />
desdiz<strong>em</strong> o texto; n<strong>em</strong> filosofa vã para corrompê -lo, n<strong>em</strong><br />
expositores ambiciosos, sensuais, avarentos e luxuosos, para<br />
suavizar<strong>em</strong> as verdades desagradáveis. Não têm partidos, n<strong>em</strong><br />
interesses para servir, e são, portanto, idôneos para receber<strong>em</strong> o
Evangelho <strong>em</strong> sua simplicidade. São como criancinhas –<br />
humildes, de fácil direção e que quer<strong>em</strong> cumprir a vontade de<br />
Deus”.<br />
“Espero que uma fé reta me abra o caminho para uma<br />
prática reta, especialmente quando for<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ovidas, pela maior<br />
parte, as tentações que aqui me acomet<strong>em</strong> com tanta facilidade.<br />
Não será pouca coisa o poder-se, s<strong>em</strong> receio de ofender, viver<br />
de água e dos frutos da terra. A choupana do índio não oferece<br />
qualquer alimentação à curiosidade, n<strong>em</strong> dilatação aos desejos<br />
pelas grandezas, novidades e belezas. A pompa e as vaidades do<br />
mundo têm lugar algum nos sertões da América.”<br />
“..Tenho sido um triste pecador desde a meninice, ainda<br />
acho-me carregado de desejos vãos e perigosos; mas estou certo<br />
que, se eu mesmo conseguir a conversão, Deus há de <strong>em</strong>pregarme<br />
tanto <strong>em</strong> fortalecer a meus irmãos como <strong>em</strong> pregar o <strong>seu</strong><br />
Nome entre os gentios.”<br />
“Não posso esperar alcançar aqui o grau de santidade que<br />
me seja possível ali. Não perco nada que eu desejo conservar.<br />
Ainda terei o necessário para o comer e vestir; e se alguém<br />
deseja mais do que isso, saiba que a maior bênção a ele possível<br />
seria o achar-se privado de todas as ocasiões de dar expansão a<br />
esses desejos que, se não for<strong>em</strong> logo extirpados, afogar-lhe-ão a<br />
alma na perdição eterna“.<br />
(Obras de<br />
<strong>Wesley</strong>, vol. VII, pág. 35)”.<br />
A carta explica exatamente o aspecto que a missão de Geórgia<br />
apresentava a <strong>Wesley</strong>, e quais motivos que o determinavam a<br />
<strong>em</strong>preendê-la. Por que ia pregar o Evangelho aos índios americanos?<br />
Ele nos diz: "Meu principal motivo é a salvação da minha própria alma”.<br />
A sua própria alma é ainda a sua principal preocupação; avulta-se tão<br />
grand<strong>em</strong>ente à sua imaginação desesperada que eclipsa (oculta,<br />
esconde) todo o resto da raça humana! É cônscio de não ter ainda<br />
aprendido o verdadeiro segredo do Evangelho de Cristo, e nisto ele<br />
estava de juízo perfeito. Ele deseja descobri-lo para si mesmo,<br />
entretanto, pelo processo de ensiná-lo aos pagãos do outro lado do<br />
mundo!<br />
Em suma, t<strong>em</strong>os aqui um missionário, que n<strong>em</strong> credo possui,<br />
mas, que o busca numa longa viag<strong>em</strong>! Não espera tanto comunicá-lo<br />
aos colonos e índios aos quais vai pregar e ensinar quanto espera<br />
extraí-lo deles!<br />
A nota de cansaço com Oxford e com todos os processos<br />
espirituais do Clube Santo, se faz ouvir pela carta toda. O <strong>seu</strong> aposento<br />
quieto no quadrângulo do Colégio de Lincoln, sob a sombra da famosa<br />
trepadeira de Lincoln, com, um grupinho de rostos estudiosos e pálidos,<br />
ao redor de sua mesa, a estudar<strong>em</strong> <strong>seu</strong>s Novos Testamentos <strong>em</strong><br />
Grego – ele está solícito <strong>em</strong> deixar tudo isso <strong>em</strong> troca das planícies<br />
americanas açoitadas pelos ventos e da companhia de índios s<strong>em</strong>inus!<br />
Oprime-o a Capela Colegial com o órgão sonoro, o murmurinho de<br />
orações incessantes e auditório douto e ordeiro. Aquilo que não achara<br />
na atmosfera da antiga Universidade ele espera encontrar nos rudes<br />
colonos da terra nova, ou – com ainda mais esperança – nos incultos<br />
selvagens que vagam pelas suas florestas.<br />
Ele descreveu tão radiant<strong>em</strong>ente a estes aprazíveis selvagens,<br />
que uma senhora, <strong>em</strong> admiração, exclamou com a força da lógica<br />
f<strong>em</strong>inina, “Pois, sr. <strong>Wesley</strong>, se já são tudo isto, que mais poderão lucrar<br />
com o Cristianismo?”<br />
Mas talvez a flor da verdadeira fé cristã que recusara crescer na<br />
atmosfera carregada de Oxford, poderia florescer no solo áspero de<br />
Geórgia. <strong>Wesley</strong> faria a revisão do <strong>seu</strong> credo segundo a suposta<br />
consciência incorrupta (a consciência inocente, não corrompida pelo<br />
pecado da civilização, de extr<strong>em</strong>a bondade) de <strong>seu</strong>s ouvintes índios.<br />
Ele diz: “Não posso esperar alcançar aqui o grau de santidade que me<br />
será possível ali”. E somente dez meses antes ele declarara que o único<br />
lugar na terra <strong>em</strong> que poderia esperar de conservar a mais fraca<br />
pulsação de uma vida religiosa no <strong>seu</strong> sangue era Oxford. A mudança<br />
para o clima espiritual de Epworth havia de matar a sua vida religiosa. E<br />
agora, tão pouco t<strong>em</strong>po passado, foge de Oxford, como sendo o melhor<br />
meio de salvar a sua alma!<br />
Desde então, o Metodismo t<strong>em</strong> enviado mil missionários a terras,<br />
pagãs, mas nenhum outro com tão estranho sortimento de motivos<br />
como os que levavam o <strong>seu</strong> fundador para a missão na Geórgia. Mas<br />
se houver necessidade de mais prova de fracasso do credo religioso <strong>em</strong><br />
que <strong>Wesley</strong> vivera até aí – a teologia ritualista, um ritualismo pesado e<br />
vagaroso – ela se achará na explicação de <strong>seu</strong>s motivos feita pelo<br />
próprio <strong>Wesley</strong>.
CAPITULO X<br />
Um Missionário Esquisito<br />
A missão de <strong>Wesley</strong> na América, como já, b<strong>em</strong> pode ser descrita<br />
como a peregrinação <strong>em</strong> busca de religião. E esta peregrinação<br />
fracassou! Ele <strong>em</strong>barcou para Geórgia aos 13 de outubro de 1735, e<br />
aportou de volta <strong>em</strong> Deal no dia 1º de fevereiro de 1738, tendo gastado<br />
quase dois anos e meio na experiência e no fim achava-se mais<br />
profundamente insatisfeito consigo mesmo do que no princípio. Pode-se<br />
medir o progresso espiritual desses vinte e oito meses trabalhosos e<br />
aflitivos por dois trechos significantes e datados.<br />
Aos 10 de outubro de 1735, antes de <strong>em</strong>barcar para a Geórgia,<br />
ele escreveu <strong>em</strong> palavras já citadas, o que esperava na América:<br />
“Meu principal motivo é a salvação da minha própria alma.<br />
Espero aprender o verdadeiro sentido do Evangelho de Cristo por<br />
pregá-lo aos pagãos”. E “não posso esperar alcançar o grau da<br />
santidade aqui que me será possível ali”.<br />
No <strong>seu</strong> diário, quando <strong>em</strong> viag<strong>em</strong> de volta da América, na terçafeira,<br />
24 de janeiro de 1738, ele faz um resumo do que ganhara sob os<br />
céus americanos:<br />
“Fui à América para converter os índios; mas, ai!, qu<strong>em</strong> me<br />
converterá a mim? Passam de dois anos e quatro meses que<br />
deixei a minha pátria nativa afim ensinar aos índios da Geórgia a<br />
natureza do Cristianismo; mas, eu mesmo, que tenho aprendido?<br />
Isto, que eu menos suspeitava: que, eu mesmo, indo à América<br />
para converter a outros, nunca fora convertido a Deus“.<br />
É verdade que quando, muitos anos depois, <strong>Wesley</strong><br />
reimprimiu essas sentenças <strong>em</strong> <strong>seu</strong> Diário, ele acrescentou a nota<br />
significativa, “Não tenho certeza disso” mas, pelo menos, as palavras<br />
exprim<strong>em</strong> fielmente o <strong>seu</strong> juízo acerca de si mesmo quando de novo se<br />
achou na Inglaterra. Ele fora à América na esperança de achar ali aquilo<br />
que a Oxford e o Clube Santo deixaram de dar-lhe – uma experiência<br />
religiosa b<strong>em</strong> definida. Ele volta mais amarga e pungent<strong>em</strong>ente<br />
descontente consigo mesmo do que nunca. E a narração desses meses<br />
numa terra longínqua, e sob céus estranhos, não é o capítulo menos<br />
instrutivo na história espiritual de <strong>Wesley</strong>.<br />
A pequena companhia de missionários era composta de João<br />
<strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong> irmão Carlos – que exercia o cargo de secretário do<br />
General Oglethorpe, o governador da colônia – Benjamin Ingbam e<br />
Carlos Delamotte, ambos m<strong>em</strong>bros do Clube Santo. Dois mais, <strong>Wesley</strong><br />
Hall e Salmon iam unir-se ao grupo; mas Hall que era cunhado de<br />
<strong>Wesley</strong>, quase no momento do <strong>em</strong>barque, recebeu a notícia de sua<br />
nomeação para um benefício, e prontamente fez des<strong>em</strong>barcar a sua<br />
bagag<strong>em</strong>. Ele não era da fazenda (do mesmo material) de que se faz<strong>em</strong><br />
santos e mártires! Salmon foi interceptado por <strong>seu</strong>s amigos e obstado<br />
(impedido) de seguir, quase a força.<br />
A viag<strong>em</strong> durou desde 14 de outubro de 1735 até 5 de fevereiro<br />
de 1736, fato que mostra a lentidão da navegação desse t<strong>em</strong>po. Com a<br />
viag<strong>em</strong> começa o Diário imortal de <strong>Wesley</strong>, peça de literatura que <strong>em</strong><br />
outros t<strong>em</strong>pos foi muito negligenciada, mas que agora é louvada quase<br />
<strong>em</strong> d<strong>em</strong>asia. Pelos interesses e qualidades variadas e pelos incidentes<br />
imperecíveis, merece, s<strong>em</strong> dúvida, ser classificado com o “Boswell”<br />
(referência a James Boswell, advogado e biógrafo escocês e um dos<br />
maiores diaristas do Século XVIII). E realmente, o Diário leva a<br />
vantag<strong>em</strong>, sobre o “Johnson” de “Boswell”, no fato de tratar-se de um<br />
vulto maior do que, mesmo, o famoso lexicógrafo, e o <strong>seu</strong> herói é<br />
também o escritor. Entretanto o Diário não é um livro de tagarelices;<br />
mas é uma autobiografia. Aqui t<strong>em</strong>os <strong>Wesley</strong>, não como visto de fora,<br />
mas como <strong>Wesley</strong> cont<strong>em</strong>plava a si mesmo. Em uma palavra, o Diário<br />
nos habilita a cont<strong>em</strong>plar os homens, os livros e os acontecimentos<br />
pelos olhos de João <strong>Wesley</strong>, e a apreciar o mesmo <strong>Wesley</strong> interpretado<br />
– e às vezes mal interpretado – pela própria consciência.<br />
Se a viag<strong>em</strong> era vagarosa, pelo menos <strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong>s<br />
companheiros não tiveram folga; começaram por confeccionar e<br />
subscrever um contrato entre si; documento este que traz a data de 3<br />
de nov<strong>em</strong>bro, e que reza:<br />
“Em nome de Deus, Amém!<br />
Nós, abaixo-assinados, plenamente convencidos da<br />
impossibilidade de promovermos a obra de Deus entre os pagãos<br />
s<strong>em</strong> que haja a mais completa união entre nós mesmos ou, que<br />
tal união possa subsistir s<strong>em</strong> que cada qual ceda o <strong>seu</strong> juízo<br />
individual ao da maioria, concordamos, Deus nos ajudando:<br />
primeiro, que nenhum de nós <strong>em</strong>preenderá qualquer coisa<br />
importante s<strong>em</strong> primeiro propô-la aos outros três; segundo, que
quando os nossos pareceres discord<strong>em</strong>, qualquer um cederá o<br />
<strong>seu</strong> juízo singular à determinação dos outros; terceiro, no caso de<br />
haver <strong>em</strong>pate, depois de pedirmos a direção de Deus, o negócio<br />
será decidido pela sorte”. Assinam: João <strong>Wesley</strong>, Carlos <strong>Wesley</strong>,<br />
Benjamim Ingham e Carlos Delamotte.<br />
Aqui v<strong>em</strong>os o instinto que <strong>Wesley</strong> teve pela ord<strong>em</strong> e comunhão,<br />
dando sinal de si. Os missionários não haviam de ser unidades<br />
separadas, mas uma companhia disciplinada. Nas últimas palavras<br />
daquele contrato t<strong>em</strong>os a prática do sorteio – que corre com<br />
intermitências por todos os anos posteriores na vida de <strong>Wesley</strong> –<br />
erguido <strong>em</strong> lei e feito o padrão supr<strong>em</strong>o de decisão <strong>em</strong> negócios de<br />
difícil solução.<br />
A viag<strong>em</strong> era tida, pela pequena companhia de missionários,<br />
como oportunidade para uma provação heróica de si mesmos.<br />
Apresentou-lhes a grata ocasião de despir-se de certos hábitos<br />
arraigados. Reduziram o número de suas refeições e limitaram a sua<br />
dieta a arroz e biscoitos. <strong>Wesley</strong>, devido a um acidente teve de dormir<br />
uma noite no assoalho s<strong>em</strong> cama, e dai descobriu o fato aprazível que a<br />
cama era supérflua; dai <strong>em</strong> diante podia ser dispensada. O asceta, para<br />
não dizer “o monge”, estava aparecendo mais uma vez na vida de<br />
<strong>Wesley</strong>! Ele agiu sob a teoria que a alma fosse uma fortaleza sitiada, e<br />
que cada faculdade física fosse uma avenida aberta ao inimigo. Um<br />
apetite subjugado à fome, ou suprimido por qualquer outra forma, seria<br />
mais um traidor enforcado!<br />
Também <strong>em</strong> outras coisas o navio, que levava esses missionários<br />
estranhos, ficou convertido, <strong>em</strong> espécie de mosteiro flutuante. Cada<br />
hora do dia era dada a <strong>seu</strong> trabalho determinado. Levantavam-se às<br />
quatro da madrugada, e cumpriam uma sucessão de tarefas ordenadas<br />
– meditações e exercícios espirituais que não deixavam um momento<br />
de folga perigosa, até às dez horas da noite quando iam dormir.<br />
Um incidente na viag<strong>em</strong>· serviu de uma áspera provação para a<br />
condição espiritual de <strong>Wesley</strong>. Entre os passageiros havia um pequeno<br />
grupo de cristãos moravianos (crentes da Moravia, na Al<strong>em</strong>anha)<br />
desterrados, que pela simplicidade e seriedade de sua piedade, muito<br />
interessavam a <strong>Wesley</strong>. Um t<strong>em</strong>poral caiu sobre o navio, uma noite,<br />
justamente na hora que esses ingênuos al<strong>em</strong>ães começavam o <strong>seu</strong><br />
culto religioso. <strong>Wesley</strong> descreve o que segue:<br />
“No meio do salmo com que começaram os <strong>seu</strong>s serviços, o<br />
mar arrebentou <strong>em</strong> ondas sobre o navio, rompendo a vela<br />
principal, cobrindo o navio e derramando água nos diferentes<br />
compartimentos, como se os abismos nos quisess<strong>em</strong> engolir.<br />
Deu-se uma gritaria medonha entre os ingleses; mas os al<strong>em</strong>ães<br />
(moravianos) continuaram a cantar calmamente. Logo perguntei a<br />
um deles: ”Não sentiste medo”? Respondeu-me: ”Não, graças a<br />
Deus”. Eu prossegui: ”Mas as vossas mulheres e crianças não<br />
tinham medo“? Ele respondeu suav<strong>em</strong>ente: “Não; as nossas<br />
mulheres e crianças não têm medo de morrer”. Deste grupo vireime<br />
para os <strong>seu</strong>s vizinhos tr<strong>em</strong>entes e agitados, fazendo-Ihes ver<br />
a diferença, na hora da provação, entre aqueles que t<strong>em</strong><strong>em</strong> a<br />
Deus e aqueles que não o t<strong>em</strong><strong>em</strong>“.<br />
<strong>Wesley</strong> então sentia que não conseguira o segredo desse<br />
estranho desprezo da morte. Ele disse então, e por muitos dias depois,<br />
“eu tenho o pecado do t<strong>em</strong>or (medo)”. Ele sabia que a morte é o toque<br />
para a religião, justamente como é o ácido para o ouro. É a prova – a<br />
mais valiosa de todas. E sob o toque deste ácido terrível do t<strong>em</strong>or, a<br />
religião que <strong>Wesley</strong> possuía nesse t<strong>em</strong>po lhe falhou.<br />
Não quer dizer que ele recuava do mero sopro da gélida morte;<br />
pois <strong>em</strong> tal caso possuíra menos corag<strong>em</strong> do que o sargento de<br />
recrutas pode achar no mercado, ao preço de poucos tostões por dia.<br />
Mas exist<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos misteriosos na morte, que a faz<strong>em</strong> símbolo do<br />
triunfo do pecado, o ato culminante do reinado escuro do pecado. A<br />
alma humana é vagamente consciente que no mal moral exist<strong>em</strong> forças<br />
estranhas e trevosas – profundezas imensuráveis, relações com Deus e<br />
com <strong>seu</strong> universo que são desconhecidas – e a morte traz a alma face à<br />
face com estes el<strong>em</strong>entos últimos e extr<strong>em</strong>os do mal. Assim acontece<br />
que o pecado e a morte, se b<strong>em</strong> que parentes mui chegados,<br />
aborrec<strong>em</strong>-se um ao outro grand<strong>em</strong>ente. E como a religião de <strong>Wesley</strong><br />
nesta época não podia livrá-lo do t<strong>em</strong>or da morte, ele julgou mui<br />
justamente que não achara ainda o completo livramento do pecado, o<br />
mais triste progenitor da morte.<br />
Logo que <strong>Wesley</strong> chegou <strong>em</strong> terra, achou face à face com o repto<br />
(desafio) daquilo que, para ele, era um tipo de piedade inteiramente<br />
novo. Ele avidamente procurou o chefe da pequena comunidade<br />
Moraviana, Augusto Spangenberg e, com a bela humildade que<br />
caracterizava um aspecto de sua natureza, pediu-lhe conselhos –<br />
segundo diz <strong>Wesley</strong> – “a respeito da minha própria conduta”. O sincero<br />
pastor dos Moravianos lhe fez certas perguntas:<br />
“EIe disse: “Meu irmão, tenho de fazer-te uma ou duas perguntas:<br />
Tens o test<strong>em</strong>unho <strong>em</strong> ti mesmo? O Espírito de Deus test<strong>em</strong>unha com
o teu espírito que és filho de Deus? “<br />
Disse <strong>Wesley</strong>: “Fiquei surpreendido e não soube responder”.<br />
Ele notou isto e perguntou: “Conheces a Jesus Cristo?”<br />
Eu fiz uma pausa e disse: “Sei que eIe é o Salvador do mundo”.<br />
EIe respondeu: “É verdade, mas sabes que ele te salvou a ti?”<br />
Eu respondi: ”Eu quero crer que eIe morreu para salvar·me”.<br />
EIe somente acrescentou: “Conhece-te a ti mesmo?”<br />
Eu disse:“Sim”. Mas receio que eram palavras vãs.”<br />
<strong>Wesley</strong> seria o último hom<strong>em</strong> no mundo que havia de<br />
escandalizar-se com perguntas tão francas e sinceras; entretanto é<br />
claro que o repto (desafio) do corajoso Moraviano lhe inquietou<br />
bastante. Pareceu ouvir nesta circunstância o eco das palavras do pai<br />
moribundo – “o test<strong>em</strong>unho íntimo, meu filho, o test<strong>em</strong>unho íntimo” -<br />
dos lábios de um hom<strong>em</strong> de outra nação e de diferente escola<br />
teológica, que o encontrara ao por <strong>seu</strong>s pés no solo do novo mundo.<br />
Entretanto <strong>Wesley</strong> sentiu-se muito atraído aos Moravianos. Viveu<br />
com eles por algum t<strong>em</strong>po e viu os <strong>seu</strong>s hábitos diariamente. Era a<br />
mais bela forma de piedade que eIe ainda test<strong>em</strong>unhara – uma<br />
repetição da devoção e diligência ordeiras do presbitério de Epworth,<br />
mas saturadas de uma corrente de alegria que a família <strong>em</strong> Epworth<br />
nunca conhecera.<br />
<strong>Wesley</strong> também esteve presente num culto Moraviano, celebrado<br />
para eleger e ordenar um bispo, e eIe descreve como a grave<br />
simplicidade fê-lo esquecer-se dos dezessete <strong>século</strong>s idos e imaginarse<br />
<strong>em</strong> uma dessas ass<strong>em</strong>bléias <strong>em</strong> que não existiam formas e ritual,<br />
mas onde Paulo, o fabricante de tendas, ou Pedro, o pescador, presidia.<br />
É curioso de se notar que, não obstante, a piedade simples dos<br />
Moravianos ter movido <strong>Wesley</strong> à admiração, e a fé moraviana ter-lhe<br />
despertado a inveja, entretanto tudo isto <strong>em</strong> nada diminuiu o fogo do<br />
<strong>seu</strong> zelo sacerdotal. O próprio centro de sua religião estava, s<strong>em</strong><br />
dúvida, se mudando inconscient<strong>em</strong>ente; mas a crosta exterior do<br />
ritualista (high-churchman) – os hábitos exteriores da sua vida – era<br />
quase mais rígida e austera do que nunca.<br />
Era campo b<strong>em</strong> estranho aquele <strong>em</strong> que <strong>Wesley</strong> agora<br />
trabalhava. A colônia na Geórgia representava, talvez, a mais generosa<br />
experiência <strong>em</strong> colonização conhecida na história. O <strong>seu</strong> fundador foi o<br />
general Oglethorpe – douto, soldado, político, cavalheiro, filantropo, e<br />
entre tudo mais, pois a mãe era irlandesa, um irlandês generoso, fogoso<br />
e irresponsável. Havia sido estudante <strong>em</strong> Oxford, soldado no exército<br />
inglês, havia pelejado no continente sob o comando do Príncipe<br />
Eugênio, e no Parlamento Britânico havia antecipado o filantropo<br />
Howard. A condição dos encarcerados por dívidas nas prisões inglesas,<br />
moveu-lhe o coração piedoso. Conseguiu a nomeação de uma<br />
comissão do parlamento para relatar sobre a condição das grandes<br />
prisões inglesas de Fleet e Marshalsea; e como resultado incidental,<br />
surgiu o plano para colonizar a Carolina do Sul. A colônia foi confiada a<br />
diretores; Oglethorpe foi nomeado governador; grandes somas de<br />
dinheiro foram levantadas para dar começo à colônia; e um código de<br />
leis foi adotado, que, se <strong>em</strong> todos os detalhes não se via a sabedoria<br />
perfeita, pelo menos representavam ideais mui nobres.<br />
Uma cláusula proibiu a escravidão como sendo não somente<br />
contrário ao Evangelho, mas às leis fundamentais da Inglaterra também.<br />
Teria sido um b<strong>em</strong> para os Estados Unidos da América e para a história<br />
de toda a raça que fala a língua inglesa, se os regulamentos de<br />
Oglethorpe para o ajuste deste ponto tivess<strong>em</strong> sido adotados<br />
universalmente. A proibição da escravidão custou aos Estados Unidos,<br />
mais tarde, depois da independência das colônias americanas, a mais<br />
terrível guerra civil que a história conhece. O mais difícil probl<strong>em</strong>a social<br />
e político que a grande República transatlântica tinha de resolver nunca<br />
teria existido se o precedente da Geórgia fosse seguido.<br />
Mas a nova colônia não somente representava uma grande<br />
experiência social: também oferecia um abrigo aos falidos sociais de<br />
toda a espécie – insolventes ingleses, jacobinos escoceses, moravianos<br />
desterrados, os náufragos do comércio e da política, as vitimas da<br />
perseguição religiosa. A colônia, desta forma, tornou-se num<br />
ajuntamento das individualidades humanas s<strong>em</strong> nexo, representando<br />
tipos raciais, políticos e sociais de uma espécie mui variada. E mais<br />
ainda, estava plantada no solo e respirava os ares do Novo Mundo,<br />
onde se esqueciam das convenções antigas, e a nova liberdade<br />
começava a fermentar no próprio sangue. Era campo ideal para<br />
experiências sociais e religiosas. E, como contribuição para a paz da<br />
nova colônia, <strong>Wesley</strong> intentava estabelecer pela disciplina sacerdotal, a<br />
mais estrita interpretação da rubrica! Ele queria imprimir os costumes -<br />
ou o que julgava ser os costumes do primeiro <strong>século</strong> Cristão numa<br />
comunidade que vivia no <strong>século</strong> XVIII!<br />
Isto prova quão completamente o ritualista e o sacerdote eram<br />
dominantes no <strong>Wesley</strong> desta época; trabalhava somente <strong>em</strong> plano que<br />
se pode chamar eclesiástico. Assim instituiu um culto de madrugada e
outro antes de meio dia para todos os dias. Dividiu o serviço da manhã,<br />
separando a ladainha; celebrava s<strong>em</strong>analmente a Santa Ceia, mas<br />
recusava de administrá-la a todos que não tivess<strong>em</strong> batismo episcopal.<br />
Ele avivou o batismo por imersão, o que cria ser a pratica apostólica.<br />
Rebatizava filhos de dissidentes, e recusou admitir à Ceia do Senhor o<br />
pastor dos Salzburguezes, porque – não obstante ter sido batizado –<br />
não fora feito segundo as mais rígidas formas canônicas. Quase vinte<br />
nos depois, recontando este incidente ele escreveu: “O exclusivismo<br />
ritualista pode ir além disso? E desde então quão redondamente tenho<br />
sido fustigado com a minha própria vara!”<br />
O processo organizado contra <strong>Wesley</strong>, pelo grande Júri de<br />
Savannah <strong>em</strong> 1737 contém dez artigos, e a um destes, <strong>Wesley</strong>, com<br />
todos sinais de verdadeiro pesar, confessou-se culpado. O <strong>seu</strong> crime<br />
consistia <strong>em</strong> ter batizado a criança de um negociante entre os índios<br />
com somente dois padrinhos! “Isto”, clama o consciencioso ritualista,<br />
“eu confesso, foi uma leviandade; eu devia, a todo o transe, ter<br />
recusado a batizá-la até que houvesse um terceiro”. Falou aí o<br />
verdadeiro ritualista, que não obstante crer que resultados espirituais e<br />
eternos depend<strong>em</strong> de formas mecânicas, no entanto, os sacrificará para<br />
manter as formas! Segundo a teoria de <strong>Wesley</strong> o destino eterno da<br />
criança dependia do <strong>seu</strong> batismo; ainda, mesmo com este terrível risco,<br />
<strong>Wesley</strong> cria que devia ter recusado a batizá-la, na falta de um terceiro<br />
padrinho!<br />
Mas se o padrão de <strong>Wesley</strong> era severo para outros, não era<br />
menos heróico para si mesmo. Ardia nele qual uma chama, o zelo pelos<br />
mais altos ideais de conduta e serviço. Não recuava diante de quaisquer<br />
austeridades de abnegação própria; visitava <strong>seu</strong>s paroquianos de casa<br />
<strong>em</strong> casa por curso, tirando para este fim as horas entre o meio dia e as<br />
três da tarde, quando todo o trabalho era suspenso por causa do calor.<br />
Vivia com a pobreza e simplicidade de um ermitão.<br />
Em uma das escolas dirigida por ele e Delamotte, alguns dos<br />
alunos mais pobres iam descalços, e os meninos que estavam mais<br />
b<strong>em</strong> vestidos lhes olhavam com desdém. Para livrá-los desse orgulho, o<br />
próprio <strong>Wesley</strong> foi por algum t<strong>em</strong>po descalço. Vivia praticamente de pão<br />
seco, e intercalava esta dieta rudimentar com jejuns constantes.<br />
Na Geórgia reaparece o impulso social no <strong>Wesley</strong>. Um instinto<br />
sábio e verdadeiro lhe advertia que uma religião solitária pereceria, e,<br />
como <strong>em</strong> Oxford, ele reorganizava o <strong>seu</strong> rebanho <strong>em</strong> pequenas<br />
sociedades que se reuniam uma ou mais vezes por s<strong>em</strong>ana, afim de<br />
exortar<strong>em</strong>-se mutuamente.<br />
Mas o ministério de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> Savannah falhou exatamente<br />
como falhara <strong>em</strong> Wroote, e com ainda mais efeito dramático. Era<br />
destituído do verdadeiro poder espiritual; deixava de fazer os homens<br />
melhores e fomentava desinteligências (divergência, desacordo,<br />
inimizade). “Como é que não há n<strong>em</strong> amor, n<strong>em</strong> mansidão, n<strong>em</strong><br />
verdadeira religião entre o povo; mas <strong>em</strong> vez disso, orações meramente<br />
formais?” – perguntou o Olglethorpe, atordoado pelas dissensões<br />
eclesiásticas que enchiam os ares de todo o lado.<br />
Nas palavras de Southey, <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> vez de dar leite a <strong>seu</strong><br />
rebanho estava lhes “fazendo engolir o r<strong>em</strong>édio de uma disciplina<br />
intolerante” e a natureza humana revoltava contra a amarga dose.<br />
Um paroquiano irado – como <strong>Wesley</strong> fielmente anota no <strong>seu</strong><br />
diário – disse·lhe: “Não gosto de nada que fazeis. Os vossos sermões<br />
são todos sátiras dirigidas a certas pessoas; portanto, não hei de ouvirvos<br />
mais, e todo o povo é do meu parecer”. Os <strong>seu</strong>s ouvintes, continuou<br />
o franco crítico, estavam mistificados e não podiam determinar se<br />
<strong>Wesley</strong> era Protestante ou Romanista. “Nunca antes ouviram de uma tal<br />
religião. Não sab<strong>em</strong> o que pensar. E ainda mais o vosso<br />
comportamento particular; todas as desinteligências (divergência,<br />
desacordo, inimizade) que t<strong>em</strong> havido desde a vossa chegada têm sido<br />
por vossa causa. De modo que podeis pregar o t<strong>em</strong>po que quiserdes,<br />
mas ninguém vos ouvirá”.<br />
Se <strong>em</strong> Savannah os paroquianos estavam <strong>em</strong> desavenças com o<br />
João <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> Frederica, tanto o governador como o povo estavam<br />
zangados com Carlos <strong>Wesley</strong>. O Carlos era tão austero como o irmão e<br />
possuía, talvez, menos jeito. Dentro de um mês os <strong>seu</strong>s paroquianos<br />
estavam <strong>em</strong> plena rebelião tentando arruiná-lo com o governador<br />
acusando-o de um propósito de destruir a colônia. O infeliz governador<br />
descobriu que os <strong>seu</strong>s capelães eram centros que originavam t<strong>em</strong>porais<br />
humanos. Ele perguntou a Carlos <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> tom amargo: ”Que diria<br />
um incrédulo se visse as desordens que provocastes?”.<br />
Oglethorpe era hom<strong>em</strong> de t<strong>em</strong>peramento impetuoso e de língua<br />
solta; os <strong>seu</strong>s inferiores naturalmente exageravam estas qualidades, e o<br />
sobrepujava nos passos que tomavam contra o infeliz capelão. A Carlos<br />
<strong>Wesley</strong> foi praticamente negado as coisas geralmente consideradas<br />
necessárias à existência. Dos bens públicos proviam camas para todos<br />
na colônia, mas negavam-na ao pároco d<strong>em</strong>asiado zeloso, o qual,
enquanto padecia de uma febre lenta, tinha de dormir no chão: “Graças<br />
a Deus”, disse o pobre Carlos <strong>Wesley</strong>, “ainda não é ofensa capital o<br />
dar-me um bocado de pão!” Mas ele cria que a sua vida esteve mais de<br />
uma vez <strong>em</strong> perigo.<br />
Um pouco mais tarde Oglethorpe saia ao encontro dos espanhóis<br />
que vinham contra a nova colônia. As condições eram desesperadoras,<br />
e ele não esperava mais voltar com vida; portanto despediu-se do <strong>seu</strong><br />
secretário-capelão de um modo bastante agitado.<br />
Ele disse, “Vou morrer, não me vereis jamais”.<br />
O <strong>seu</strong> secretário respondeu: “Se falo convosco pela última vez,<br />
ouçais ao que <strong>em</strong> breve sabereis ser a verdade ao entrardes na<br />
existência separada... Tenho renunciado o mundo. A vida é para mim<br />
mui amarga; vim aqui para sacrificá-la. Tendes sido enganado; eu<br />
protesto a minha inocência dos crimes de que me acusam, e julgo-me<br />
agora com a liberdade de dizer-vos aquilo que pensara de nunca<br />
mencionar”.<br />
Seguiu-se uma explicação; Oglethorpe, um dos mais generosos,<br />
se b<strong>em</strong> que um dos mais impulsivos dos homens, lançou-se ao pescoço<br />
do capelão e o beijou, e deste modo se despediram. Enquanto os botes<br />
se afastavam da praia, Carlos <strong>Wesley</strong> clamou: “Deus é convosco; ide.<br />
Christo ducet auspíce Christo”.<br />
Quando Oglethorpe voltou são e salvo de sua expedição, Carlos<br />
lhe disse que muito desejara vê-lo de novo, a fim de fazer-lhe outras<br />
explicações, acrescentando: “Mas, pensei que se morrêsseis teríeis<br />
sabido tudo num momento”.<br />
Oglethorpe respondeu: “Não sei que os espíritos desencarnados<br />
se interessam pelos nossos pequenos negócios. Se o faz<strong>em</strong>, é como os<br />
homens cont<strong>em</strong>plam as tolices de sua meninice, ou eu a minha recente<br />
raiva”.<br />
Oglethorpe podia ficar furioso com os <strong>seu</strong>s capelães, mas ainda<br />
os amava; e muitos anos depois, quando já encanecido (envelhecido)<br />
ele apresentava uma figura veneranda (venerável) – a mais bela figura,<br />
diz Anna More, que ela jamais viu e que <strong>em</strong> tudo “perfeitamente<br />
realizava o <strong>seu</strong> ideal do Nestor” – é narrado que ele inesperadamente,<br />
encontrando-se com João <strong>Wesley</strong>, correu a <strong>seu</strong> encontro e o beijou com<br />
a simplicidade e afeto de uma criança.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> com o <strong>seu</strong> colega, Ingham, voltaram à Inglaterra<br />
<strong>em</strong> Julho de 1736, mas João <strong>Wesley</strong> continuava no <strong>seu</strong> posto <strong>em</strong><br />
Savannah.<br />
É de estranhar que o t<strong>em</strong>peramento ritualista de João <strong>Wesley</strong><br />
ficasse tão pouco modificado pela admiração que ele sentia pelo ensino<br />
Moraviano e pelo tipo de piedade que produzia. Os Moravianos de<br />
Savannah lhe ensinavam exatamente o que Pedro Bohler lhe ensinou<br />
mais tarde <strong>em</strong> Londres, mas o ensino nesse t<strong>em</strong>po lhe deixou a alma<br />
no mesmo de antes. A explicação do próprio <strong>Wesley</strong> é: “Eu não os<br />
entendia; eu era d<strong>em</strong>ais douto e d<strong>em</strong>ais sábio, de modo que me parecia<br />
loucura; e eu continuei a pregar, a seguir e a confiar naquela justiça<br />
pela qual nenhuma carne se justifica”.<br />
A verdade é que se o próprio Pedro Bohler tivesse encontrado a<br />
<strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> Savannah, ter-lhe-ia ensinado <strong>em</strong> vão. O rígido<br />
sacramentariano e ritualista tinha de ser fustigado, pela áspera<br />
disciplina do fracasso, para fazê-lo sair da mais sutil e mortífera forma<br />
do orgulho, o orgulho que imagina o segredo da salvação como estando<br />
no círculo dos esforços puramente humanos. Mais tarde <strong>Wesley</strong><br />
descreve a Pedro Bohler como “um que Deus preparou para mim”. Mas<br />
Deus, nas experiências trabalhosas e humilhantes de Geórgia, estava<br />
preparando a <strong>Wesley</strong> para Pedro Bohler.<br />
Um namoro, tão mal dirigido e tão estéril foram todas as<br />
excursões que <strong>Wesley</strong> fazia ao domínio do sentimentalismo, trouxe a<br />
sua estadia <strong>em</strong> Geórgia a um fim repentino e inglório. <strong>Wesley</strong>, de sua<br />
meninice, tanto pelo t<strong>em</strong>peramento como educação, era mui susceptível<br />
– se b<strong>em</strong> que de nenhuma maneira ignóbil – a influências f<strong>em</strong>ininas No<br />
presbitério de Epworth, as influências f<strong>em</strong>ininas – desde a serena, sábia<br />
e inteligente mãe até o círculo de irmãs espirituosas – eram supr<strong>em</strong>as.<br />
E <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> todas as épocas, de sua vida, procurava – o que<br />
constituía a alegria de <strong>seu</strong>s anos tenros – a camaradag<strong>em</strong> de mulheres<br />
inteligentes. Mas <strong>em</strong> relação ao belo sexo, parecia sofrer uma curiosa<br />
paralisia da sua perspicácia natural e dirigia os namoros com menos<br />
jeito do que qualquer outro grande hom<strong>em</strong> conhecido na história.<br />
O principal juiz de Savannah, sr. Causton, era hom<strong>em</strong> de<br />
antecedentes duvidosos e de gênio violento. A sua sobrinha Miss<br />
Hopkey, uma moça jeitosa e atrativa, enamorou-se de <strong>Wesley</strong> – ou pelo<br />
menos desejava que o pequeno, elegante e espirituoso lente do Colégio<br />
de Lincoln se enamorasse dela, e é claro que ela tentava, por todas as<br />
artes inocentes conhecidas ao belo sexo, apressar o fim desejado.
Ela se tornou austeramente religiosa à moda de <strong>Wesley</strong>; assistia<br />
a <strong>seu</strong>s serviços com a diligência piedosa; vestia-se <strong>em</strong> conformidade<br />
com o <strong>seu</strong> gosto austero; cuidou dele durante uma doença; aceitou o<br />
<strong>seu</strong> conselho sobre o assunto interessante daquilo que ela devia cear<br />
(jantar), e da hora <strong>em</strong> que eIa devia dormir.<br />
<strong>Wesley</strong> tomava tudo isso, com uma simplicidade única, como<br />
sinal de um caráter angélico. Ele estava visível e francamente – se b<strong>em</strong><br />
que pedantescamente (pretenciosamente, vaidosamente) – enamorado<br />
dela. Nos começos de dez<strong>em</strong>bro eIe anota no <strong>seu</strong> Diário: “Aconselhei a<br />
Dona Sophia que ceasse (jantasse) mais cedo e não tão perto da hora<br />
de dormir. EIa acedeu (aceitou), e desta pequena circunstância<br />
depende uma infinidade de conseqüências! Não somente o <strong>seu</strong> próprio<br />
conforto por toda a vida, mas talvez a minha felicidade também”.<br />
O <strong>seu</strong> colega Delamotte, que não cont<strong>em</strong>plava a Miss Hopkey<br />
como rodeada de qualquer nimbo (esplendor, auréola) sentimental, e<br />
que não fora a Oxford debalde (inutilmente), bruscamente advertiu a<br />
<strong>Wesley</strong> e perguntou-lhe se ele tencionava se casar com ela. <strong>Wesley</strong>,<br />
que neste período de sua vida era um eclesiástico de sangue frio,<br />
mesmo quando de namoro, descobriu que não era fácil responder a<br />
esta pergunta tão incomodamente direta. Resolveu então submeter à<br />
questão, se devia ou não casar com Miss Hopkey, ao Bispo Moraviano<br />
– passo este que para a inteligência f<strong>em</strong>inina, pelo menos, prova que<br />
não sentia o mínimo amor pela moça. O caso finalmente foi submetido à<br />
decisão dos presbíteros da Igreja Moraviana – juizes esquisitos no<br />
tribunal de afeições! Eles consideraram o caso seriamente, e <strong>Wesley</strong> foi<br />
chamado para ouvir a sua sentença.<br />
Nitschmann perguntou-lhe “Conformar-vos·eis à nossa decisão?”.<br />
Depois de certa hesitação, <strong>Wesley</strong> respondeu, “Sim”. “Então”, disse o<br />
Moraviano, “Nós vos aconselhamos que não prossigais com o negócio”.<br />
<strong>Wesley</strong> respondeu, “Seja feita a vontade de Deus”.<br />
Ainda se debate com bastante vigor se <strong>Wesley</strong> realmente<br />
propusera casamento a Miss Hopkey. Moore, o <strong>seu</strong> biografo, afirma que<br />
<strong>Wesley</strong> lhe dissera que “nunca lhe fizera proposta de casamento”. Por<br />
outro lado, a própria moça, no processo contra <strong>Wesley</strong> no fim da sua<br />
estadia <strong>em</strong> Savannah, depôs sob juramento que “o sr. <strong>Wesley</strong> muitas<br />
vezes lhe propusera casamento, cujas propostas ela rejeitara”. Mas<br />
ninguém, lendo toda a história, deixará de ver que a ofensa real de<br />
<strong>Wesley</strong> era a de não ter feito proposta a Miss Hopkey, ou pelo menos,<br />
de não tê-la feito com suficiente clareza.<br />
Aquela espirituosa moça soube que o <strong>seu</strong> namorado submetia os<br />
<strong>seu</strong>s afetos à direção dos venerandos presbíteros Moravianos e,<br />
cismando que a decisão ser-lhe-ia contraria, prontamente se deu a um<br />
outro pretendente. Aos 4 de março os Presbíteros Moravianos deram a<br />
sua decisão; aos 8 de março, <strong>Wesley</strong> trist<strong>em</strong>ente registra no <strong>seu</strong> Diário:<br />
“D. Sophia tratou casamento com o Senhor Williamson, hom<strong>em</strong> que não<br />
é notável pela elegância, n<strong>em</strong> pela nobreza, n<strong>em</strong> pela vivacidade, n<strong>em</strong><br />
por conhecimentos, n<strong>em</strong> pelo o bom senso, e menos de tudo pela<br />
religião E no sábado 12 de março, quatro dias depois, casaram! Era<br />
pelo menos uma moça expediente (de inciativa)!”<br />
<strong>Wesley</strong> achou na lição do domingo 13 de março as seguintes<br />
palavras: “Filho do hom<strong>em</strong>, eis que tirarei de ti o desejo dos teus olhos<br />
de um golpe”; e acrescentou: ”senti-me traspassado como por espada”.<br />
Quinze anos depois ele havia de escrever o mesmo versículo outra vez<br />
no <strong>seu</strong> diário como nota de uma derrota ainda mais amarga de suas<br />
afeições.<br />
<strong>Wesley</strong>, nesse t<strong>em</strong>po mais do que <strong>em</strong> anos posteriores, tinha por<br />
hábito registrar com uma quase incrível diligência, todos os atos de sua<br />
vida e todas as fases de <strong>seu</strong>s sentimentos. Os <strong>seu</strong>s Diários<br />
georgianos, que ai exist<strong>em</strong>, ex<strong>em</strong>plificam o zelo incansável com que<br />
traduziu a si mesmo <strong>em</strong> termos escritos. No Diário não somente<br />
existe uma página para cada dia, mas um espaço separado para<br />
cada hora do dia. Ele contava e registrava o <strong>em</strong>prego do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po<br />
com a fidelidade do cuidadoso negociante <strong>em</strong> anotar o <strong>em</strong>prego do<br />
<strong>seu</strong> capital. Num incidente, tal como o caso com Miss Hopkey, que o<br />
moveu tão profundamente, naturalmente seria registrado com<br />
cuidado especial. Isto faz críveI uma outra versão, cuja autenticidade<br />
é algo duvidoso, que existe, aparent<strong>em</strong>ente na letra do próprio<br />
<strong>Wesley</strong>. Segundo esta narrativa, Miss Hopkey tinha apenas dezoito<br />
anos; as suas afeições haviam sido solicitadas por um sujeito<br />
indigno, <strong>seu</strong>s tutores tinham proibido toda a comunicação entre os<br />
dois. A moça estava muito sentida, e pediram a <strong>Wesley</strong>, como<br />
ministro, que lhe desse uma atenção especial. Isto resultou <strong>em</strong> certa<br />
intimidade entre eles, e logo <strong>Wesley</strong> descobriu que não somente<br />
estimava <strong>em</strong> alto grau a Miss Hopkey, mas que tinha por ela um<br />
grande afeto, o qual ele se persuadia de ser o que se sente por uma<br />
irmã. Ele, entretanto, estava convicto que a vida de celibato seria<br />
melhor para todos, e quanto a ele mesmo era quase imperativa; e<br />
ela com a fácil resolução de uma moça sentida, também afirmara
que s<strong>em</strong>pre viveria solteira. Aproximava -se a crise do namoro<br />
quando fizeram uma viag<strong>em</strong> de bote desde Frederica até Savannah.<br />
A solicitude de <strong>Wesley</strong> nesse t<strong>em</strong>po é evidente, mas ainda segundo<br />
o modo pedantesco (arrogante), ele experimenta as suas <strong>em</strong>oções<br />
por trechos dos antigos padres gregos. Se realmente propôs o<br />
casamento a Miss Hopkey é questão que a narrativa não determina.<br />
Ele conta de como, estando com ela, ladeando o fogo do<br />
acampamento, perguntou, se ela tinha tratado casamento com a<br />
pessoa por qu<strong>em</strong> se supunha que ela sentisse saudades. Ela<br />
respondeu : “Tenho tratado com ele ou com ninguém”, e logo se<br />
desfez <strong>em</strong> pranto. “ D. Sophia”, disse <strong>Wesley</strong>, “eu me estimaria feliz<br />
se pudesse passar a minha vida contigo”. Estas palavras repentinas,<br />
ele acrescenta, “foram proferidas s<strong>em</strong> desígnio”; e a moça<br />
respondeu com mais l ágrimas, mas o ingênuo lente do Colégio de<br />
Lincoln persuadia-se que, <strong>em</strong>bora ele deixasse do <strong>seu</strong> propósito de<br />
viver solteiro, ainda Miss Hopkey ficaria heroicamente firme no <strong>seu</strong><br />
propósito de viver celibatária. Esta crença silenciou a <strong>Wesley</strong>;<br />
entretanto, recordando o incidente eIe diz: “Escapei por pouco.<br />
Admiro-me, mesmo agora, que eu não dissesse, “D.Sophia queres<br />
casar comigo? ”. É claro, pois, que ele não cria haver jamais proferido<br />
as palavras decisivas.<br />
Depois de miss Hopkey tornar-se <strong>em</strong> Sra. Williamson era<br />
natural que <strong>Wesley</strong> a cont<strong>em</strong>plasse com outras e novas vistas, e<br />
aquela moça espirituosa, talvez não se sentisse, por mais t<strong>em</strong>po,<br />
obrigada a consultar a respeito de <strong>seu</strong> vestuário ou de sua conduta,<br />
com <strong>seu</strong> antigo, se b<strong>em</strong> que d<strong>em</strong>asiado vagaroso, namorado. Isto foi<br />
para <strong>Wesley</strong> somente outra surpresa dolorosa. Seriamente registra<br />
no <strong>seu</strong> Diário: “Deus me mostrou ainda mais da magnitude do meu<br />
livramento por abrir-me mais uma cena nova e inesperada na<br />
dissimulação de D. Sophia”. Mais tarde <strong>Wesley</strong> achou necessário<br />
falar-lhe "de certas coisas na sua conduta que ele julgava<br />
repreensíveis”, e ficou muito admirado – o pobre! – que D. Sophia<br />
lhe rebatesse as repreensões com grande ve<strong>em</strong>ência. O marido<br />
ascendeu -se com a ira da esposa e a proibiu de falar mais com<br />
<strong>Wesley</strong> ou de assistir a <strong>seu</strong>s serviços (cultos e d<strong>em</strong>ais ministrações<br />
religiosas). Mas parece que a noiva teimosa lhe desobedeceu.<br />
<strong>Wesley</strong> agora cogitava negar a Senhora Williamson lugar na Ceia do<br />
Senhor, e perguntou ao sr. Causton, o juiz: “Sr., que pensareis se eu<br />
julgar ser um dever do meu cargo a repelir (excluir) pessoa de vossa<br />
família da Santa Comunhão?”.<br />
O sr. Causton respondeu: “Se repelirdes a mim ou a minha<br />
esposa, hei de exigir uma satisfação legal; mas não hei de molestarme<br />
acerca de mais ninguém”.<br />
Nos t<strong>em</strong>pos, quando a Ceia do Senhor constituía, na frase de<br />
Cowper, “a chave de <strong>em</strong>prego público” para os homens e a marca<br />
de respeitabilidade social para as mulheres, o ser repelido da Ceia<br />
do Senhor era prejuízo sério”. Aos 7 de agosto – cinco meses<br />
depois do casamento – <strong>Wesley</strong> recusou deixar que a srª. Williamson<br />
participasse da Ceia do Senhor. Logo no dia seguinte foi lavrada<br />
uma ord<strong>em</strong> para a apreensão de “João <strong>Wesley</strong> , clérigo, para<br />
responder às queixas de Guilherme Williamson pela difamação de<br />
sua mulher, e por ter recusado administrar-lhe, s<strong>em</strong> causa, o<br />
sacramento da Ceia do Senhor na congregação pública s<strong>em</strong> causa”. O<br />
marido ofendido avaliou os <strong>seu</strong>s prejuízos <strong>em</strong> mil libras.<br />
<strong>Wesley</strong> foi preso, mas ficou solto sob fiança para comparecer na<br />
próxima futura sessão do tribunal. Pediram-lhe que desse por escrito as<br />
razões por ter recusado à srª. Williamson a ceia do Senhor. Ele<br />
escreveu à srª. Williamson: “Se chegardes à mesa do Senhor no<br />
domingo, eu vos advertirei, como tenho feito mais de uma vez, daquilo<br />
que fizestes de mal, e quando declarardes abertamente terdes vos<br />
arrependido sinceramente, eu vos administrarei os mistérios de Deus”.<br />
Mas a srª. Williamson não quis formalmente “notificar o pároco do <strong>seu</strong><br />
propósito de se apresentar à comunhão”. Antes dela fazer isto, <strong>Wesley</strong><br />
não admoestaria daquilo que fizera de mal; e desta forma ficou<br />
desconhecida, até hoje, a triste natureza da ofensa da srª Williamson.<br />
Entretanto, um grande júri de 44 homens – a quinta parte de todos<br />
os homens de maior idade na cidade – considerou o caso. Havia doze<br />
acusações contra <strong>Wesley</strong>, começando com a “de ter ele invertido a<br />
ord<strong>em</strong> e o método da ladainha”, e concluindo com a “de ter feito<br />
pesquisas e ter se intrometido <strong>em</strong> negócios particulares de famílias”. A<br />
maioria do grande júri julgou procedente dez das acusações; enquanto<br />
a minoria absolveu a <strong>Wesley</strong> e declarou que as acusações eram “uma<br />
trama do sr. Causton, a fim de desprestigiar o caráter do sr. <strong>Wesley</strong>”.<br />
<strong>Wesley</strong>, quando chamado à defesa, tomou a posição que nove das dez<br />
acusações eram de natureza eclesiástica, sobre as quais o tribunal não<br />
tinha jurisdição alguma. A outra, que tratava dele ter falado e escrito à<br />
srª Williamson, era de caráter secular e ele pediu que fosse o caso<br />
julgado já pelo tribunal.<br />
Os <strong>seu</strong>s inimigos, entretanto, não tinham pressa alguma <strong>em</strong> ver o<br />
caso terminado; desejavam <strong>em</strong>pregar as acusações como instrumento
para fazer <strong>Wesley</strong> sair da colônia. O capelão militar de Frederica foi<br />
nomeado para dirigir os serviços religiosos <strong>em</strong> Savannah, e assim<br />
<strong>Wesley</strong> foi praticamente destituído do <strong>seu</strong> cargo.<br />
As s<strong>em</strong>anas se deslizaram vagarosamente. Como <strong>Wesley</strong><br />
descobriu que não podia conseguir o <strong>seu</strong> julgamento n<strong>em</strong> des<strong>em</strong>penhar<br />
o cargo de capelão, resolveu partir para a Inglaterra. Afixou um papel<br />
numa praça pública, <strong>em</strong> que declarava: “João <strong>Wesley</strong> pretende <strong>em</strong><br />
breve voltar para a Inglaterra”, etc. Notificaram-lhe que não devia deixar<br />
a colônia até que respondesse às acusações contra ele. <strong>Wesley</strong><br />
respondeu que já assistira a sete sessões do tribunal para este fim, mas<br />
que lhe fora negado este privilégio. Ele recusou assinar qualquer<br />
compromisso de comparecer perante o tribunal. Uma ord<strong>em</strong> foi baixada,<br />
exigindo que toda a gente leal obstasse (impedisse) a sua saída da<br />
colônia. Era, realmente, um preso à vontade. É claro que os inimigos de<br />
<strong>Wesley</strong> só desejavam fazê-lo sair da colônia e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, dar a<br />
sua partida a aparência de uma fuga da justiça.<br />
<strong>Wesley</strong> dirigiu as orações vespertinas do dia e então, diz ele:<br />
“Como a maré favoreceu, sacudi dos pés o pó de Geórgia, depois de ter<br />
pregado o Evangelho ali não como eu devia, mas como eu podia, por<br />
um ano e quase nove meses”. Em uma viag<strong>em</strong> trabalhosa, acontecida<br />
<strong>em</strong> parte por bote, e <strong>em</strong> parte a pé, <strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong>s três companheiros<br />
foram para Charlestown, e dez dias depois, aos 22 de dez<strong>em</strong>bro, ele<br />
partiu para a Inglaterra. Fechou-se um capítulo bastante atribulado da<br />
sua vida.<br />
CAPÍTULO XI<br />
Chegando ao Ponto Desejado<br />
<strong>Wesley</strong> voltou da América para Londres visivelmente derrotado. O<br />
<strong>seu</strong> ministério na Geórgia falhara; o <strong>seu</strong> caráter fora desprestigiado; o<br />
<strong>seu</strong> futuro parecia obscuro. <strong>Wesley</strong> não era exatamente um foragido da<br />
justiça, mas o próprio rebanho <strong>em</strong> Savannah <strong>em</strong>pregara a lei para<br />
afugentá-lo de suas plagas (terras, região). Chegaria à Inglaterra<br />
grand<strong>em</strong>ente desacreditado; e nas meditações durante os dias longos e<br />
monótonos da sua viag<strong>em</strong> de volta, <strong>Wesley</strong> via tudo isto mui<br />
claramente. A sua carreira estava prejudicada, senão arruinada. Mas<br />
<strong>Wesley</strong> seria o último hom<strong>em</strong> no mundo a incomodar-se por causa de<br />
qualquer prejuízo à sua reputação ou bolsa ou carreira secular. A<br />
tragédia da sentença, ele o sentia, achava-se no fato que ele era um<br />
fracasso espiritual. A sua religião, apaixonadamente zelosa,<br />
intensamente heróica e disposta a todo o sacrifício, não lhe dava n<strong>em</strong> a<br />
paz no próprio coração, n<strong>em</strong> o poder de alcançar os corações de<br />
outros.<br />
Eis a amarga análise de sua própria condição neste momento:<br />
“Terça-feira, 24 de Janeiro de 1738. – Tenho uma bela<br />
religião de verão. Falo b<strong>em</strong>; sim, eu mesmo creio, enquanto<br />
não existe perigo. Mas no momento que a morte me encara,<br />
o meu espírito se vê atribulado. Não posso dizer que o<br />
morrer é ganho. Tenho um pecado de t<strong>em</strong>or (medo, pavor)<br />
que depois de ter estendido a última teia eu venha a morrer<br />
na praia! Penso sinceramente que se o Evangelho é<br />
verdade, então sou salvo; pois eu não somente dou todos os<br />
meus bens para alimentar os pobres; não somente dou o<br />
meu corpo para ser queimado, afogado ou qualquer coisa<br />
mais que Deus me proporcionar; mas eu sigo a caridade (não<br />
como devo, mas como posso), se porventura eu conseguir<br />
atingi-la. Agora creio que o Evangelho é verdade. Mostro a<br />
minha fé pelas obras, a ponto de arriscar tudo sobre ela. Isto<br />
eu repetiria até mil vezes, se ainda pudesse escolher. Qu<strong>em</strong><br />
me vê, descobre que eu quero ser cristão. Por isso os meus<br />
caminhos não são como os de outros homens. Portanto,<br />
tenho sido e ainda estou contente <strong>em</strong> ser um vitupério<br />
(vergonha, infâmia) e um provérbio de mofa (zombaria). Mas
num t<strong>em</strong>poral, eu penso, e que será se o Evangelho não for<br />
Verdade?!”<br />
É esta uma narração amarga; salienta a sombra <strong>em</strong> que <strong>Wesley</strong><br />
então vivia.<br />
<strong>Wesley</strong> também se sentiu só, nesta triste viag<strong>em</strong>; Delamo tte<br />
ficou na América; Carlos <strong>Wesley</strong> e Ingham já se achavam na<br />
Inglaterra. <strong>Wesley</strong> não teve outra camaradag<strong>em</strong> senão os <strong>seu</strong>s<br />
próprios pensamentos amargos; e a sua profunda depressão se vê<br />
refletida <strong>em</strong> cada linha do <strong>seu</strong> Diário. Ele se descreve como sendo<br />
“triste e mui pesaroso, <strong>em</strong>bora não possa dar disso qualquer razão”.<br />
Nota <strong>em</strong> si um “t<strong>em</strong>or e pesar que quase de continuo lhe<br />
acabrunham”. Vê-se a mais pungente (lancinante, comovente,<br />
dolorosa) dor nas sentenças que ele escreve no <strong>seu</strong> Diário: “Fui à<br />
América para converter os índios; mas, ai! Qu<strong>em</strong> me converterá a<br />
mim?” Ele prossegue deliberadamente <strong>em</strong> fazer um inventário de si<br />
mesmo, e o faz com uma severidade que é pouco menos que cruel.<br />
É necessário citá-lo <strong>em</strong> cheio, com as notas <strong>em</strong> parênteses e <strong>em</strong><br />
grifo, que o próprio <strong>Wesley</strong> acrescentou anos depois, e que<br />
representam a sua mais amadurecida opinião de si mesmo:<br />
“Diário de 29 de Set<strong>em</strong>bro de 1736. – Passa de dois anos<br />
e quase quatro meses que deixei a minha pátria nativa, a fim<br />
de ensinar aos índios da Geórgia a natureza do Cristianismo;<br />
mas, eu mesmo, que tenho aprendido? Isto (que eu menos<br />
suspeitava), que eu mesmo, indo à América para converter a<br />
outros, nunca fora convertido a Deus (não tenho certeza<br />
disso). Não estou louco por falar assim; mas profiro palavras<br />
de verdade e de perfeito juízo; que porventura alguns dos que<br />
ainda dorm<strong>em</strong> despert<strong>em</strong>-se, e vejam que se encontram<br />
como eu me acho.“<br />
“São doutos <strong>em</strong> filosofia? Também eu era. Em línguas<br />
modernas e antigas? Também eu. São versados na teologia?<br />
Eu também a tenho estudado por muitos anos. Pod<strong>em</strong> falar<br />
fluent<strong>em</strong>ente de coisas espirituais? Eu também fazia o mesmo.<br />
São abundantes <strong>em</strong> esmolas? Eis que dei todos os meus bens<br />
para alimentar os pobres. Dão o <strong>seu</strong> trabalho b<strong>em</strong> como os<br />
<strong>seu</strong>s bens? Eu tenho trabalhado mais do que todos eles. São<br />
prontos a sofrer pelos irmãos? Eu deixei amigos, reputação,<br />
conforto, pátria. Tenho tomado a própria vida na mão,<br />
peregrinando <strong>em</strong> terras entranhas; dei o meu corpo para ser<br />
devorado pelo abismo, queimado pelo calor, consumido pelo<br />
cansaço e fadiga, ou qualquer outra coisa que Deus queira me<br />
mandar. Mas tudo isto (seja mais seja menos, não me importa)<br />
pode fazer-me aceitável a Deus? Tudo que eu jamais soube<br />
ou que possa saber, dizer, dar, fazer ou sofrer pode justificar -<br />
me à sua vista? Ou o uso constante de todos os meios de<br />
graça (que, entretanto, é direito, justo e do nosso estrito<br />
dever)? Ou que nada saiba contra mim mesmo; no tocante à<br />
justiça moral, eu seja exteriormente inculpável? Ou, para ser<br />
mais explícito, a posse de uma convicção racional de todas as<br />
virtudes do Cristianismo? Tudo isto me dá o direito ao caráter<br />
santo, celeste e divino de um Cristão? De modo nenhum. Se<br />
são verdadeiros os oráculos de Deus; se ainda vamos ”à Lei e<br />
ao Test<strong>em</strong>unho”, tudo isto, sendo enobrecido pel a fé <strong>em</strong> Cristo<br />
(eu tinha então mesmo a fé de servo, mas não a de filho) , é<br />
santo, justo e bom. Mas na ausência da fé é, como a escoria e<br />
o refugo, só digno do fogo que nunca se apagará.”<br />
“Isto, então, aprendi nos confins da terra , que sou<br />
”destituído da glória de Deus”, que todo o meu coração é<br />
corrupto e abominável e, por conseguinte, o é a minha vida<br />
inteira; visto que “a árvore má não pode dar bons frutos ”: que<br />
alienado, como me acho da vida de Deus, sou filho da ira”<br />
(creio que não); herdeiro do inferno; que as minhas próprias<br />
obras, os meus próprios sofrimentos e a minha própria justiça<br />
são tão inadequados para reconciliar-me com o meu Deus<br />
ofendido, tão inadequados para fazer qualquer propiciação<br />
pelos menores dos meus pecados – que são mais númerosos<br />
do que os cabelos da minha cabeça – que os mais preciosos<br />
entre eles necessitam de uma propiciação para si mesmos, de<br />
outra forma, nunca poderão subsistir no justo juízo de Deus ...“<br />
“Se alguém disser que eu tenho fé, (pois muitas coisas<br />
tais tenho ouvido de muitos conselheiros miseráveis), eu<br />
respondo, também os d<strong>em</strong>ônios o tê<strong>em</strong> – uma espécie de fé; mas<br />
ainda são “estranhos às alianças da promessa”, também os<br />
Apóstolos <strong>em</strong> Caná da Galiléia, onde Jesus “manifestou a sua<br />
glória”, <strong>em</strong> certo sentido, “creram nele”; mas não tiveram “a fé que<br />
vence o mundo”. A fé que eu quero é (a fé do filho) um pleno<br />
descanso e confiança <strong>em</strong> Deus, que, pelos méritos de Cristo,<br />
meus pecados são perdoados, eu mesmo sou reconciliado a<br />
graça de Deus.”
Isto, mesmo depois da inserção das notas qualificativas de uma<br />
data posterior, constitui uma terrível descrição de si mesmo. Mais tarde<br />
pod<strong>em</strong>os indagar se a sentença que <strong>Wesley</strong> passou sobre si mesmo,<br />
nesse espírito de depressão, fora inteiramente acurada; mas neste meio<br />
t<strong>em</strong>po, o <strong>seu</strong> espírito mesmo é digno de nota. O <strong>seu</strong> orgulho já se fora.<br />
A consciência de <strong>seu</strong> fracasso e de sua derrota é completa. Ele sabe<br />
que o Cristianismo cont<strong>em</strong> algo não atingido ainda. O <strong>seu</strong> espírito sente<br />
a completa humilhação de si mesmo:<br />
“Todas as minhas obras, toda a minha justiça, as minhas<br />
orações carec<strong>em</strong> de uma propiciação <strong>em</strong> si mesmas; de modo<br />
que a minha boca está fechada. Não tenho atenuação alguma<br />
que eu possa oferecer. Deus é Santo; eu sou impuro. Deus é um<br />
fogo consumidor; eu sou de todo pecador, digno de ser<br />
consumido”.<br />
O <strong>Wesley</strong> que <strong>em</strong>barcou para Geórgia <strong>em</strong> 1735 e o <strong>Wesley</strong> que<br />
voltou de lá para a Inglaterra <strong>em</strong> 1738 são assim homens inteiramente<br />
diferentes. <strong>Wesley</strong> havia posto a sua teologia à prova; à prova da vida<br />
prática e ela falhara. Não conseguira a conversão dos índios; aprendera<br />
unicamente que ele mesmo não fora convertido. Deve haver alguma<br />
falta fatal no <strong>seu</strong> credo ou <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s métodos. O segredo essencial do<br />
Cristianismo – o <strong>seu</strong> dom de paz para a consciência, e de poder sobre<br />
os homens – lhe escapara. Porque havia feito fracasso? Que seria<br />
aquilo que convertera uma corag<strong>em</strong> tão singular, uma devoção tão<br />
nobre, um tão esplendido altruísmo <strong>em</strong> um mero fracasso? Aquele que<br />
descobrir o segredo do fracasso de <strong>Wesley</strong> terá chegado ao próprio<br />
coração do Cristianismo.<br />
Esta nova convicção tinha, indubitavelmente, certas vantagens.<br />
Pelo menos, a teologia de <strong>Wesley</strong> já deixava de oscilações. Como<br />
vimos, ele já abandonara o misticismo; já enxergara a sua natureza<br />
mortífera. O <strong>seu</strong> ritualismo, também, falhara. Havia somente gerado<br />
porfias. O <strong>seu</strong> próprio legalismo austero havia deixado a alma s<strong>em</strong><br />
alimentação. Este asceta descobrira que um corpo castigado não<br />
assegura a paz da alma. E deste ponto a consciência e a inteligência de<br />
<strong>Wesley</strong> oscilaram definitivamente para a interpretação evangélica do<br />
Cristianismo.<br />
Tudo isso foi, visivelmente, uma fase num grande<br />
desenvolvimento espiritual. <strong>Wesley</strong> se preparava para o toque de outro<br />
mestre, e para a entrada de uma nova experiência <strong>em</strong> sua vida.<br />
Quando <strong>Wesley</strong> aportou <strong>em</strong> Londres, o navio que ia levar George<br />
Whitefield para a América estava ancorado pronto pra zarpar. <strong>Wesley</strong><br />
havia antecipado a inspiração da camaradag<strong>em</strong> de Whitefield; e sentia<br />
uma relutância <strong>em</strong> mandar um hom<strong>em</strong> tão bom para o trabalho ingrato<br />
que ele mesmo abandonara <strong>em</strong> Savannah. Ele prontamente enviou<br />
uma nota a Whitefield que já estava a bordo do navio, na qual dizia:<br />
“Quando vi que Deus me fazia entrar pelo mesmo vento<br />
com que estáveis saindo, pedi conselhos a Deus. E tendes aqui a<br />
resposta”.<br />
Envolvido na nota havia um pedacinho de papel com os dizeres:<br />
“Que volte a Londres“. <strong>Wesley</strong> tinha resolvido a questão da ida ou da<br />
permanência de Whitefield pelo sorteio, e o resultado fora para ele não<br />
ir à América. Mas Whitefield possuía um sorteio próprio, e logo l<strong>em</strong>brouse<br />
da história do profeta – no Livro dos Reis – que voltou ao pedido de<br />
outro profeta e, <strong>em</strong> conseqüência, foi devorado pelo leão; esta<br />
l<strong>em</strong>brança fê-lo decidir <strong>em</strong> continuar a sua viag<strong>em</strong>; e <strong>Wesley</strong> na época<br />
mais critica da sua vida foi deixado s<strong>em</strong> o <strong>seu</strong> grande camarada.<br />
Whitefield a este momento estava na manhã (começo) de sua<br />
maravilhosa popularidade na Inglaterra. Era pouco mais do que rapaz,<br />
entretanto multidões ficavam encantadas com a música de sua palavra.<br />
E o contraste entre <strong>Wesley</strong> que se arrastava de volta à Inglaterra como<br />
hom<strong>em</strong> derrotado e de espírito quebrantado, e o Whitefield que partia<br />
no mesmo instante rodeado do nimbo (esplendor, auréola) de uma<br />
popularidade brilhante, é quase dramático.<br />
<strong>Wesley</strong> des<strong>em</strong>barcou <strong>em</strong> Deal na manhã de 1° de Fevereiro e<br />
logo dirigiu oração e pregou na casa onde se hospedava.Tudo mais<br />
poderia ter-se escurecido no <strong>seu</strong> céu espiritual, mas s<strong>em</strong>pre<br />
resplandecia com grande clareza o ponto do dever. Fosse ou não fosse<br />
feliz a sua própria condição espiritual, ele precisava se esforçar <strong>em</strong><br />
concertar a condição espiritual de outros. Vivia no espírito das palavras<br />
que mais tarde ele colocou no serviço de consagração que havia de ser<br />
lido anualmente <strong>em</strong> todas as igrejas que fundou: “Se eu morrer, hei de<br />
morrer à tua porta. Se eu tiver de me afundar, hei de afundar-me com o<br />
teu navio”.<br />
Seguiu logo para Londres onde tinha de prestar, contas com os<br />
diretores da Colônia de Geórgia. Ali encontrou o <strong>seu</strong> irmão Carlos, que<br />
ficou mui surpreendido com a sua chegada. O <strong>seu</strong> conhecimento dos<br />
moravianos <strong>em</strong> Savannah naturalmente fê-lo procurar os moravianos<br />
<strong>em</strong> Londres, e, na terça-feira, 7 de fevereiro – “um dia mui digno de ser<br />
l<strong>em</strong>brado”, como diz no <strong>seu</strong> Diário – encontrou-se <strong>em</strong> casa de um
negociante holandês, com Pedro Bohler, hom<strong>em</strong> este que havia de<br />
influir grand<strong>em</strong>ente sua vida.<br />
Bohler fora educado na Universidade de Jena, e unira-se aos<br />
moravianos quando ainda rapaz. Fora ordenado como missionário<br />
moraviano pelo Conde Zinzendorf, e estava de caminho para a<br />
Carolina, na América, quando <strong>Wesley</strong> o encontrou. Ele estava então<br />
fazendo discursos, por um intérprete, a auditórios pequenos <strong>em</strong><br />
Londres, e uma estranha influência espiritual acompanhava as suas<br />
palavras.<br />
<strong>Wesley</strong> e Bohler se reconheciam mutuamente, quase desde o<br />
momento do <strong>seu</strong> primeiro encontro, como sendo espíritos aparentados.<br />
O moraviano descreve a <strong>Wesley</strong> ao Conde Zinzendorf como sendo<br />
“hom<strong>em</strong> de bons princípios que sabia que não estava crendo<br />
eficazmente no Salvador, e queria ser ensinado”. De Carlos <strong>Wesley</strong> ele<br />
diz: “ele está present<strong>em</strong>ente muito perturbado <strong>em</strong> espírito, mas não<br />
sabe como começar <strong>em</strong> fazer-se conhecido do Salvador. O nosso modo<br />
de crer no Salvador parece tão fácil aos ingleses, que não se pod<strong>em</strong><br />
conformar com ele. Se fosse um pouco mais difícil, com muito mais<br />
pressa achariam o caminho”. “Eles se supõ<strong>em</strong> já crentes”, disse o<br />
jeitoso e sincero Moraviano, “e se esforçam <strong>em</strong> provar a sua fé pelas<br />
suas obras, e assim se atormentam de tal modo que os <strong>seu</strong>s corações<br />
ficam muito atribulados “.<br />
<strong>Wesley</strong> acompanhou a Pedro Bohler até Oxford, e escutou<br />
avidamente os ensinos do <strong>seu</strong> novo amigo. Ele suspeitou vagamente<br />
que aqui, alfim (finalmente), estava o segredo, que por tanto t<strong>em</strong>po lhe<br />
escapara. Entretanto as palavras simples do moraviano soavam nos<br />
ouvidos de <strong>Wesley</strong> como os acentos de uma língua estranha. Diz ele:<br />
“eu não entendi, e muito menos ainda quando me disse: “Mi frater, mi<br />
frater, exco quendo est isto tua philosophia”. Que fizera à filosofia de<br />
<strong>Wesley</strong> que merecesse ser assim lançada fora!<br />
Mas <strong>Wesley</strong> queria ser ensinado e aos 4 de março anota <strong>em</strong> <strong>seu</strong><br />
Diário que passou um dia com Pedro Bohler, “por qu<strong>em</strong>, nas mãos do<br />
grande Deus, eu fui, no domingo, 5, claramente convencido da<br />
incredulidade; da falta daquela fé pela qual somos salvos”. Mais tarde,<br />
<strong>Wesley</strong> diz: “Bohler ainda mais me surpreendeu por suas descrições<br />
que fez dos frutos da fé, do amor, da santidade e da felicidade que ele<br />
afirmava ser<strong>em</strong> <strong>seu</strong>s assistentes”. <strong>Wesley</strong> francamente aceitava este<br />
ensino; a verdadeira fé t<strong>em</strong> de produzir estes frutos. Mas <strong>Wesley</strong> era<br />
s<strong>em</strong>pre o lógico, e redargüia (argüia, questionava, interrogava) a si<br />
mesmo: ”Como posso pregar a outros, quando eu mesmo não tenho<br />
fé?” O conselho de Bohler era direto e prático: “Pregai a fé até que a<br />
tenhas e, tendo-a, forçosamente haveis de pregar a fé”.<br />
Coleridge sofisma (se engana, interpreta enganosamente) estas<br />
palavras, dizendo que isto importava dizer-se (que o que foi dito por<br />
Bohler a <strong>Wesley</strong> era o mesmo que): “Mintais com bastante freqüência e<br />
por bastante t<strong>em</strong>po e forçosamente e chegareis ponto de crê-lo”. Mas<br />
Coleridge não compreende nada do sentido do conselho de Bohler!<br />
<strong>Wesley</strong> não estava no humor de sofismar. “Logo no dia seguinte,<br />
segunda-feira, 6 de março”, diz ele “comecei a pregar esta nova<br />
doutrina, ainda que minha alma recuasse do trabalho. A primeira<br />
pessoa a qu<strong>em</strong> eu oferecia a salvação unicamente pela fé foi um preso<br />
sentenciado à morte”, e <strong>Wesley</strong> confessa que achou a tarefa neste caso<br />
ainda mais difícil, porque “por muitos anos eu havia afirmado<br />
zelosamente a impossibilidade do arrependimento na hora da morte”. O<br />
sentenciado prontamente refutou as dúvidas de <strong>Wesley</strong> por aceitar a<br />
nova doutrina, e, na força divina que esta aceitação gerou, mostrou “um<br />
b<strong>em</strong> comportado contentamento e uma paz serena” quanto estava no<br />
próprio patíbulo.<br />
<strong>Wesley</strong> ficou convencido que o ensino de Bohler, quanto à fé e os<br />
<strong>seu</strong>s frutos era “escriturístico” (estava <strong>em</strong> consonância com o ensinado<br />
nas Escrituras Sagradas); sim, era a doutrina da Igreja Anglicana. Mas<br />
permaneceu ainda uma dúvida: "Como seria possível que o grande<br />
processo da passag<strong>em</strong> do hom<strong>em</strong>, da morte para a vida, se efetuasse<br />
num momento?” Entretanto, <strong>Wesley</strong> por um exame, achou que quase<br />
todas as conversões registradas no Novo Testamento foram<br />
instantâneas. Mas b<strong>em</strong> podia ser que, o que fosse comum no primeiro<br />
<strong>século</strong> tivesse se tornado impossível no <strong>século</strong> XVIII. Mas “no domingo<br />
22 de março”, <strong>Wesley</strong> anota, “fui tocado deste abrigo também, pela<br />
evidência concorrente de várias test<strong>em</strong>unhas vivas, que test<strong>em</strong>unharam<br />
que Deus havia assim operado nelas mesmas, dando-lhes, num<br />
momento, uma tal fé no sangue do <strong>seu</strong> Filho que foram transladadas<br />
das trevas para a luz, do pecado e t<strong>em</strong>or para a santidade e a<br />
felicidade. “Aqui” diz ele, “findaram-se os meus debates. Eu só soube<br />
dizer: Senhor, ajuda a minha incredulidade!”<br />
Durante todos esses dias de perturbações e pesquisas, de<br />
dúvidas e suspiros, o zelo de <strong>Wesley</strong> no trabalho prático nunca<br />
minguava; antes se tornava cada vez mais urgente. Fosse qual fosse a<br />
sua própria condição espiritual era necessário que ele advertisse a<br />
outros dos <strong>seu</strong>s perigos e deveres. A todos – hom<strong>em</strong> ou mulher, rico ou
pobre que ele encontrasse, mesmo que fosse só por um momento – eIe<br />
falava alguma palavra pelo Mestre. O viandante (viajante) no caminho, o<br />
peão que lhe segurava as rédeas do cavalo, a criada da casa, o<br />
hóspede que por acaso se achava à mesa – a cada um, por sua vez,<br />
ele dava alguma palavra breve, solene, e imprevista de conselho, e<br />
s<strong>em</strong>pre com estranho efeito.<br />
Numa casa de pasto (casa onde se come, restaurante, pousada),<br />
<strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong>s companheiros foram servidos por uma moça jovial, que a<br />
princípio lhes escutava com a maior indiferença. Entretanto, quando iam<br />
se retirando, “eIa Ihes fitou os olhos, s<strong>em</strong> mover-se n<strong>em</strong> dizer uma<br />
palavra sequer: parecia tão admirada como se visse alguém ressurgir<br />
dentre os mortos”. E devia ter havido algo para suscitar a admiração e<br />
para surpreender, nestes reptos (desafios) repentinos e inesperados de<br />
<strong>Wesley</strong>. A sua aparência – o rosto delgado, claro e intenso, o olhar forte<br />
e penetrante, as vestes clericais, a testa do estudante, o modo de falar<br />
de um nobre – tudo isto dava um poder surpreendente ao apelo<br />
repentino e s<strong>em</strong> prefácio, que parecia romper da eternidade, e ter algo,<br />
da solenidade da eternidade.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> já achara o livramento espiritual que buscara.<br />
Estava se recuperando de uma pleurisia (inflamação da pleura, a dupla<br />
m<strong>em</strong>brana que envolve os pulmões); e quando a alegria do novo<br />
nascimento lhe trasbordou a alma, <strong>Wesley</strong> diz que “a sua força física,<br />
também, voltou desde essa hora”. Coleridge considera isso como sendo<br />
uma inversão de causa e efeito, julgando que simplesmente<br />
desapareceu a pleurisia, e que Carlos <strong>Wesley</strong> tomou as melhoras de<br />
saúde por uma mudança espiritual. No mal interpretado fermento dessa<br />
pleurisia desaparecida, Carlos <strong>Wesley</strong>, no pensar de Coleridge, viveu<br />
de alguma maneira até o fim de <strong>seu</strong>s dias! Tão simplesmente um<br />
grande filósofo sabe explicar os fenômenos espirituais?<br />
A conversão de Carlos <strong>Wesley</strong> foi assinalada por um incidente<br />
curioso. Ele se achava de cama, triste, doente e acabrunhado;<br />
tr<strong>em</strong>endo à beira de uma fé que ainda não soube exercer. Uma mulher<br />
devota na casa, que ajudava <strong>em</strong> cuidar dele, sentia-se impulsionada a<br />
falar-lhe algumas palavras para confortá-lo. Mas ele, sendo ministro, e<br />
ela apenas uma criada; como poderia ela se aventurar um tal<br />
atrevimento?<br />
Ela foi <strong>em</strong> particular ao Sr. Bray, <strong>em</strong> cuja casa Carlos <strong>Wesley</strong> se<br />
achava, e entre lágrimas lhe contou do impulso que com tanta energia a<br />
oprimia, e perguntou como eIa, uma criatura tão pobre, fraca e<br />
pecaminosa, poderia <strong>em</strong>preender a direção de um ministro?<br />
O Sr. Bray respondeu: “Vai <strong>em</strong> nome do Senhor; dize as tuas<br />
palavras. Cristo fará a sua obra”.<br />
Ambos se ajoelharam e oraram junto; mas depois de separar<strong>em</strong>,<br />
a mulher ajoelhou-se sozinha e orou de novo. Então se dirigindo com<br />
passos tímidos até a porta do quarto <strong>em</strong> que Carlos <strong>Wesley</strong> jazia<br />
doente, ela disse suave, mas distintamente: “Em nome de Jesus, o<br />
Nazareno, levanta-te! Tu serás curado de todas as tuas enfermidades!”.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong>, segundo a sua própria narração, estava conciliando o<br />
sono quando essas palavras, de lábios invisíveis, lhe feriram os<br />
ouvidos. “Elas me <strong>em</strong>ocionaram”, diz ele, “até o coração, nunca ouvi<br />
palavras pronunciadas com s<strong>em</strong>elhante gravidade. Suspirei, e disse<br />
comigo: ó que Cristo me falasse assim! Continuei deitado, pensativo e<br />
tr<strong>em</strong>ente”.<br />
Ele indagou, e logo a pobre criada disse: “Fui eu que falei, pobre<br />
criatura pecaminosa que sou; mas as palavras são de Cristo. Ele me<br />
mandou dizê-las, e me constrangeu tão fort<strong>em</strong>ente que não pude<br />
resistir”.<br />
E essas palavras pronunciadas por uma mulher ignorante, sob<br />
esse impulso misterioso, trouxeram o livramento espiritual a Carlos<br />
<strong>Wesley</strong>!<br />
Neste t<strong>em</strong>po <strong>Wesley</strong> começou a refletir quão mal os <strong>seu</strong>s mestres<br />
haviam lhe servido. Ele se sentara aos pés de Thomas K<strong>em</strong>pis, de<br />
Jer<strong>em</strong>ias Taylor e de Guilherme Law. Ele fora um dos estudantes mais<br />
dóceis; seguira-lhes o conselho, custasse que custasse, e lhe deixaram<br />
falido! K<strong>em</strong>pis e Taylor estavam além do <strong>seu</strong> alcance, mas Guilherme<br />
Law ainda vivia. Era realmente o mestre de milhares; e <strong>Wesley</strong> virou-se<br />
para ele com uma espécie de repto (desafio) severo despertado pela<br />
consciência dos anos perdidos; e pela m<strong>em</strong>ória dos sofrimentos inúteis.<br />
“Durante dois anos”, diz ele escrevendo a Law, “vivi segundo a sua<br />
teologia, e a ensinava a outros”. Para o próprio <strong>Wesley</strong> fora um jugo<br />
insuportável, e para aqueles a qu<strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> pregara havia sido um som<br />
ininteligível. <strong>Wesley</strong>, pela misericórdia de Deus, achara por fim um<br />
mestre, mais sábio, que lhe ensinara o verdadeiro segredo do<br />
Cristianismo: “Crê e serás salvo! Crê no Senhor Jesus com todo o teu<br />
corarão, e nada te será impossível; despe-te completamente de tuas<br />
próprias obras e justiça, e foge para Ele”.
Neste ensino <strong>Wesley</strong> via a promessa de satisfação para todas as<br />
suas precisões (carências, necessidades).<br />
EIe agora se dirige a Law:<br />
“Permita-me perguntar, como hás de responder ao nosso<br />
Senhor comum por nunca teres me advertido disso? Por que tão<br />
raramente eu te via falar no nome de Cristo; e nunca de um modo<br />
que predicasse coisa alguma de fé no <strong>seu</strong> sangue? Se disseres<br />
que me aconselhavas de outras coisas preparatórias para isto,<br />
que importaria tal proceder senão deitar alicerce sob o alicerce?<br />
Cristo não é o primeiro b<strong>em</strong> como o último? Se disseres, que me<br />
aconselhavas essas coisas porque sabias que eu já possuía a fé,<br />
então, deveras, não me conhecias <strong>em</strong> nada; não discernias o meu<br />
espírito <strong>em</strong> coisa alguma“.<br />
<strong>Wesley</strong> prossegue:<br />
“Rogo-te, sr. pela compaixão de Deus, que consideres<br />
profunda e imparcialmente se a verdadeira razão por não teres<br />
me instado a isso não seja justamente por nunca a teres<br />
possuído?”<br />
Talvez nunca houvera antes um grande mestre tão bruscamente<br />
chamado a contas por <strong>seu</strong> próprio discípulo!<br />
Law, respondendo a <strong>Wesley</strong>, fê-lo l<strong>em</strong>brar que tivera outros<br />
mestres, os quais, sob bases iguais ele poderia chamar a contas.<br />
Perguntou-lhe:<br />
“Há cerca de dois anos não fizeste uma nova tradução de<br />
Thomas A. K<strong>em</strong>pis? Queres chamar a K<strong>em</strong>pis para dar contas e<br />
para responder a Deus por não ter te ensinado essa doutrina,<br />
como fizeste comigo?”<br />
Mas Law prossegue, afirmando que havia ensinado a <strong>Wesley</strong><br />
exatamente o que Bohler lhe ensinara. “Já tivestes muitas conversas<br />
comigo, e ouso dizer que nunca estiveste comigo por uma meia hora<br />
sequer s<strong>em</strong> eu me dilatasse nesta mesma doutrina da qual me fazes<br />
calado e ignorante”. Law era pol<strong>em</strong>ista tão formidável como o próprio<br />
<strong>Wesley</strong>, e findou a carta com uma lançada severa:<br />
“Se possuíres esta fé somente por poucas s<strong>em</strong>anas, deixame<br />
advertir-te que não sejas d<strong>em</strong>ais pronto <strong>em</strong> crer que, por teres<br />
mudado de linguag<strong>em</strong> ou de expressões, mudastes também de<br />
fé. A cabeça pode se divertir tão facilmente com a fé viva e<br />
justificadora como com qualquer outra coisa; e o coração que<br />
supões ser lugar seguro, por ser a sede do amor próprio, é mais<br />
enganoso do que a cabeça”.<br />
A aspereza repentina com que <strong>Wesley</strong> tratou a Law é de fácil<br />
compreensão; e ainda poder<strong>em</strong>os nos simpatizar com a defesa de Law.<br />
Law falhara por completo; os <strong>seu</strong>s ensinos custaram a <strong>Wesley</strong> anos de<br />
sofrimentos inúteis; entretanto a culpa não estava inteiramente com o<br />
mestre. É verdade que nos livros de Law, e, s<strong>em</strong> dúvida nas suas<br />
conversas pessoais com <strong>Wesley</strong>, havia freqüentes e plenas exposições<br />
do plano evangélico de salvação. Mas a ênfase estava <strong>em</strong> outro ponto.<br />
Não havia perspectiva real na teologia de Law. E <strong>Wesley</strong> não se achava<br />
naquele humor amolecido, proveniente da consciência de um fracasso<br />
completo, no qual Bohler o achara, e que explica porque a doutrina de<br />
Bohler se provara tão instantaneamente efetiva. Em suma, o segredo do<br />
fracasso de Law como mestre achava-se <strong>em</strong> grande parte na condição<br />
espiritual do <strong>seu</strong> discípulo.<br />
Mas <strong>Wesley</strong> estava no limiar de uma nova vida. A quarta·feira, 24<br />
de maio de 1738, foi para eIe o grande dia de livramento, e ele o t<strong>em</strong><br />
descrito <strong>em</strong> palavras que já se fizeram históricas. Por dias buscara a<br />
paz, como Bohler lhe ensinara; “(1) por renunciar absolutamente toda a<br />
dependência, quer total quer <strong>em</strong> parte, de minhas próprias obras ou<br />
justiça, nas quais eu havia confiado para a salvação, <strong>em</strong>bora eu não<br />
conhecesse, desde a minha mocidade; (2) por acrescentar ao constante<br />
uso de todos os mais meios de graça a constante oração, que Deus me<br />
desse a fé justificadora ou salvadora; uma mais plena reclinação sobre<br />
o sangue de Cristo derramado por minha causa; uma confiança nele<br />
como sendo a minha justificação, santificação e redenção”. Mas ainda<br />
pairava sobre ele uma estranha indiferença, moleza e frieza, e um<br />
senso constante de fracasso. Mas a madrugada de uma grande e nova<br />
experiência aproximava-se.<br />
Durante todas as horas do dia m<strong>em</strong>orável de sua conversão é<br />
curioso notar-se, <strong>Wesley</strong> escutava solicitamente como se uma voz lhe<br />
chamasse desde o mundo eterno. Parecia ouvir por toda parte algum<br />
eco profético de uma mensag<strong>em</strong> que vinha. O próprio ar parecia cheio<br />
de pr<strong>em</strong>onições e vozes suaves. Quando abriu o Novo Testamento às<br />
cinco da manhã, eIe nos conta como os olhos caíram sobre as palavras:<br />
“Ele t<strong>em</strong> nos comunicado as suas preciosas e grandes promessas, para<br />
que por elas, vos torneis participantes da natureza divina”. Um pouco<br />
antes de sair do <strong>seu</strong> quarto <strong>Wesley</strong> outra vez abriu o livro, e com a força<br />
de uma mensag<strong>em</strong> pessoal brilhou sobre ele desde a página sagrada à<br />
sentença: “Não estás longe do reino de Deus”. Estas vozes estranhas
pareciam segui-lo por toda à parte. No Salmo na Igreja de São Paulo<br />
ele ouvia traduzido na t<strong>em</strong>pestuosa música o clamor do <strong>seu</strong> próprio<br />
coração, “Das profundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor, escuta a<br />
minha voz: sejam os teus ouvidos atentos à voz das minhas súplicas”.<br />
Então através do canto do bom coro, a trovoada do órgão, corria qual fio<br />
delgado, uma música ainda mais divina, uma mensag<strong>em</strong> pessoal, uma<br />
voz que lhe respondia suav<strong>em</strong>ente: “Espere, Israel, no Senhor, porque<br />
no Senhor há misericórdia, e nele há abundante redenção. E ele r<strong>em</strong>irá<br />
a Israel de todas as suas iniqüidades”. ”À noite”, diz ele, “eu fui, muito<br />
contra a vontade, à sociedade na Rua Aldersgate, onde alguém lia o<br />
prefacio de Lutero à Epístola aos Romanos”, e mais de dois <strong>século</strong>s<br />
depois o grande al<strong>em</strong>ão (Lutero) falou ao grande inglês.<br />
O que seguiu deve ser contado nas próprias palavras de <strong>Wesley</strong>:<br />
“Faltava cerca de um quarto para às nove horas da noite<br />
(20:45h), enquanto ele (o texto de Lutero) descrevia a mudança<br />
que Deus efetuou no coração pela fé <strong>em</strong> Cristo; eu senti o meu<br />
coração estranhamente aquecido. Senti que realmente eu cria <strong>em</strong><br />
Cristo, <strong>em</strong> Cristo só, pela salvação; e foi-me concedido a certeza<br />
que ele me tirava os meus pecados, sim, os meus, e me salvava<br />
da lei do pecado e da morte. Comecei a orar, até onde podia a<br />
favor daqueles que haviam me desprezado e perseguido, da<br />
maneira mais acentuada. Então dei o meu test<strong>em</strong>unho<br />
abertamente a todos que ali estiveram daquilo que eu agora<br />
sentia no coração pela primeira vez. Mas não passou muito t<strong>em</strong>po<br />
até que o inimigo sugerisse: “Isto não pode ser a fé; pois onde<br />
está o gozo?”. Então fui ensinado que a paz e a vitória sobre o<br />
pecado são essenciais à fé no Capitão da nossa salvação<br />
(Jesus); mas acerca dos transportes de gozo que geralmente se<br />
dão no começo, especialmente nos que tenham sido<br />
profundamente entristecidos, Deus às vezes os dá, às vezes os<br />
retém, segundo os conselhos de sua própria vontade”. (Diário de<br />
<strong>Wesley</strong>, 24 de Maio de 1739).<br />
As flutuações na alegria de <strong>Wesley</strong> nesses primeiros momentos<br />
de livramento realmente provam o parentesco de <strong>Wesley</strong> com os<br />
corações crentes <strong>em</strong> todos os <strong>século</strong>s. Talvez a natureza humana não<br />
seja capaz de sustentar um gozo perpétuo e intenso. Mas Southey<br />
serve-se desta feição da experiência de <strong>Wesley</strong> para basear um<br />
argumento contra a sua genuinidade. “Aqui”, diz ele, “está uma<br />
contradição manifesta nos termos, uma certeza que não lhe deu<br />
certeza”.<br />
Coleridge, como acontece com curiosa freqüência, discorda tanto<br />
de Southey como de <strong>Wesley</strong>:<br />
“Esta certeza”, diz ele, “não era muito mais do que a forte<br />
pulsação ou latejo da sensibilidade, acompanhando a ve<strong>em</strong>ente<br />
volição (querer, desejo, ato pelo qual a vontade se determina a<br />
alguma coisa) de aquiescência (consentimento, assentimento,<br />
anuência), desejo ardente de achar verdade uma certa idéia, e a<br />
resolução concorrente <strong>em</strong> recebê-la por verdade. Que a mudança<br />
efetuou-se no meio de uma companhia de pessoas toda<br />
altamente excitadas me fortalece e confirma na explicação”.<br />
É claro, pois que Coleridge inventa os <strong>seu</strong>s fatos. Não havia<br />
excitação alguma na pequena companhia onde somente uma voz se<br />
ouvia, lendo nada mais excitante do que uma pequena exposição<br />
traduzida do al<strong>em</strong>ão. Mas ao passo que Coleridge desconfia de <strong>Wesley</strong>,<br />
também contradiz o Southey. Diz ele: “Certamente é fazer a palavra<br />
“certeza” absoluta d<strong>em</strong>ais quando se afirma a sua incompatibilidade<br />
com qualquer sugestão intrusa da m<strong>em</strong>ória ou do pensamento”. Há um<br />
rasgo de penetração real nestas palavras.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> não estava presente na saleta da rua Aldersgate<br />
no momento supr<strong>em</strong>o da vida do <strong>seu</strong> irmão. Ele se achava <strong>em</strong> casa<br />
doente e estava <strong>em</strong> oração. O primeiro impulso de João <strong>Wesley</strong> e dos<br />
que o rodeavam era levar<strong>em</strong> as boas novas ao irmão menor.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> escreve: “Cerca das dez horas (22h) o meu irmão<br />
foi me trazido <strong>em</strong> triunfo por um grupo de amigos, e declarou: ”eu<br />
creio!”. Cantamos um hino com grande gozo e nos separamos com<br />
oração“.<br />
Supõe-se que o hino que cantaram foi aquele que começa “:<br />
“Where shall my wordering soul begin:<br />
How shall I all to heaven aspire?<br />
A sIave rede<strong>em</strong>ed from death and sin,<br />
A brand plucked from eternaI fire.<br />
How shall I egual triumphs praise.<br />
Or sing my great Deliverer's praise.”<br />
Ou,<br />
“Onde começará a minha alma admirada:<br />
Com aspirar ao céu inteiro?<br />
Um escravo r<strong>em</strong>ido da morte e do pecado,
Uma tocha tirada do fogo.<br />
Como posso elevar triunfos dignos,<br />
ou cantar os louvores do meu Libertador? “<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> acabara de escrever este lindo hino no fervor de<br />
sua própria conversão, e foi publicado alguns meses mais tarde. A sua<br />
música percorre toda a história do Metodismo; a experiência que ele<br />
reflete, é repetida onde há almas humanas que receb<strong>em</strong> a Cristo com<br />
uma fé inteligente.<br />
É interessante notar as relações históricas da conversão de<br />
<strong>Wesley</strong>. As duas reformas – a de Al<strong>em</strong>anha e a da Inglaterra – tocam<br />
aqui. Realmente tocaram <strong>em</strong> época ainda mais r<strong>em</strong>ota. Qu<strong>em</strong> deseja<br />
traçar o grande movimento espiritual que, sob Lutero transfigurou a<br />
Al<strong>em</strong>anha e criou o Protestantismo t<strong>em</strong> de ir além de Lutero até chegar<br />
a um outro presbitério de Líncolnshire – a Lutherworty, onde João<br />
Wycliffe traduziu a Bíblia para o Inglês, e tornou-se o centro do grande<br />
movimento espiritual que durante o <strong>século</strong> XIV alastrou-se pela<br />
Inglaterra. O reformador inglês Wycliffe influiu quase tão poderosamente<br />
na Al<strong>em</strong>anha como a sua terra nativa. O próprio João Huss não negou a<br />
dívida que tinha para com Wycliffe, e o Concílio de Constancia que<br />
queimou o corpo de João Huss (condenou-o a morrer queimado na<br />
fogueira como herege), ordenou que os ossos de Wycliffe foss<strong>em</strong><br />
queimados também. O Inglês e o boêmio, ao juízo do Concilio,<br />
representavam forças gêmeas, e deviam ser castigados com a mesma<br />
pena.<br />
Os irmãos moravianos vinham, pelas gerações turbulentas que se<br />
seguiram, por direta descendência espiritual de Huss. Lutero era <strong>seu</strong><br />
herdeiro espiritual. E assim depois de passar<strong>em</strong> mais de trezentos<br />
anos, os ensinos de Wycliffe voltaram à Inglaterra através de Bohler.<br />
Falaram falaram a <strong>Wesley</strong> dos lábios de Lutero na pequena reunião da<br />
rua Aldersgate. Grandes dívidas são às vezes pagas abundant<strong>em</strong>ente<br />
desta maneira.<br />
CAPÍTULO XII<br />
O que aconteceu no 24 de maio?<br />
Pode-se perguntar agora: O que aconteceu na saleta à rua<br />
Aldersgate na noite de 24 de maio de 1838? Algo aconteceu: algo de<br />
m<strong>em</strong>orável e perdurável. Mudou a vida de João <strong>Wesley</strong>, erguendo-a<br />
como por um sopro, da dúvida para a certeza . Transformou a<br />
fraqueza <strong>em</strong> poder. Sim, e ainda t<strong>em</strong> mais, mudou todo o curso da<br />
história!<br />
Uma test<strong>em</strong>unha puramente secular, como Lecky declara que<br />
o movimento que teve por ponto de partida a reunião da saleta<br />
nessa noite é historicamente de maior importância do que todas as<br />
vitórias esplendorosas ganhas por terra e mar sob o Pitt. Na falta<br />
dessa reunião não haveria Igreja Metodista <strong>em</strong> qualquer país, e o<br />
protestantismo dos que falam a língua inglesa, se ainda<br />
sobrevivesse – ou se não achasse outro <strong>Wesley</strong> – estaria falido de<br />
forças espirituais.<br />
Mas a ciência exige que um efeito tamanho tenha uma causa<br />
adequada; e as causas predicadas, <strong>em</strong>bora trazendo a autoridade<br />
de nomes famosos , são inadequadas a ponto de provocar<strong>em</strong> o riso.<br />
Coleridge, como já notamos, nada descobre na conversa de Carlos<br />
<strong>Wesley</strong> senão o <strong>seu</strong> restabelecimento da pleurisia (inflamação da<br />
pleura, a dupla m<strong>em</strong>brana que envolve os pulmões). É representada<br />
como sendo uma baixa na t<strong>em</strong>peratura do <strong>seu</strong> sangue (visto que<br />
ficou livre da febre), e não a entrada de novas forças espirituais no<br />
<strong>seu</strong> caráter. Southey é s<strong>em</strong>elhant<strong>em</strong>ente disposto a resolver as<br />
experiências espirituais de João <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> termos físicos. Ele<br />
atribui as <strong>em</strong>oções daquela grande hora na n oite de 24 de maio à<br />
condição de <strong>seu</strong> pulso ou do <strong>seu</strong> estômago. Mas querer fazer do<br />
estomago de João <strong>Wesley</strong>, e não da sua alma, a cena (o local) de<br />
fenômenos tão maravilhosos, a fonte de onde irradiam forças tão<br />
extensivas, só pode ser considerado como um dos mais surpreendentes<br />
ex<strong>em</strong>plos de humor inconsciente na história. As “explicações” de<br />
Coleridge e Southey nada explicam; simplesmente reflet<strong>em</strong> uma<br />
relutância obstinada <strong>em</strong> admitir a existência e a validez de forças<br />
espirituais que constitu<strong>em</strong> o último disfarce da incredulidade. A<br />
explicação daquela pequena reunião feita pelo próprio <strong>Wesley</strong> e
daquela hora tão precisamente fixa, é que eIe foi convertido. E ele<br />
provavelmente entendeu melhor o que aconteceu do que os <strong>seu</strong>s<br />
críticos que ainda n<strong>em</strong> eram nascidos.<br />
Muitos porém, alegam que João <strong>Wesley</strong> fora convertido muito<br />
antes daquela noite. “Se João <strong>Wesley</strong> não era cristão quando<br />
trabalhava na sua rotina espiritual <strong>em</strong> Oxford e <strong>em</strong> Geórgia”, clama o<br />
cônego Overton, então, “Deus ajude a todos os que se professam e se<br />
chamam cristãos!”. S<strong>em</strong> dúvida as multidões unir-se-ão – e deveras,<br />
com um s<strong>em</strong>blante de alarme <strong>em</strong> dar ênfase ao parecer do Cônego<br />
Overton. L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>o-nos da grande experiência que veio a <strong>Wesley</strong><br />
depois de ter lido o “Santo Viver”, do Bispo Taylor. Ele diz:<br />
“Instantaneamente resolvi dedicar toda a minha vida a<br />
Deus – todos os meus pensamentos, palavras e ações – sendo<br />
convencido de que não existe meio termo, mas que todas as<br />
particularidades da minha vida – não algumas somente – têm de<br />
ser um sacrifício a Deus, ou a mim mesmo; isto é ao Diabo”.<br />
Não foi este o verdadeiro ponto da conversão de <strong>Wesley</strong>?<br />
O ensino de Jer<strong>em</strong>ias Taylor certamente serviu de choque<br />
precipitante a todos os desejos e convicções da natureza espiritual de<br />
<strong>Wesley</strong>. Eles se cristalizavam com o toque, tornando-se inabalável<br />
propósito. Realmente naquele instante ele capitulou às grandes forças e<br />
aceitou os grandes deveres da religião. E o fez com uma inteireza e<br />
decisão que são raras na experiência humana. Ele diz:<br />
“Instantaneamente resolvi!“. Para <strong>Wesley</strong> nunca havia qualquer<br />
possibilidade de meio termo, n<strong>em</strong> de convênio fácil. Embora a sua<br />
interpretação da verdade fosse trist<strong>em</strong>ente errônea, a sua lealdade a<br />
ela era de fibra heróica. A religião para ele não era um calmante<br />
agradável, n<strong>em</strong> um prêmio que se paga para assegurar-se da vida<br />
eterna, n<strong>em</strong> a orla ornamental da vestes superiores de sua vida. Era<br />
antes o negócio principal da nossa existência. Havia também na religião<br />
de <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> todas as suas fases, a nota essencial da paixão. Ele<br />
seguiria a verdade, como a entendia, através de tudo, custasse que<br />
custasse.<br />
Mas era isto a conversão? Não fê-lo filho na família de Deus?<br />
Aqui estava, s<strong>em</strong> dúvida, aquela raiz de toda a religião, a vontade<br />
submissa. Porque, <strong>em</strong> seguir este ritmo entre a alma humana e Deus,<br />
não veio, no caso de <strong>Wesley</strong>, aquela música eterna de paz, destruindo<br />
toda a discórdia, que é o <strong>seu</strong> produto? Se tivesse morrido então não<br />
teria sido salvo?<br />
Quanto a isto, o próprio <strong>Wesley</strong> duvidava. Ele deu pareceres<br />
contraditórios. Diz ele: “Eu mesmo, indo à América para converter a<br />
outros, nunca fora convertido a Deus”. Porém mais tarde com uma<br />
sábia dúvida ele escreve acerca da afirmação anterior: “Não tenho<br />
certeza disso”. Ele não tinha certeza de que não era realmente<br />
convertido antes de 24 de maio. Ainda mais tarde, e com uma<br />
penetração mais clara, ele se descreve esse t<strong>em</strong>po (antes de 24 de<br />
maio de 1738) como tendo “a fé de servo, mas não de filho”.<br />
A verdade é que <strong>Wesley</strong> nesse t<strong>em</strong>po não entendia o cristianismo<br />
no qual ele se criara e do qual era mestre. Havia se sentado aos pés de<br />
muitos instrutores e lido muitos livros. Havia sido sacerdotalista<br />
(clericalista. ritualista), asceta, místico e legalista, todos, por curso –<br />
sim, e por conjunto? Entretanto por todas essas fases ele<br />
persistent<strong>em</strong>ente errara na interpretação da verdadeira ord<strong>em</strong> do<br />
mundo espiritual. Ele cria que uma vida nova não era o fruto do perdão,<br />
mas a sua causa. Ensinava que as boas obras precediam o perdão e<br />
constituía o <strong>seu</strong> título; não o seguiam representando <strong>seu</strong> efeito. A cada<br />
fase de sua alma ele tinha errado o grande segredo do cristianismo, que<br />
está tão perto, e ao nível da inteligência de uma criança; o segredo de<br />
uma salvação pessoal, o dom gratuito do infinito amor de Deus <strong>em</strong><br />
Cristo; a salvação que v<strong>em</strong> por Cristo mediante a fé; a salvação<br />
atestada pelo Espírito de Deus e verificada na consciência.<br />
O próprio <strong>Wesley</strong> nos dá a prova de que até essa data ele havia<br />
errado <strong>em</strong> sua concepção da religião. T<strong>em</strong>os a sua cronologia espiritual<br />
traçada por <strong>seu</strong> próprio punho, numa série de juízos, todos datados e<br />
catalogados, constituindo um mapa de sua experiência religiosa (Diário<br />
24 de maio de 1738). Ele dá tudo isso como espécie de prefácio para a<br />
sua narração daquilo que teve lugar na saleta na rua Aldersgate, e ele<br />
explica cada passo sucessivo daquilo que havia sido o alicerce de sua<br />
religião. Pod<strong>em</strong>os citar estas apreciações, prefixando a cada fase, a<br />
época na vida de <strong>Wesley</strong> à qual pertencia:<br />
“A Criança – Fui cuidadosamente ensinado que não me<br />
salvaria senão por uma obediência universal; pelo cumprimento<br />
de todos os mandamentos de Deus; sendo diligent<strong>em</strong>ente<br />
instruído no significado deles. E essas instruções no tocante a<br />
deveres e pecados exteriores, eu recebia de boa mente e<br />
meditava nelas freqüent<strong>em</strong>ente. Mas tudo que me ensinaram<br />
concernente à obediência ou à santidade interior, eu não entendia<br />
n<strong>em</strong> de nada me l<strong>em</strong>brava. De modo que eu permanecia tão
ignorante do verdadeiro significado da lei como eu era do<br />
Evangelho de Cristo.”<br />
“O menino de Escola – Os cinco ou seis anos seguintes<br />
foram passados na escola, e sendo r<strong>em</strong>ovidas as restrições<br />
exteriores, tornei-me muito mais descuidado do que antes...<br />
Entretanto, eu ainda lia as Escrituras e fazia as minhas orações<br />
de manhã e de noite. As coisas pelas quais eu esperava ser salvo<br />
eram: 1) não ser tão ruim como outra gente, 2) ainda conservar o<br />
respeito pela religião, 3) ler a Bíblia, assistir na Igreja e fazer as<br />
minhas orações.”<br />
“O Estudante Universitário – Tendo me mudado para a<br />
universidade onde fiquei durante cinco anos, continuei a fazer as<br />
minhas orações tanto <strong>em</strong> público como <strong>em</strong> particular... Não posso<br />
dizer o que constituía a minha esperança pela salvação nesse<br />
t<strong>em</strong>po, quando eu constant<strong>em</strong>ente pecava contra a pouca luz que<br />
ainda me restava, a não ser, que fosse nos acessos passageiros<br />
daquilo que muitos teólogos me ensinavam chamar de<br />
arrependimento.”<br />
“Ordens Sacras – Comecei a mudar toda a forma da minha<br />
conversação, e a tentar sinceramente a entrar numa vida nova...<br />
Eu destaquei uma ou duas horas por dia para, um retiro religioso.<br />
Eu tomava a comunhão uma vez todas as s<strong>em</strong>anas; vigiava<br />
contra todo pecado, quer por palavra quer por ação... De modo<br />
que agora, fazendo tanto e levando uma vida tão boa, eu não<br />
duvidava que era bom cristão”.<br />
“A Disciplina de Guilherme Law – Tendo encontrado<br />
nesse t<strong>em</strong>po “A Perfeição Cristã”, de Thomaz A. K<strong>em</strong>pis, e “A<br />
Chamada Séria” do Senhor Law, não obstante ter-me<br />
escandalizado com muitos trechos de ambas; contudo, por elas<br />
eu me convenci, mais do que nunca do grande comprimento,<br />
largura e profundidade da lei de Deus... Clamei a Deus que me<br />
ajudasse; resolvi, como nunca antes, a não protelar o t<strong>em</strong>po de<br />
lhe obedecer. E, por meus constantes <strong>em</strong>penhos para guardar a<br />
lei interior e exteriormente até onde me dess<strong>em</strong> as forças, eu me<br />
persuadia que seria aceito por Ele, e que eu estava então mesmo<br />
na graça da salvação”.<br />
“O Clube Santo – Em 1730 eu comecei a visitar as prisões,<br />
ajudando os pobres e doentes e fazendo qualquer outro b<strong>em</strong> que<br />
eu pudesse com a minha presença ou com a minha pequena<br />
fortuna aos corpos e às almas de todos. Com este intuito eu me<br />
privei de todas as coisas supérfluas e de muitas que são<br />
chamadas as coisas necessárias à vida... Eu cuidadosamente<br />
<strong>em</strong>pregava, tanto <strong>em</strong> público como <strong>em</strong> particular, todos os meios<br />
de graça a cada oportunidade. Não omitia ocasião de fazer o<br />
b<strong>em</strong>. E por isso mesmo sofria muito. E tudo isto eu sabia ser nada<br />
a não ser que fosse dirigido para a santidade interior. Portanto,<br />
aquilo que eu almejava <strong>em</strong> tudo isso, era a imag<strong>em</strong> de Deus, por<br />
cumprir-lhe a vontade e não a minha. Entretanto, depois de<br />
continuar por alguns anos neste curso, julgando-me prestes a<br />
morrer, não pude achar que tudo isso me desse certeza alguma<br />
da minha aceitação por Deus. E nisto fiquei bastante<br />
surpreendido, não imaginando que durante todo esse t<strong>em</strong>po eu<br />
havia estado edificando sobre a areia, n<strong>em</strong> considerando que<br />
“ninguém pode pôr outro fundamento senão o que foi posto” por<br />
Deus “que é Jesus Cristo”.”<br />
“O Místico – Logo depois um hom<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>plativo me<br />
convenceu ainda mais do que antes que as obras exteriores não<br />
são nada, estando a sós e <strong>em</strong> diversas palestras me ensinou<br />
como eu devia prosseguir para alcançar a santidade ou a união<br />
da alma com Deus. Mas mesmo das suas instruções (se b<strong>em</strong> que<br />
eu as recebia então como se foss<strong>em</strong> as palavras de Deus) eu só<br />
posso dizer agora: 1) Que ele falava com tão pouco cuidado<br />
contra a confiança nas obras exteriores que me dissuadia de fazêlas<br />
de todo; 2) que me recomendava a oração mental e outros<br />
exercícios s<strong>em</strong>elhantes como sendo os meios mais eficazes <strong>em</strong><br />
purificar a alma e uni-la com Deus. Mas estas coisas eram, na<br />
realidade, tanto obras minhas como o visitar aos doentes ou o<br />
vestir aos nus. E a união com Deus que eu assim procurava, era<br />
tão realmente a minha própria justiça como qualquer outra que eu<br />
havia seguido sob outro nome.”<br />
“O Missionário – Deste modo refinado de confiar nas<br />
minhas próprias obras e justiça eu me arrastava pesarosamente,<br />
não achando n<strong>em</strong> conforto n<strong>em</strong> auxílio até a época da minha<br />
partida da Inglaterra... Todo o t<strong>em</strong>po que estive <strong>em</strong> Savannah eu<br />
estava agitando o ar. Sendo ignorante da justiça de Cristo, que,<br />
por uma viva fé nele, traz a salvação a “todo o que crê". Eu<br />
procurava estabelecer a minha própria justiça e deste modo<br />
trabalhava no fogo todos os meus dias... Antes eu havia servido<br />
ao pecado voluntariamente; agora eu o servia contra a vontade,
mas o servia. Eu caia e me levantava para tornar a cair outra vez.<br />
Durante toda essa luta entre a natureza e a graça, que agora<br />
havia durado mais de dez anos, eu tinha muitas e notáveis<br />
respostas às minhas orações, especialmente quando me achava<br />
<strong>em</strong> dificuldades. Eu tinha muitos e sensíveis confortos... Mas<br />
ainda eu estava “debaixo da lei” e não “sob a graça”.”<br />
“A volta à Inglaterra – Com a minha volta à Inglaterra <strong>em</strong><br />
Janeiro de 1738, estando <strong>em</strong> iminente perigo de morte e muito<br />
inquieto por causa disso, fiquei fort<strong>em</strong>ente convencido que a<br />
causa dessa inquietação era a falta de fé, e que o me apossar de<br />
uma fé verdadeira e viva era a única coisa necessária para mim.<br />
Mas eu ainda não fixara a minha fé no objeto adequado; eu<br />
queria que fosse fé <strong>em</strong> Deus somente, e não a fé <strong>em</strong> Cristo ou<br />
mediante Cristo. Não sabia que eu me achava de todo destituído<br />
desta fé, mas julgava apenas que não possuía uma suficiência<br />
dela.”<br />
Aquela longa análise de si mesmo é clara, explícita e final. Quanto<br />
a um conhecimento meramente intelectual, não é necessário dizer que<br />
<strong>Wesley</strong> era familiar com o verdadeiro sentido do cristianismo. A teologia<br />
do <strong>seu</strong> mestre moraviano estava e ainda está nos Trinta e Nove Artigos<br />
de Religião. Mas para João <strong>Wesley</strong> como para a sua geração, eles<br />
haviam se tornado num conjunto de sílabas pálidas, vazias de qualquer<br />
sentimento vital. E a sua experiência prova que um credo pode<br />
sobreviver como uma peça literária; pode ser cantado <strong>em</strong> hinos e tecido<br />
<strong>em</strong> orações e solen<strong>em</strong>ente ensinado como uma teologia e ainda ser<br />
exausto (vazio) de vida real. As grandes frases pod<strong>em</strong> ser destituídas<br />
de poder, quando não sejam mortas.<br />
É um aviso para todo o t<strong>em</strong>po. A Igreja de <strong>Wesley</strong> retém hoje,<br />
e retém tenazmente as doutrinas que <strong>Wesley</strong>, até esta época, havia<br />
errado. Para nós são deveras acentuadas pela história que t<strong>em</strong><br />
formado. A sua autenticidade é estabelecida pela literatura e hinologia<br />
que inspiraram. Elas têm passado tão completamente fora de toda a<br />
controvérsia, tornando-se tão comuns, que perigam (corr<strong>em</strong> o perigo<br />
de) tornar<strong>em</strong>-se outra vez <strong>em</strong> fórmulas s<strong>em</strong> verificação.<br />
<strong>Wesley</strong> declara que ele devia a sua conversão a Pedro Bohler.<br />
Qual foi, pois, exatamente esse ensino? Bohler inconscient<strong>em</strong>ente fez a<br />
obra supr<strong>em</strong>a de sua vida durante aqueles poucos dias <strong>em</strong> Londres e<br />
Oxford quando conversava com João <strong>Wesley</strong>. O humilde moraviano,<br />
sábio unicamente na ciência espiritual tocou <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> e então<br />
esvaeceu (desapareceu, perdeu importância)! Mas ajudou a mudar a<br />
história religiosa de Inglaterra, se b<strong>em</strong> que nunca ele sonhara tal coisa.<br />
A natureza de <strong>seu</strong> ensino é bastante clara. Em suma, ensinou a<br />
<strong>Wesley</strong> três coisas, coisas que estão no próprio alfabeto (no “ABC”) do<br />
cristianismo, mas que, de algum modo, os ensinos do piedoso lar<br />
<strong>Wesley</strong>, da grande Universidade de Oxford, da antiga Igreja, e de livros<br />
famosos não lhe fizeram ver. A saber: 1) que a salvação é unicamente<br />
<strong>em</strong> virtude da propiciação feita por Cristo e não por nossas próprias<br />
obras; 2) que a única condição para a salvação é a fé; 3) e que a<br />
salvação é atestada (testificada) à consciência espiritual pelo Espírito<br />
Santo. Estas verdades hoje são mui comuns; para <strong>Wesley</strong>, eram nessa<br />
época de sua vida, eram descobertas.<br />
Necessariamente o erro de <strong>Wesley</strong> era fatal. É b<strong>em</strong> claro que por<br />
todas as fases de sua experiência até esta época o “eu” de <strong>Wesley</strong>,<br />
sob muitas formas, havia tomado o lugar de Cristo. <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
punha a ênfase <strong>em</strong> si mesmo, <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s próprios motivos, atos,<br />
sacrifícios, orações, aspirações, e não no <strong>seu</strong> Salvador. E ái da alma<br />
que assim mudar o <strong>seu</strong> centro de fé, achando por centro, não os ofícios<br />
e a grande e radiante personalidade do Cristo vivo, mas os fragmentos<br />
imperfeitos de <strong>seu</strong>s próprios atos e méritos! N<strong>em</strong> mesmo aquilo que o<br />
Espírito Santo efetua <strong>em</strong> nós pode, <strong>em</strong> qualquer época, tomar o lugar<br />
como razão da nossa confiança diante de Deus, o lugar daquilo que<br />
Cristo fez por nós.<br />
Mas agora, como resultado dos ensinos de Pedro Bohler, uma<br />
visão verdadeira da obra e dos ofícios redentores de Jesus Cristo feriu a<br />
vista de <strong>Wesley</strong>. Até então ele havia tomado, sobre si mesmo uma parte<br />
desses ofícios – um erro comum a todos os <strong>século</strong>s, repetido <strong>em</strong><br />
miríades (quantidade indeterminada, porém muito grande) de vidas, e<br />
s<strong>em</strong>pre mortífero. Nos anos posteriores o <strong>seu</strong> texto bíblico predileto foi<br />
“Cristo Jesus se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça e<br />
santificação, e redenção” (1 Coríntios 1:30). Mas nos tristes anos que<br />
precederam àquela m<strong>em</strong>orável hora na rua Aldersgate, <strong>Wesley</strong> nunca<br />
concebera que Cristo Jesus havia se tornado, num sentido profundo e<br />
misterioso, justiça para a alma crente. Como <strong>Wesley</strong> mesmo diz:<br />
“Eu, tinha fé, mais ainda não fixava a minha fé no objeto<br />
adequado; eu queria que fosse fé <strong>em</strong> Deus somente e não a fé<br />
<strong>em</strong> Cristo ou a fé mediante Cristo”.<br />
N<strong>em</strong> a própria misericórdia de Deus – se essa misericórdia nos<br />
fosse apresentada sob forma diversa daquela que se nos apresenta no
mistério de Cristo e de sua redenção – satisfaria a consciência humana.<br />
<strong>Wesley</strong> possuía, como b<strong>em</strong> poucos jamais a possuíram, a justa<br />
apreciação do pecado e de sua odiosidade: uma visão da lei divina –<br />
santa, augusta e imaculada – desonrada pelo pecado. E uma justa<br />
apreciação da discordância profunda e eterna que existe entre a<br />
consciência do pecado e a justiça imaculada de Deus, obstando<br />
(criando obstáculos para) que haja paz alguma. Ser apenas perdoado,<br />
poupado pela misericórdia divina não bastava para <strong>Wesley</strong>, como não<br />
basta para qualquer alma. T<strong>em</strong> de haver uma reconciliação permanente<br />
e fundamental com a justiça. E bastaria andar por todas as veredas da<br />
eternidade poupado pela misericórdia de Deus, mas ainda condenado<br />
por sua justiça?<br />
A alma humana necessita, na própria consciência, de um ponto<br />
de contacto entre estas duas coisas opostas. E <strong>Wesley</strong> aprendeu de<br />
Bohler o grande segredo do Cristianismo – que <strong>em</strong> Cristo se acha<br />
aquele sublime ponto de contacto. O dom de Deus à alma crente não é<br />
simplesmente o perdão, mas a justificação. Cristo se torna para aquela<br />
alma “o Senhor, justiça nossa”. De modo que a visão que transfigurou a<br />
vida de <strong>Wesley</strong> era a dos ofícios completos e suficientes de Cristo na<br />
redenção – ofícios de graça que muito sobrepujam as nossas<br />
esperanças e são al<strong>em</strong> da nossa compreensão.<br />
Mas Bohler também lhe ensinou o segredo da fé pessoal e<br />
salvadora. <strong>Wesley</strong> não teve fé antes do dia 24 de maio de 1738? Sim<br />
teve, e ele mesmo nos diz que qualidade de fé era essa. “Era”, diz ele,<br />
“uma sombra especulativa, flutuante e vaporosa que vive na cabeça e<br />
não no coração”. As homilias de sua própria Igreja poderiam, é verdade,<br />
ter ensinado a <strong>Wesley</strong>, melhor definição da fé do que esta! “É uma certa<br />
confiança e descanso que o hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> <strong>em</strong> Deus”. <strong>Wesley</strong> possuía<br />
esta definição de fé com uma perfeita clareza intelectual; mas foi<br />
simplesmente uma mera abstração s<strong>em</strong> existência real.<br />
O dr. Dale nos faz notar que esta definição é <strong>em</strong> si um paradoxo.<br />
“Se a fé é a condição precedente à salvação, como pode ser a crença<br />
que já estamos salvos?” Ele tenta resolver o paradoxo por<br />
perguntando: ”Não é verdade que Deus já nos deu – crentes e<br />
incrédulos s<strong>em</strong>elhant<strong>em</strong>ente – eterna redenção <strong>em</strong> Cristo?” A fé não<br />
produz um fato novo, mas somente aceita e traz para o domínio da<br />
consciência um fato que já existe independent<strong>em</strong>ente dela.<br />
Mas tal ensino facilmente entra no domínio do perigoso! Pode-se<br />
acrescentar que o paradoxo de fé está <strong>em</strong> outro ponto. Se for o dom de<br />
Deus, como pode ser a condição de outros dons? Se a fé é o dom de<br />
Deus, a responsabilidade por sua não existência está com Deus! Como<br />
pode ser tido por culpado o hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> não possuir aquilo que só pode<br />
lhe vir como dom de Deus?<br />
A verdade, até onde for possível expressá-la nos termos de língua<br />
humana, é que a fé representa o concurso de duas vontades, a divina e<br />
a humana. Ela é impossível s<strong>em</strong> a graça de Deus; de modo que a graça<br />
é uma condição essencial e s<strong>em</strong>pre presente para o <strong>seu</strong> exercício. Mas<br />
a graça de Deus não produz a fé s<strong>em</strong> o consentimento da vontade<br />
humana. <strong>Wesley</strong> aprendeu, mas aprendeu tarde e vagarosamente, que<br />
a fé não é meramente o esforço da alma desamparada <strong>em</strong> chegar a<br />
algum ato ou sentimento de confiança. É a rendição da alma para a<br />
graça auxiliadora de Deus; e somente quando se realiza esta<br />
capitulação (rendição, entrega) é que a alma se acha elevada por<br />
um impulso divino para as grandes alturas de uma confiança<br />
jubilosa.<br />
<strong>Wesley</strong> também aprendeu de Bohler, que o perdã o recebido<br />
de Cristo é atestado à alma perdoada pelo test<strong>em</strong>unho direto do<br />
Espírito Santo; de modo que traz consigo, como fruto imediato, a<br />
paz divina. É também certo que esta doutrina estava engastada<br />
(inserida, cont<strong>em</strong>plada) no credo de <strong>Wesley</strong>, e ele a retinha com<br />
uma perfeita clareza intelectual. “Se permanecermos <strong>em</strong> Cristo e<br />
Cristo <strong>em</strong> nós”, escrevera ele a sua mãe muitos anos antes disso,<br />
“forçoso é que sejamos cônscios disso. Se não pudermos ter certeza<br />
de que estamos no estado de salvação, boa razão se ria todo o<br />
momento que passarmos, seja passado, não <strong>em</strong> regozijo, mas, <strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong>or e tr<strong>em</strong>or. Então, s<strong>em</strong> dúvida , nesta vida somos de todos os<br />
homens os mais miseráveis”.<br />
Entretanto, inconscient<strong>em</strong>ente, <strong>Wesley</strong> agira até aí sob a teoria<br />
que a única confiança que o hom<strong>em</strong> pode ter acerca da sua própria<br />
condição espiritual , é aquela que ele recebe da cont<strong>em</strong>plação de<br />
suas próprias boas obras, ou que ele extrai, pela força da lógica, de<br />
tais obras. Praticamente tinha a crença da mãe, que qualquer<br />
consciência divinamente dada da aceitação por parte Deus era uma<br />
experiência rara e limitada a grandes santos. Ele conta com grande<br />
simplicidade como Pedro Bohler, “ainda mais me surpreendeu por<br />
suas descrições dos frutos da fé, do amor, da santidade e da<br />
felicidade que afirmav a ser<strong>em</strong> <strong>seu</strong>s assistentes”.<br />
Entretanto, se qualquer doutrina está sancionada largamente
pelas Escrituras e pelo assentimento da razão, é esta doutrina<br />
chamada tecnicamente a “segurança”. Negá-la é dizer que a nossa<br />
consciência espiritual não t<strong>em</strong> função alguma, ou que ela mente. Como<br />
resultado do perdão t<strong>em</strong> se efetuado a mais estupenda mudança na<br />
alma; a sua relação com Deus e <strong>seu</strong> universo é transfigurada. O<br />
pecador perdoado não é mais um enjeitado, mas um filho. Será possível<br />
persuadirmo-nos que esta maravilhosa mudança não seja de algum<br />
modo comunicada à nossa consciência? Será da vontade de Deus que<br />
o filho recebido de novo na sua família continue a crer, o que agora é<br />
mentira, que ele é ainda um enjeitado? Ainda que esteja sob os sorrisos<br />
de Deus ele deve continuar a pensar que ainda está sob o <strong>seu</strong><br />
desagrado? Depois do desaparecimento da escura substância do<br />
pecado, será que Deus queira que a sombra permaneça; que a alma<br />
perdoada ainda carregue o peso do pecado que não está mais <strong>em</strong><br />
conta contra ela, e sinta as manchas imaginárias de uma culpa que já<br />
foi apagada? Será crível (possível de se acreditar) que a única alma<br />
diante da qual Deus se coloca mascarado seja a alma perdoada? E que<br />
ele traga tal máscara para esconder-lhe o <strong>seu</strong> perdão?<br />
Certamente tal idéia constitui um paradoxo de uma espécie<br />
incrível! “Creio na r<strong>em</strong>issão dos pecados”. É um credo triunfante, mas<br />
qu<strong>em</strong> se regozijaria num perdão tão furtivo (escondido) que n<strong>em</strong> a<br />
própria alma que o recebe não saiba se o recebeu ou não?<br />
A negação do test<strong>em</strong>unho do Espírito acarreta a mais<br />
surpreendente contradição. A alma antes do perdão crê, o que é<br />
verdade, que é condenada; mas depois do grande ato de perdão ela<br />
crê, o que é mentira, que é ainda condenada. E Deus se conserva no<br />
silêncio! Não envia qualquer sinal ou penhor de conforto. É do Seu<br />
agrado – o Deus da Verdade! – que o <strong>seu</strong> filho perdoado ainda<br />
permaneça na atmosfera da falsidade! É esta uma coisa incrível <strong>em</strong><br />
escala transcendente! Está <strong>em</strong> flagrante contradição com a Palavra de<br />
Deus: “O Espírito mesmo dá test<strong>em</strong>unho com o nosso espírito de<br />
que somos filhos de Deus” (Romanos 8:16).<br />
Este test<strong>em</strong>unho divino não pertence ao domínio de milagres.<br />
Não é independente, como mostra a experiência, de condições<br />
humanas. Varia segundo o estado do próprio coração hum ano;<br />
enfraquecendo -se com o enfraquecimento da fé ou tornando -se mais<br />
claro segundo a inteireza da consagração.<br />
É interessante notar as variações nos sentimentos do próprio<br />
<strong>Wesley</strong>, ainda depois que lhe veio a grande experiência. Na mesma<br />
noite de 24 maio, depois de ter deixado a saleta na rua Aldersgate,<br />
ele diz: “Fui muito acometido por tentações, mas eu clamei e eIas<br />
fugiram”. Voltaram repetidas vezes, e dois dias depois e le se<br />
descreve “como estando pesaroso por causa das múltiplas<br />
tentações”. Ainda mais tarde ele acha-se “com falta de gozo” , e<br />
atribui esta condição “à falta de oração oportuna”.<br />
Na experiência de <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> suma, como na experiência de<br />
todos os d<strong>em</strong>ais cristãos, há flutuações nos sentimentos espirituais.<br />
Mas a sua experiência t<strong>em</strong> agora uma nova feição. Ainda era<br />
necessário que lutasse diariamente com as forças do mal; mas diz<br />
ele: “Achei a diferença entre a minha condição agora e a de antes .<br />
Antes fui às vezes, se não freqüent<strong>em</strong>ente, vencido; agora sou<br />
s<strong>em</strong>pre o vencedor!” Aqui (depois da experiência no 24 de maio de<br />
1738) estava a luta; mas aqui, também , estava a vitória.
PARTE III<br />
O Avivamento da Nação<br />
CAPÍTULO XIII<br />
A Inglaterra no Século Dezoito<br />
“A nossa luz parece ser a tarde do mundo”: com estas<br />
palavras tristes e expressivas uma "Proposta para a Reforma<br />
Nacional de Costumes”, publicada <strong>em</strong> 1694, descreve a condição<br />
moral de Inglaterra aos começos do <strong>século</strong> XVIII. Raiava um novo<br />
<strong>século</strong>, mas parecia como se nos céus espirituais da Inglaterra a<br />
própria luz do cristianismo estava sendo mudada, por alguma força<br />
estranha e malévola, <strong>em</strong> trevas. E era sobre uma paisag<strong>em</strong> moral<br />
desta espécie, escurecida com as sombras como as de algum<br />
t<strong>em</strong>ível e iminente eclipse espiritual, que João <strong>Wesley</strong> começou a<br />
sua obra. É impossível entender a escala e o poder dessa obra,<br />
s<strong>em</strong> um esforço preliminar para idear (ter uma idéia, uma noção) o<br />
campo <strong>em</strong> que foi feita.<br />
Seria fácil multiplicar<strong>em</strong>-se as test<strong>em</strong>unhas, mostrando quão<br />
exaurida de religião vital, quão maculada (manchada) <strong>em</strong> toda a sorte<br />
de iniqüidade era a Inglaterra desse t<strong>em</strong>po. Os <strong>seu</strong>s ideais eram<br />
grosseiros; os <strong>seu</strong>s divertimentos eram brutais; a sua vida pública era<br />
corrupta; os <strong>seu</strong>s vícios não inspiravam vergonha alguma. É verdade<br />
que Walpole (Robert Walpole, 1º Conde de Orford, foi um dos chefes<br />
do partido Whig ou liberal e principal ministro – First Lord of the<br />
Treasury – do rei George II até 1742) não inventou a corrupção política,<br />
mas eIe a sist<strong>em</strong>atizou, e a erigiu <strong>em</strong> estandarte, e fê-la<br />
desavergonhada! A crueldade se fermentava (excitava, estimulava) nos<br />
prazeres da multidão; e a podridão manchava os termos da conversa<br />
geral. Os juizes praguejavam desde o tribunal; o capelão imprecava<br />
(rogava pragas, amaldiçoava) os marinheiros para fazê-los mais atentos<br />
a <strong>seu</strong>s sermões; o rei o praguejava incessant<strong>em</strong>ente, e <strong>em</strong> voz alta. A<br />
duquesa de Marlborough, diz<strong>em</strong>, visitou um advogado s<strong>em</strong> deixar-lhe o<br />
<strong>seu</strong> nome. O secretário do advogado disse depois:<br />
“Não pude atinar qu<strong>em</strong> seria; mas ela praguejava tão<br />
terrivelmente que devia ter sido senhora de qualidades”.<br />
Leis ferozes ainda permaneciam nos códigos A própria justiça era<br />
cruel. Mesmo <strong>em</strong> 1735 homens foram esmagados por ter<strong>em</strong> recusado a<br />
se confessar<strong>em</strong> réus de crime capital. A lei sob a qual mulheres eram
susceptíveis a ser<strong>em</strong> açoitadas publicamente ou queimadas à estacas<br />
(<strong>em</strong> fogueiras), foi ab-rogada (revogada, suprimida, anulada) somente<br />
<strong>em</strong> 1794. O T<strong>em</strong>ple Bar foi continuamente adornado com uma nova<br />
moldura de cabeças humanas. Era o <strong>século</strong> do tronco e de açoites<br />
públicos; de bebedices, e prisão por dívidas <strong>em</strong> cadeias bastante tristes<br />
(desumanas) para escurecer<strong>em</strong> com novas sombras o Inferno de<br />
Dante. A bebedice era hábito familiar que passava s<strong>em</strong> reparo até entre<br />
os próprios ministros de estado. O adultério era um passa-t<strong>em</strong>po, cuja<br />
vergonha recaia não na mulher infiel n<strong>em</strong> no <strong>seu</strong> amante, mas no<br />
marido traído.<br />
Mas não é justo julgar qualquer <strong>século</strong> apenas por <strong>seu</strong>s vícios. A<br />
impiedade humana enche de trevas, <strong>em</strong> maior ou menor grau, qualquer<br />
<strong>século</strong>. Qu<strong>em</strong> deseja ver até que ponto a Inglaterra baixara no <strong>século</strong><br />
XVIII t<strong>em</strong> que julgá-la, não pelos el<strong>em</strong>entos piores, mas pelos melhores<br />
– por sua religião, ou por aquilo que ela tomava por religião; e pelos<br />
mestres religiosos. Pois não pode haver prova mais cabal de uma<br />
religião do que a qualidade de mestres que ela produz.<br />
Talvez não seja justo ir-se a um satírico <strong>em</strong> busca de um retrato;<br />
e as pinturas que Thackeray faz dos clérigos do <strong>século</strong> XVIII são, s<strong>em</strong><br />
dúvida, abertas à força de ácido. Mas não desment<strong>em</strong> a vida; o <strong>seu</strong><br />
poder está <strong>em</strong> ser<strong>em</strong> elas verdadeiras. De George II, o pequeno,<br />
iracundo e belicoso (agitado, beligerante, dado à guerra) monarca com<br />
a moral e as maneiras de um Jonathan Wilde <strong>em</strong> púrpura, Thackeray<br />
escreve <strong>em</strong> frases pungentes. E George II, tinha clérigos (a <strong>seu</strong> serviço)<br />
que possuíam a mesma moral; e que até consentiam <strong>em</strong> tratar a suas<br />
repugnantes licenciosidades como se foss<strong>em</strong> virtudes.<br />
O rei George II havia morrido, e William Thackeray (escritor<br />
britânico cuja obra foi marcada pela alternância entre textos puramente<br />
cômicos ou paródias com romances históricos sobre a sociedade<br />
britânica e americana) diz que “foi o pároco qu<strong>em</strong> veio chorar junto a<br />
<strong>seu</strong> túmulo, <strong>em</strong> companhia de Walmoden – uma das muitas concubinas<br />
do falecido rei – e assentado aí, pretendia o céu para o pobre velho que<br />
ali dormia. Aqui estava qu<strong>em</strong> (o rei morto) não possuía n<strong>em</strong> a<br />
dignidade, n<strong>em</strong> a instrução, n<strong>em</strong> a moralidade, n<strong>em</strong> espírito – que<br />
poluíra a grande sociedade por maus ex<strong>em</strong>plos; que na juventude, na<br />
maturidade e na velhice era grosseiro, baixo e sensual. Mas o sr.<br />
Portens, depois Monsenhor Bispo Portens, diz que a terra não era digna<br />
dele, e que o <strong>seu</strong> único lugar era o céu! Bravo, sr. Portens! O clérigo<br />
que derramou essas lágrimas <strong>em</strong> m<strong>em</strong>ória de George II vestiu o linho<br />
de George IlI”.<br />
Thackaray pinta o retrato <strong>em</strong> tamanho natural (descreve a<br />
realidade) de outros clérigos dessa época – o tipo de uma classe – o<br />
capelão e parasita de Selwyn, que descreveu o próprio caráter <strong>em</strong> suas<br />
cartas. E Thackeray coloca o retrato t<strong>em</strong>ível na perspectiva da história,<br />
quando:<br />
"Todos os prazeres e jogos indecentes <strong>em</strong> que se deleitava<br />
foram exauridos, todas as faces pintadas <strong>em</strong> que olhara com<br />
sensualidade eram vermes e crânios (estavam mortas); todos os<br />
finos cavalheiros cujas fivelas de sapatos ele beijara jaziam na<br />
sepultura. Este digno senhor toma a si o cuidado para nos dizer<br />
que não acredita na sua religião, ainda, graças a Deus, não é tão<br />
velhaco como um advogado. Ele faz os recados, do sr. Selwyn, e<br />
quaisquer recados, orgulhando-se diz ele, <strong>em</strong> ser o provedor<br />
daquele senhor. Ele assiste com o Duque de Queensberry –”o<br />
Velho Q“ – e troca anedotas com aquele aristocrata. Ele volta<br />
para casa depois “de um dia trabalhoso, <strong>em</strong> fazer batizados”,<br />
como afirma, e escreve a <strong>seu</strong> protetor antes de assentar-se para<br />
jogar cartas e para cear perdizes. Ele se alegra no pensamento<br />
do bife e vinho – é um ruidoso e turbulento parasita, lambendo os<br />
sapatos do <strong>seu</strong> amo entre explosões de riso, fingindo muito gosto,<br />
pois o sabor do lustre é igual ao melhor Claret na adega do “Velho<br />
Q.”. T<strong>em</strong> “Rabelais”, e “Horácio” as pontas dos dedos sujos. É<br />
indizivelmente baixo – curiosamente alegre; bondoso e de bom<br />
humor <strong>em</strong> particular – um bobo alegre de coração sensível, não<br />
um mexerico venenoso. Jessé diz que na sua capela <strong>em</strong> Long<br />
Acre “ele alcançou uma considerável popularidade pelo estilo<br />
agradável, varonil e eloqüente de <strong>seu</strong> discurso”.<br />
“A incredulidade teria sido endêmica, e a corrupção nos ares?” –<br />
Pergunta Thackeray ao cont<strong>em</strong>plar pastores tão estranhos. Os maus<br />
hábitos de George II, diz ele, produziram os <strong>seu</strong>s frutos nos primeiros<br />
anos de George III, e o resultado foi uma corte e sociedade tão<br />
corruptas como a Inglaterra jamais conheceu. O Thackeray era satírico,<br />
mas estas pinturas (suas crônicas e d<strong>em</strong>ais escritos) nada dev<strong>em</strong> ao fel<br />
no <strong>seu</strong> tinteiro. A sátira, repetimos, está na sua veracidade.<br />
Uma religião s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> a espécie de clero que merece; e<br />
considerado como classe, o clero do <strong>século</strong> XVIII era grosseiro e s<strong>em</strong><br />
espiritualidade, porque representava uma fé vazia de toda a força<br />
espiritual. Se na Inglaterra dessa época procurarmos nas falências da<br />
moralidade exterior pelas causas espirituais, serão manifestas. Foi o<br />
<strong>século</strong> de um raso e ousado deismo (onde se acredita na existência de
Deus, mas não há necessidade de um relacionamento pessoal com ele;<br />
Deus é impessoal, uma “força” do universo); de um deismo exultante e<br />
militante auxiliado pelo humor e crítica, b<strong>em</strong> como defendido pela<br />
lógica. Havia cativado a literatura; dava as cores à imaginação popular;<br />
tingia o discurso vulgar; achava-se entronizado no lugar da fé cristã.<br />
Mas o deísmo, qualquer que seja o <strong>seu</strong> tipo, é moralmente<br />
impotente; e o deismo do <strong>século</strong> XVIII nada era senão um traiçoeiro<br />
banco de areia no escuro do mar do ateísmo. Não nega a existência de<br />
Deus, mas o cancela como uma força na vida humana; quebrando a<br />
escada áurea da revelação entre os céus e a terra. Deixa a Bíblia<br />
desacreditada, o dever passa a ser uma conjectura, o céu uma<br />
aberração da imaginação desenfreada, e Deus como sombra vaga<br />
e distante. Por ele os homens eram deixados para subir<strong>em</strong> a um céu<br />
enevoado por alguma escada fraca de lógica humana. E naqueles<br />
dias tristes, enquanto havia uma cerração (nevoeiro) escura do<br />
deísmo fora das Igrejas, no interior delas, ainda havia outra cerração<br />
quase tão densa e má. O arianismo (uma heresia condenada <strong>em</strong><br />
325 d.C. pelo Concílio de Éfeso na qual Teodoro Ário e <strong>seu</strong>s<br />
seguidores afirmavam que Cristo era uma criatura de natureza<br />
intermediária entre a divindade e a humanidade, não era Deus, mas<br />
subordinad o a Deus como a primeira e a mais excelsa de suas<br />
criaturas ) aberto e confesso havia se apossado quase inteiramente<br />
das Igrejas dissidentes (da Igreja Anglicana oficial do Estado Inglês).<br />
E um inconsciente arianismo prático reinava, não obstante os <strong>seu</strong>s<br />
artigos doutrinários de Religião, na própria Igreja Anglicana. A<br />
consciência do pecado estava mui fraca e juntamente com isso,<br />
havia se tornado mui fraca, também a doutrina d o Cristo Divino e<br />
Redentor.<br />
A literatura religiosa desse <strong>século</strong> mostra quão curiosa mente<br />
pálida e ineficiente a noção de Deus havia se tornado entre aqueles<br />
que professavam ser <strong>seu</strong>s ministros. Segundo Sir Leslie Stephen,<br />
Deus nesse t<strong>em</strong>po “era um ídolo composto da tradição e da<br />
metafísica congelada” (História do Pensamento Inglês, Volume II<br />
pág. 338). Tinha havido um Deus; e ele havia anteriormente tocado<br />
na vida humana. Mas isto se dera <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos b<strong>em</strong> r<strong>em</strong>otos, e <strong>em</strong><br />
terras b<strong>em</strong> distantes. Já Deus havia se “<strong>em</strong>igrado” de <strong>seu</strong> próprio<br />
mundo. Ainda segundo Leslie Stephen, Deus tinha sido reduzido tal<br />
como a grotesca concepção do Bispo Warburton, <strong>em</strong> “um juiz<br />
sobrenatural do tribunal superior cujas sentenças foram executadas<br />
<strong>em</strong> um mundo desnatural; um monarca constitucional que, havendo<br />
assinado o contrato constitucional tinha se retirado da gerência ativa<br />
dos negócios do governo”. De Deus, como o Pai dos nossos<br />
espíritos, como atualmente vivendo <strong>em</strong> <strong>seu</strong> próprio universo e<br />
regendo nas vidas dos homens; de Deus, de qu<strong>em</strong> se poderia ter<br />
dito na linguag<strong>em</strong> de Tennyson: “Está mais perto do que a respiração,<br />
mais próximo do que as mãos ou os pés”, não se acha indício algum na<br />
teologia do <strong>século</strong> XVIII. A superstição, segundo os <strong>seu</strong>s teólogos,<br />
consistia na crença que Deus seria capaz de revelar-se nos negócios do<br />
mundo moderno. O fanatismo seria o imaginar que Deus se revelaria<br />
por qualquer toque, ou sopro, ou sentimento de influência à alma<br />
pessoal.<br />
O deismo, repetimos, engrossado com as nevoadas árticas e<br />
gelado como o frio ártico, constituiu a teologia ativa desse <strong>século</strong> infeliz.<br />
Naquela teologia Cristo é reduzido a uma sombra. Serve ele de rótulo<br />
para um credo, mas preenche unicamente o papel de rótulo. O <strong>seu</strong><br />
Evangelho não constitui qualquer “boa nova”, mas unicamente serve de<br />
bons conselhos. Não constitui uma salvação, mas é apenas uma<br />
filosofia. Um chinês decente que levasse a sério os ensinos de<br />
Confúcio poderia ter pregado nove décimos dos sermões desse<br />
período. Se o tal chinês escondesse o rabicho (os longos cabelos<br />
presos), mudasse de feições, disfarçando-se com uma batina e<br />
sobrepeliz (a roupa sacerdotal), e se tivesse aprendido umas poucas<br />
frases técnicas e falado dos Evangelhos como sendo verdadeiras<br />
histórias – se b<strong>em</strong> que um tanto r<strong>em</strong>otas – poderia ter passado por um<br />
bom teólogo com apetite b<strong>em</strong> ortodoxo por um gordo benefício na<br />
Inglaterra desse t<strong>em</strong>po. Leckey diz com cruel franqueza:<br />
“Fora de uma crença na doutrina da Trindade e de um<br />
reconhecimento geral da veracidade das narrativas evangélicas,<br />
os clérigos de então, pouco ensinavam que não poderia ter sido<br />
ensinado pelos discípulos de Sócrates ou pelos seguidores de<br />
Confúcio”.<br />
Mas o Cristianismo não é um código de moral; n<strong>em</strong> é um capítulo<br />
de história antiga. (É fé <strong>em</strong> uma pessoa, na pessoa de Jesus!). É um<br />
agrupamento de verdades grandes e majestosas; verdades que<br />
sobrepujam o entendimento e que são envoltas <strong>em</strong> mistério; mas que<br />
têm de formar as nossas vidas. Desde o princípio até o fim é uma<br />
mensag<strong>em</strong> do amor redentor. O mistério de uma propiciação divina pelo<br />
sangue de Cristo, do acesso a Deus mediante os ofícios sacerdotais de<br />
Cristo, é a sua essência própria. O <strong>seu</strong> dom supr<strong>em</strong>o é a vida de Deus<br />
restaurada na alma humana pela graça poderosa do Espírito Santo.<br />
Mas todas estas grandes doutrinas, que não são tanto
pertencentes ao Cristianismo como <strong>seu</strong>s constituintes, haviam de algum<br />
modo escapado, não meramente da fé humana, mas quase da m<strong>em</strong>ória<br />
humana nesta época do Cristianismo, do povo que fala a língua inglesa.<br />
A mensag<strong>em</strong> “de entrarmos no santo lugar pelo sangue de Jesus”<br />
(Hebreus 10:9) não significava coisa alguma para homens que se criam<br />
privilegiados a entrar<strong>em</strong> <strong>em</strong> qualquer ocasião na presença de Deus com<br />
uns poucos cumprimentos delicados. Na religião desse t<strong>em</strong>po não havia<br />
lugar para lágrimas de arrependimento. Faltava a nota de paixão e o<br />
silêncio da reverência havia desaparecido. E tudo isso, porque a visão<br />
de Deus ia se apagando; a consciência (da maldição) do pecado – do<br />
significado do pecado, e da sua cura preparada por Deus – havia<br />
perecido.<br />
Uma religião assim exaurida de suas propriedades sobrenaturais<br />
não possui poder algum sobre a consciência humana. Não pode<br />
transfigurar qualquer vida. Não inspira mártir algum, n<strong>em</strong> produz santos,<br />
n<strong>em</strong> envia missionários. Gera uma moralidade de têmpera ignóbil<br />
(desprezível, nojenta). T<strong>em</strong> mais a aparência de uma atmosfera<br />
exaurida de oxigênio do que qualquer outra coisa.<br />
E a religião do <strong>século</strong> XVIII recebia o apreço que merecia. Os<br />
<strong>seu</strong>s sacramentos “os símbolos da graça propiciatória” se tornaram nas<br />
palavras de Cowper, “<strong>em</strong> Chave de ofício, ou chave falsa para posição<br />
oficial” (ou seja, era obrigatória a prática religiosa para se ter <strong>em</strong>prego<br />
público). Swift, <strong>em</strong> uma de suas cartas a Stella escreve: “Cedo fui visitar<br />
o Secretário Bolingbrook, mas ele, havia ido a suas devoções para<br />
receber o sacramento. Vários outros velhacos (enganadores, logrões,<br />
burladores, fraudulentos) tinham feito o mesmo. Não foi pela piedade,<br />
mas pelo <strong>em</strong>prego, segundo ato do Parlamento”. Uma religião tal, não<br />
podia inspirar um ministério santo n<strong>em</strong> heróico; e o certo é que havia<br />
pouco de santo e ainda menos de heróico na têmpera do clero<br />
anglicano nos dias dos primeiros reis George. O primeiro e grande<br />
dever da religião era se conservar tépida (morna, frouxa, fraca). Não<br />
devia haver n<strong>em</strong> entusiasmo, n<strong>em</strong> heroísmo. Deviam ser evitados todos<br />
e quaisquer extr<strong>em</strong>os. “Dev<strong>em</strong>os cuidar que nunca nos sobressaiamos<br />
mesmo no prosseguimento da virtude”. Foi o conselho de um dos<br />
pregadores dessa época. “Quer alvej<strong>em</strong>os o zelo, quer a moderação,<br />
cuid<strong>em</strong>os que não deix<strong>em</strong>os entrar o fogo num e n<strong>em</strong> a geada no<br />
outro”. Estas palavras, diz Miss Wedgwood, “constituíam o moto (divisa,<br />
l<strong>em</strong>a) da Igreja do <strong>século</strong> XVIII”. Os clérigos t<strong>em</strong>iam muito mais ser<br />
considerados d<strong>em</strong>asiados crentes, do que d<strong>em</strong>asiados incrédulos.<br />
O Cristianismo foi diligent<strong>em</strong>ente diluído por <strong>seu</strong>s próprios<br />
mestres (líderes), a ponto de se tornar insípido (s<strong>em</strong> sabor, s<strong>em</strong> efeito).<br />
O pecado contra o Espírito Santo é pelo Bispo Clarke diluído “<strong>em</strong> uma<br />
recusa de se ser convencido pela maior evidência da veracidade do<br />
Cristianismo”. O motivo pelo qual a religião apela à consciência era no<br />
fundo um apelo à covardia. O Bispo Sherlock resolve a religião <strong>em</strong><br />
judicioso (sensato, prudente) jogo de azar. Diz ele substancialmente:<br />
“São dez para um que a religião é verdade. Se finalmente a religião for<br />
achada falsa, o cristão terá perdido unicamente a décima parte da<br />
importância da aposta. Se a religião for achada verdade, o pecador terá<br />
feito muito mal negócio”. A lógica é o único instrumento de uma religião<br />
tépida (morna, frouxa, fraca). E achamos todos os sermões e ensinos<br />
dos clérigos do <strong>século</strong> XVIII <strong>em</strong> termos da lógica, e possu<strong>em</strong> a frieza<br />
desta. Os mestres religiosos desse t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> suma, só tinham meiascrenças,<br />
e de meias-crenças não se pode extrair qualquer<br />
moralidade heróica (vida com santidade).<br />
Leslie Stephen diz a respeito de Blair, o mais famoso pregador<br />
desse t<strong>em</strong>po, “que ele era simplesmente mascate (vendedor<br />
ambulante) de coisas de segunda mão que davam a impressão de<br />
que o hom<strong>em</strong> real havia sumido s<strong>em</strong> deixar nada senão uma<br />
cabeleira e batina”. A idéia (concepção) que o Bispo Warburton teve<br />
da Igreja Cristã se vê numa de suas cartas. Diz ele: “A Igreja, à<br />
s<strong>em</strong>elhança da arca de Noé, é digna de salvação não pelos animais<br />
imundos que quase a ench<strong>em</strong> e que faz<strong>em</strong> a maior parte do ruído e<br />
do clamor nela; mas pelo cantinho ocupado pelos racionais que se<br />
sent<strong>em</strong> acabrunhados mais com o mau cheiro dentro do que com a<br />
t<strong>em</strong>pestade de fora”. Middleton, outro dignitário eclesiástico desse<br />
t<strong>em</strong>po, escreveu uma carta ao Lorde Hervey, ridicularizando os<br />
artigos que ele mesmo estava prestes a subscrever a fim de tomar<br />
conta (alcançar) de um benefício.<br />
“Ainda que haja muitas coisas na Igreja ”, diz ele, “de que<br />
eu nada gosto, entretanto, ao passo que eu suporte o mal,<br />
terei prazer <strong>em</strong> provar um pouco do b<strong>em</strong> e assim receber<br />
alguma compensação pelo feio assentimento e consent imento<br />
que nenhum hom<strong>em</strong> de bom senso pode aprovar. L<strong>em</strong>os que<br />
certos entre os discípulos de Jesus o seguiam, não por causa<br />
de suas obras, mas por causa de <strong>seu</strong>s pães. Para nós que não<br />
tiv<strong>em</strong>os a felicidade de ver as obras pode se permitir que<br />
tenhamos alguma inclinação pelos pães. Vossa Senhoria<br />
conhece certo hom<strong>em</strong> que, com idéia mui baixa do pão<br />
sagrado da Igreja, entretanto sente-se b<strong>em</strong> disposto a tomar<br />
boa porção do pão t<strong>em</strong>poral. O meu apetite para um e outro é
igualmente moderado. Não pretendo me regalar no banquete<br />
dos eleitos, mas, com o pecador do Evangelho, quero apanh ar<br />
as migalhas que ca<strong>em</strong> da mesa”.<br />
Tal tipo de religião, servida por tais ministros, inevitavelmente<br />
havia de produzir vidas de pouco valor. A piedade era simplesmente<br />
a peIe de hábitos exteriores, uma forma de prudência que se<br />
entendia ao mundo espiritual. Se os sermões <strong>em</strong>poeirados desse<br />
<strong>século</strong> for<strong>em</strong> postos no alambique e for destilada a sua essência vê-se<br />
que subsistiam <strong>em</strong> exortações tais como:<br />
“Não vos <strong>em</strong>briagueis, pois isto arruína a saúde; não<br />
mateis, pois haveis de ser enforcados Todo o hom<strong>em</strong> deve ser<br />
feliz, e o modo de ser feliz é ser <strong>em</strong> tudo digno de respeito.”<br />
A opinião que o Cristianismo era falso, mas ainda útil à sociedade,<br />
representava o credo prático das classes educadas. A nobre senhora<br />
Maria Wortley Montagu fala de um plano para tirar o “não” dos<br />
mandamentos e incorporá-lo (o tal “não”) no Credo. É uma faísca de<br />
sátira f<strong>em</strong>inina, mas representa a teoria sobre a qual toda a multidão<br />
vivia.<br />
O Bispo Butler t<strong>em</strong> pintado o espírito do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> cores<br />
escuras e imperecíveis. Ele diz: “A distinção deplorável do nosso <strong>século</strong><br />
está no confesso escárnio pela religião, e no crescente desprezo dela”.<br />
Mas o próprio Butler com todos os <strong>seu</strong>s elevados talentos fornece, na<br />
sua própria pessoa uma prova cabal da cegueira e da morte espiritual<br />
do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po. Ele proibiu que os <strong>Wesley</strong> e Whitefield pregass<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
sua diocese, <strong>em</strong>bora, <strong>em</strong> todos os lados de sua catedral existisse a<br />
classe degradada e abandonada na Inglaterra – os mineiros de<br />
Kingswood, tão destituídos de todas as forças do Cristianismo como se<br />
foss<strong>em</strong> nativos no centro da África.<br />
Que o melhor, o mais sábio, o mais poderoso e o mais<br />
plenamente convencido dos bispos desse t<strong>em</strong>po, tomasse tal atitude<br />
para com <strong>Wesley</strong> e sua obra mostra qual era a têmpera geral do clero<br />
de então. A consciência de Butler não se inquietou com este lapso no<br />
mero paganismo de uma classe inteira, ao alcance do som dos sinos de<br />
sua catedral, mas tornou-se piedosamente indignado com o espetáculo<br />
de uma suposta irregularidade eclesiástica! O entusiasmo <strong>em</strong> homens<br />
bons, a <strong>seu</strong>s olhos, era espetáculo mais alarmante do que o vício <strong>em</strong><br />
homens maus. Pode-se imaginar mais significante inversão de valores<br />
espirituais?<br />
Não há feição mais característica do <strong>século</strong> XVIII do que o <strong>seu</strong><br />
t<strong>em</strong>or (medo, pavor) pelo entusiasmo. Entusiasmo era coisa maldita!<br />
Um clérigo bom estava mais solícito <strong>em</strong> desfazer-se de qualquer<br />
suspeita de entusiasmo, do que <strong>em</strong> livrar-se do escândalo de heresia.<br />
Era <strong>século</strong> de compromissos; de compromissos na política, na filosofia,<br />
na teologia; e compromissos são fatais ao entusiasmo. Forçosamente<br />
matarão o entusiasmo, ou serão mortos por eIe.<br />
L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>o-nos que duas grandes ondas de paixão havia<br />
recent<strong>em</strong>ente inundado a Inglaterra – a onda do Puritanismo (um<br />
movimento religioso protestante de orig<strong>em</strong> presbiteriana com índole<br />
conservadora e rigorista que rejeitava tanto a igreja católica quanto a<br />
igreja Anglicana, governada pelo rei inglês, e por isso mesmo<br />
perseguido e até martirizado pelos poderes ingleses) que tinha<br />
exigências que culminara na Guerra Civil (entre os partidários do rei<br />
Carlos I da Inglaterra e o Parlamento inglês, liderado por Oliver<br />
Cromwell. Começada <strong>em</strong> 1642, acaba com a condenação à morte de<br />
Carlos I <strong>em</strong> 1649); e o retrocesso do Puritanismo que achara o <strong>seu</strong><br />
triunfo na restauração. Grandes debates, à força da espada e do<br />
mosquete, da prisão e do tronco, de atos do Parlamento e de sentenças<br />
de tribunais, haviam deixado o país exausto. O espírito de compromisso<br />
dos Whigs (expressão de orig<strong>em</strong> popular que se tornou termo corrente<br />
para designar o Partido Liberal no Reino Unido), que explica a<br />
revolução de 1688, havia capturado o domínio (se estabelecido<br />
também) religioso. Os homens ainda se sentiam doloridos com as<br />
feridas da luta. O espírito público achava-se no refluxo. T<strong>em</strong>ia-se a<br />
paixão, odiava-se os fanáticos. Entusiasmo era palavra e atitudes<br />
suspeitas. A moderação era a coisa principal.<br />
O entusiasmo t<strong>em</strong> ou deve ter o <strong>seu</strong> último reduto na religião, e<br />
nos mestres religiosos. Mas no <strong>século</strong> XVIII o clero constituía na nação<br />
a classe <strong>em</strong> que os fogos (chamas) do entusiasmo achavam-se mais<br />
perto da extinção; e isto como resultado de <strong>seu</strong>s próprios atos. Nos<br />
limites de uma única geração eles haviam ensinado, primeiro, o direito<br />
divino dos reis, e zelosamente haviam perseguido a todos que<br />
dúvidass<strong>em</strong> dessa doutrina. Mas depois da chamada Revolução<br />
Gloriosa de 1688 (na qual o rei católico Jaime II da dinastia Stuart foi<br />
r<strong>em</strong>ovido do trono da Inglaterra, Escócia e País de Gales, e substituído<br />
pelo <strong>seu</strong> genro,o nobre protestante holandês Guilherme, Príncipe de<br />
Orange e a esposa Maria II, filha do rei James II), eIes haviam engolido<br />
os <strong>seu</strong>s princípios, jurando a fidelidade ao rei Guilherme, e tratando de<br />
tirar dos presbitérios e casas pastorais o pequeno resto de <strong>seu</strong>s irmãos<br />
que recusaram renunciar aos <strong>seu</strong>s princípios com a mesma alegre
facilidade! Princípio de espécie nobre e austera foi pelo momento<br />
desacreditado, deste t<strong>em</strong>ível modo, pelo ex<strong>em</strong>plo do próprio clero.<br />
Havia alguns pontos luminosos na escura paisag<strong>em</strong> inglessa<br />
desse <strong>século</strong> XVIII. Entre os gordos e ricos bispos faltos de<br />
espiritualidade, v<strong>em</strong>os os vultos quase santos de Butler e Berkley. O<br />
<strong>século</strong> que conta Guilherme Law entre os <strong>seu</strong>s teólogos, e Watts e<br />
Doddridge. E entre os <strong>seu</strong>s cantores, ainda possuía nas veias algo do<br />
fervor divino da religião. E deviam ter havido muitos presbitérios<br />
ingleses, além do de Epworth, nos quais ardia a chama preciosa da<br />
piedade familiar.<br />
Entretanto, a vida espiritual de Inglaterra nesse momento estava<br />
indubitavelmente se esgotando com rapidez. A sua vida pública<br />
corrupta; o <strong>seu</strong> clero desacreditado; a sua Igreja gelada; a sua teologia<br />
exaurida dos el<strong>em</strong>entos cristãos. Tal era a Inglaterra do <strong>século</strong> XVIII!<br />
Necessitava-se de uma revolução espiritual para salvar um povo tal.<br />
Os ventos de Pentecostes teriam de soprar novamente sobre o<br />
país moribundo; os fogos de um novo Pentecostes teriam de cair para<br />
ascender outra vez a chama da fé nas almas dos homens. E <strong>Wesley</strong> foi<br />
chamado, e educado por Deus, para fazer esta grande obra.<br />
CAPÍTULO XIV<br />
Começando a Obra<br />
A conversão de João <strong>Wesley</strong> naquele 24 de maio de 1738<br />
confundiu alguns de <strong>seu</strong>s amigos e alarmou a outros. Mrs. Hutton, mãe<br />
de um de <strong>seu</strong>s amigos, disse: “Se não fostes cristão desde que vos<br />
conheci, então fostes um grande hipócrita, pois nos fizestes crê-lo”.<br />
Samuel <strong>Wesley</strong> recebeu as novas com uma espécie de ira<br />
confusa que é quase divertida. Ele achou que o irmão sofria de um<br />
ataque de “entusiasmo!” – uma moléstia muito mais mortífera do que<br />
qualquer outra conhecida à ciência medica. Ele escreve: “Cair no<br />
entusiasmo é ser perdido com test<strong>em</strong>unho. Eu almejava alegr<strong>em</strong>ente<br />
um encontro com o Joãozinho, mas agora tudo se acabou e tenho<br />
medo. De coração rogo a Deus que obste (impeça) o progresso desta<br />
loucura... Não entendo o que Joãozinho quer dizer <strong>em</strong> afirmar que<br />
anterior ao mês próximo passado ele nunca fora Cristão”, diz o<br />
eclesiástico. “O batismo não é nada?... Ou ele deve se desbatizar, ou<br />
ser apóstata (qu<strong>em</strong> abandona a fé ou o estado religioso ou sacerdotal),<br />
para que as suas palavras sejam a verdade”.<br />
Mas João <strong>Wesley</strong> já mudara para outro clima espiritual. No <strong>seu</strong><br />
clima espiritual o dia natalício do cristão tinha sido mudado do dia de<br />
<strong>seu</strong> batismo para o de sua conversão; “e nesta mudança”, diz miss<br />
Wedgwood, com profunda penetração, “cruzava a linha divisória entre<br />
dois grandes sist<strong>em</strong>as”. Entretanto <strong>Wesley</strong> seria o último que havia de<br />
perturbar-se com o alarme e a perplexidade de <strong>seu</strong>s amigos. Aos 13 de<br />
junho – somente três s<strong>em</strong>anas depois de sua conversão – ele se<br />
achava a caminho da Al<strong>em</strong>anha para visitar as povoações moravianas.<br />
Ele gostava de estudar a religião minuciosamente, e experimentá-la<br />
pelo supr<strong>em</strong>o toque da vida. A experiência íntima da alma humana<br />
constituía para ele a lógica final. Na povoação moraviana de Rerrnhut<br />
eIe acharia a comunidade inteira vivendo segundo as grandes verdades<br />
que acabara de aprender, e ele se apressou <strong>em</strong> redargüir (aprender,<br />
replicar, avaliar) as experiências desses simples moravianos, e <strong>em</strong><br />
estudar a ord<strong>em</strong> social que havia evoluído e a maneira de vida que<br />
levavam.<br />
EIe passou três meses nesta sindicância e, voltando à Inglaterra,
aos 16 de set<strong>em</strong>bro, <strong>em</strong> <strong>seu</strong> Diário nos dá uma descrição, meia<br />
divertida, meia tocante, das conversas que teve com vários grupos<br />
desse povo, e das perguntas solícitas mas simples com que redargüia<br />
as suas crenças e <strong>em</strong>oções. Pela língua áspera e gutural do povo<br />
al<strong>em</strong>ão, ou filtradas por uma tradução latina, as experiências de um<br />
após outro desses moravianos devotos chegavam a <strong>Wesley</strong> e ele<br />
escutava pensativo e com olhos pacientes. Aqui estava a obra do<br />
Espírito Santo, traduzida <strong>em</strong> termos da vida humana e exposta diante<br />
dos olhos. Aqui estava a verificação do Evangelho de Cristo! <strong>Wesley</strong><br />
escreveu a <strong>seu</strong> irmão Samuel:<br />
“Estou com uma Igreja cuja conversação está no céu, na<br />
qual se acha a mente que havia <strong>em</strong> Cristo, e que anda, como ele<br />
andou. Oh! quão santa e sublime coisa é o cristianismo, e quão<br />
largamente separado daquilo – não sei o que é – que t<strong>em</strong> o nome,<br />
<strong>em</strong>bora não purifica o coração, n<strong>em</strong> renova a vida”.<br />
<strong>Wesley</strong> esteve com o Conde Zinzendorf, o chefe da comunidade<br />
moraviana, um hom<strong>em</strong> que teve um gênio pela religião e era notável de<br />
muitas maneiras. Mas é curioso de se notar que Zinzendorf, cuja<br />
posição social estava muito mais próxima à de <strong>Wesley</strong> do que era a de<br />
Bohler, fez muito menos impressão <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> do que fez Bohler, o<br />
humilde missionário. Havia menos intervalo espiritual entre Bohler e<br />
<strong>Wesley</strong> do que entre Zinzendorf e <strong>Wesley</strong>. E <strong>Wesley</strong> não estava no<br />
humor que se importa com distinções sociais.<br />
<strong>Wesley</strong> tomava parte nos cultos religiosos dos moravianos com o<br />
mais vivo interesse, e se sentava com a simplicidade de uma criança<br />
aos pés do presbítero plebeu, ou do pregador carpinteiro. Mas não foi<br />
lhe possível desfazer-se do obstinado bom senso inglês, e ele estudava<br />
com viva atenção todo o sist<strong>em</strong>a de piedade ali produzido. Quando<br />
voltou à Inglaterra ele escreveu uma carta ao Conde Zinzendorf,<br />
agradecendo-lhe, e louvando o que havia visto; mas, acrescentou, que<br />
nutria a esperança de poder mais tarde dar a <strong>seu</strong>s amigos moravianos<br />
“o fruto do meu amor por Ihes falar francamente acerca de umas poucas<br />
coisas que não pude aprovar, talvez por não entendê-las”.<br />
Mais tarde são minuciosamente descritas essas “poucas coisas”<br />
que o bom senso de <strong>Wesley</strong> não aprovara. Contudo <strong>Wesley</strong> voltou de<br />
sua peregrinação aos moravianos com a fé fortalecida. As suas novas<br />
experiências espirituais não eram realmente novas. Pertenciam a uma<br />
corrente de experiências humanas que se estendia por todos os santos<br />
até os dias dos Apóstolos. Nestas experiências participaram centenas<br />
de homens e mulheres vivos, nos quais <strong>Wesley</strong> havia presenciado os<br />
frutos da santidade antiga. <strong>Wesley</strong> trouxe de Herrnhut o conhecimento<br />
exultante de que estava <strong>em</strong> boa companhia.<br />
Desde aquele momento mudou-se o caráter da obra de <strong>Wesley</strong>.<br />
Ele estava vivendo <strong>em</strong> novo clima espiritual. A religião para ele não<br />
estava mais <strong>em</strong> prova; já era uma realidade! Pertencia ao domínio das<br />
certezas. Ele possuía uma confiança exultante na sua proclamação, e a<br />
obra dele ganhava logo uma nova e estranha concentração de energia.<br />
A história do <strong>seu</strong> trabalho na primeira s<strong>em</strong>ana é uma expressão<br />
notável de zelo. Chegou a Londres na noite de sábado, 16 de<br />
set<strong>em</strong>bro, pregou quatro vezes no domingo. Reuniu-se com a<br />
pequena sociedade moraviana, que então contava trinta e dois<br />
m<strong>em</strong>bros, na segunda-feira. Na terça-feira visitou os condenados<br />
na prisão de Newgate e pregou à noite na rua Aldersgate. Todos<br />
os dias da s<strong>em</strong>ana ocupados com a pregação e a visitação<br />
particular. E por fim <strong>Wesley</strong> achara a chave para o coração<br />
humano. O <strong>seu</strong> discurso s<strong>em</strong>pre possuíra um estranho poder <strong>em</strong><br />
perturbar a consciência, mas agora se vê uma nova qualidade na<br />
mensag<strong>em</strong>; qualidade esta que para as consciências, que antes<br />
perturbara, a paz.<br />
O <strong>seu</strong> Diário abunda <strong>em</strong> breves e, às vezes, aparent<strong>em</strong>ente<br />
inconscientes notas de êxito, tanto <strong>em</strong> pregar nas grandes<br />
congregações como <strong>em</strong> <strong>seu</strong> trato com indivíduos. “Um que, havia<br />
muito, mofara de religião espiritual” mandou pedir que <strong>Wesley</strong> o<br />
visitasse. “Ele possuía todos os sinais”, diz <strong>Wesley</strong>, “de um desespero<br />
completo, tanto nas feições como nas ações. Disse que havia sido<br />
escravizado ao pecado por muitos anos, especialmente ao vício da<br />
<strong>em</strong>briaguez. Pedi que oráss<strong>em</strong>os juntos. Em pouco t<strong>em</strong>po ele se<br />
levantou, as feições não eram tristes agora, e ele disse, “agora sei que<br />
Deus me ama e que me perdoou os pecados, e que o pecado não terá<br />
mais domínio sobre mim”. E diz <strong>Wesley</strong> : “Foi lhe feito segundo a sua<br />
fé”. Ele anota <strong>em</strong> outro lugar: “Em S. Thomaz, achava-se uma moça<br />
maníaca, que gritava e se atormentava continuamente: eu senti um forte<br />
desejo de falar-lhe. No instante que comecei a falar-lhe, ela se acalmou,<br />
as lágrimas lhe corriam pelas faces por todo o t<strong>em</strong>po que eu lhe dizia:<br />
Jesus, o Nazareno, pode e quer te livrar...”. ”Na casa do sr. Fox eu<br />
discursei como de costume, o grande poder de Deus estava conosco, e<br />
uma pessoa, que durante alguns anos havia sido desesperada, recebeu<br />
o test<strong>em</strong>unho de que era filha de Deus”. Notas s<strong>em</strong>elhantes começam<br />
cintilar, quais estrelas no firmamento até aí nebuloso e t<strong>em</strong>pestuoso, no<br />
Diário de <strong>Wesley</strong>.
É claro que <strong>Wesley</strong> agora se achava de todo munido, no limiar do<br />
verdadeiro trabalho de sua vida – o despertamento religioso de <strong>seu</strong>s<br />
conterrâneos. A sua educação espiritual, <strong>em</strong> certo sentido, é completa.<br />
Ele t<strong>em</strong> um verdadeiro evangelho para pregar; as boas novas da<br />
religião como sendo um livramento, não como sendo uma nova e<br />
intolerável escravidão. Ele pode proclamar este evangelho com um forte<br />
acento de certeza. T<strong>em</strong> sido verificado na experiência própria e<br />
confirmado pelo test<strong>em</strong>unho de multidões. Ele possui toda a inteireza<br />
de antes, a mais completa sinceridade, desprezo de concessões, e um<br />
espírito que não se poupava do qualquer sacrifício; mas através de<br />
todas essas belas qualidades agora corre algo de novo – nota de vitória,<br />
o fogo de alegria. Aqui certamente está um instrumento ajustado às<br />
mãos de Deus para uma grande obra. Não é simplesmente que o<br />
espírito de <strong>Wesley</strong> oferece agora um meio transparente pelo qual a<br />
verdade brilhe para outros espíritos. É antes um canal pelo qual,<br />
grandes forças – as energias vivificantes do Espírito Santo – corr<strong>em</strong><br />
para outras vidas. <strong>Wesley</strong>, sob estas novas condições, é s<strong>em</strong>elhante ao<br />
fio elétrico que vibra de uma energia sutil e estranha. Ele t<strong>em</strong> poder!<br />
Mais do que aquele inerente na língua eloqüente ou na lógica da<br />
inteligência; poder que <strong>em</strong>ana da eternidade, e que pertence à ord<strong>em</strong><br />
espiritual, e lhe dá uma maravilhosa influência sobre as almas dos que<br />
ouv<strong>em</strong>.<br />
Mas se a pregação de <strong>Wesley</strong> produzia resultados mais diretos e<br />
visíveis do que antes, agora curiosamente provocava uma oposição<br />
ainda mais ativa do que nunca. A sua sinceridade perturbadora, a<br />
penetração de suas palavras como que aço afiado, haviam sido<br />
s<strong>em</strong>pre d<strong>em</strong>ais severas para as congregações sono lentas daquele<br />
dia. Para eles a religião possuía somente os dons de um calmante;<br />
um processo tão inteiramente mecânico como as revoluções de uma<br />
roda de orações dos Tibetanos. Mas agora a energia perturbadora<br />
das palavras de <strong>Wesley</strong> para ouvintes que só ped iam que não lhes<br />
incomodass<strong>em</strong> foi grand<strong>em</strong>ente aumentada e as igrejas, umas após<br />
outras, se fecharam pronta e quase que automaticamente contra ele,<br />
depois de ter pregado nelas. Antes de findar -se o ano de 1738 ele<br />
era um pouco melhor do que um desterrado e clesiástico.<br />
Neste período o <strong>seu</strong> Diário abunda <strong>em</strong> notas como estas:<br />
“Preguei duas vezes <strong>em</strong> S. João Clerkenwell, de modo<br />
que receio que não suport<strong>em</strong> por mais t<strong>em</strong>po... Preguei à noite<br />
a congregações como nunca vi antes <strong>em</strong> S. Cl<strong>em</strong>ente, no<br />
Strand, como foi a primeira vez que preguei aqui, suponho que<br />
será a última... Preguei <strong>em</strong> São Giles... O poder de Deus nos<br />
assistiu! Estou contente mesmo que eu não pregue mais aqui”.<br />
Não paramos agora para analisarmos o segredo da oposição<br />
que <strong>Wesley</strong> provocava, nesse t<strong>em</strong>po, entre o clero e os assistentes<br />
nas igrejas. Basta notar que nesse momento exato <strong>em</strong> que teve uma<br />
mensag<strong>em</strong> a proclamar com confiança exultante – mensag<strong>em</strong> por<br />
cujas sílabas vibrava uma misteriosa força espiritual – quase todas<br />
as igrejas de Londres fecha vam-lhe as portas com grande estrondo!<br />
E as igrejas recusando ouvi-lo, <strong>Wesley</strong> virou-se às prisões e ali<br />
achou os <strong>seu</strong>s mais atentos ouvintes, e o <strong>seu</strong> maior êxito entre os<br />
criminosos encarcerados. Criminosos que esperavam a forca devese<br />
l<strong>em</strong>brar, assentava m <strong>em</strong> multidões – test<strong>em</strong>unho da crueldade da<br />
lei nesses dias tristes – <strong>em</strong> todas as prisões inglesas. Carlos <strong>Wesley</strong><br />
narra ter pregado a uma triste companhia de sentenciados, <strong>em</strong> número<br />
de cinqüenta e dois, e entre eles havia uma criança de dez anos.<br />
Rogers, o poeta, tão recente como 1780, relata ter visto uma carroça<br />
cheia de meninas vestidas de várias cores – o instinto f<strong>em</strong>inino pelo<br />
adorno sobrevivendo até o fim – <strong>em</strong> caminho a Tyburn para ser<strong>em</strong><br />
executadas, depois das desordens de Gordon. O trabalho de <strong>Wesley</strong><br />
entre estes entes que iam pressurosos (cheios de pressa ou de zelo)<br />
para a forca acha largo espaço no <strong>seu</strong> Diário. Aqui damos um ex<strong>em</strong>plo<br />
típico entre muitos:<br />
“Na quarta-feira eu e meu irmão fomos, a pedido<br />
deles, para prestarmos os últimos ofícios a alguns malfeitores<br />
sentenciados... Foi o mais glorioso ex<strong>em</strong>plo do triunfo da fé sobre o<br />
pecado e a morte que eu jamais vi. Notando as lágrimas que corriam<br />
ligeiramente pelas faces de um deles, eu perguntei-lhe: ”Como sentes<br />
no teu coração agora?” Ele respondeu calmamente: ”Sinto-me com uma<br />
paz que eu não poderia ter julgado possível, e sei que é a paz de Deus<br />
que sobrepuja todo o entendimento”.<br />
No Diário de <strong>Wesley</strong> é interessante notar o rigor com que ele<br />
continua a experimentar-se, e o cuidado, para não dizer a solicitude,<br />
com que ele coleciona e narra todas as variedades de experiência<br />
espiritual que ele vê. Escreve a muitas pessoas que têm vindo sob a<br />
sua influência, pedindo que descrevam os efeitos que a religião produz<br />
nelas; e <strong>Wesley</strong>, mesmo o mais franco dos homens, possuía algum<br />
encanto misterioso que despertava a franqueza <strong>em</strong> outros. Por<br />
conseguinte, o <strong>seu</strong> Diário regurgita de documentos que, mesmo lidos<br />
cento e cinqüenta anos depois, impressionam o leitor com uma curiosa<br />
convicção da sua realidade e honestidade.
Não foi qualquer curiosidade vulgar e ociosa que fez <strong>Wesley</strong><br />
buscar e registrar estas histórias. A verdade é que ninguém jamais<br />
cont<strong>em</strong>plava a religião de uma maneira mais científica, n<strong>em</strong> a<br />
experimentava por métodos mais científicos, do que Wesle y fez. Para<br />
ele não era uma teologia para ser recitada, n<strong>em</strong> uma história para se<br />
aprender, n<strong>em</strong> uma filosofia para interpretar, n<strong>em</strong> era um código de<br />
moral exterior para ser obedecido; mas força divina penetrando a<br />
vida humana e <strong>em</strong>preendendo a produção de ce rtos resultados no<br />
caráter e na experiência humanos. E <strong>Wesley</strong> estava provando -se, a<br />
si mesmo, e a outros, pela pergunta: “Em realidade, produz os<br />
resultados que pretende produzir?“<br />
“Primeiro, a experiência <strong>em</strong> seguida a inferência” (conclusão,<br />
dedução). Esta diz Huxley, ”é a ord<strong>em</strong> da ciên cia”. E a atitude de<br />
<strong>Wesley</strong> para com o <strong>seu</strong> próprio trabalho, no sentido de Huxley, é<br />
completamente científica. Ele parece um químico que está<br />
ensaiando uma nova combinação. Ele t<strong>em</strong> de vigiar, notar, verificar<br />
os resultados <strong>em</strong> termos da experiência humana que esta<br />
combinação produz.<br />
Neste meio t<strong>em</strong>po achavam-se juntos <strong>em</strong> Londres os três<br />
homens que haviam de ser relacionados na m<strong>em</strong>orável firma de<br />
serviços cristãos . <strong>Wesley</strong> chegou da Al<strong>em</strong>anha aos 16 de set<strong>em</strong>bro<br />
de 1738; Whitefi eld voltou de uma breve visita da América <strong>em</strong><br />
dez<strong>em</strong>bro e Carlos <strong>Wesley</strong> estava servindo <strong>em</strong> Islington . Assim nos<br />
princípios do ano 1739 os três camaradas, pela primeira vez desde a<br />
dissolução do Clube Santo, de Oxford, achavam·se reunidos. Eram<br />
jovens s<strong>em</strong> posição eclesiástica, e ainda não tinham idéia alguma da<br />
grande carreira que havia m de seguir <strong>em</strong> comum. Mas todos os três<br />
haviam aprendido de algum modo, o segredo esquecido do<br />
cristianismo. Algo do <strong>seu</strong> poder primitivo havia caído sobre eles : o<br />
ardor das línguas do fogo de Pentecostes estava <strong>em</strong> suas palavras;<br />
um sopro daquele vento impetuoso estava <strong>em</strong> suas vidas.<br />
A abundante evidência desse misterioso poder acha-se <strong>em</strong><br />
todos os três. Carlos <strong>Wesley</strong> durante a ausência do <strong>seu</strong> irmão, que<br />
estava na Al<strong>em</strong>anha, fez um trabalho surpreendente entre os<br />
condenados nas prisões e náufragos sociais dos presídios de Londres.<br />
Multidões se aglomeraram <strong>em</strong> redor de Whitefield onde quer que ele<br />
subia ao púlpito. Nas pequenas sociedades que já existiam, a presença<br />
dos três era uma espécie de chama corpórea, e tiveram reuniões<br />
notáveis. Às vezes noites inteiras eram gastas <strong>em</strong> oração.<br />
Na primeira noite de 1739, o próprio <strong>Wesley</strong> diz:<br />
“Os Srs. Hall, Kinchin, Ingham, Whithefield, Hutchins, e o<br />
meu irmão Carlos, estiveram presentes <strong>em</strong> nossa festa de<br />
caridade, com cerca de sessenta irmãos. Cerca das três horas da<br />
madrugada, enquanto estávamos continuando <strong>em</strong> oração, o<br />
poder de Deus veio ao nosso meio maravilhosamente fazendo<br />
que muitos clamass<strong>em</strong> de excessivo regozijo, e muitos caíram ao<br />
chão. Logo que se recobraram um pouco do pasmo e da<br />
admiração com a Presença Majestosa, romp<strong>em</strong>os <strong>em</strong> voz<br />
uníssona: Louvamos-te ó Deus; te reconhec<strong>em</strong>os por Senhor!”<br />
Tais reuniões, por certo, haviam de despertar o adormecido<br />
sentimento a respeito da ord<strong>em</strong>, no clero comum. A pregação dos três<br />
camaradas poderia incidentalmente dar resultados de uma espécie<br />
louvável. Tinham de confessar que haviam feito homens honestos de<br />
ladrões, homens pacatos de bêbados, e homens bons dos que haviam<br />
maltratado as mulheres. EIes iluminavam os rostos humanos com o<br />
resplendor de um gozo misterioso, e habilitavam os condenados a ir<strong>em</strong><br />
à forca com salmos nos lábios; mas o <strong>seu</strong> trabalho possuía um vício<br />
fatal, o pior conhecido àquele <strong>século</strong> – era irregular! Estava tingido com<br />
o t<strong>em</strong>ível e odiado entusiasmo, a pior coisa que podia haver! O próprio<br />
Southey, contando a história c<strong>em</strong> anos depois, não pode perdoar os<br />
<strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> tudo por ter<strong>em</strong> salvado homens e mulheres de uma maneira<br />
tão irregular; e Coleridge rompe o <strong>seu</strong> texto com uma divertida<br />
anotação:<br />
“Ó querido e honrado Southey! Este livro é o favorito da<br />
minha biblioteca entre muitos favoritos; este é o livro que eu<br />
posso ler vinte vezes com prazer, quando não posso ler outra<br />
coisa qualquer... Entretanto, este livro prezado não é bom para<br />
qu<strong>em</strong> não tiver o espírito b<strong>em</strong> firmado. Os fatos e incidentes que<br />
achamos narrados nas Escrituras, e notados nas mesmas<br />
palavras – e infelizmente os obreiros! Na página seguinte – são<br />
taxados de entusiastas e fanáticos”.<br />
Os incidentes dos primeiros cinco capítulos dos Atos dos<br />
Apóstolos, reaparecendo na vida atual depois de dezoito <strong>século</strong>s –<br />
foram deveras, para muita gente boa, um espetáculo alarmante e<br />
inquietador. E quantos não exist<strong>em</strong> hoje que pod<strong>em</strong> tolerar os<br />
fenômenos espirituais somente enquanto estejam fechados<br />
seguramente dentro da capa da Bíblia, e à distâcia de muitos <strong>século</strong>s.<br />
Os dois <strong>Wesley</strong> não tinham qualquer sonho inquietador sobre a
separação da Igreja, e não desejavam outra coisa, senão a aprovação<br />
de <strong>seu</strong>s superiores espirituais; visitaram o Bispo de Londres para se<br />
justificar<strong>em</strong> e explicar<strong>em</strong> os <strong>seu</strong>s métodos. Gibson era diplomata,<br />
versado <strong>em</strong> antiguidades, hom<strong>em</strong> de negócios; mas não se pode<br />
imaginar coisa mais r<strong>em</strong>ota do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>peramento do que o zelo<br />
impetuoso do reformador, ou do ardor flamejante do evangelista. Ele<br />
cont<strong>em</strong>plou com visão perplexa os irmãos. Os sinais do sol americano<br />
ainda estavam nas suas faces; mas eram doutos cavalheiros,<br />
universitários. Era pena que abrasava neles tão ardente fogo de zelo.<br />
Não havia neles qualquer vestígio de dissidência. Não contestavam os<br />
Artigos n<strong>em</strong> o ritual da Igreja. O que mais o incomodava foi o fato deles<br />
os interpretar<strong>em</strong> literalmente <strong>em</strong> d<strong>em</strong>asia.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, falavam com o Bispo sobre conveniência, sim, a<br />
necessidade, de re-batizar os dissidentes. Carlos <strong>Wesley</strong>,<br />
argumentando “que o certo e o incerto não significam a mesma coisa”,<br />
e onde estava <strong>em</strong> jogo a sorte de almas imortais não deviam assumir<br />
risco algum. Mas o Bispo Gibson não desejava outra coisa senão deixar<br />
<strong>em</strong> paz os dissidentes, não obstante ser esta política inconsistente com<br />
a teoria da Igreja alta. Carlos <strong>Wesley</strong> visitou o Bispo Gibson mais tarde<br />
para notificá-lo que pretendia fazer um tal batismo.<br />
- “É irregular, disse o Bispo, nunca recebo tais informes a<br />
não ser do ministro”.<br />
- “Meu Senhor, a rubrica n<strong>em</strong> exige que o ministro vos<br />
noticie, mas qualquer pessoa discreta. Tenho a permissão do<br />
ministro”.<br />
- “Qu<strong>em</strong> vos autorizou a batizar?”<br />
- “A vossa senhoria”, disse CarIos, pois havia sido ordenado<br />
presbítero por ele, “e hei de exercê-la <strong>em</strong> qualquer parte do<br />
mundo conhecido “.<br />
- “Tendes licença de cura?” Perguntou o Bispo. “Não sabeis<br />
que ninguém pode exercer as funções paroquiais s<strong>em</strong> a minha<br />
permissão? É somente sub silentio“.<br />
- “Mas sabeis que muitos tomam este silêncio por<br />
autorização, e vós mesmo o permitis”.<br />
- “É uma coisa ser conivente, e outra é o aprovar. Tenho<br />
poder de inibir-vos”.<br />
- “E a vossa senhoria exerce este poder?” - perguntou-lhe<br />
Carlos, manifestando-se a vista de uma ameaça o <strong>Wesley</strong> nele.<br />
Quereis me inibir agora”?<br />
- “Porque quereis levar o negocio ao extr<strong>em</strong>o?” - perguntou<br />
o Bispo amolado.<br />
É claro que eram moços incomodativos estes, que recusavam<br />
diluir a religião <strong>em</strong> civilidades, ou abotoá-la nas cerimônias de uma<br />
sociedade polida.<br />
Dos três camaradas, os <strong>Wesley</strong> – talvez por ser<strong>em</strong> mais velhos e<br />
mais conhecidos – eram tidos por mais suspeitos. Todos os chefes<br />
oficiais lhes fizeram cara feia. As oportunidades para pregar<strong>em</strong><br />
tornaram-se cada vez mais limitadas. A Igreja era deveras uma dura<br />
madrasta para os dois irmãos. João <strong>Wesley</strong> fora cura na paróquia de<br />
<strong>seu</strong> pai por três anos, o único cargo eclesiástico que exercera na<br />
Inglaterra. Carlos, s<strong>em</strong> título, serviu de cura <strong>em</strong> Islington por uns três<br />
meses, e foi tocado dali quase com violência. Eis a única<br />
recompensa que a Igreja An glicana tinha para dar a <strong>seu</strong>s dois filhos<br />
que representavam a maior força que moveu a Inglaterra<br />
Protestante.<br />
É costume se dizer que as surpreendentes manifestações<br />
físicas, que acompanhavam ao princípio, a pregação dos <strong>Wesley</strong>,<br />
explicam e justificam a recusa geral de todos os púlpitos a eles; mas<br />
as simples datas no calendário desment<strong>em</strong> esta teoria.<br />
Na primavera de 1739 havia se dado somente um caso das<br />
manifestações físicas, depois tão notavelmente presentes sob a<br />
pregação de <strong>Wesley</strong>, não obstante a Igre ja já havia fechado a sua<br />
porta para s<strong>em</strong>pre contra o <strong>seu</strong> filho entusiasta. Southey acha<br />
justificação para exclusão dos <strong>Wesley</strong>, na assistência dos <strong>Wesley</strong><br />
nas festas de caridade e nos serviços de vigílias celebrados pelas<br />
pequenas sociedades dos Moravianos. Já descrev<strong>em</strong>os uma destas<br />
reuniões que durou até três horas da madrugada, e que foi<br />
assinalada por uma onda de notável influência espiritual. “Tal<br />
reunião”, diz Southey, “desafiava toda a prudência”. Era ex<strong>em</strong>plo de<br />
uma devoção quase excessiva, que dava jus ta ofensa à melhor<br />
parte do clero. Uma “devoção excessiva”, diz ele, “mesmo que ache<br />
as faculdades mentais sãs, não é provável que as deixe assim”.<br />
Coleridge, com uma faísca de penetração mais perspicaz, atribui a<br />
oposição <strong>em</strong> relação ao novo movimento aquilo que ele chama, “o<br />
veneno sutil da cadeira preguiçosa”.<br />
Para os que possu<strong>em</strong> tal gênio espiritual “a prudência” parece<br />
ser a virtude principal, enquanto o zelo constitui a última e a pior<br />
ofensa. Os <strong>Wesley</strong> inquietaram a consciência do clero do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po<br />
com a sua sinceridade perturbadora. Eram “entusiastas”. Era o modo
delicado para dizer que eram perigosos lunáticos. Assim <strong>em</strong> defesa<br />
própria havia uma conspiração inconsciente para abafá-los. Mas ainda<br />
subsiste, depois de todas as explicações, o escândalo da Igreja até<br />
hoje, a sobrepujante prova de sua cegueira, de ter fechado as portas<br />
contra os <strong>Wesley</strong>.<br />
Mas Whitefield era o mais moço do grupo; até aí havia provocado<br />
menos censura do que os <strong>seu</strong>s camaradas. Os <strong>seu</strong>s incomparáveis<br />
poderes de pregação lhe deram notável popularidade; e assim, na<br />
ord<strong>em</strong> da providencia divina, foi lhe dado a quebrar os estreitos limites<br />
da ord<strong>em</strong> mecânica da Igreja e preparar o caminho as novas forças que<br />
começavam agitar a vida religiosa da Inglaterra.<br />
Existe algo de divertido no despertamento vagaroso da suspeita<br />
no clero Londrino para com o Whitefield. Aqui havia um estranho<br />
fenômeno clerical, um pregador que <strong>em</strong>pregava palavras de fogo no<br />
púlpito; que chorava sobre <strong>seu</strong>s ouvintes <strong>em</strong> paixão de piedade, e de<br />
algum modo fazendo que o povo também vertesse lágrimas. É claro que<br />
não havia quaisquer conveniências pedantes que pudess<strong>em</strong> resistir um<br />
clérigo tão jov<strong>em</strong> e ao mesmo t<strong>em</strong>po tão ardente. Ninguém sabia<br />
exatamente o que ele havia de fazer <strong>em</strong> seguida. Ele estava pregando<br />
na Igreja de Bermondsey perante uma grande congregação, e uma<br />
multidão ainda maior enchia o terreno fora, s<strong>em</strong> poder entrar no t<strong>em</strong>plo.<br />
Whitefield perguntou porque não poderia sair e, servindo-se de um<br />
jazigo por púlpito, pregar a grande multidão que avidamente esperava?<br />
A visão daquela grande multidão que silenciosamente esperava ao<br />
redor da Igreja <strong>em</strong> Bermondsey, ele disse depois, “primeiramente me<br />
fez pensar <strong>em</strong> pregar ao ar livre. Falei disso a certos amigos, os quais,<br />
consideravam a Idéia uma loucura. Entretanto ajoelhamos <strong>em</strong> oração<br />
pedindo que nada fosse feito impensadamente”.<br />
Na Igreja de Santa Margarida, Westmister, <strong>em</strong> um domingo de<br />
manhã, Whitefield foi quase à força <strong>em</strong>purrado ao púlpito e pregou <strong>em</strong><br />
face do protesto dos oficiais, dando escândalo a todas as sensibilidades<br />
eclesiásticas. Uns poucos dias mais tarde ele foi a Bristol, mas agora o<br />
clero <strong>em</strong> geral havia se alarmado. O secretário da diocese mandou<br />
chamá-lo, e lhe perguntou qu<strong>em</strong> lhe dera autoridade para pregar na<br />
diocese de Bristol s<strong>em</strong> licença, e leu para ele os cânones que proibiam<br />
a qualquer ministro de pregar <strong>em</strong> casa particular. Whitefield alegou que<br />
isto não se referia a ministros da Igreja Anglicana. Quando foi lhe<br />
certificado o <strong>seu</strong> engano, ele disse: “Existe também um cânon, meu<br />
Senhor, que proíbe a todos os clérigos freqüentar<strong>em</strong> casas de bebidas<br />
e jogar<strong>em</strong> cartas; porque não se executa este?” Então ele acrescentou<br />
aquilo que ao medroso secretário parecia a pior das blasfêmias.<br />
Havia coisas – por ex<strong>em</strong>plo, as almas humanas – que este jov<strong>em</strong><br />
cura tão altamente irregular julgava de mais valor do que os mais<br />
venerandos cânones. Custasse que custasse ele tinha de pregar aos<br />
perdidos onde quer que os achasse. “Não obstante os cânones”, disse<br />
ele, “só poderia pregar as coisas que sabia”.<br />
A resposta foi escrita <strong>em</strong> forma, e o secretário então disse<br />
trist<strong>em</strong>ente:<br />
“Estou resolvido, Senhor, se pregardes ou discorrerdes <strong>em</strong><br />
qualquer ponto desta diocese, primeiramente vos suspender e <strong>em</strong><br />
seguida vos excomungar”.<br />
Neste ponto eles se separaram, e Whitefield conta-nos que<br />
“depois de feita oração pelo secretário”, ele dirigiu um serviço na Rua S.<br />
Nicolau com manifesto poder. Ele acrescenta: “É notável que nunca<br />
tiv<strong>em</strong>os tão constant<strong>em</strong>ente a presença de Deus entre nós como t<strong>em</strong>os<br />
desde que fui ameaçado de excomunhão “.
CAPÍTULO XV<br />
Pregação ao Ar Livre<br />
Qualquer esforço para amordaçar a Whitefield era predestinado a<br />
fracassar-se. É verdade que Whitefield tinha apenas vinte e cinco anos<br />
de idade; era um cura que havia pouco se ordenara, s<strong>em</strong> freguesia e<br />
s<strong>em</strong> influência. O chanceler (bispo) da diocese de Bristol, com a testa<br />
franzida e com a ameaça de excomunhão nos lábios era figura de<br />
qualidade para meter medo. Qualquer cura comum teria sido extinguido<br />
por completo com a ameaça! Mas Whitefield era cura de qualidades<br />
inteiramente excepcionais. Um espírito tão ousado não se amedrontava<br />
com as mangas de linho! Neste momento também Whitefield achou-se<br />
na presença daquilo que parecia lhe ser uma chamada urgente e<br />
inadiável para pregar. Aí estavam os mineiros de Kingswood, uma<br />
comunidade de ignorantes, viciados, esquecidos, que, além de todos os<br />
outros, necessitavam do cuidado e do ensino da Igreja Cristã; entretanto<br />
eram deixados completamente fora, não simplesmente de <strong>seu</strong>s<br />
serviços, mas de <strong>seu</strong> pensamento.<br />
Quando Whitefield partia para América um amigo sábio e de viva<br />
penetração lhe disse, “se quereis converter índios, eis aqui os mineiros<br />
de Kingswood”. Como poderia um ministro de Cristo – um que possuía<br />
os dons, e o t<strong>em</strong>peramento de Whitefield, cônscio da mensag<strong>em</strong> divina<br />
e do poder também divino para publicar essa mensag<strong>em</strong> – prostrar-se<br />
diante tal multidão e ainda consentir a permanecer <strong>em</strong> silêncio? As<br />
feições mudas e pálidas constituíram uma chamada urgente d<strong>em</strong>ais<br />
para ser desatendida.<br />
As Igrejas não puderam achar lugar para Whithefield e na tarde<br />
de sábado, 17 de fevereiro de 1739, ele se postou numa pequena<br />
elevação de terreno fora de Bristol, chamada Rosa Verde, e pregou o<br />
<strong>seu</strong> primeiro sermão ao ar livre. Houve uma congregação de somente<br />
duzentas pessoas, que boquiabertas escutavam-no. Era um espetáculo<br />
estranho: um clérigo de sobrepeliz (roupa sacerdotal), com voz que<br />
possuía algo de trovão, pregando sermão à beira do caminho. “Eu<br />
julguei”, diz o Whitefield com <strong>seu</strong> modo incomparável, “que talvez eu<br />
estivesse fazendo o serviço do meu Criador que tinha por púlpito uma<br />
montanha e por teto os céus”.<br />
Havia justos cinco meses que João <strong>Wesley</strong> voltara da Al<strong>em</strong>anha.<br />
Eram meses de esperas, incertezas e desânimo, de oportunidades para<br />
o trabalho gradualmente limitadas. As portas de todas as Igrejas<br />
estavam sendo fechadas, uma após outra, contra João <strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong>s<br />
camaradas. Parecia que a Inglaterra não tinha lugar algum para eles, e<br />
que não podia lhes oferecer carreira. Aqueles cinco meses constitu<strong>em</strong><br />
uma pausa dramática no limiar do grande trabalho. Então, Whitefield, o<br />
primeiro dos camaradas imortais, rompeu as linhas do costume<br />
convencional e da lei eclesiástica, pregando ao ar livre. Por aquele ato<br />
ele passou para um mundo maior e mais livre, e daquele momento <strong>em</strong><br />
diante as novas forças espirituais que começavam a agitar a Inglaterra<br />
acharam – ou antes fizeram para si mesmas – canal livre.<br />
Os cultos ao ar livre que foram encetados (iniciados) por<br />
Whitefield eram acompanhados, quase instantaneamente por resultados<br />
surpreendentes. O <strong>seu</strong> primeiro auditório consistia de duzentas<br />
pessoas, o segundo era de três mil, o terceiro de cinco mil, e as<br />
multidões se aumentavam ligeiramente até vinte mil. Whitefield<br />
cont<strong>em</strong>plava o vasto mosaico de rostos humanos enegrecidos pelo<br />
carvão das minas, contando <strong>em</strong> palavras inesquecíveis como, enquanto<br />
pregava, ele via as listas brancas que se abriam à força de<br />
lágrimas naquelas faces sujas. Escreveu ele depois: ”Os céus <strong>em</strong><br />
cima, os campos adjacentes, a visão dos milhares e milhares, uns <strong>em</strong><br />
carruagens, uns a cavalo, e outros trepados <strong>em</strong> árvores, e às vezes,<br />
<strong>em</strong>ocionados e todos juntos banhados de lágrimas, e a tudo isto<br />
freqüent<strong>em</strong>ente se acrescentava o cair da noite, formavam um conjunto<br />
que era quase d<strong>em</strong>ais para mim e me vencia de tudo. B<strong>em</strong>-aventurados<br />
os olhos que vê<strong>em</strong> o que nós v<strong>em</strong>os”.<br />
As autoridades eclesiásticas, por certo, acharam novos<br />
argumentos para rebater<strong>em</strong> estes serviços. Constituíam uma nova e<br />
ainda mais, alarmante expressão do “entusiasmo”. Estava-se fazendo o<br />
que não se devia, no lugar <strong>em</strong> que não se devia, e da maneira <strong>em</strong> que<br />
não se devia. É um ex<strong>em</strong>plo divertido do formalismo daquele t<strong>em</strong>po<br />
achar-se um hom<strong>em</strong> tão sensato como Samuel <strong>Wesley</strong>, tomado de<br />
horror pela circunstância de Whitefield “nunca ler a ladainha a <strong>seu</strong>s<br />
esfarrapados congregados nos terrenos devolutos!”<br />
Mas se os serviços repugnavam a consciência clerical, eles<br />
<strong>em</strong>ocionavam o coração do povo. O afeto que Whitefield ganhou de<br />
<strong>seu</strong>s ouvintes era filial e tocante. Eles esperavam avidamente as suas<br />
palavras. Deram-lhe ofertas de <strong>seu</strong>s pequenos ganhos para aquele<br />
orfanato <strong>em</strong> solo americano que já Whitefield cont<strong>em</strong>plava estabelecer.
Derramaram lágrimas quando ele os deixou. Os serviços ao ar livre<br />
pareciam como poços artesianos. As águas esquecidas nas profundezas<br />
escuras subiam para a luz.<br />
Mas Whitefield teve de partir para a Geórgia, na América, e ele<br />
chamou a João <strong>Wesley</strong> de Londres para Bristol pra continuar o trabalho<br />
que começara. Na pequena sociedade <strong>em</strong> Fetter Lane, a chamada<br />
foi ouvida com receio. Um pressentimento da importância da<br />
resposta inquietou o espírito da pequena companhia. A Bíblia foi<br />
consultada por sorte, e repetidas vezes, <strong>em</strong> procura de um texto<br />
que deveria servir de resposta decisiva. Mas somente apareciam as<br />
passagens mais alarmantes. Uma rezava assim: “Subirás a este<br />
monte e morrerás, no monte ao qual tu hás de subir, e te recolherás<br />
ao teu povo”. Quando um texto sorteado se mostrou deste modo<br />
perturbador, outra vez se lançou a sorte, ainda repetidas vezes,<br />
mas s<strong>em</strong>pre com o mesmo resultado. Existia uma estranha mistura<br />
de superstição e de simplicidade na “bibliomancia” dos Metodistas<br />
primitivos. Se o texto que lhes saia não lhes agradasse o<br />
rejeitavam, e de novo consultavam por sorte as páginas sagradas<br />
na esperança de resultados mais auspiciosos.<br />
Por fim <strong>Wesley</strong> decidiu ir, se b<strong>em</strong> que a chamada a Bristol<br />
parecesse aos <strong>seu</strong>s ouvidos como uma chamada para o túmulo.<br />
Entretanto o <strong>seu</strong> propósito era inabalável, e aquele passo decidiu<br />
todo o caráter de todo o <strong>seu</strong> trabalho posterior.<br />
João <strong>Wesley</strong> foi a Bristol e postou-se ao lado de Whitefield<br />
enquanto este pregava ao ar livre. <strong>Wesley</strong> olhou com seriedade e<br />
admiração sobre a vasta e estranha congregação; e no dia seguinte,<br />
servindo-nos das próprias palavras, disse: “eu me fiz ainda mais vil e,<br />
postado numa pequena elevação coberta de relva, preguei a uma<br />
grande multidão, sobre as palavras: “O Espírito do Senhor está<br />
sobre mim, que me ungiu para anunciar boas novas aos pobres”. ”<br />
Whitefield pregou o <strong>seu</strong> primeiro sermão ao ar livre <strong>em</strong> 17 de<br />
fevereiro de 1839 seis s<strong>em</strong>anas depois, aos 2 de abril, João <strong>Wesley</strong><br />
dirigiu o <strong>seu</strong> primeiro serviço ao ar livre; e ainda mais tarde, 24 de<br />
junho, Carlos <strong>Wesley</strong> seguiu o ex<strong>em</strong>plo de <strong>seu</strong>s camaradas. No<br />
caso dele, também fora tocado das Igrejas para os campos. As<br />
autoridades eclesiásticas haviam se tornado ativamente hostis. Carlos<br />
<strong>Wesley</strong> estava servindo de cura, mas s<strong>em</strong> licença, e repetidas vezes<br />
pregava na Igreja de Bexley; o pároco irregular e o cura ainda mais<br />
irregular foram chamados à presença do Arcebispo de Canterbury, aos<br />
19 de junho daquele 1939. Carlos <strong>Wesley</strong> diz no <strong>seu</strong> Diário:<br />
- “A Sua Reverendíssima proibiu ao pároco<br />
expressamente de deixar qualquer de nós pregar na sua<br />
igreja, e nos acusou de termos desrespeitado o cânon. Eu<br />
mencionei que o Bispo de Londres havia autorizado a minha<br />
exclusão a força. Ele não quis ouvir-me; disse que não entraria<br />
<strong>em</strong> discussões. Perguntou-me que chamada eu possuía. Eu<br />
respondi: É me imposta a obrigação de anunciar o Evangelho”.<br />
- “Isto é para São Paulo; mas não quero discutir, e não<br />
prossigo com a vossa excomunhão por enquanto”.<br />
- “A vossa Reverendíssima t<strong>em</strong> me ensinado no vosso<br />
livro sobre o governo da Igreja, que se alguém for<br />
excomungado injustamente que n<strong>em</strong> por isso é cortado de<br />
comunhão com Cristo”.<br />
- “Disto” diz eIe, “sou eu o juiz”.<br />
- “Perguntei-lhe se o êxito do sr. Whitefield não seria um<br />
sinal espiritual, e uma prova adequada de sua chamada; e lhe<br />
recomendei o conselho de Gamaliel. EIe nos despediu; a<br />
Piers, com delicados protestos de consideração; a mim com os<br />
sinais de desagrado”.<br />
Era quinta-feira. Whitefield instou com Carlos <strong>Wesley</strong> para pregar<br />
ao ar livre no domingo seguinte. Carlos <strong>Wesley</strong> escreve <strong>em</strong> meditação<br />
perplexa: “Se eu fizer isto, farei uma brecha, e tornar-me-ei<br />
desesperado”. Afinal decidiu-se, e ele nos conta no <strong>seu</strong> Diário a história<br />
daquele domingo notável:<br />
“Domingo, 24 de Junho, dia de S. João Baptista – A<br />
primeira passag<strong>em</strong> das Escrituras <strong>em</strong> que lancei o meu olhar<br />
foi, “E disse-lhe <strong>seu</strong> servo: Ai meu senhor! Como hav<strong>em</strong>os<br />
de fazer?” Fiz oração com West e saí <strong>em</strong> nome de Jesu s<br />
Cristo. Achei cerca de dez mil pecadores impotentes que<br />
esperavam a Palavra <strong>em</strong> Moorfields. Convidei-os nas<br />
palavras do meu Mestre, b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> <strong>seu</strong> nome. “Vinde, a<br />
mim todos os que andais <strong>em</strong> trabalhos e vos achais<br />
carregados, e eu vos aliviarei”. “0 Senhor estava comigo, <strong>seu</strong><br />
mínimo mensageiro, segundo a sua promessa. Na Igreja de<br />
S. Paulo, os Salmos, as lições, etc., do dia me infundiram<br />
nova vida, Assim também o sacramento. O meu pesar havia<br />
desaparecido com todas as minhas dúvidas e escrúpulos.<br />
Deus me iluminava o caminho e eu sabia que esta er a a sua<br />
vontade a meu respeito.”<br />
O Arcebispo Potter ameaçou a Carlos <strong>Wesley</strong> com a excomunhão
por ter pregado <strong>em</strong> Moorfields e <strong>em</strong> Kennington ao ar livre; e os leigos,<br />
também partilharam nas prevenções do clero. Um proprietário<br />
carrancudo processou a Carlos <strong>Wesley</strong> por ter atravessado os <strong>seu</strong>s<br />
terrenos para ir falar à multidão. O processo foi liquidado pelo<br />
pagamento de dez libras, e o recibo ainda subsiste como documento<br />
histórico. Reza assim:<br />
“Goter versus <strong>Wesley</strong>. Prejuízos 10 libras; despesas 9<br />
libras, 16 schillings, 8 pence - 29 de Julho 1739, recebi do Sr.<br />
WesIey, pelas mãos do Sr. José Varding, dezenove libras,<br />
dezesseis schillings e seis pence, pelos prejuízos e despesas<br />
<strong>em</strong> <strong>seu</strong> pleito. WiIliam Gason, advogado do outorgante.”<br />
Ao pé deste recibo Carlos <strong>Wesley</strong> escreveu: “Paguei aquilo que<br />
não tirei”. E às costas do mesmo escreveu acerca da sentença na qual<br />
fora condenado: “Para ser julgado de novo naquele Dia”.<br />
É interessante notar as maneiras – como se foss<strong>em</strong> homens que<br />
tivess<strong>em</strong> saído da terra firme para o mero espaço ou como se foss<strong>em</strong><br />
aventureiros que principiass<strong>em</strong> uma revolução – com que Whitefield e<br />
os <strong>Wesley</strong> começavam, sucessivamente a pregar ao ar livre.<br />
Que havia de tão alarmante na simples pregação de um sermão<br />
sob os céus abertos, com a relva por tapete e os horizontes por<br />
paredes?<br />
Segundo ponderava o próprio João <strong>Wesley</strong>, há excelentes<br />
precedentes para a pregação ao ar livre no Novo Testamento.<br />
Entretanto ele nos diz que ao ver Whitefield pregar aos mineiros de<br />
Kingswood quão profundamente lhe abalara:<br />
“Toda a minha vida, até mui recent<strong>em</strong>ente eu tenho sido tão<br />
solícito por tudo que se relaciona com o decoro e a ord<strong>em</strong> que eu<br />
teria julgado que a salvação de almas seria quase pecado se não<br />
fosse efetuada dentro de uma igreja”.<br />
O próprio Whitefield escreve, aos 3 de abril:<br />
“Ont<strong>em</strong> comecei a des<strong>em</strong>penhar o papel de louco <strong>em</strong><br />
Gloucester por pregar de uma mesa na rua Thornbury”.<br />
Entretanto João e CarIos <strong>Wesley</strong> haviam pregado freqüent<strong>em</strong>ente<br />
à beira do rio, ou sob a sombra de grandes árvores na Geórgia, na<br />
América, e isto s<strong>em</strong> qualquer idéia de ter faltado o decoro. Que havia de<br />
tão alarmante num culto ao ar livre na Inglaterra?<br />
Estavam sendo inconscient<strong>em</strong>ente influenciados pelo meio: na<br />
Inglaterra oprimida pelas convenções, sobre a qual o mero costume<br />
decoroso pairava como dura e grossa geada, o pregar fora do púlpito,<br />
ou <strong>em</strong> qualquer outro lugar a não ser sob o teto de uma igreja, era<br />
pouco menos do que a impiedade. Era acompanhado dos riscos mais<br />
mortíferos. A religião precisava ser conservada sob a proteção de vidro<br />
e acondicionada <strong>em</strong> algodão. Levá-la para a rua turbulenta e expô-la<br />
aos ventos adversos que sopravam nos morros ou nos campos abertos,<br />
seria pôr a sua existência <strong>em</strong> perigo!<br />
Deve se l<strong>em</strong>brar também que a Inglaterra era uma rede de<br />
paróquias eclesiásticas, e cada paróquia era uma espécie de<br />
propriedade espiritual particular, com limites zelosamente cuidados. Os<br />
novos pregadores, portanto, eram transgressores. Eram também<br />
transgressores de um tipo mui inquietador. Para o clero sonolento<br />
daquela época, o espetáculo de clérigos freqüentar<strong>em</strong> os mercados ou<br />
as praças de aldeias <strong>em</strong> busca de uma congregação não era menos do<br />
que alarmante. E a vastidão das congregações que atraiam, à<br />
profundeza das <strong>em</strong>oções que despertavam, fê-lo espetáculo ainda mais<br />
alarmante aos olhos eclesiásticos. Estes homens estavam promovendo<br />
uma conflagração!<br />
Para o próprio João <strong>Wesley</strong> e os <strong>seu</strong>s camaradas a tarefa de<br />
pregação ao ar livre foi -lhes a princípio , como já vimos, mui<br />
repugnante. João <strong>Wesley</strong> diz, “Consenti <strong>em</strong> fazer-me ainda mais vil”,<br />
quando pregou da pequena elevação <strong>em</strong> Kingswood.<br />
Estr<strong>em</strong>eceram-se todas as sensibilidades do catito (elegante) e<br />
ritualista, com a experiência de postar -se na terra comum, enquanto<br />
o vento lhe abanava a cabeça descoberta, e pregar a uma multidão<br />
promíscua. Mas <strong>Wesley</strong>, a <strong>seu</strong> modo lógico, tomou a resolução uma<br />
vez para s<strong>em</strong>pre, e a sua consciência obedeceu a sua lógica. Estava<br />
simplesmente seguindo um grande e sagrado precedente <strong>em</strong><br />
consentir deste modo se fazer um “estulto por amor de Cristo”. Ele<br />
defende a sua causa com força irresistível numa carta a um amigo<br />
que havia lhe prevenido estes serviços irregulares e censurados:<br />
“Baseado <strong>em</strong> princípios escriturísticos acho que não<br />
é difícil justificar o que faço. Deus, nas Escrituras, me manda,<br />
à medida das minhas forças, a instruir os ignorantes, a corrigir<br />
os pecadores e a confirmar os virtuosos. Os homens me<br />
proíb<strong>em</strong> de fazer isto na paróquia de outros; e isto é proibir-me<br />
de tudo, visto que eu não tenho paróquia própria, e talvez<br />
nunca terei. A qu<strong>em</strong>, pois devo atender, a Deus ou aos<br />
homens? Se for justo diante de Deus ouvir-vos a vós antes do
que a Deus, julgai-o vós. Pois é me imposta esta obrigação,<br />
porque ai de mim se não anunciar o Evangelho. Mas onde eu<br />
hei de pregá-lo se eu seguir os princípios que me indicastes?<br />
Não na Europa, n<strong>em</strong> na Ásia, tão pouco na África ou na<br />
América; pelo menos não <strong>em</strong> qualquer parte do mundo<br />
habitado por cristãos. Pois todas estas são de alguma maneira<br />
divididas <strong>em</strong> paróquias. Se me disserdes. “Voltai-vos para os<br />
pagãos de onde viestes” – mas não posso agora pregar a eles,<br />
pois sob os vossos princípios, todos os pagãos <strong>em</strong> Geórgia<br />
pertenc<strong>em</strong> ou à paróquia de Savannah ou à de Frederica”.<br />
“Permiti-me agora vos dizer quais os meus princípios<br />
quanto a este assunto. Considero todo o mundo como a minha<br />
paróquia, quero dizer que, <strong>em</strong> qualquer parte que eu me<br />
achar, julgo conveniente, justo, e do meu estrito dever<br />
anunciar a todos que me quer<strong>em</strong> ouvir as novas da salvação.<br />
E é esta a obra que eu sei que Deus me chamou a fazer, e certo<br />
estou que a sua benção está me assistindo nela. ” (Diário<br />
de 11 de junho de 1739).<br />
Esta primitiva pregação ao ar livre é a melhor expressão do gênio<br />
essencial do Metodismo. Torna audível aquilo que se pode chamar a<br />
sua nota imperial; também torna visível o <strong>seu</strong> apaixonado zelo pela<br />
salvação dos perdidos, tanto homens como mulheres. Na vida<br />
eclesiástica daquele t<strong>em</strong>po havia pouco do espírito militante. E ainda<br />
menos de qualquer manifestação do el<strong>em</strong>ento mais divino do<br />
cristianismo, da piedade que busca os perdidos, buscando-os com<br />
compaixão e com solicitude; não se poupando fadigas, e n<strong>em</strong> se<br />
importando com as dificuldades ou com as convenções.<br />
Todos os termos da grande parábola de Cristo eram, nesses dias<br />
tristes – como é d<strong>em</strong>ais comum s<strong>em</strong>pre – invertidos na própria Igreja<br />
de Cristo. Noventa e nove ovelhas estavam extraviadas no deserto, e<br />
havia uma ovelha b<strong>em</strong> gorda e b<strong>em</strong> vestida no aprisco. E ao lado dessa<br />
ovelha gorda se achava o pastor igualmente gordo que<br />
confortavelmente dormia, deixando às noventa e nove no deserto o<br />
encargo de procurar<strong>em</strong> a ele. A ovelha desgarrada tinha de procurar ao<br />
pastor e não o pastor a ovelha.<br />
Mas quando Whitefield e os <strong>Wesley</strong>, com as portas de mil igrejas<br />
trancadas contra eles, se postaram perante a multidão de pecadores<br />
imundos <strong>em</strong> Kingswood, ou diante de uma multidão de esfarrapados<br />
dos viciados de Londres, <strong>em</strong> Moorfields, e proclamaram o Evangelho de<br />
Jesus Cristo, então a fé saia de suas trincheiras. A religião sonolenta e<br />
comodista desta época se levantou de sua poltrona e tornou-se viva e<br />
ativa. Tomou a ofensiva <strong>em</strong> vez de esperar a agressão. A pregação ao<br />
ar livre nos t<strong>em</strong>pos modernos t<strong>em</strong> se tornado quase <strong>em</strong> moda, mas <strong>em</strong><br />
1719 era uma grande revolução.
CAPÍTULO XVI<br />
Os Três Grandes Camaradas<br />
Aqui no limiar do avivamento, vale a pena dar um esboço dos três<br />
grandes camaradas que eram as principais forças humanas no <strong>seu</strong><br />
desenvolvimento: João <strong>Wesley</strong>, Carlos <strong>Wesley</strong> e George Whitefield.<br />
No começo Whitefield era o mais saliente. Ele foi adiante num<br />
novo caminho, e ocupava um Iugar mais notável aos olhos do público.<br />
As portas das igrejas estavam se fechando impiedosamente contra<br />
João <strong>Wesley</strong>. O <strong>seu</strong> campo de trabalho parecia estar se limitando aos<br />
condenados encarcerados que se achavam na sombra da forca, e às<br />
pequenas sociedades formadas sob a inspiração do moraviano Pedro<br />
Bohler. Mas Whitefield estava na rica aurora de sua fama como<br />
pregador. Os púlpitos ortodoxos estavam ainda abertos para ele.<br />
Multidões esperavam encantadas com a mágica de sua eloqüência.<br />
Cidades inteiras se comoviam com a sua vinda. Quando ele visitou<br />
Bristol pela segunda vez, multidões de pé, <strong>em</strong> carruagens, e a cavalo,<br />
vieram ao <strong>seu</strong> encontro no caminho. O povo o b<strong>em</strong> dizia enquanto ele<br />
passava pelas ruas. Na igreja, quando ele pregava, os ouvintes solícitos<br />
se apegavam aos balaústres da galeria e outros até subiam para o<br />
madeiramento do teto para apanhar as maravilhosas vibrações de sua<br />
voz incomparável. “No início de qualquer movimento”, diz Miss<br />
Wedgwood com notável perspicácia, “é o impulso e não o peso que t<strong>em</strong><br />
o maior efeito”. Whitefield, por uma rara combinação de dons naturais e<br />
de fervor espiritual, foi b<strong>em</strong> preparado para dar impulso ao avivamento<br />
que começava agitar a vida inglesa.<br />
É certo que Whitefield e João <strong>Wesley</strong> representavam tipos mui<br />
diferentes, e eram produtos de forças dissimilares (diferentes). Faltava a<br />
Whitefield a lógica segura de <strong>Wesley</strong>, o <strong>seu</strong> tino para o governo, a sua<br />
paixão pela ord<strong>em</strong> e método. <strong>Wesley</strong> possuía uma natureza mais séria,<br />
profunda e forte. EIe era vagaroso <strong>em</strong> aprender, porém mais resoluto<br />
<strong>em</strong> reter. Whitefield era mais ligeiro, mais ardente e impulsivo: mas<br />
possuía um tão profundo gênio pela religião como o próprio <strong>Wesley</strong>.<br />
Também vivia num domínio de ardor espiritual desconhecido a <strong>Wesley</strong>.<br />
Pode-se dizer que possuía o dom supr<strong>em</strong>o do orador numa forma que<br />
<strong>Wesley</strong> não podia pretender: E a união de dois homens tais, com dons<br />
tão diversos, ajuda a explicar o movimento religioso do <strong>século</strong> XVIII.<br />
Os contrastes e as s<strong>em</strong>elhanças entre os dois eram também<br />
igualmente notáveis. <strong>Wesley</strong> criou-se na vida séria do presbitério; e do<br />
abrigo deste teto seguiu diretamente a uma grande escola, e então para<br />
a antiga universidade. Whitefield era filho de taberneiro, e passou os<br />
primeiros anos na atmosfera da taverna. Em suas próprias palavras, eIe<br />
se trajava de avental azul, lavava e arrumava quartos, e fazia o trabalho<br />
de um copeiro. EIe faz as confissões de <strong>seu</strong>s vícios juvenis <strong>em</strong> tom<br />
quase histérico, e revelam um caráter curiosamente complexo. Furtava<br />
dinheiro da bolsa da mãe – mas repartia as moedas tão mal adquiridas<br />
entre os pobres. Furtava livros, mas eram livros devocionais que<br />
visavam à formação de um caráter religioso. Foi enviado à escola<br />
secundária do local, mas lhe era enfadonho o estudo, e voltou à taverna<br />
da mãe, com os <strong>seu</strong>s trabalhos servis e companheiros baixos.<br />
Entretanto, o menino teve vislumbres de gênio, e por um feliz acaso<br />
obteve matrícula no colégio de P<strong>em</strong>broke, Oxford, como servidor.<br />
Não se distinguiu como estudante, mas as influências do Clube<br />
Santo o prendiam. Carlos e João <strong>Wesley</strong> tornavam-se <strong>seu</strong>s guias<br />
espirituais, ainda que lhe faltavam o equilíbrio e a sobriedade. Ele<br />
passou por experiências religiosas, que seriam b<strong>em</strong> próprias à biografia<br />
de um santo medieval, ou de um asceta das primitivas eras cristãs.<br />
Sendo ve<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> tudo mais, era também ve<strong>em</strong>ente no<br />
arrependimento, e nas austeridades que ele praticava no <strong>seu</strong> corpo.<br />
Vestia-se de roupa inferior, e vexava o corpo por privá-lo do sono, e<br />
tomava o alimento mais insípido. Diz eIe, com <strong>seu</strong> modo exagerado:<br />
”Dias e s<strong>em</strong>anas inteiras tenho passado prostrado <strong>em</strong> oração silenciosa<br />
e vigilante”. Ele escolheu o lindo e famoso passeio do Christ Church por<br />
local de algumas de suas mortificações a si impostas, e se ajoelhava<br />
sob as arvores na escuridão, debaixo das chuvas do inverno ou da neve<br />
que caia até que o badalar do grande sino colegial lhe advertisse que<br />
as portas iam se fechar. Falando de sua juventude Whitefield faz esta<br />
terrível apreciação de si mesmo: “Desde o berço até a maioridade não<br />
vejo nada <strong>em</strong> mim que não seja digno da condenação”. Há um toque de<br />
histrião (comediante) <strong>em</strong> Whitefield, mesmo na de sua própria biografia<br />
espiritual.<br />
Afinal lhe veio o livramento espiritual e num transporte de alegria,<br />
contando a história, ele clama:<br />
“Oh! Com que gozo inefável, mesmo gozo cheio de gloria,<br />
quando foi o peso do pecado e veio-me a consciência permanente<br />
do amor de Deus. Onde quer que eu fosse não podia deixar de<br />
cantar quase <strong>em</strong> alta voz”.
Por natureza Whitefield era tão radiante que ganhava o afeto de<br />
todos, e a sua transformação espiritual fê-lo ainda mais radiante. O <strong>seu</strong><br />
dom natural de orador, também já era manifesto, reconhecido como<br />
tendo uma sinceridade santa <strong>em</strong> religião, e que a única carreira<br />
inevitável seria o púlpito. Os <strong>seu</strong>s amigos o instaram com d<strong>em</strong>ais<br />
precipitação nesta direção.<br />
Whitefield escreveu:<br />
“Os meus amigos quer<strong>em</strong> que eu dê cabeçadas no púlpito e<br />
como é que certos jovens sob<strong>em</strong> ali e pregam, eu não sei. Antes<br />
de Deus ter-me chamado e <strong>em</strong>purrado para o trabalho, eu<br />
supliquei mil vezes, até o suor cair, qual chuva, do meu rosto, que<br />
Deus nunca me permitisse a entrada ao ministério.”<br />
Apenas completara vinte e cinco anos quando se ordenou<br />
diácono, e imediatamente ganhou fama como pregador. “Eu tencionava<br />
fazer 150 sermões”, diz eIe, “e pensava começar a pregar só quando<br />
tivesse com um bom estoque de sermões elaborados”. Mas, de fato,<br />
este maior dos pregadores ingleses, tinha apenas um sermão quando<br />
começou a sua carreira. Em sua humildade submeteu a um clérigo<br />
amigo o <strong>seu</strong> primeiro e único sermão para mostrar quão inadequado era<br />
o <strong>seu</strong> preparo para o púlpito. O bom clérigo serviu-se da metade do<br />
sermão no culto da manhã e da outra metade no da noite, e devolveu-o,<br />
ao autor surpreendido, com um guineu <strong>em</strong> pagamento. Com o <strong>seu</strong><br />
primeiro aparecimento no púlpito Whitefield descobriu que não<br />
precisava de manuscrito. Foi deveras tão estupendo o efeito daquele<br />
discurso que alguns se queixaram ao bispo que não menos de quinze<br />
pessoas se enlouqueceram!<br />
Whitefield não era grande estudante, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> sentido profundo<br />
um pensador. Possuía poucos dons como líder de homens. Mas as<br />
suas sensibilidades espirituais eram singularmente vivas. Ele viu as<br />
grandes verdades do cristianismo, onde outros simplesmente<br />
raciocinavam acerca delas: e os fatos do mundo espiritual eram tão<br />
reais a eIe, e <strong>em</strong> certo sentido tão claros, como o eram os fatos da terra<br />
e atmosfera com que os <strong>seu</strong>s sentidos físicos tratavam. EIes lhe<br />
cobriram s<strong>em</strong>, contudo, esmagá-lo. Sir James Stephen diz: “Poucos<br />
homens jamais se moveram entre as infinidades de causas invisíveis<br />
com menos <strong>em</strong>baraço ou menos t<strong>em</strong>or silencioso do que Whitefield”.<br />
Deveras o ”t<strong>em</strong>or silencioso” era impossível para hom<strong>em</strong>, tão alta e<br />
harmoniosamente vocal como Whitefield.<br />
Em estatura era pouco acima da mediana, com feições<br />
notavelmente claras e regulares, olhos azuis pequenos e b<strong>em</strong> fundos,<br />
que pareciam cintilar de vivacidade; um dos quais formava ângulo<br />
contrário ao outro, mas o resultante vesguear, como no caso de outro<br />
famoso pregador inglês, Eduardo Irving, somente realçava mais a<br />
expressão de <strong>seu</strong> rosto. Whitefield teve talvez a voz mais harmoniosa e<br />
sonora que jamais <strong>em</strong>anava de peito humano. A sua melodia<br />
permanecia nos ouvidos da multidão; as suas cadências<br />
ass<strong>em</strong>elhavam-se às subidas e às descidas na escala de um grande<br />
cantor. Ainda <strong>em</strong> acréscimo, Whitefield possuía corpo de ferro e nervos<br />
de aço. Com a exceção de João <strong>Wesley</strong>, nenhum outro hom<strong>em</strong> jamais<br />
falava a tais multidões ou discorria por tantas horas por dia, e por tantos<br />
dias seguidos, como Whitefield. O <strong>seu</strong> biógrafo diz que “geralmente no<br />
decorrer da s<strong>em</strong>ana ele falava quarenta horas, às vezes, sessenta e<br />
isto a milhares de pessoas”. E fez assim durante anos e “depois de <strong>seu</strong>s<br />
trabalhos <strong>em</strong> vez de descansar, <strong>em</strong>penhava-se <strong>em</strong> fazer súplicas e<br />
intercessões, ou <strong>em</strong> cantar hinos, segundo o <strong>seu</strong> costume, <strong>em</strong> todas as<br />
casas <strong>em</strong> que fosse convidado.” Em suma, Whitefield, quase tanto<br />
como <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> sua capacidade quase milagrosa para o trabalho,<br />
parece pertencer a uma raça diferente.<br />
Whitefield alcançou o <strong>seu</strong> maior triunfo como orador ao ar livre.<br />
Sir. James Stephen nos descreve um de <strong>seu</strong>s sermões ao ar livre:<br />
“Postando-se numa pequena elevação, a sua figura alta e<br />
elegante vestida com elaborado rigor, de atitude serena e<br />
majestosa, com olhos azuis claros, Whitefield cont<strong>em</strong>plava os<br />
milhares, enfileirados na planície, ou apinhados <strong>em</strong> todas as<br />
<strong>em</strong>inências adjacentes... mas os tons ricos e variados de uma voz<br />
de incomparável profundeza e compasso logo silenciaram todos<br />
os sons menos melodiosos – enquanto, numa sucessão rápida,<br />
as suas s<strong>em</strong>pre variadas melodias passavam desde a calma da<br />
simples narrativa, e a medida distinta do argumento, até a<br />
ve<strong>em</strong>ente repreensão e a ternura de consolação celeste. Às<br />
vezes o pregador chorava copiosamente, e sapateava<br />
ve<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>ente e apaixonadamente, e com freqüência se achava<br />
tão <strong>em</strong>ocionado que durante alguns segundos, podia-se imaginar<br />
que nunca se recobraria; então, a natureza necessitava de um<br />
pouco t<strong>em</strong>po para reaver a calma. A multidão agitada ficava<br />
tomada da paixão do orador, e exultava, chorava ou tr<strong>em</strong>ia a <strong>seu</strong><br />
querer.”<br />
Whitefield pregou sob condições e a auditórios desconhecidos a<br />
qualquer outro orador. Ao passar pela praça de Hampton ele vê uma
multidão de doze mil pessoas congregadas para test<strong>em</strong>unhar<strong>em</strong> o<br />
enforcamento de um hom<strong>em</strong>; aqui t<strong>em</strong> o auditório, o púlpito e o texto e<br />
logo cativa a multidão! Prega a uma outra vasta multidão que se ajuntou<br />
para test<strong>em</strong>unhar o enforcamento de um criminoso, e o próprio carrasco<br />
suspende as suas funções enquanto Whitefield discorre. Uns atores<br />
ambulantes armam um palco numa feira municipal; a multidão se<br />
aglomera para rir-se e para divertir-se. Mas Whitefield de repente<br />
aparece, utilizando-se de toda a cena para fins religiosos, arruinando a<br />
colheita dos atores e prega um sermão de extraordinário poder.<br />
Como orador Whitefield possuía características b<strong>em</strong> estranhas.<br />
Em geral, um pregador, se t<strong>em</strong> <strong>em</strong>pregado um sermão uma dúzia de<br />
vezes, acha que t<strong>em</strong> o feito <strong>em</strong> trapos; o som dele torna-se repugnante<br />
aos próprios ouvidos. O discurso acha·se exaurido de toda a vitalidade.<br />
Mas Whitefield nunca chegou a sua maior efetividade antes de tê-lo<br />
pregado quarenta vezes! Então se tornava, nos <strong>seu</strong>s lábios, um<br />
instrumento perfeito de persuasão.<br />
Calcula-se que ele pregou mais de dezoito mil sermões; ele<br />
mesmo publicou sessenta e três durante a sua vida; e o leitor <strong>em</strong> vão<br />
tentará descobrir neles o segredo do <strong>seu</strong> poder maravilhoso. Parec<strong>em</strong><br />
ordinários, familiares, egoístas e desajeitados. O segredo do <strong>seu</strong> poder<br />
estava na personalidade do pregador – o olhar expressivo,<br />
incomparável, os lábios tr<strong>em</strong>entes, o rosto que parecia irradiar um brilho<br />
místico. Todas estas coisas eram simplesmente os instrumentos e<br />
servos de uma sinceridade apaixonada e espiritual, tal como raramente<br />
ardia numa alma humana. Aqui havia um hom<strong>em</strong> que cria com absoluta<br />
convicção toda a sílaba da sua mensag<strong>em</strong>. A sua visão do céu e do<br />
inferno era tão direta como aquela do grande Fiorentino. E aquilo que<br />
via, ele possuía o poder do orador, poder do grande ator de fazer que<br />
outros vejam. E <strong>em</strong> tudo, a eloqüência de Whitefield ardia – às vezes<br />
flamejava – uma compaixão e amor por <strong>seu</strong>s ouvintes. Sir James<br />
Stephen diz:<br />
“Sente-se que agora se t<strong>em</strong> a fazer com um hom<strong>em</strong> que<br />
vive como fala e que alegr<strong>em</strong>ente morreria para desviar ouvintes<br />
do caminho da destruição, e para à santidade e paz!”.<br />
Pode-se dizer que todos os sermões de Whitefield são apenas<br />
variações de duas idéias: O hom<strong>em</strong> é pecador, mas pode obter perdão<br />
mediante Jesus Cristo; o hom<strong>em</strong> é imortal, que se acha entre as duas<br />
poderosas alternativas, o eterno sofrimento ou a eterna felicidade. A<br />
eloqüência do grande pregador era assim um instrumento de duas<br />
cordas apenas. Mas que grandes e notáveis harmonias produziam!<br />
<strong>Wesley</strong> e Whitefield discordavam <strong>em</strong> muitos pontos tanto na<br />
teologia como na moralidade prática. Whitefield era ardente calvinista,<br />
<strong>Wesley</strong> era arminiano convicto. <strong>Wesley</strong> considerava a escravidão como<br />
o cúmulo de todas as vilanias; Whitefield comprava escravos no<br />
interesse do <strong>seu</strong> orfanato <strong>em</strong> Geórgia, incluindo-os como gado na lista<br />
de <strong>seu</strong>s haveres, e piedosamente dava graças a Deus pelo <strong>seu</strong><br />
aumento.<br />
Mas não obstante todos os pontos de diferença <strong>Wesley</strong> e<br />
Whitefield pertenciam ao mesmo tipo espiritual, viviam sob o império<br />
dos mesmos motivos elevados, e tinham partes quase iguais no maior<br />
movimento religioso na história inglesa.<br />
Southey declara “que se os <strong>Wesley</strong> nunca tivess<strong>em</strong> existido<br />
Whitefield teria originado o Metodismo”, mas talvez nunca foi escrita<br />
uma sentença de menos perspicácia. Foss<strong>em</strong> quais foss<strong>em</strong> as obras de<br />
Whitefield, o certo é que ele, o hom<strong>em</strong> mais errático e s<strong>em</strong> plano de<br />
todos, nunca poderia ter construído a perdurável e majestosa fábrica<br />
(edifício, construção) do Metodismo.<br />
A influência de Whitefield ass<strong>em</strong>elha-se aos ventos t<strong>em</strong>pestuosos<br />
que açoitam a superfície do mar. Mas o verdadeiro símbolo do trabalho<br />
de <strong>Wesley</strong> acha-se nos recifes de coral construídos vagarosamente,<br />
célula por célula desde as profundezas do mar, nos quais o solo se<br />
forma, <strong>em</strong> que se levantarão grandes cidades para a habitação de<br />
nações que ainda não nasceram. Whitefield agitou a superfície; <strong>Wesley</strong><br />
edificou desde as profundezas, e construindo profundamente, assim<br />
edificou para todos os <strong>século</strong>s.<br />
O ideal de Whitefield era voar de uma multidão de ouvintes a<br />
outra. <strong>Wesley</strong> possuía o instinto social. Ele conhecia as forças que<br />
nasc<strong>em</strong> da camaradag<strong>em</strong>, o abrigo criado pela camaradag<strong>em</strong>. Portanto,<br />
desde o começo de <strong>seu</strong> trabalho ele estava solicitamente organizando<br />
pequenas sociedades onde a vida espiritual acharia abrigo e nutrimento;<br />
sociedades que proporcionavam um reflexo externo para as íntimas<br />
experiências espirituais daqueles que eram m<strong>em</strong>bros. Enquanto<br />
Whitefield estava movendo as multidões, <strong>Wesley</strong> estava organizando<br />
estes pequenos centros de vida, e as sociedades que <strong>Wesley</strong> ajuntou<br />
eram as células do recife de coral! <strong>Wesley</strong> não inventou as sociedades<br />
n<strong>em</strong> os <strong>seu</strong>s convertidos. Tais sociedades se originavam como protesto<br />
contra a escura noite de imoralidade que pairava sobre Inglaterra depois<br />
da restauração e antes do nascimento de <strong>Wesley</strong>. Pedro Bohler fê-las
eviver e lhes deu um tom mais espiritual. Miss Wedgood, à vista disso,<br />
diz “que Inglaterra deu forma às sociedades e Al<strong>em</strong>anha lhes deu o<br />
espírito”. É uma das generalidades plausíveis que agrada ao ouvido,<br />
mas não suporta a luz dos fatos. Tudo que se necessita citar agora é<br />
que quando <strong>Wesley</strong> voltou da Al<strong>em</strong>anha e começou o trabalho real de<br />
sua vida, mediante algum sábio e inconsciente instinto ele se ocupou<br />
<strong>em</strong> nutrir e multiplicar as sociedades que, <strong>em</strong> concerto com Pedro<br />
Bohler, já começara a formar. Este trabalho foi menos dramático e não<br />
tão imediatamente visível como o de Whitefield, mas era muito mais<br />
perdurável.<br />
É costume dizer de Whitefield, de João e Carlos <strong>Wesley</strong>, que o<br />
primeiro era o orador e o segundo o estadista, e o terceiro o cantor do<br />
movimento religioso do <strong>século</strong> XVIII. Mas os três atores naquele grande<br />
drama não pod<strong>em</strong> ser postos <strong>em</strong> compartimentos separados e<br />
rotulados desta forma. João <strong>Wesley</strong> possuía mais do que um pouco de<br />
poeta, b<strong>em</strong> como o gênio de estadista; e se a eloqüência é a arte de<br />
<strong>em</strong>pregar a língua humana como instrumento de invencível persuasão,<br />
então Carlos <strong>Wesley</strong> era tão verdadeiramente orador como o <strong>seu</strong> irmão<br />
maior, ou como o próprio Whitefield, <strong>em</strong>bora de um tipo mui diferente.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong>, quando julgado pela obra que fez, foi um dos<br />
maiores mestres de discurso persuasivo. Durante quinze anos ele<br />
viajava pelas cidades e vilas da Inglaterra e Irlanda, pregando <strong>em</strong><br />
igrejas apinhadas de gente, ou a vastas multidões ao ar livre e s<strong>em</strong>pre<br />
com grande poder. Existe algo de surpreendente na cont<strong>em</strong>plação de<br />
uma multidão de quinze ou vinte e mil pessoas que silenciosamente<br />
esperam pelo som de uma só voz humana. O próprio Whitefield, o maior<br />
entre os pregadores ao ar livre, nos t<strong>em</strong> contado as suas impressões;<br />
diz ele:<br />
“Tudo se calava quando eu começava, e o povo apinhado<br />
ao redor da elevação no mais profundo silêncio me encheu de<br />
admiração. Cont<strong>em</strong>plar tais multidões apinhadas <strong>em</strong> tal silêncio,<br />
ou ouvir o eco do <strong>seu</strong> canto que reboava (repercutia) de um a<br />
outro extr<strong>em</strong>o era muito impressionante”.<br />
Atrair tal multidão, e contê-la encantada, agitá-la com a <strong>em</strong>oção<br />
religiosa, derretê-la <strong>em</strong> arrependimento, acendê-la de regozijo, é um<br />
dos maiores <strong>em</strong>preendimentos dado à língua humana fazer. Fazê-lo dia<br />
após dia, às vezes duas ou três vezes por dia; fazê-lo durante quinze<br />
anos como o trabalho costumeiro da vida; fazê-lo com intermitência até<br />
a velhice, é um <strong>em</strong>preendimento que b<strong>em</strong> poderia ter feito desesperar<br />
um D<strong>em</strong>óstenes (um dos maiores oradores grego)! E Carlos <strong>Wesley</strong> fez<br />
tudo isso! Não possuía a voz de órgão n<strong>em</strong> o gênio dramático de<br />
Whitefield, n<strong>em</strong> ainda o estranho segredo de uma calma e sobrepujante<br />
solenidade <strong>em</strong> discorrer como <strong>seu</strong> irmão João. O segredo do poder de<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> pregar estava no domínio das <strong>em</strong>oções. As lágrimas<br />
lhe corriam pelas faces; a sua voz tomava as cadências de infinita<br />
ternura, vibrando com o tr<strong>em</strong>or das <strong>em</strong>oções; e o contágio de <strong>seu</strong>s<br />
sentimentos derretia as multidões.<br />
Na velhice a pregação de Carlos <strong>Wesley</strong> tomou um caráter<br />
curioso. Pregava com os olhos fechados, fazia pausas prolongadas,<br />
com a cabeça inclinada na atitude de qu<strong>em</strong> escuta, como se esperasse<br />
alguma mensag<strong>em</strong> desde o domínio do invisível. Ele mexia com as<br />
mãos sobre o peito, ou se debruçava sobre o púlpito. Às vezes parava e<br />
pedia que a congregação cantasse um hino até que lhe viesse a<br />
mensag<strong>em</strong>. Mas no primor da sua vida ele era pregador de quase<br />
incomparável poder, <strong>em</strong>pregando sentenças que tinham a ligeireza e<br />
penetração de tiro de espingarda, e que vibrava com a eletricidade de<br />
<strong>em</strong>oções.<br />
O desenvolvimento do poder extraordinário de Carlos <strong>Wesley</strong> na<br />
pregação foi repentino e inesperado. Ele anota com a precisão<br />
característica a data e quando pela primeira vez tentou pregar s<strong>em</strong><br />
manuscrito. Ele diz: “Na igreja de S. Antolin, na sexta-feira, 20 de<br />
outubro, vendo tão poucos assistentes pensei <strong>em</strong> pregar de improviso.<br />
Senti-me com medo, mas aventurei-me sobre a promessa: ”Eis que eu<br />
estou convosco todos os dias”. Poucos meses depois se postava diante<br />
de uma multidão de quinze mil pessoas e falava s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>or, pausa ou<br />
falta de poder, pelo espaço de duas horas seguidas.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> tinha as suas limitações. Por ex<strong>em</strong>plo: ele nunca<br />
conseguiu harmonizar os sentimentos naturais com as suas crenças de<br />
eclesiástico intransigente. O <strong>seu</strong> melhor biógrafo, Thomaz Jackson, diz<br />
que durante muitos anos ele entretinha sobre vários assuntos duas<br />
correntes opostas de princípios, e agia sobre elas alternadamente com<br />
igual sinceridade, e s<strong>em</strong> qualquer suspeita de sua incoerência! Mas isto<br />
não é a inteira justiça a respeito de Carlos <strong>Wesley</strong>. O fato é que ele<br />
percebia a verdade mais pelas <strong>em</strong>oções do que pelo raciocínio, e as<br />
suas <strong>em</strong>oções generosas eram mais sábias do que as suas crenças<br />
racionais. Mas é muito certo que ele permaneceu s<strong>em</strong>pre alegr<strong>em</strong>ente<br />
inconsciente de qualquer falta de harmonia entre as suas teorias e as<br />
suas <strong>em</strong>oções.<br />
Em teoria era ritualista da ord<strong>em</strong> mais estreita. Declarava que se
deixasse a Igreja Anglicana, teria receio de encontrar-se com o espírito<br />
de <strong>seu</strong> pai no paraíso. Aquele mais irascível de ritualista havia de ralhar<br />
com ele no próprio domínio celeste! As incoerências de Carlos <strong>Wesley</strong>,<br />
nascidas do conflito inconsciente entre os <strong>seu</strong>s impulsos generosos e<br />
as suas prevenções eclesiásticas, são divertidas. Ele foi o primeiro a<br />
administrar a comunhão aos novos convertidos <strong>em</strong> edifício que não<br />
tinha sido consagrado; entretanto ficou religiosamente horrorizado<br />
quando os Metodistas pediram permissão de receber<strong>em</strong> a comunhão<br />
através das mãos de <strong>seu</strong>s próprios pregadores. Como pregador ele<br />
passou os <strong>seu</strong>s primeiros anos <strong>em</strong> pregar ao ar livre, e os <strong>seu</strong>s anos de<br />
velhice <strong>em</strong> pregar na Capela de City Road, entretanto deu ordens, ao<br />
morrer, que não foss<strong>em</strong> depositados os <strong>seu</strong>s ossos nas terras dessa<br />
Capela, porque não eram terras consagradas. João, o <strong>seu</strong> irmão mais<br />
sábio, escreveu depois: “Que pena os ossos do meu irmão não ser<strong>em</strong><br />
depositados onde os meus ossos descansarão. Certamente aquela<br />
terra é tão santa como qualquer outra na Inglaterra; e ela contém os<br />
restos de muitos justos”. É um ex<strong>em</strong>plo da ironia da sorte que o horror<br />
sacerdotal de Carlos <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> pensar de <strong>seu</strong>s ossos descansar<strong>em</strong><br />
nas terras da Capela de City Road, tivesse o efeito de depositá-los <strong>em</strong><br />
terras ainda menos sagradas. Pois, parece que a parte do c<strong>em</strong>itério<br />
onde jaz<strong>em</strong> nunca foi consagrada!<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> disse: “Meu irmão é <strong>em</strong> tudo esperançoso, eu sou<br />
<strong>em</strong> tudo medroso”; mas isto não é b<strong>em</strong> exato. Carlos, <strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong>peramento era tão esperançoso como <strong>seu</strong> irmão João, mas um<br />
aspecto de sua natureza fê-lo t<strong>em</strong>er os resultados de coisas que outro e<br />
mais nobre aspecto de sua natureza obrigava-o a fazer.<br />
Era homenzinho, míope, de fala apressada, de maneiras<br />
esquisitas, desultório (que salta de uma para outra parte; não<br />
persistente) <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s hábitos mentais, fogoso <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s ressentimentos,<br />
mui leal <strong>em</strong> suas amizades, e com uma simplicidade de espírito que fêlo<br />
<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente amável. Faltava-Ihe a força e a fixidez (fixidade, que<br />
t<strong>em</strong> a qualidade de ser fixo, persistência, constância) de propósito, a<br />
lógica certeira, e a inteligência ordeira e sist<strong>em</strong>ática do <strong>seu</strong> irmão João.<br />
Mas o sobrepujava <strong>em</strong> certas coisas e era, o mais amável dos dois pela<br />
razão que era menos perfeito (perfeccionista). Porque às vezes o amor<br />
é nutrido pelas coisas que têm de perdoar.<br />
CAPÍTULO XVII<br />
João <strong>Wesley</strong> como Pregador<br />
O grande avivamento então se achava <strong>em</strong> pleno progresso, e<br />
mesmo nesse t<strong>em</strong>po no trabalho eram visíveis duas linhas concorrentes<br />
e paralelas. Uma foi agressiva e consistia numa grande corrente de<br />
serviços de pregação, cobrindo os três reinos durante toda a vida de<br />
João <strong>Wesley</strong>. A outra foi conservadora, e achava-se representada nas<br />
pequenas sociedades que se formavam por toda à parte, e que davam<br />
abrigo aos novos convertidos.<br />
O instrumento supr<strong>em</strong>o de João <strong>Wesley</strong> era a pregação. Ele<br />
<strong>em</strong>pregava outras forças: construía escolas, organizava sociedades,<br />
publicava livros, e <strong>em</strong>preendia grandes polêmicas, e era incansável na<br />
correspondência e na conversa. Mas n<strong>em</strong> a Iiteratura, n<strong>em</strong> a<br />
controvérsia, n<strong>em</strong> a influência pessoal foi o instrumento mais prezado<br />
ou eficaz de <strong>Wesley</strong>. O movimento que <strong>Wesley</strong> representa é acima de<br />
tudo um avivamento <strong>em</strong> escala inaudita, e de efeitos s<strong>em</strong> precedentes,<br />
do oficio e do trabalho do pregador. O apóstolo Paulo escreveu, como<br />
representante da primeira geração de cristãos: “Aprouve a Deus, pela<br />
estultícia (loucura) da pregação, salvar os que crê<strong>em</strong>”. E no movimento<br />
de <strong>Wesley</strong>, o cristianismo simplesmente reverte a <strong>seu</strong> primitivo e maior<br />
instrumento de poder.<br />
Mas a pregação do novo movimento, como já vimos, desviava-se<br />
das formas tradicionais. Era pregação ao ar livre, não se contentava<br />
dentro de paredes de pedra. Era pregação itinerante, não se limitava a<br />
lugares fixos. Tomava por campo os três reinos. Passando pelos<br />
sonolentos punhados nas igrejas procurava, com grande solicitude, as<br />
multidões esquecidas de fora, que estavam deslizando para um<br />
paganismo pior do que aquele que pairava sobre o solo inglês antes da<br />
vinda de Agostinho. Em lugar de púlpitos os pregadores do grande<br />
avivamento tomavam os outeiros, os mercados, as praças das ruas das<br />
cidades, onde quer que os homens lhes escutass<strong>em</strong> aí eles declaravam<br />
a sua mensag<strong>em</strong>.<br />
E as novas condições criavam novos métodos. As decorosas<br />
frases que os clérigos sonolentos murmuravam a suas congregações<br />
toscanejantes (que cochilavam, adormecidas) deram lugar à viva voz de
homens vivos; de homens que se sentiam ser mensageiros diretos do<br />
Espírito de Deus. Se João <strong>Wesley</strong> e <strong>seu</strong>s camaradas não foss<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong>purrados das igrejas, o gênio essencial do movimento, a natureza do<br />
trabalho para se fazer, os métodos necessários ao <strong>seu</strong><br />
desenvolvimento, teriam lhes levado para fora. Os antigos canais pelos<br />
quais corriam a verdade eram mui estreitos, e ainda se achavam<br />
entupidos. Nenhuma corrente podia passar por eles. Era necessário<br />
abrir<strong>em</strong>-se novos canais, chamar<strong>em</strong> novas forças à luta, alcançar<strong>em</strong><br />
novas classes. Assim com o <strong>seu</strong> primeiro passo o grande avivamento<br />
rompeu os limites eclesiásticos que existiam então. Ele se foi para a<br />
rua agitada, para os campos varridos pelo vento, onde quer que<br />
homens e mulheres por qu<strong>em</strong> Cristo morreu pudess<strong>em</strong> ser<br />
congregados. Eis a pregação tal qual como havia no primeiro <strong>século</strong> do<br />
Cristianismo.<br />
E João <strong>Wesley</strong> logo se tornou o vulto mais saliente na nova<br />
cruzada. Faltavam-lhe alguns dos dons especiais de Whitefield como<br />
orador; não obstante, teve tanto êxito <strong>em</strong> pregar ao ar livre como o <strong>seu</strong><br />
grande camarada; e trouxe ao <strong>seu</strong> trabalho planos mais ordeiros, e um<br />
propósito mais concentrado do que o próprio Whitefield.<br />
Qual foi o segredo do poder de João <strong>Wesley</strong> como pregador? Em<br />
muitas coisas se poderia imaginar que ele seria o último capaz de influir<br />
numa multidão do <strong>século</strong> XVIII. Era cavalheiro por nascimento e hábito,<br />
douto por educação, hom<strong>em</strong> de gostos delicados e quase fastidiosos,<br />
com o desprezo inerente no inglês pela <strong>em</strong>oção, e com o ódio do<br />
ritualista contra toda a irregularidade. Possuía muito pouca imaginação<br />
e s<strong>em</strong> poder descritivo. Em regra não contava anedotas, e nunca se<br />
dava a caçoadas. Que aptidão tinha <strong>em</strong> falar a plebeus, mineiros,<br />
garotos da cidade e a lavradores atraídos do <strong>seu</strong> arado?<br />
Entretanto ele se erguia, um vulto pequeno, catito (elegante) e<br />
simétrico; o <strong>seu</strong> cabelo preto e liso apartado (dividido) com exatidão; as<br />
feições claras e puras como as de uma menina; os <strong>seu</strong>s olhos<br />
castanhos cintilantes como pontos de aço. Sob a sua palavra a multidão<br />
se derretia e subjugava até parecer um exército derrotado, tomado de<br />
t<strong>em</strong>or e quebrado de <strong>em</strong>oção; e freqüent<strong>em</strong>ente homens e mulheres<br />
caíam ao chão num acesso de pavor. A sua voz não possuía nota de<br />
clarim; mas era clara como flauta de prata, e percorria a multidão<br />
admirada até a extr<strong>em</strong>idade mais r<strong>em</strong>ota.<br />
S<strong>em</strong> dúvida havia algo da força de um profeta na pregação de<br />
<strong>Wesley</strong>. Ele recebia a sua inspiração de regiões b<strong>em</strong> distantes. Os <strong>seu</strong>s<br />
sermões impressos são apenas os ossos de <strong>seu</strong>s discursos à viva voz,<br />
e são geralmente ossos secos, <strong>em</strong>bora tenham algo das dimensões do<br />
mastodonte (animal extinto cuja constituição física era s<strong>em</strong>elhante à do<br />
elefante, o maior mamífero terrestre. A expressão aqui, portanto, referese<br />
à dimensão de grandeza dos tais “ossos secos”). Mas a sua<br />
penetração espiritual era quase surpreendente. Parecia enxergar o<br />
íntimo da alma humana, apontado o pecado secreto e o t<strong>em</strong>or<br />
escondido. Possuía o poder de fazer cada individuo sentir como se<br />
falasse só com ele. E havia algo no <strong>seu</strong> discurso – uma nota na voz, um<br />
cintilar do olhar – que inspirava à multidão respeito, e respeito que não<br />
raras vezes se aprofundava <strong>em</strong> t<strong>em</strong>or. A maneira do orador era a<br />
de perfeita calma; mas era a calma do poder, da certeza, da<br />
autoridade que v<strong>em</strong> do mundo espiritual.<br />
Nelson dá talvez, a melhor descrição de <strong>Wesley</strong> como<br />
pregador. Ele diz:<br />
“O sr. Whitefield era para mim hom<strong>em</strong> que sabia tangir<br />
(tocar) b<strong>em</strong> um instrumento, pois a sua pregação me era<br />
agradável e eu o admirava, de modo que se qualquer um<br />
tentasse perturbá-lo eu estava pronto a defender o pregador.<br />
Porém eu não o entendia, mas me sentia como o passarinho<br />
que vaga longe do ninho até que o sr. João <strong>Wesley</strong> veio<br />
pregar o <strong>seu</strong> primeiro sermão <strong>em</strong> Moorfields...Logo que ele<br />
subiu à tribuna, passou as mãos pelo cabelo e virou o rosto na<br />
minha direção, e me parecia que ele me fitava (olhava) os<br />
olhos. As suas feições me infundiram tanto pavor, mesmo<br />
antes de falar, que o meu coração oscilava como se fosse<br />
pêndulo; e quando começou a falar, eu imaginava que ele me<br />
dirigia todo o discurso. Quando terminou, eu disse comigo:<br />
“Este hom<strong>em</strong> sabe contar os segredos do meu coração; mas<br />
ele não me deixou aqui; porque me mostrou o r<strong>em</strong>édio, o<br />
próprio sangue de Jesus”. Eu imaginara que ele não falara a<br />
mais ninguém senão a mim, e eu não ousei erguer os olhos,<br />
julgando que todos estivess<strong>em</strong> a me olhar... mas antes de<br />
findar o sermão o sr. <strong>Wesley</strong> clamou: “Deixe o perverso o <strong>seu</strong><br />
caminho, o iníquo, os <strong>seu</strong>s pensamentos; converta-se ao<br />
Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso<br />
Deus, porque é rico <strong>em</strong> perdoar (Isaías 55:7). Eu disse<br />
comigo, “se isto for verdade, então eu voltarei a Deus hoje”.<br />
Qu<strong>em</strong> pode admirar-se de que um pregador com poder tão<br />
extraordinário fizesse estr<strong>em</strong>ecer os corações das multidões, e<br />
pusesse o selo sobre o espírito dos três reinos!
Com a exceção de breves visitas a Londres, e uma ligeira<br />
viag<strong>em</strong> ao País de Gales, João <strong>Wesley</strong> passou o resto do ano 1739<br />
<strong>em</strong> Bristol. Durante nove meses, calcula-se que ele pregou<br />
quinhentos sermões e exposições, somente seis destes <strong>em</strong> Igrejas.<br />
Era <strong>seu</strong> plano explicar a Bíblia a cada noite <strong>em</strong> qualquer uma das<br />
pequenas sociedades, e passar o dia <strong>em</strong> serviços ao ar livre. Ele<br />
t<strong>em</strong> nos deixado um esboço de <strong>seu</strong>s ensinos nesse período a <strong>seu</strong>s<br />
auditórios no ar livre. Ele afirma que a religião não consiste de<br />
negações n<strong>em</strong> de moralidade exterior, n<strong>em</strong> de opiniões ortodoxas. É a<br />
criação da uma nova natureza <strong>em</strong> nós. A única condição é o<br />
arrependimento para com Deus e a fé <strong>em</strong> nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Aquele que crê é justificado mediante a redenção que há <strong>em</strong> Cristo<br />
Jesus, e, sendo justificado, t<strong>em</strong> a consciência da uma nova relação para<br />
com Deus e de poder sobre o pecado.<br />
É ensino claro e simples, mas é curioso notar-se que a doutrina<br />
de que somos salvos mediante a fé, que é a própria essência do<br />
Cristianismo, e que era a nota saliente nos sermões de <strong>Wesley</strong>,<br />
provocasse a mais ativa inimizade. <strong>Wesley</strong> diz:<br />
“Não falávamos de quase nada mais, quer <strong>em</strong> público<br />
quer <strong>em</strong> particular. Esta luz brilhava tão fort<strong>em</strong>ente sobre os<br />
nossos espíritos a ponto de tornar-se o nosso t<strong>em</strong>a constante.<br />
Era o nosso assunto diário tanto <strong>em</strong> verso como <strong>em</strong> prosa; e o<br />
defendíamos contra todos. Mas por fazermos isto, eles nos<br />
assaltavam de todos os lados. Por toda a parte nos<br />
representavam como cachorros loucos, e nos davam o trato<br />
de tais. Apedrejavam-nos nas ruas, e várias vezes<br />
escapávamos da morte. Em sermões, jornais, panfletos de<br />
toda a espécie nos pintavam como monstros nunca vistos.<br />
Mas isto não nos abalava”.<br />
A pregação começada sob estas condições novas foi seguida por<br />
resultados maravilhosos. Era a mesma pregação dos t<strong>em</strong>pos<br />
apostólicos, e com muitos dos resultados do <strong>século</strong> apostólico. Páginas<br />
inteiras do Diário de João <strong>Wesley</strong> parec<strong>em</strong> deveras com um novo<br />
capítulo dos Atos dos Apóstolos escrito <strong>em</strong> termos modernos. Achamse<br />
aí narrativas de conversões, conversões repentinas quanto ao<br />
t<strong>em</strong>po, dramáticas no caráter, arrebatadoras <strong>em</strong> <strong>seu</strong> regozijo. Mais<br />
tarde, <strong>Wesley</strong>, a <strong>seu</strong> modo metódico, pediu que alguns de <strong>seu</strong>s<br />
convertidos escrevess<strong>em</strong> <strong>em</strong> clara e simples prosa a história de suas<br />
experiências espirituais, e o resultado é uma série de documentos<br />
humanos de interesse curioso e perdurável. O voar de um <strong>século</strong><br />
ainda os deixa vivos.<br />
A história que o próprio <strong>Wesley</strong> fez dos resultados práticos do<br />
trabalho, <strong>em</strong> resposta a certo crítico zangado, é a seguinte:<br />
“A questão entre nós versa principalmente – senão<br />
inteiramente a fatos. Vós negais que Deus agora opere tais<br />
efeitos; ao menos, negais que os efetue desta maneira. Eu<br />
afirmo ambos; porque com os próprios ouvidos ouvi e com os<br />
próprios olhos, vi. Tenho visto, até onde é possível ver tal<br />
coisa, muitas pessoas mudadas num momento do espírito de<br />
t<strong>em</strong>or, horror e desespero, para o espírito de amor, gozo e<br />
paz; e de desejo pecaminoso até então reinante nelas para o<br />
bom desejo de fazer a vontade de Deus... Este é o<br />
test<strong>em</strong>unho de fatos que tenho ouvido e visto e sou<br />
test<strong>em</strong>unha quase diariamente... E que tal mudança foi então<br />
efetuada se manifesta, não unicamente pelo derramamento de<br />
lágrimas n<strong>em</strong> por acesso, n<strong>em</strong> por ter<strong>em</strong> clamado <strong>em</strong> alta<br />
voz; não são estes os frutos, como vós quereis supor, pelos<br />
quais eu julgo, mas por todo o teor de suas vidas, que até<br />
então era de muitas maneiras pecaminoso; mas daí <strong>em</strong> diante<br />
t<strong>em</strong> santo, justo e bom.”<br />
“Eu vos mostrarei aquele que era um leão até então,<br />
mas agora é um cordeiro, aquele que era bêbado, mas agora<br />
é um ex<strong>em</strong>plo de sobriedade. O fornicador que era, agora<br />
“aborrece a túnica manchada pela carne”. São este os<br />
argumentos <strong>em</strong> favor daquilo que eu afirmo, a saber: que<br />
Deus agora, como <strong>em</strong> outro t<strong>em</strong>po, dá o perdão dos pecados,<br />
e o dom do Espírito Santo, a nós mesmos e a nossos filhos”.<br />
(Diário, 20 de maio de 1739)<br />
Mas logo se manifestou um fenômeno nas reuniões de João<br />
<strong>Wesley</strong> que ainda é um probl<strong>em</strong>a para a ciência; e que na ocasião<br />
parecia justificar as piores coisas que os maiores adversários de<br />
<strong>Wesley</strong> diziam do avivamento. Manifestavam -se notáveis cenas de<br />
agitação e desespero físico. Era como se algum t<strong>em</strong>poral de<br />
energia, fora da ord<strong>em</strong> natural – se b<strong>em</strong> ou mal não podia ser<br />
facilmente determinado – passasse pelas multidões que assistiam. A<br />
primeira dessas cenas estranhas manifestou-se aos 17 de abril de<br />
1739, numa reunião de uma das sociedades. <strong>Wesley</strong> conta a história no<br />
<strong>seu</strong> Diário:<br />
“Na rua de Baldwin, clamamos a Deus, pedindo que
confirmasse a sua Palavra. Logo, uma pessoa que assistia<br />
clamou <strong>em</strong> alta voz, com a maior ve<strong>em</strong>ência, mesmo numa<br />
agonia mortal. Mas continuamos <strong>em</strong> oração, até que Deus pôs um<br />
novo cântico na sua boca, um hino ao nosso Deus. Logo <strong>em</strong><br />
seguida duas pessoas mais foram tomadas de grande dor e<br />
constrangidas a clamar<strong>em</strong> na angustia de <strong>seu</strong> coração. Mas <strong>em</strong><br />
pouco t<strong>em</strong>po elas também romperam <strong>em</strong> louvores a Deus<br />
Salvador.”<br />
Uma cena ainda mais notável desenrolava-se no mesmo local<br />
quinze dias depois. <strong>Wesley</strong> escreve no <strong>seu</strong> Diário:<br />
“1° de maio – Na rua Baldwin, a minha voz mal se fazia<br />
ouvida no meio dos g<strong>em</strong>idos de uns, e dos gritos de outros<br />
que clamavam <strong>em</strong> alta voz por Aquele que é poderoso para<br />
salvar. Um Quaker <strong>em</strong> assistência ficou muito zangado,<br />
franzia a testa e mordia os beiços, quando caiu como por um<br />
raio. Era terrível cont<strong>em</strong>plar-se a sua aflição. Fiz<strong>em</strong>os oração<br />
a <strong>seu</strong> favor e logo ergueu a cabeça com regozijo e uniu-se<br />
conosco <strong>em</strong> ação de graças. Outro assistente João Hayden,<br />
tecelão, hom<strong>em</strong> de vida e hábitos regulares, que s<strong>em</strong>pre<br />
assistia nas orações públicas e na comunhão, muito zeloso<br />
pela Igreja e contra os Dissidentes, trabalhava para<br />
convencer o povo que tudo isto era ilusão do diabo; mas no<br />
dia seguinte, enquanto lia um sermão sobre “A salvação pela<br />
Fé”, ficou repentinamente pálido, caiu da cadeira, começou a<br />
gritar e bater-se no chão. Os vizinhos apavorados se<br />
ajuntaram. Quando eu cheguei, achei-o no chão, a sala<br />
estava repleta de gente, e dois ou três o seguravam o melhor<br />
que podiam. Ele logo me fitou os olhos, e disse, “Sim, é<br />
aquele que eu disse iludira o povo. Eu disse que era ilusão do<br />
diabo; mas esta não é ilusão”. Então gritou <strong>em</strong> alta voz, “Ó tu,<br />
diabo! Diabo maldito! Não podes permanecer <strong>em</strong> mim. Cristo<br />
te lançará fora. Sei que a Sua obra começou. Podes me fazer<br />
<strong>em</strong> pedaços, mas não podes fazer-me dano”. Ele então se<br />
batia no chão; o <strong>seu</strong> peito ofegava como se estivesse numa<br />
agonia mortal e grandes gotas de suor lhe corriam pelas<br />
faces. Nós nos entregávamos à oração. Cessou a sua aflição<br />
e tanto o <strong>seu</strong> corpo como a alma foram postas <strong>em</strong> liberdade. Com<br />
voz forte e clara ele clamou: “Da parte do Senhor se fez isto;<br />
maravilhoso é aos nossos olhos. Seja bendito o nome do Senhor,<br />
desde agora e para s<strong>em</strong>pre”. Eu voltei após uma hora e achei-o<br />
com o corpo fraco como o de uma criancinha que havia perdido a<br />
voz; mas a sua alma estava <strong>em</strong> paz, cheia de amor, e<br />
livre:<br />
regozijando-se na esperança da glória de Deus”.<br />
Aos 21 de maio repetiu-se a cena, mas desta vez num culto ao ar<br />
“Enquanto eu pregava, Deus descobriu o <strong>seu</strong> braço e não<br />
foi numa sala fechada, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> particular, mas ao ar livre, e na<br />
presença de mais de duas mil test<strong>em</strong>unhas. Um e dois e três<br />
caíram por terra tr<strong>em</strong>endo excessivamente à presença do <strong>seu</strong><br />
poder. Outros clamavam <strong>em</strong> voz alta e triste. “Que hav<strong>em</strong>os de<br />
fazer para nos salvar?”. À noite na rua S. Nicolau, fui<br />
interrompido, logo que comecei a falar, pelo clamor de um que<br />
pedia insistent<strong>em</strong>ente o perdão e a paz. Outros caíram como<br />
mortos. Thomas Maxfield começou a gritar e a bater-se contra o<br />
chão, a ponto de ser necessário seis homens para poder<strong>em</strong><br />
segurá-lo. Muitos outros a clamar pelo Salvador de todos, tanto<br />
que a casa inteira, e <strong>em</strong> verdade a rua por alguma distância,<br />
estava <strong>em</strong> grande agitação. Mas continuamos <strong>em</strong> oração, e a<br />
maior parte achou descanso para as suas almas”.<br />
Estas manifestações extraordinárias surpreenderam e<br />
incomodaram os próprios camaradas de João <strong>Wesley</strong>. Whitefield lhe<br />
escreveu aos 25 de junho queixando-se de que <strong>Wesley</strong> dava<br />
d<strong>em</strong>asiada importância a estas confusões.<br />
“Se eu fizesse assim”, diz ele, ”quantos clamariam <strong>em</strong> alta<br />
voz toda à noite”. Doze dias depois Whitefield esteve <strong>em</strong> Bristol e<br />
achou as mesmas cenas <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s próprios serviços:<br />
“Na aplicação de <strong>seu</strong> sermão quatro pessoas caíram perto<br />
dele e quase no mesmo instante. A primeira estava deitada s<strong>em</strong><br />
sentidos e s<strong>em</strong> movimento. A segunda tr<strong>em</strong>ia excessivamente. A<br />
terceira tinha convulsões por todo o corpo, mas não fez ruído<br />
algum a não ser uns g<strong>em</strong>idos. A quarta, igualmente<br />
convulsionada, clamava a por Deus com insistentes súplicas e<br />
lágrimas”.<br />
Estes acessos de angústia física não se limitavam aos cultos<br />
públicos na multidão, indivíduos <strong>em</strong> casa foram acometidos. Aqui<br />
damos uma narração terrível que João <strong>Wesley</strong> registra no <strong>seu</strong><br />
Diário:<br />
“23 de Outubro – Fui solicitado a visitar uma moça <strong>em</strong><br />
Kingswood. Achei-a de cama, e duas ou três pessoas a<br />
segurá-la. A angústia, o horror e o desespero indescritíveis<br />
manifestavam-se no <strong>seu</strong> s<strong>em</strong>blante pálido. As mil contorções
do <strong>seu</strong> corpo d<strong>em</strong>onstravam como os cães do inferno estavam<br />
atormentando-lhe o coração. Os gritos lancinantes que ela<br />
dava eram quase insuportáveis. Ela gritou: “Estou condenada,<br />
condenada; perdida para s<strong>em</strong>pre! Seis dias passados talvez<br />
podíeis ter-me ajudado. Mas agora é tarde. Pertenço ao diabo<br />
agora; entreguei-me a ele; sou dele e tenho de servi-lo e irei<br />
com ele ao inferno; não posso me salvar, não serei salva. Eu<br />
devo, eu quero e tenho de ser perdida!” Então a moça<br />
começou a clamar pelo diabo. E nós principiamos a cantar:<br />
“Desperta-te, desperta-te, ó braço do Senhor”. E logo ela se<br />
acalmou como se dormisse; mas no instante que deixamos de<br />
cantar ela rompeu outra vez com indizível ve<strong>em</strong>ência:<br />
“Arrebentai-vos, ó corações de pedra! Sou um aviso para vós.<br />
Arrebentai-vos! Arrebentai-vos, pobres corações de pedra! Sou<br />
condenada para que vós vos salveis. Vós não necessitais de<br />
vos perder, ainda quando eu me perco”. Então, fitando os<br />
olhos <strong>em</strong> um canto do forro. disse: “Aí está. V<strong>em</strong>, bom diabo,<br />
v<strong>em</strong>. Disseste que me rebentarias os miolos; v<strong>em</strong> e faze-o<br />
depressa. Sou tua, quero ser tua.” Nós lhe interromp<strong>em</strong>os, e<br />
outra vez clamamos a Deus; e com isso eIa se acalmou como<br />
dantes.”<br />
Um caso s<strong>em</strong>elhante se deu uns poucos dias depois:<br />
“27 de Outubro – Chamaram-me a Kingswood outra<br />
vez para ver uma pessoa, uma daquelas que antes havia<br />
sido tão doente. Uma chuva grossa caía quando eu saí de<br />
casa. Justamente então a mulher , distante uns cinco<br />
quilômetros, clamou: “Aí v<strong>em</strong> o <strong>Wesley</strong>, galopeando com a<br />
ligeireza possível!“ Quando cheguei , ela deu uma<br />
gargalhada medonha e disse: “Não há poder, não há<br />
poder; não há fé, não há fé. Ela é minha, a sua alma é<br />
minha. Eu a tenho, e não hei de deixá -la ir”. Pedimos a<br />
Deus que nos aumentasse a fé. Neste meio t<strong>em</strong>po as<br />
suas dores se aumentavam mais e mais, a ponto de<br />
poder-se imaginar que devido aos acessos violentos, o <strong>seu</strong><br />
corpo seria feito <strong>em</strong> pedaços. Um que fico u plenamente<br />
convencido que esta não era uma doença natural, disse: “Eu<br />
acho que satanás está solto. Eu receio que ele não há de<br />
parar”. E acrescentou, “Eu te mando <strong>em</strong> nome do nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, que me digas se tens recado para<br />
atormentar outra alma qualquer”. Imediatamente respondeu:<br />
“Tenho, L-y, C-r, e S-h, J-s”. Nós nos entregamos outra vez à<br />
oração e não cessamos até que ela começou, com voz clara e<br />
feições contentes e alegres, a cantar: “A Deus Supr<strong>em</strong>o<br />
Benfeitor”.<br />
As pessoas mencionadas aqui moravam um pouco distante dali;<br />
estavam neste momento com saúde perfeita; mas no dia seguinte elas<br />
foram acometidas da mesma maneira que a infeliz mulher cujo caso<br />
acabamos de descrever.<br />
T<strong>em</strong> se oferecido muitas explicações para estes curiosos<br />
fenômenos. Southey os resolve no mero magnetismo animal e no<br />
contágio de excitação. Ele diz com muito acerto “que há paixões tão<br />
contagiosas como a peste, e o próprio t<strong>em</strong>or não é mais contagioso do<br />
que o fanatismo”. Mas as sensibilidades e <strong>em</strong>oções as quais João<br />
<strong>Wesley</strong> apelava quando estas cenas se davam, certamente não pod<strong>em</strong><br />
ser consideradas na categoria do fanatismo e na ocasião não se fazia<br />
n<strong>em</strong> dizia coisa alguma para suscitar o t<strong>em</strong>or. Isaac Taylor acha nestas<br />
cenas a reprodução <strong>em</strong> termos modernos dos end<strong>em</strong>oniados do Novo<br />
Testamento. Para as inteligências seculares elas talvez rel<strong>em</strong>br<strong>em</strong> a<br />
mania dançante do <strong>século</strong> XIV ou dos Convulsionaires da França do<br />
<strong>século</strong> XVI. Somente que no caso de <strong>Wesley</strong> os sujeitos destas<br />
manifestações eram os ingleses sólidos e não mulheres e crianças<br />
francesas.<br />
Realmente fenômeno s<strong>em</strong>elhante têm aparecido <strong>em</strong> lapsos de<br />
t<strong>em</strong>po largamente separados, e sob circunstâncias b<strong>em</strong> diversas.<br />
Exatamente as mesmas cenas se davam na Escócia sob a pregação de<br />
Erskine, a na América sob a pregação de Jonathan Edwards. Mas<br />
Edwards indubitavelmente pregou um evangelho at<strong>em</strong>orizante e de uma<br />
maneira aterradora. Os métodos de João <strong>Wesley</strong> separavam-se por um<br />
intervalo bastante largo daqueles do grande evangelista americano.<br />
Muitos admiram que essas manifestações começass<strong>em</strong>, não sob<br />
a pregação de Whitefield, com a sua voz de leão e <strong>seu</strong>s poderes<br />
dramáticos. N<strong>em</strong> ainda sob a pregação de CarIos <strong>Wesley</strong> com <strong>seu</strong><br />
apelo concentrado e sobrepujante às <strong>em</strong>oções. Elas se deram enquanto<br />
João <strong>Wesley</strong>, de testa séria, de olhar calmo e de voz clara e equilibrada,<br />
com <strong>seu</strong> apelo à razão e à consciência, pregava. Entretanto b<strong>em</strong> se<br />
compreende porque esses fenômenos começaram sob a pregação de<br />
João <strong>Wesley</strong> e não sob a de qualquer de <strong>seu</strong>s camaradas. Whitefield<br />
apelava aos sentidos e à imaginação; Carlos <strong>Wesley</strong> às <strong>em</strong>oções. Mas<br />
João <strong>Wesley</strong>, não obstante a sua estranha calma, tocava numa nota<br />
mais profunda, e movia os <strong>seu</strong>s ouvintes por uma força mais poderosa.<br />
Havia algo nele – no <strong>seu</strong> olhar, nas cadências de sua voz; na sua
solene e transparente sinceridade – que irresistivelmente convencia os<br />
que o cont<strong>em</strong>plavam e ouviam das realidades das coisas espirituais.<br />
“<strong>Wesley</strong>, diz Miss Wedgwood, operava <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s ouvintes<br />
uma tal apreciação do horror do mal, da sua misteriosa<br />
proximidade à alma humana, e da necessidade de um milagre<br />
para separá-lo da alma, que ninguém, talvez, pudesse receber a<br />
sua doutrina repentinamente s<strong>em</strong> que produzisse nele algum<br />
violento efeito físico.”<br />
Mas isto não explica por completo o caso. A verdade é que João<br />
<strong>Wesley</strong> teve a visão Dantesca, e possuía o poder de fazer outros ver<strong>em</strong><br />
o fato supr<strong>em</strong>o do mundo espiritual, e a relação íntima que a alma<br />
humana mantém para com Deus, quão perto Deus está ao hom<strong>em</strong>; a<br />
relação que os pecados do hom<strong>em</strong> mantém para com a pureza de<br />
Deus; a precisão que o hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> da compaixão de Deus; e a relação<br />
de todos os atos do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> referência ao juízo de Deus. De modo<br />
que Deus aparecia, desde as regiões indistintas e r<strong>em</strong>otas da<br />
eternidade, aos ouvintes de <strong>Wesley</strong>, como personag<strong>em</strong> amável e<br />
majestoso de todos, mas ainda tangível. E como pregava, e ao passo<br />
que os ouvintes se compenetrass<strong>em</strong> repentinamente da realidade do<br />
mundo eterno, e de <strong>seu</strong>s fatos estupendos, do pecado e da sua<br />
culpabilidade infinita, de Deus e da relação da alma com ele – como<br />
hav<strong>em</strong>os de nos maravilhar que as almas estr<strong>em</strong>ecidas de <strong>seu</strong>s<br />
ouvintes não comunicass<strong>em</strong> aos próprios corpos os tr<strong>em</strong>ores que lhes<br />
acometiam!<br />
Indubitavelmente muitos el<strong>em</strong>entos humanos operavam entre as<br />
forças que produziam estas cenas. A impostura, a histeria, o contágio<br />
das <strong>em</strong>oções fortes, o fogo da excitação ardendo nas sensibilidades.<br />
Mas depois de fazer o desconto destas coisas ainda existe um resíduo<br />
de fatos estranhos que eles não explicam. Tudo que se pode dizer é<br />
que o corpo e a alma são maravilhosamente entrelaçados; os <strong>seu</strong>s<br />
limites entre si não pod<strong>em</strong> ser determinados com exatidão; ag<strong>em</strong> e<br />
reag<strong>em</strong> e um sobre o outro. Uma doença grave afeta os próprios<br />
sentimentos intelectuais. O vinho de uma forte <strong>em</strong>oção derramado sob<br />
as sensibilidades, eletrifica todos os órgãos físicos. As <strong>em</strong>oções<br />
espirituais, despertando à uma profundidade maior do que quaisquer<br />
outras que pertenc<strong>em</strong> à alma humana, b<strong>em</strong> pod<strong>em</strong>, uma vez<br />
despertadas, afetar com poder estranho o próprio corpo. Disso ninguém<br />
duvida senão aquele que nunca experimentou a majestosa grandeza de<br />
uma profunda <strong>em</strong>oção espiritual.<br />
É fácil entender como esses estranhos fenômenos proveriam os<br />
inimigos do movimento metodista com novos argumentos <strong>em</strong><br />
oposições. Constituíram um escândalo clamoroso, geral e de bom som.<br />
Mas pelo menos serviam de anúncios (propaganda) para o avivamento.<br />
Encheram todas as inteligências de admiração e deram assunto para<br />
todas as línguas. Um poder estranho parecia ter-se rompido desde o<br />
mundo invisível sobre a humanidade. Era fácil ter suspeita do novo<br />
movimento, podia-se odiá-lo com ve<strong>em</strong>ência, argüi-lo intensamente,<br />
mas ignorá-lo, nunca.
CAPÍTULO XVIII<br />
O grande itinerante<br />
João <strong>Wesley</strong> logo tomou o <strong>seu</strong> lugar natural de guia e<br />
representante do novo movimento, seja do metodismo, seja do<br />
avivamento. Não era meramente o teólogo e estadista, mas o douto e<br />
principal pol<strong>em</strong>ista; era ele o principal e o mais diligente, senão o maior<br />
pregador desse movimento. A sua carreira como evangelista, agora <strong>em</strong><br />
pleno progresso, merece algum estudo, pois não há outra na história<br />
moderna que o iguale <strong>em</strong> largueza, ou constância ou na permanência<br />
de <strong>seu</strong>s resultados.<br />
<strong>Wesley</strong> pregou o <strong>seu</strong> primeiro sermão ao ar livre aos 2 de abril de<br />
1739, e o <strong>seu</strong> último <strong>em</strong> Winchelsea aos 7 de outubro de 1790. Entre<br />
estas duas datas há um período de cinqüenta e um anos, todos cheios<br />
de uma corrente de trabalho quase s<strong>em</strong> paralelo na experiência<br />
humana. Ao começo deste período os <strong>seu</strong>s dois camaradas, Whitefield<br />
e <strong>seu</strong> irmão Carlos, eram, <strong>em</strong> dons e zelo, <strong>seu</strong>s iguais. Carlos <strong>Wesley</strong><br />
casou-se <strong>em</strong> 1749 e o <strong>seu</strong> trabalho como itinerante logo se encolheu a<br />
limites mui estreitos. Whitefield faleceu na América <strong>em</strong> 30 de set<strong>em</strong>bro<br />
de 1756. <strong>Wesley</strong> assim, naquilo que se pode chamar o pleno<br />
desenvolvimento do trabalho ativo, excedia a <strong>seu</strong> irmão por mais de<br />
quarenta anos, e a Whitefield por mais de trinta. Pode-se dizer também<br />
que o <strong>seu</strong> trabalho era de um tipo mais concentrado do que o de <strong>seu</strong>s<br />
dois camaradas.<br />
Na simples escala de <strong>seu</strong>s trabalhos <strong>Wesley</strong> sobrepujava muito a<br />
Whitefield. Calcula-se que Whitefield pregou dezoito mil sermões, mais<br />
de dez por s<strong>em</strong>ana durante trinta e quatro anos de vida evangelística.<br />
<strong>Wesley</strong> pregou quarenta e dois mil e quatrocentos sermões, depois de<br />
sua volta da Geórgia, um termo médio de mais de quinze sermões por<br />
s<strong>em</strong>ana; e calcula-se que viajou <strong>em</strong> <strong>seu</strong> trabalho itinerante uns<br />
quatrocentos mil quilômetros. Em suma, <strong>Wesley</strong> era hom<strong>em</strong> que,<br />
<strong>em</strong>bora tendo a inteligência de um estadista, a cultura de um douto, a<br />
mensag<strong>em</strong> de um apóstolo, possuía também o zelo ardente e<br />
incansável de um frade pregador da Idade Media.<br />
O <strong>seu</strong> trabalho durante estes cinqüenta e um anos era de um tipo<br />
invariável. Era a proclamação da mensag<strong>em</strong> simples e imutável do<br />
Evangelho de Cristo para a multidão onde quer que ele pudesse reuni-la<br />
– no outeiro, à beira do rio, na praça da vila, ou sob o teto de uma<br />
igreja. <strong>Wesley</strong> não se cansava, n<strong>em</strong> desanimava, nunca duvidava n<strong>em</strong><br />
se desviava. Os <strong>seu</strong>s camaradas ficavam atrás, os amigos o<br />
abandonavam; um mundo de controvérsias calorosas fervilhava ao<br />
redor do <strong>seu</strong> nome e caráter. Nada disso afetou a <strong>Wesley</strong>. A brilhante<br />
chama do <strong>seu</strong> zelo ardia por muito t<strong>em</strong>po, e ardia s<strong>em</strong> diminuição, e<br />
ainda ardia quando o próprio fogo da vida se desfazia <strong>em</strong> cinzas.<br />
Qu<strong>em</strong> traçar no mapa da Inglaterra os itinerários de João <strong>Wesley</strong>,<br />
aperceber-se-á de certas feições constante nas linhas seguidas nesses<br />
itinerários. Não cobriram toda a Inglaterra. Seguiam certas curvas<br />
geográficas b<strong>em</strong> definidas. Nas suas campanhas evangelísticas,<br />
<strong>Wesley</strong> – servindo-nos da terminologia do soldado – tinha três bases:<br />
Londres, Bristol e Newclastle-on-Tine. Formavam um triângulo isóscele,<br />
e os itinerários de <strong>Wesley</strong> – descontando certa porcentag<strong>em</strong> de<br />
oscilações – giravam entre estes três pontos. Ele devia ter conhecido o<br />
caminho desde Londres para a oeste até Bristol, e desde Londres para<br />
o norte até Newcastle -on-Tine como o carteiro urbano conhece a<br />
sua zona de trabalho. Por que seria que <strong>Wesley</strong> seguia tão<br />
obstinadamente estas linhas especiais? Por que deixou tão largos<br />
espaços da Inglaterra pratica mente s<strong>em</strong> visitação?<br />
Um pouco de reflexão nos dará a resposta. A principal feição<br />
da história inglesa desde os meados o <strong>século</strong> XVIII é a orig<strong>em</strong> das<br />
grandes cidades fabris. Nos últimos cinqüenta anos do <strong>século</strong> XVIII<br />
a população da Inglaterra aumentou cinqü enta por cento. Isto<br />
resultou do grande avivamento industrial que mudou a vida da<br />
Inglaterra e lhe deu a preponderância no com ércio da Europa. Os<br />
itinerários de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> sua pregação seguiram mais ou menos as<br />
linhas do desenvolvimento industrial do país. Ele deixou quase s<strong>em</strong><br />
visitação os largos campos dos distritos rurais, com as suas<br />
esparsas e vagarosas populações. Mas onde as correntezas da vida<br />
se achavam mais fundas , onde as pequenas vilas estavam se<br />
desenvolvendo <strong>em</strong> cidades movimentadas, onde as alta s chaminés<br />
enchiam a atmosfera com a sua fumaça negra, aí <strong>Wesley</strong> pregava e<br />
trabalhava. A sua missão começou com os mineiros de Kingswood .<br />
E foi dedicada, durante quase toda a sua carreira, às multidões das<br />
cidades manufatureiras. <strong>Wesley</strong> assim – talvez com sabedoria<br />
inconsciente – estava batizando com forças divinas a vida do <strong>seu</strong><br />
t<strong>em</strong>po que novamente fermentava .<br />
Pode-se acrescentar também que os <strong>seu</strong>s itinerários eram
planejados minuciosamente de ant<strong>em</strong>ão – os lugares que havia de<br />
visitar, as horas de chegada , os serviços que seriam realizados. Não<br />
havia nenhum desperdício de minutos, nenhuma oportunidade<br />
desprezada, nenhum intervalo de descanso. E <strong>Wesley</strong> cumpriu os<br />
<strong>seu</strong>s itinerários com resolução férrea. Não havia t<strong>em</strong>poral, n<strong>em</strong><br />
distância, n<strong>em</strong> cansaço, que conseguiss<strong>em</strong> interceptar o <strong>seu</strong> curso,<br />
quase planetário. Era <strong>seu</strong> costume pregar de manhã às cinco horas, ou<br />
ainda mais cedo. Ele então montava <strong>seu</strong> cavalo, ou tomava <strong>seu</strong> carro e<br />
tocava para outro lugar que havia marcado, onde outra grande multidão<br />
o esperava. Assim durante todas as horas do dia, e todos os dias da<br />
s<strong>em</strong>ana e todas as s<strong>em</strong>anas do ano, durante um longo meio <strong>século</strong>. Ele<br />
vivia como o soldado <strong>em</strong> campanha – lev<strong>em</strong>ente equipado, e pronto<br />
para marchar a qualquer momento. Mas para ele era campanha de<br />
meio <strong>século</strong>!<br />
Entretanto era hom<strong>em</strong> de grande nitidez e ord<strong>em</strong>, com o gosto de<br />
um douto <strong>em</strong> ter tudo perfeito ao <strong>seu</strong> redor. Em <strong>seu</strong> quarto e gabinete,<br />
durante oito meses de residência <strong>em</strong> Londres no inverno, não havia um<br />
livro fora de <strong>seu</strong> lugar, nenhum pedaço de papel despercebido. Ele<br />
sabia apreciar as comodidades da vida. Entretanto havia-se nas coisas<br />
mais insignificantes como se não esperasse continuar no lugar por uma<br />
hora. Parecia estar <strong>em</strong> casa <strong>em</strong> todo lugar – acomodado, satisfeito e<br />
feliz; e ao mesmo t<strong>em</strong>po pronto, a qualquer hora, a <strong>em</strong>preender uma<br />
viag<strong>em</strong> de duzentos e cinqüenta léguas.<br />
É difícil estimar os gastos físicos feitos <strong>em</strong> tal carreira. O viajar<br />
incessante sob os céus úmidos e inconstantes da Inglaterra, e pelos<br />
caminhos ruins daquele t<strong>em</strong>po, era trabalho estupendo. João <strong>Wesley</strong><br />
viajou <strong>em</strong> regra (<strong>em</strong> média) uns sete mil e duzentos quilômetros por<br />
ano, na maior parte a cavalo, e fez isto até ter setenta anos de idade.<br />
Enquanto viajava assim geralmente pregava dois, três, e às vezes,<br />
quatro sermões por dia. Ele vivia entre as multidões. A sua vida durante<br />
muitas horas do dia estava cheia de ruído, movimento e agitação.<br />
Entretanto no meio de todo este viajar e pregar ele levava consigo os<br />
hábitos estudiosos e meditativos do filosofo!<br />
O <strong>seu</strong> vulto leve e compacto possuía a força e a resistência da<br />
borracha. Nada lhe cansava – poucas coisas lhe incomodavam. Era tão<br />
insensível às vicissitudes do t<strong>em</strong>po como um piloto do mar do norte.<br />
Não havia uma fibra mole, n<strong>em</strong> nervo doentio, n<strong>em</strong> músculo frouxo,<br />
n<strong>em</strong> onça (medida anglo-saxônica para capacidade que corresponde a<br />
28,350 gramas) de carne supérflua <strong>em</strong> <strong>seu</strong> corpo pequeno e<br />
maravilhoso. Todo o momento, <strong>em</strong> que se achava acordado, tinha o <strong>seu</strong><br />
trabalho e ninguém dava menos horas ao sono do que João <strong>Wesley</strong>.<br />
Ele narra que num dia andou mais de 145 quilômetros entre<br />
Bowtry e Epworth; e no fim estava um pouco mais cansado do que<br />
quando se levantara de manhã. Na Escócia ele chegou a Cupar, depois<br />
de ter viajado quase cento e quarenta e quatro quilômetros, e não<br />
estava <strong>em</strong> nada cansado. “Muitas viagens difíceis”, diz <strong>Wesley</strong>, “tenho<br />
feito antes, mas uma como esta nunca fiz, debaixo de vento e chuva,<br />
gelo e neve, terrível saraiva e frio penetrante”. Sob condições tão duras<br />
ele havia andado a cavalo por quatrocentos e cinqüenta quilômetros <strong>em</strong><br />
seis dias.<br />
T<strong>em</strong> algo de quase divertido a brevidade e a frieza mais do que<br />
filosófica com que João <strong>Wesley</strong> registra as suas experiências como<br />
viajante nos t<strong>em</strong>porais e pelas estradas ruins daquele t<strong>em</strong>po. Ele nos<br />
proporciona pequenas vistas das paisagens e do t<strong>em</strong>po – paisagens<br />
cobertas de neve, pinturas de céus gotejantes, de ventos frios e<br />
cortantes face dos quais ele corajosamente prosseguia no <strong>seu</strong> itinerário.<br />
Ele talvez se sentisse por d<strong>em</strong>ais ocupado para falar muito acerca do<br />
t<strong>em</strong>po, ou para contar os <strong>seu</strong>s sentimentos a respeito. Narra com<br />
simplicidade o simples fato. Eis aqui uma pequena narração acerca do<br />
t<strong>em</strong>po:<br />
“Os outeiros estão cobertos de neve, como no meio do<br />
inverno. Cerca das duas horas chegamos a Trewint, bastantes<br />
molhados e cansados, havendo viajado abaixo de chuva e saraiva<br />
por algumas horas. À noite eu preguei para muito mais gente do<br />
que podia entrar <strong>em</strong> casa, sobre a felicidade daqueles cujos<br />
pecados lhe são perdoados”.<br />
Uma outra pintura companheira que b<strong>em</strong> pode fazer<br />
estr<strong>em</strong>ecer ao leitor moderno de fibra mole e comodista v<strong>em</strong> um<br />
pouco mais tarde:<br />
“Havia tanta neve ao redor de Boroughbridge que só<br />
podíamos prosseguir vagarosamente, e a noite nos sobreveio<br />
quando ainda nos achávamos dez ou onze quilômetro s do<br />
lugar onde tencionávamos pernoitar. Mas continuamos como<br />
por acaso, através dos charcos, e cerca das oito horas<br />
chegamos <strong>em</strong> segurança a Sandhutton. Achamos a estrada<br />
muito pior do que no dia anterior, não somente por estar mais<br />
espessa a neve que tornava os caminhos intransitáve is <strong>em</strong><br />
certos lugares – somente anos depois eram conhecidos os
caminhos feitos a pedra britada nestas partes da Inglaterra –<br />
mas também porque as fortes geadas depois dos degelos<br />
haviam feito o chão, como o vidro. Nos vimos na necessidade<br />
de andar a pé, pois nos era impossível andarmos a cavalo, e<br />
os nossos cavalos diversas vezes caíram, enquanto os<br />
guiávamos a cabresto, mas nenhuma vez quando nos<br />
achávamos montados, durante toda a viaj<strong>em</strong>. Passava já de<br />
oito horas quando chegamos a Gateshead Fell, que parec ia<br />
um vasto deserto branco. A neve havia caído e coberto todas<br />
as estradas, e estávamos <strong>em</strong> dúvida como havíamos de<br />
prosseguir, até que um hom<strong>em</strong> honesto de New Castle nos<br />
alcançou e nos guiou para a cidade.”<br />
“Muitas viagens difíceis tenho feito antes, mas uma como<br />
esta nunca fiz, debaixo de vento e chuva, gelo e neve, terrível<br />
saraiva e frio penetrante. Mas já se passou; aqueles dias não<br />
voltarão jamais e, portanto, são como se nunca tivess<strong>em</strong><br />
existido.”<br />
Deve-se notar que <strong>Wesley</strong> n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre teve o encorajame nto<br />
de multidões de admiradores para inspirá -lo. Alguns de <strong>seu</strong>s<br />
serviços ao ar livre começavam sob circunstâncias tais que b<strong>em</strong><br />
poderiam ser atribuídos à corag<strong>em</strong> de um apóstolo – se não fosse<br />
por coisa mais do que a condição de indiferença humana. <strong>Wesley</strong><br />
descreve assim um culto ao ar livre na Escócia:<br />
“Às onze horas eu saí para a rua principal e comecei a<br />
falar a uma congregação de dois homens e duas mulheres. A<br />
estes logo veio se unir cerca de vinte crianças. Às seis horas<br />
Guilherme Coward e eu fomos ao mercado. Permanec<strong>em</strong>os ali<br />
por algum t<strong>em</strong>po, e não aparecendo n<strong>em</strong> hom<strong>em</strong>, mulher ou<br />
criança, comecei a cantar um salmo escocês, e quinze ou vinte<br />
pessoas vieram ao som da minha voz, mas com grande<br />
circunspeção, conservando-se de longe, como se não<br />
soubess<strong>em</strong> que poderia acontecer.”<br />
Pod<strong>em</strong>os acrescentar que isto se deu na sua terceira visita à<br />
Escócia, quando já era hom<strong>em</strong> de fama.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo da maneira com que João <strong>Wesley</strong> atacava uma<br />
grande cidade, se acha na sua narração do primeiro serviço <strong>em</strong> New<br />
Castle:<br />
“As sete horas eu desci a pé até Sandgate, a parte mais<br />
pobre e desprezível da cidade, e postando -me na extr<strong>em</strong>idade<br />
da rua com João Taylor, comecei a cantar o Salmo 100. Três<br />
ou quatro pessoas vieram para ver o que havia e logo<br />
aumentavam até chegar a quatrocentas ou quinhentas. Julgo<br />
que havia mil e duzentas ou mil e quinhentas quando conclui a<br />
pregação; as quais eu apliquei as seguintes palavras solenes:<br />
“Ele foi ferido pelas nossas transgressões”. Notando que o<br />
povo, quando eu havia concluído, ficava pasmado e me olhava<br />
com admiração, eu lhes disse: “Se desejais saber qu<strong>em</strong> sou,<br />
meu nome é João <strong>Wesley</strong>. Às cinco da tarde Deus me<br />
ajudando, eu proponho-me a pregar aqui outra vez”.<br />
“Às cinco horas, o outeiro <strong>em</strong> que eu tencionava pregar<br />
estava apinhado de gente desde o pé até o cume. Nunca vi<br />
tanta gente congregada, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> Moorfields n<strong>em</strong> na praça de<br />
Kennigton. Eu sabia que não seria possível que a metade<br />
ouvisse, <strong>em</strong>bora a minha voz fosse forte e boa e eu me postei<br />
de maneira a ter todos à vista, havendo-se enfileirado no lado<br />
do morro. A Palavra de Deus que apresentei era: “Curarei a<br />
sua apostasia; ama-los-ei voluntariamente”. Depois de ter<br />
pregado o povo estava a me esmagar de puro amor e<br />
bondade. Levei algum t<strong>em</strong>po para poder sair do lugar. E então<br />
voltei por caminho diferente do que eu tinha vindo; mas<br />
diversas pessoas nos haviam precedido ao hotel e me<br />
importunavam ve<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>ente para ficar com elas, pelo<br />
menos uns poucos dias ; e quando não, ao menos um dia<br />
mais. Mas eu não consenti, pois tinha <strong>em</strong>penhado a minha<br />
palavra de estar <strong>em</strong> Bristol, com a ajuda de Deus, na noite de<br />
terça-feira.”<br />
Entretanto <strong>Wesley</strong> não teve de enfrentar unicamente os céus<br />
t<strong>em</strong>pestuosos e viagens intermináveis e enfadonhas. Teve de agüentar<br />
uma notável quantidade de oposição e vitupério públicos, que, às vezes,<br />
se transformavam <strong>em</strong> fortes e cruéis perseguições. A Inglaterra na<br />
última metade do <strong>século</strong> XVIII era brutal e ignorante. O <strong>seu</strong><br />
t<strong>em</strong>peramento era cruel; e os próprios esportes se assinalavam com<br />
quase incrível selvageria. E as multidões daquele t<strong>em</strong>po achavam tanto<br />
prazer <strong>em</strong> perseguir a um infeliz pregador metodista como <strong>em</strong><br />
test<strong>em</strong>unhar um pugilato ou <strong>em</strong> atormentar um urso. <strong>Wesley</strong> conta a<br />
história destas perseguições com o <strong>seu</strong> modo sucinto e pacífico, s<strong>em</strong><br />
comentário ou queixa; mas através de suas palavras calmas<br />
transparece a história da brutalidade humana – e de corag<strong>em</strong> humana –<br />
não fácil de igualar.<br />
Em Wednesbury, por ex<strong>em</strong>plo, houve um período de perseguição<br />
que se estendeu desde junho de 1743 até fevereiro de 1744. Nestes
oito meses a cidade estava praticamente – quanto aos metodistas – sob<br />
o governo de arruaças. Os magistrados e o clero conspiraram com o<br />
povo contra os seguidores de <strong>Wesley</strong>. Estes sofreram quase tantas<br />
injustiças como os judeus <strong>em</strong> Kischineff, sob o governo Russo. Eram<br />
saqueados, açoitados e corridos pelas cidades e maltratados ao bel<br />
prazer dos arruaceiros. <strong>Wesley</strong> faz um esboço da história:<br />
“Desde o dia 20 de Junho p.p., o povo de Walsal,<br />
Darlaston, e Wednesbury, assalariado para este fim por <strong>seu</strong>s<br />
superiores. t<strong>em</strong> saqueado as casas de <strong>seu</strong>s pobres vizinhos;<br />
arrancando dinheiro daqueles que o tinham; tirando-lhes ou<br />
destruindo-lhes os bens e comestíveis; açoitando-lhes e<br />
ferindo-lhes os corpos; ameaçando-lhes a vida; abusando de<br />
suas mulheres – algumas de uma maneira d<strong>em</strong>ais horrível<br />
para se publicar – e declarando abertamente que haviam de<br />
acabar com todos os metodistas no país, país cristão onde os<br />
súditos inocentes e leais de sua Majestade foram desta<br />
maneira tratados durante oito meses, e são agora por <strong>seu</strong>s<br />
atrozes perseguidores, taxados publicamente de arruaceiros<br />
e incendiários”.<br />
Uma arte predileta e mortífera de perseguições era prender os<br />
seguidores e pregadores de <strong>Wesley</strong> e obrigá-los a ingressar<strong>em</strong> no<br />
exército ou na marinha. A história de Thomas Beard merece ser<br />
contada como narrada no Diário de <strong>Wesley</strong>:<br />
“Thomas Beard era um hom<strong>em</strong> sossegado e pacífico que<br />
há pouco t<strong>em</strong>po foi arrancado de <strong>seu</strong> ofício, mulher e filhos, e<br />
enviado a servir como soldado, isto é banido de tudo que era para<br />
ele prezado e querido e obrigado a viver entre leões, por nenhum<br />
outro crime praticado ou pretenso, do que o de chamar os<br />
pecadores ao arrependimento. Mas a sua alma <strong>em</strong> nada se<br />
at<strong>em</strong>orizou com os <strong>seu</strong>s adversários. Entretanto depois de um<br />
certo t<strong>em</strong>po o corpo sucumbiu sob o grande fardo. Ele então foi<br />
enviado para o hospital <strong>em</strong> New Castle, onde ainda<br />
continuamente louvava a Deus. Aumentando a sua febre, foi<br />
sangrado. O <strong>seu</strong> braço arruinou-se e gangrenou e foi amputado;<br />
dois ou três dias depois Deus lhe deu baixa e chamou-o para o<br />
<strong>seu</strong> lar eterno”.<br />
Das experiências pessoais de <strong>Wesley</strong> alguns ex<strong>em</strong>plos<br />
merec<strong>em</strong> menção:<br />
“Apressei-me <strong>em</strong> ir a Gaston Green, perto de Birmingham,<br />
onde havia ponto de pregação às seis horas. Mas era perigoso<br />
para os que ficaram para ouvir, pois pedras e torrões estavam<br />
voando por todos os lados, quase s<strong>em</strong> intermissão (interrupção),<br />
por mais ou menos uma hora. Entretanto b<strong>em</strong> poucas pessoas<br />
foram <strong>em</strong>bora. Depois eu assisti na sociedade e exortei-os, <strong>em</strong><br />
face de homens e de d<strong>em</strong>ônio, a continuar<strong>em</strong> na graça de Deus”.<br />
Uma experiência ainda mais excitante lhe esperava um pouco<br />
t<strong>em</strong>po depois:<br />
“Segui para Falmonth. Quase ao sentar-me, a casa achavase<br />
rodeada de todos os lados por uma multidão inumerável de<br />
gente. Talvez não houvesse mais ruidosa confusão <strong>em</strong> tomar uma<br />
cidade por assalto. O vulgacho (multidão, povo) clamava <strong>em</strong> alta<br />
voz: “Fora com o Canorum (palavra que os habitantes de<br />
Cornwald geralmente <strong>em</strong>pregavam para metodista). Onde está o<br />
Canorum? Não havendo resposta, eles logo forçaram a porta<br />
exterior e encheram o corredor. Somente existia entre nós e os<br />
desordeiros uma parede de tábuas que não duraria por muito<br />
t<strong>em</strong>po. Eu agora tirei da parede um grande espelho receando que<br />
tudo viesse a cair junto. Quando começou o <strong>seu</strong> trabalho, com<br />
tantas imprecações (pragas, xingamentos), a pobre Catharina<br />
estava de tudo surpreendida e clamou:” Ó Senhor que far<strong>em</strong>os?“<br />
Eu disse: “Or<strong>em</strong>os”. E realmente naquele instante parecia que as<br />
nossas vidas não valiam uma hora (muito pouco). Ela perguntou:<br />
“Mas, senhor, não achais melhor esconder-vos, entrar num<br />
aposento?” Eu respondi. “Não, é melhor que eu fique onde estou”.<br />
Entre os que estavam de fora havia os tripulantes de uns<br />
corsários que acabavam de chegar no porto. Alguns destes<br />
ficaram muito incomodados com a morosidade dos outros,<br />
tomaram-lhes o lugar, e todos juntos, pondo os ombros à porta<br />
interior, clamaram: “Eia rapaziada, eia!“ Cederam de vez as<br />
dobradiças e a porta caiu para dentro da sala. Eu adiantei-me até<br />
chegar ao meio deles e disse: “Aqui estou. Qu<strong>em</strong> dentre vós t<strong>em</strong><br />
algo a me dizer? A qual de vós tenho feito mal? A vós, ou a vós,<br />
ou a vós? Continuei a falar até chegar mesmo, s<strong>em</strong> chapéu como<br />
eu me achava – pois propositalmente eu deixara o chapéu para<br />
que eles me viss<strong>em</strong> plenamente a cara – ao meio da rua, e então<br />
erguendo a voz lhes disse: “Vizinhos, patrícios, desejais ouvir-me<br />
falar?” Eles clamaram ve<strong>em</strong>ent<strong>em</strong>ente, “Sim, sim. Fale, ele há de<br />
falar. Ninguém lhe impeça”.<br />
“Nunca vi antes – n<strong>em</strong> mesmo <strong>em</strong> Walsal – a mão de Deus
tão claramente manifesta como aqui. Ali eu tinha muitos<br />
companheiros que estavam prontos a morrer<strong>em</strong> comigo, aqui<br />
nenhum amigo senão uma menina que também foi me tirada num<br />
instante, logo que ela saiu da porta da casa da Sra. B. recebi<br />
alguns golpes, perdi uma parte da roupa, e fui coberto de terra.<br />
Aqui <strong>em</strong>bora as mãos de centenas de pessoas se achavam<br />
levantadas para dar<strong>em</strong> <strong>em</strong> mim ou para me apedrejar<strong>em</strong>,<br />
entretanto eram todas sustadas no ato, de modo que ninguém me<br />
tocasse, n<strong>em</strong> com um dedo sequer, n<strong>em</strong> lançass<strong>em</strong> coisa alguma<br />
na minha direção desde o começo até o fim, de modo que<br />
nenhuma mancha me ficou na roupa. Qu<strong>em</strong> pode negar que Deus<br />
não ouve a oração, ou que ele não tenha todo o poder no céu e<br />
na terra?“<br />
Sob tais condições <strong>Wesley</strong> ainda prosseguiu, com irresistível<br />
ligeireza, <strong>em</strong> <strong>seu</strong> grande trabalho. A área de <strong>seu</strong>s trabalhos alargavase.<br />
Ele foi para o norte até a Escócia, fazendo nada menos de vinte e<br />
uma viagens pelas cidades e vilas escocesas. Ele atravessou o canal<br />
de S. George quarenta e duas vezes e fez a impressão de sua grande<br />
personalidade e zelo ardente sobre a Irlanda. Ele atraiu para si<br />
camaradas e achou ajudantes e pregadores entre os <strong>seu</strong>s convertidos,<br />
tornando-se não um combatente singular mas o general de um exército.<br />
E o trabalho de pregação – constante <strong>em</strong> zelo, vasto <strong>em</strong> escala e<br />
intenso <strong>em</strong> ardor, como era – formava somente uma parte do labor de<br />
<strong>Wesley</strong>. Lado a lado com estes itinerários de pregação existe uma<br />
corrente continuada de outras formas de atividades. Levantavam-se<br />
grandes polêmicas, como ver<strong>em</strong>os mais adiante, e seguiram o <strong>seu</strong><br />
curso, e morreram; perseguições foram sofridas e esquecidas; e igrejas<br />
construídas. Mil escândalos romperam-se ao redor de <strong>Wesley</strong>. Os <strong>seu</strong>s<br />
amigos lhe abandonaram, e <strong>seu</strong>s camaradas muitas vezes lhe<br />
provaram infidelidade. Foi apedrejado pelas multidões, mofado pelos<br />
doutos, desprezado pelo clero e não raras vezes, os mesmos homens<br />
que ele tirara do pecado e da morte viraram-se contra ele. O <strong>seu</strong> irmão<br />
Carlos casou com uma mulher rica e rodeou-se com os confortos de um<br />
lar fixo. Whitefield ficou absorto <strong>em</strong> <strong>seu</strong> orfanato na América.<br />
A única alma firme e inabalável que nunca duvidava, n<strong>em</strong><br />
titubeava, n<strong>em</strong> se desanimava, foi João <strong>Wesley</strong>! Ele era o apóstolo<br />
itinerante, quase até a hora da sua morte. E ele imprimiu as<br />
características de sua própria vida, para todo o t<strong>em</strong>po, sobre a Igreja<br />
que fundou. É a Igreja do ministério itinerante.<br />
Mais tarde, o trabalho de <strong>Wesley</strong> toma uma nova forma – uma<br />
forma mais trabalhosa do que as suas viagens intermináveis – e<br />
infinitamente mais perturbadora. Doutrinas falsas apareceram entre os<br />
<strong>seu</strong>s seguidores; estranhas formas de imoralidade manifestaram-se; e a<br />
vida espiritual enfraqueceu. Durante os últimos anos de <strong>seu</strong> apostolado<br />
<strong>Wesley</strong> estava incessant<strong>em</strong>ente "purificando” as suas sociedades,<br />
expulsando os m<strong>em</strong>bros indignos e estabelecendo a disciplina salutar.<br />
Em suma ele estava edificando uma Igreja s<strong>em</strong> o saber e s<strong>em</strong><br />
tencioná-lo. E através de todo o pó e tumulto de suas viagens de<br />
pregação, os vigilantes vê<strong>em</strong> as linhas de uma grande Igreja, que se<br />
erguia, como ver<strong>em</strong>os mais tarde. É uma Igreja que não foi formada<br />
no sossego do gabinete do filósofo, mas nos fogos do conflito e da<br />
polêmica. Cada nova fase do grande edifício é construída segundo<br />
as exigências, e para preencher alguma precisão urgente e visível.<br />
Ela é experimentada pela dura e rígida lógica dos fatos. E quando se<br />
conta a história do trabalho de <strong>Wesley</strong> como pregador itinerante,<br />
grandes domínios de sua vida ainda não são tocados n<strong>em</strong> descritos.<br />
Era estudante, diretor e general de uma grande campanha, b<strong>em</strong><br />
como pregador; e se não fosse nada disso, si mplesmente a sua<br />
correspondência e produções literárias seriam suficientes para<br />
encher<strong>em</strong> a vida de um hom<strong>em</strong> qualquer. Mas quando todas essas<br />
formas de atividades variadas – como pregador estudante, viajante<br />
dirigente, pol<strong>em</strong>ista e escritor – são encerrad as nos estreitos limites<br />
de uma só vida humana, a soma total de energia que representam,<br />
não é menos do que surpreendente.<br />
Como fez? Ele lia, escrevia, pregava; era de fato o bispo de<br />
um grande rebanho espiritual. Estava s<strong>em</strong>pre no púlpito ou a cavalo .<br />
Nunca se achava apressado! Qual era o <strong>seu</strong> segredo?<br />
A verdade é que os <strong>seu</strong>s trabalhos como pregador acham -se<br />
intercalados com freqüentes espaços de folga. Este hom<strong>em</strong> que<br />
parecia viver entre as multidões, ainda tinha na vida largos espaços<br />
de solidão. Ele prega va a congregações às cinco horas da manhã,<br />
então montava a cavalo ou <strong>em</strong>barcava na sua carruag<strong>em</strong> e dirigia -<br />
se para o lugar da próxima reunião. Entre as duas multidões ele<br />
tinha horas de solidão – para pensar, ler e planejar. Pode -se<br />
acrescentar que ele era mestre na arte perigosa de ler a cavalo. O<br />
<strong>seu</strong> trabalho era realmente um tônico físico . Pregar às cinco horas da<br />
manhã, talvez, pareça forma heróica de diligência; mas realmente<br />
<strong>Wesley</strong> d<strong>em</strong>onstrou que era forma de exercício físico mui salutar!<br />
Pregar ao ar livre, com os ventos do céu soprando-lhe <strong>em</strong> redor, era –<br />
considerado pelo lado físico – uma forma de ginástica salutar.
Essas pregações ao ar livre acham a sua melhor exposição no<br />
Diário de <strong>Wesley</strong>. O Diário famoso subsiste principalmente <strong>em</strong> breves<br />
notas de sermões e textos, com pequenas e ligeiras referências às<br />
multidões que os escutavam – o tamanho, o comportamento, a maneira<br />
<strong>em</strong> que o discurso lhes impressionou, etc. Estas narrações são<br />
curiosamente condensadas e lacônicas. São escritas <strong>em</strong> taquigrafia<br />
mental b<strong>em</strong> como literal. <strong>Wesley</strong> vê a multidão por um momento,<br />
condensa a história do sermão e de <strong>seu</strong>s resultados numa só sentença;<br />
acrescenta um desejo piedoso por uma benção, e então segue<br />
pressurosa e abruptamente para outra multidão. E aquela nota<br />
notavelmente ligeira; e economicamente parcimoniosa <strong>em</strong> descrição, é<br />
característica do Diário inteiro. Então vêm, intercaladas entre essas<br />
notas de sermões, textos e multidões, narrações de conversões<br />
estranhas, de curiosas experiências espirituais, de encontros com<br />
personalidades excêntricas, e de conversas esquisitas com elas, com<br />
notas sobre livros, paisagens e acontecimentos.<br />
Não é fácil compreender, ao correr a vista por estas sentenças<br />
ligeiras e comprimidas, a intensidade do labor que representam. B<strong>em</strong><br />
poucos oradores de hoje sab<strong>em</strong> que é falar a uma multidão de cinco mil<br />
pessoas: o gasto de energia nervosa, a tensão sobre a garganta e o<br />
cérebro, sobre o corpo e a alma. Mas João <strong>Wesley</strong> fez isso, não<br />
somente a cada dia, mas freqüent<strong>em</strong>ente duas ou três vezes por dia. E<br />
o fez durante cinqüenta anos e a tensão não o matou!<br />
A campanha de Gladstone <strong>em</strong> Midlotham <strong>em</strong> 1879 é famosa na<br />
história: mas limitou-se a um pedacinho da Escócia; durou quinze dias e<br />
representou, talvez, vinte discursos. Mas <strong>Wesley</strong> dirigiu a sua<br />
campanha numa escala que reduz os feitos de Mr. Gladstone a uma<br />
insignificância. Ele a fez no grande palco dos três reinos, e a manteve<br />
s<strong>em</strong> quebra (interrupção) durante mais de cinqüenta anos!<br />
Mr. Gladstone, <strong>em</strong> Gravesend, <strong>em</strong> 1871, falou por duas horas a<br />
um auditório de vinte mil pessoas, e Mr. João Morley, o <strong>seu</strong> biógrafo<br />
admirado, afirma que o discurso, tanto física como intelectualmente, é o<br />
maior feito da carreira de Mr. Gladstone. Mas para <strong>Wesley</strong> o falar a<br />
auditórios tão vastos e sob circunstâncias igualmente difíceis era<br />
experiência comum que ele repetiu incessant<strong>em</strong>ente até a extr<strong>em</strong>a<br />
velhice. Gladstone tinha sessenta e dois anos quando fez o discurso de<br />
Gravesend. Quando <strong>Wesley</strong> tinha esta idade o <strong>seu</strong> Diário está repleto<br />
de notas como esta:<br />
“Domingo, 10 de agosto de 1766. Depois de ter-se feito<br />
oração na Igreja, preguei no c<strong>em</strong>itério a uma grande<br />
congregação: à uma hora da tarde a vinte mil e entre cinco e seis<br />
horas a outra congregação igual. Foi este o dia do maior trabalho<br />
que tenho tido desde que saí de Londres, sendo obrigado a falar<br />
<strong>em</strong> cada lugar desde o começo até o fim, até onde desse a minha<br />
voz. Mas as minhas forças têm sido segundo o meu dia”.<br />
.<br />
Sete anos mais tarde (23 de agosto de 1773) ele diz:<br />
“Preguei nos poços de Grennap a mais de trinta e duas mil<br />
pessoas, a maior ass<strong>em</strong>bléia a que jamais dirigi a palavra, talvez<br />
a primeira vez que um hom<strong>em</strong> de setenta anos fora ouvido por<br />
trinta mil pessoas numa só ocasião.”<br />
Portanto a voz de João <strong>Wesley</strong> devia ter sido de muito mais força<br />
do que a de Gladstone. Ele escreveu no <strong>seu</strong> Diário sob a data de 5 de<br />
Abril de 1752:<br />
“Cerca de uma hora eu preguei <strong>em</strong> Bristol. Notando que<br />
alguns estavam sentados no lado oposto do outeiro, depois pedi<br />
que alguém medisse a distância, e achamos cento e quarenta<br />
jardas do lugar onde eu me postei, entretanto o povo ouviu<br />
perfeitamente. Não julguei que havia voz humana que tivesse<br />
alcance tamanho”.<br />
Não é exagero dizer-se que João <strong>Wesley</strong> pregou mais sermões,<br />
viajou mais léguas, trabalhou mais horas, fez imprimir mais livros e<br />
influiu <strong>em</strong> mais vidas do que, qualquer outro inglês do <strong>seu</strong> <strong>século</strong> ou<br />
talvez de qualquer outro <strong>século</strong>. E o trabalho n<strong>em</strong> lhe cansou! Em 1773<br />
ele escreve:<br />
“Tenho setenta e três anos, e estou muito mais forte para<br />
pregar do que quando tive vinte e três”.<br />
Dez anos mais tarde este admirável hom<strong>em</strong> de 83 anos escreve:<br />
“Já entro nos meus oitenta e três anos. Sou uma maravilha<br />
para mim mesmo. Nunca me canso <strong>em</strong> pregar, <strong>em</strong> escrever, n<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> viajar”.<br />
Em <strong>seu</strong>s discursos às multidões deve-se l<strong>em</strong>brar que <strong>Wesley</strong><br />
tratava dos assuntos mais tr<strong>em</strong>endos; ele despertava as mais profundas<br />
<strong>em</strong>oções nos <strong>seu</strong>s ouvintes. E quando havia erguido uma vasta<br />
multidão de homens e mulheres a um fervor elevado e intenso de<br />
<strong>em</strong>oção religiosa, ele passava apressadamente para outra multidão e<br />
nela operava o mesmo milagre. Ele mesmo mantinha uma calma<br />
notável – uma calma que representava o equilíbrio das grandes<br />
<strong>em</strong>oções, não a sua ausência – <strong>em</strong> todos os <strong>seu</strong>s serviços. Mas as
<strong>em</strong>oções que as suas palavras acordavam nas multidões atenciosas<br />
eram freqüent<strong>em</strong>ente de notável intensidade. Ele de alguma maneira<br />
tornou-se canal de forças estranhas; tinha o poder de conter uma vasta<br />
multidão do povo e artistas ingleses num silêncio solene, fixo e t<strong>em</strong>ível.<br />
De repente uma onda de <strong>em</strong>oção sobrepujante corria sobre os ouvintes,<br />
os homens caíam como que fulminados por um raio sob a sua palavra.<br />
Muitas vezes ele nota que, enquanto pregava, via-se obrigado a parar<br />
para cantar ou orar, a fim de permitir que as <strong>em</strong>oções de <strong>seu</strong>s<br />
ouvintes achass<strong>em</strong> expressão. Ele dá muitos ex<strong>em</strong>plos do efeito<br />
imediato, visível e dramático de <strong>seu</strong>s sermões.<br />
Para congregar as multidões <strong>Wesley</strong> não se serviu de<br />
qualquer dos meios familiares de hoje. Não havia anúncios, n<strong>em</strong><br />
comissões locais, não havia jornais amigos, n<strong>em</strong> as atrações d e<br />
grandes coros. É ainda um probl<strong>em</strong>a saber -se de que modo as<br />
multidões foram induzidas a se congregar<strong>em</strong>, porque <strong>Wesley</strong> não<br />
oferece qualquer indicação de organização alguma para este fim.<br />
Parecia como se os ouvintes lhe esperass<strong>em</strong>, para surgir<strong>em</strong> à sua<br />
frente, como se por algum sibilar misterioso, vindo do espaço. Era<br />
hábito constante de <strong>Wesley</strong> pregar às cinco horas de cada manhã e<br />
freqüent<strong>em</strong>ente foi despertado muito antes desta hora pelas vozes,<br />
às vezes pelos hinos, da multidão que já se ajuntara. Como foi que<br />
ele conseguiu ajuntar no crepúsculo da aurora, e freqüent<strong>em</strong>ente<br />
enquanto as estrelas ainda eram visíveis no céu, tais multidões para<br />
ouvi-lo?<br />
Qu<strong>em</strong> lê o Diário e as cartas de <strong>Wesley</strong> durante este período<br />
há de notar uma mudança notável. Algo t<strong>em</strong> desapa recido<br />
repentinamente da vida de <strong>Wesley</strong>. A inquietação velha e<br />
impertinente – o cansaço, a amarga censura de si mesmo, o suspiro<br />
de anelos derrotados – todos já se foram! Estas coisas haviam<br />
constituído durante quatorze anos a sua religião. Agora tudo se<br />
mudou. Eis um hom<strong>em</strong> que já alcançara a certeza. A religião não é<br />
para ele uma simples aspiração, mas é uma possessão. É hom<strong>em</strong><br />
de um espírito mais humilde do que nunca; entretanto ligada a esta<br />
humildade de criança existe a confiança exultante de um grande<br />
hom<strong>em</strong> santo, a calma serena de uma alma que já passara além do<br />
conflito e alcançara a vitória. A sua serenidade de espírito que<br />
cuidado algum podia perturbar, n<strong>em</strong> ansiedade alguma escurecer,<br />
não era menos do que uma maravilha. Se aparent<strong>em</strong>ente falha por um<br />
momento, é só por um instante, para a admiração do próprio <strong>Wesley</strong>.<br />
Diz ele:<br />
“Eu me admirara muitas vezes de mim mesmo – e às<br />
vezes o mencionara a outros – que dez mil cuidados de várias<br />
espécies não me pesavam mais o espírito do que dez mil<br />
cabelos me pesavam a cabeça. Talvez eu começasse a<br />
atribuir algo disso às minhas próprias forças. E talvez<br />
resultasse que no domingo 13 o poder me fosse negado e eu<br />
me sentisse perplexo acerca de muitas coisas. Uma após outra<br />
me acossava constant<strong>em</strong>ente, e turbava o es pírito, mais e<br />
mais, até eu achar necessário correr pela vida, e isto s<strong>em</strong><br />
d<strong>em</strong>ora. De modo que no dia seguinte, segunda-feira 14, eu<br />
montei a cavalo, dirigi-me a Bristol. Logo que chegamos a casa<br />
<strong>em</strong> Bristol minha alma achou-se aliviada da sua indizível carga<br />
que me havia pesado o espírito, mais ou menos, por alguns<br />
dias”.<br />
“Um pouco mais trabalho”, para esta vida tão cheia de fadigas,<br />
era, no dizer de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> outra passag<strong>em</strong> do <strong>seu</strong> Diário, um tônico<br />
que matava o cuidado!<br />
Qual foi o poder que fundia uma vida, tão dividida entre tantos<br />
interesses, numa unidade; que dava a uma única vontade o poder<br />
resistente de aço e que fazia de um hom<strong>em</strong> falível uma força tr<strong>em</strong>enda,<br />
e o conservava num plano tão alto? A explicação acha-se no domínio<br />
espiritual. <strong>Wesley</strong> havia se apossado do segredo central do<br />
cristianismo. Ele vivia, pensava, pregava, escrevia, trabalhava sob o<br />
império unido de motivos augustos, as forças divinas da religião.
CAPÍTULO XIX<br />
Uma Nova Ord<strong>em</strong> de Auxiliares<br />
Ainda depois de sua conversão <strong>Wesley</strong> possuía todas ou quase<br />
todas as prevenções do ritualista; e entre as mais obstinadas destas<br />
estava a sua prevenção contra a pregação leiga. Tocar neste ponto,<br />
como ele mesmo dizia, era tocar na menina dos olhos. Somente o<br />
clérigo devidamente ordenado ligado por uma corrente multissecular de<br />
ordenações até os próprios Apóstolos tinha o direito de se por no púlpito<br />
para pregar a <strong>seu</strong>s s<strong>em</strong>elhantes. Que um simples leigo ordenado por<br />
ninguém, subisse àquela sagrada <strong>em</strong>inência, ou ousasse interpretar<br />
com lábios seculares as Escrituras a <strong>seu</strong>s s<strong>em</strong>elhantes, para <strong>Wesley</strong><br />
parecia nada menos do que um sacrilégio. Ele sentia ao cont<strong>em</strong>plar tal<br />
espetáculo, como sentiria o sacerdote judeu se visse alguém que não<br />
fosse da tribo de Levi a ministrar ao altar. Entretanto, tal é a sátira da<br />
história, <strong>Wesley</strong> era destinado a fundar, a Igreja que <strong>em</strong>prega mais<br />
pregadores leigos e lhes <strong>em</strong>prega com mais êxito e honra do que<br />
qualquer outra Igreja conhecida na história!<br />
Foi a irresistível compulsão dos fatos que s<strong>em</strong>pre para ele a mais<br />
alta forma de lógica, venceu-lhe a prevenção. O <strong>seu</strong> trabalho estendeu<br />
<strong>em</strong> escala que lhe sobrepujava as forças. O número de <strong>seu</strong>s conversos<br />
tão rapidamente se multiplicava que se tornou imprescindível que<br />
<strong>Wesley</strong> provesse pela supervisão deles. Tinha de ter auxiliares e<br />
associados. No princípio uns poucos clérigos de t<strong>em</strong>peramento<br />
espiritual lhe ajudavam; mas eram poucos. A opinião pública de sua<br />
classe também lhes estava oposta. Estavam ancorados <strong>em</strong> suas<br />
paróquias. Não podiam marcar passo com o impetuoso trabalho de<br />
<strong>Wesley</strong>, n<strong>em</strong> com a força poderosa que ele representava. De fato eles<br />
se tornavam receosos do movimento e das forças estranhas que<br />
pulsavam nele. Os que odiavam o movimento tiravam conforto da<br />
reflexão de que se achava suspenso pelo fio delgado de uma só vida<br />
humana. Quando, pelo cansaço, doença ou morte, ficass<strong>em</strong> silenciados<br />
os lábios desse hom<strong>em</strong>, ficaria igualmente silenciado todo o tumulto do<br />
avivamento. Com a morte de <strong>Wesley</strong>, criam eles, o <strong>seu</strong> trabalho<br />
desapareceria. Não tinha aliados, n<strong>em</strong> poderia ter sucessores. Mas<br />
<strong>Wesley</strong> escreveu mais tarde:<br />
“Quando eles imaginavam que efetivamente havia cerrado a<br />
porta e trancado a avenida única pela qual o auxílio poderia<br />
chegar a dois ou três pregadores, fracos de corpo b<strong>em</strong> como de<br />
alma, os quais, humanamente falando, eles razoavelmente<br />
esperavam, haviam de gastar-se <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po; quando<br />
haviam ganho a vitória, como imaginavam por ter<strong>em</strong> conseguido<br />
todos os instruídos da nação, Aquele que está sentado nos céus,<br />
ria-se, o Senhor zombava dele, e investia contra eles de um modo<br />
inesperado. Das pedras Deus levantou os que haviam de suscitar<br />
filhos a Abraão. Nós não tiv<strong>em</strong>os mais arraigadas previsões disso<br />
do que vós. Ainda mais; tínhamos as mais arraigadas prevenções<br />
contra isso, mas afinal tínhamos de admitir que Deus deu a<br />
sabedoria lá do alto a estes homens indoutos e ignorantes, de<br />
modo que a obra do Senhor prosperava nas suas mãos, e<br />
pecadores diariamente se convertiam a Deus” (Southey Vol. I,<br />
pág. 307).<br />
De ant<strong>em</strong>ão, era uma das certezas do avivamento que <strong>Wesley</strong><br />
atrairia a si um corpo de auxiliares dentre os <strong>seu</strong>s conversos; entretanto<br />
é quase divertido notar-se quão dificilmente, e com que passos<br />
relutantes, para não dizer resistentes, ele se moveu nessa direção. Mas<br />
foi levado por forças d<strong>em</strong>ais poderosas para ser<strong>em</strong> resistidas. As novas<br />
e alegres energias espirituais que se despertavam nas multidões<br />
inevitavelmente rompiam <strong>em</strong> palavras. Eram vãos os esforços para,<br />
conservá-las decorosamente inarticuladas.<br />
Depois que Whitefield pregara uma tarde no c<strong>em</strong>itério de Islington<br />
um leigo, por nome Bowers, no regozijo de sua nova vida espiritual,<br />
subiu à mesa quando Whitefield concluíra e começou a falar à multidão.<br />
Todas as sensibilidades eclesiásticas foram feridas pelo espetáculo.<br />
Carlos <strong>Wesley</strong>, que se achava presente, tentou <strong>em</strong> vão fazer com que<br />
Bowers se calasse e, por fim, como protesto, retirou-se indignado. O<br />
zelo deste leigo d<strong>em</strong>asiado ousado era inextinguível. Ele tentou, <strong>em</strong><br />
outra ocasião, pregar nas ruas de Oxford, foi preso pelos guardas, e<br />
repreendido asperamente por Carlos <strong>Wesley</strong> pela obstinação com que<br />
usara de sua língua.<br />
É admissível que o orador voluntário necessitasse de repressão;<br />
mas <strong>Wesley</strong> foi obrigado a escolher dentre os <strong>seu</strong>s camaradas os que<br />
os <strong>seu</strong>s olhos jeitosos – e ele possuía a perspicácia de um grande<br />
general <strong>em</strong> descobrir instrumentos idôneos – consideravam de<br />
prudência e confiança, b<strong>em</strong> como zelosos e aptos, para zelar<strong>em</strong> os<br />
conversos <strong>em</strong> um lugar enquanto ele seguia para outro lugar de<br />
pregação. Os auxiliares eram <strong>em</strong> todo o caso voluntários. Assim pelos<br />
fins de 1739 <strong>Wesley</strong> registra:
“Veio-me um moço chamado Thomas Maxfield, desejando<br />
ajudar-me como filho no Evangelho. Logo mais veio outro,<br />
Thomas Richards, e então ainda outro Thomas Westal. Todos os<br />
três desejavam servir-me como filhos, como auxiliares, quando e<br />
onde eu determinasse.”<br />
Os nomes desses homens merec<strong>em</strong> viver na história; pois<br />
constituíram a guarda avançada de um grande e nobre exército.<br />
Mas se <strong>Wesley</strong> aceitava tais auxílios o fazia com bastante<br />
relutância, com muitas dúvidas, e somente a título de grande<br />
necessidade. Não lhes proibiu, n<strong>em</strong> Ihes sancionou expressamente, e<br />
ao princípio, apenas “permitiu” a pregação leiga. Mas isto com dúvidas,<br />
e dúvidas que olhavam <strong>em</strong> duas direções; duvidava se devia fazer<br />
tanto, e duvidava se não devia fazer mais.<br />
“Não é nos manifesto, diz ele, que presbíteros, achando-se<br />
<strong>em</strong> nosso caso, devam nomear ou ordenar a outros, mas é claro<br />
que pod<strong>em</strong>os dirigir, b<strong>em</strong> como permiti-los a des<strong>em</strong>penhar aquilo<br />
para o qual cr<strong>em</strong>os que foram movidos pelo Espírito Santo a<br />
fazer. Julgamos que os que são unicamente chamados de Deus e<br />
não dos homens, tenham mais direito a pregar do que aqueles<br />
que são chamados unicamente pelos homens e não de Deus.<br />
Mas é inegável que muitos clérigos, <strong>em</strong>bora chamados pelos<br />
homens nunca foram chamados por Deus para pregar o<br />
Evangelho. Primeiro, porque eles mesmos de tudo negam, sim<br />
até ridicularizam a chamada interior; <strong>em</strong> segundo lugar não<br />
conhec<strong>em</strong> o que é o evangelho; e, por conseguinte não o pregam<br />
e n<strong>em</strong> o pod<strong>em</strong> pregar. Que ainda não fui longe d<strong>em</strong>ais, sei eu;<br />
mas se tenho ido bastante longe, eu duvido seriamente. Clérigos<br />
que destro<strong>em</strong> almas me colocam mais dificuldades do que leigos<br />
que as salvam”. (Southey, VoI. I pág. 307)<br />
A principio <strong>Wesley</strong> permitiu aos auxiliares a exortar<strong>em</strong>, mas<br />
rigorosamente proibiu-lhes de pregar<strong>em</strong>. Poderiam fazer uma exposição<br />
das escrituras, mas não se aventurar no trabalho solene de proferir um<br />
sermão. Entretanto isto obviamente era um arranjo que não poderia<br />
perdurar. Qu<strong>em</strong> havia de determinar, o ponto exato aonde a exortação<br />
chega à grandiosa dignidade de um sermão? E porque um discurso<br />
lícito, e até louvável, como exortação se tornaria repentinamente <strong>em</strong><br />
impiedade quando identificado como sermão?<br />
João <strong>Wesley</strong> se achava <strong>em</strong> Bristol quando lhe chegaram as novas<br />
de que MaxfieId, o <strong>seu</strong> primeiro auxiliar, que ele deixara <strong>em</strong> Londres,<br />
estava pregando. Todo o sacerdotalismo (clericalismo, ritualismo)<br />
existente <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong>, e havia muito sacerdotalismo atrás de <strong>seu</strong> nariz<br />
cumprido e abaixo de sua cabeleira, se incendiou. Apressadamente<br />
voltou a Londres, cogitando <strong>em</strong> irritante alarme sobre o suposto<br />
escândalo. Mas a sabia mãe lhe disse ao encontrá-lo:<br />
“Tende cuidado, João, o que ides fazer daquele jov<strong>em</strong>, pois<br />
é ele tão certamente chamado por Deus para pregar como vós.<br />
Examinai quais os frutos de sua pregação e então o ouvi por vós<br />
mesmo”.<br />
As palavras da mãe tocaram numa corda mui sensível na<br />
inteligência e consciência de <strong>Wesley</strong>. “Os frutos de sua pregação!“ São<br />
finais! O sermão que converte almas está assinalado com a aprovação<br />
de Deus. As prevenções de <strong>Wesley</strong> eram fortes, mas s<strong>em</strong>pre cediam<br />
diante dos fatos. Ele escutou, vigiou, meditou e decidiu. Disse afinal: “É<br />
do Senhor, faça Ele o que lhe aprouver”.<br />
<strong>Wesley</strong> logo achou outro ex<strong>em</strong>plo, ainda mais notável e decisivo<br />
do que o de Maxfield, onde a pregação de um leigo foi assinalada, <strong>em</strong><br />
caracteres visíveis a todos com a aprovação de Deus; João Nelson,<br />
cuja história espiritual é um dos romances do metodismo primitivo, por<br />
algum t<strong>em</strong>po exortara a <strong>seu</strong>s vizinhos <strong>em</strong> Bristol. Ele disse de si mesmo<br />
nesse t<strong>em</strong>po, ”Antes eu desejaria ser enforcado numa árvore do que<br />
pregar”. Mas as multidões que lhe rodeavam para ouvir as suas<br />
palavras, achando nelas a energia transformadora, lhe animavam, e<br />
Nelson, surpreendido por si mesmo, achou-se culpado de ter pregado<br />
um sermão. Ele escreveu a <strong>Wesley</strong> pedindo que lhe aconselhasse:<br />
“Como prosseguir no trabalho que Deus começara por um instrumento<br />
tão rude como eu me acho?”. Em seguida <strong>Wesley</strong> desceu a Bristol.<br />
Nelson diz: “Ele sentou-se à lareira, na mesma atitude que eu sonhara<br />
quatro meses antes, e falou as mesmas palavras que eu sonhara que<br />
proferira”. <strong>Wesley</strong> achou tanto o pregador como a congregação de<br />
Bristol levantados s<strong>em</strong> qualquer ato ou conhecimento dele, e enquanto<br />
cont<strong>em</strong>plava e ouvia, sentiu que a questão de pregação leiga fora<br />
determinada para todo o s<strong>em</strong>pre. Ele logo reconheceu nesta nova<br />
ord<strong>em</strong> de obreiros cristãos, que lhe surgia diante dos olhos, a solução<br />
de um grande probl<strong>em</strong>a.<br />
Que espécies de homens eram os auxiliares que assim rodeavam<br />
a <strong>Wesley</strong> e davam largueza, continuidade e permanência a <strong>seu</strong><br />
trabalho? As suas biografias estão escritas <strong>em</strong> volumes já desbotados e<br />
quase esquecidos, donde nos surg<strong>em</strong> as suas faces com efeito curioso.
A arte do <strong>século</strong> era b<strong>em</strong> cruel a <strong>seu</strong>s fregueses , e os retratos dos<br />
auxiliares de <strong>Wesley</strong>, forçoso é confessá-lo, são não poucas vezes de<br />
uma qualidade assustadora. Não são muitas vezes faces de<br />
intelectuais. A santidade ainda não teve t<strong>em</strong>po para suavizar as feições<br />
rudes e fortes do lavrador, do pedreiro, ou do soldado raso. Southey<br />
(um historiador metodista), ao descrever, por ex<strong>em</strong>plo, o retrato de João<br />
Haime, dá um catálogo cruel de suas feições:<br />
“olhos pequenos e s<strong>em</strong> expressão, sobrancelhas<br />
escassas, um nariz largo e vulgar, num rosto de proporções<br />
ordinárias, pareciam assinalar um sujeito que seria contente <strong>em</strong><br />
viajar a passos lentos pelo caminho da mortalidade, s<strong>em</strong> desejar<br />
maior prazer do que fumar e beber <strong>em</strong> qualquer cantinho.<br />
Entretanto João Haime passou a vida inteira numa continuada<br />
sessão espiritual”.<br />
Mas “a sessão espiritual” de João Haime, com as alternativas de<br />
fogo e gelo, de grande ansiedade e arrebatamento exultante, era afinal,<br />
infinitamente mais nobre do que o contentamento animal <strong>em</strong> que a<br />
maioria de <strong>seu</strong>s conterrâneos nesse t<strong>em</strong>po vivia.<br />
Estes homens, não obstante todas as limitações, merec<strong>em</strong> ser<br />
contados entre os heróis de Deus Possuíam algo da paciência divina,<br />
da corag<strong>em</strong> que coisa alguma pode abalar, dos mártires do cristianismo<br />
primitivo. Eram santos como Francisco de Assis, e sonhadores como<br />
João Bunyan. Tinham uma visão constante do mundo espiritual.<br />
Para Bunyan, “tudo acima de Elston Green era céu, <strong>em</strong>baixo era<br />
inferno”. E os primeiros predadores de <strong>Wesley</strong> viram a todos os homens<br />
entre tais extr<strong>em</strong>os medonhos. Possuíam todo o zelo dos pregadores<br />
frades da Idade Média, com uma teologia melhor do que a destes e uma<br />
moralidade infinitamente melhor. A sua palavra servia de canal de um<br />
poder que estava além tanto da compreensão como da análise da<br />
razão. Deveras, quanto mais os críticos enfaticamente escarneciam da<br />
humilde orig<strong>em</strong>, da educação insuficiente, e da simplicidade inculta,<br />
destes primeiros pregadores do metodismo, tanto mais maravilhoso<br />
parece o <strong>seu</strong> trabalho. Qual era o poder estranho que se apossou<br />
destes homens incultos, lhes transformando e erguendo às alturas de<br />
grandes e sagradas <strong>em</strong>oções, e que não somente os fazia oradores que<br />
arrebatavam as multidões, mas apóstolos que salvavam almas? Mas o<br />
milagre grande e perpétuo do Cristianismo, o milagre que opera a<br />
transformação de bêbados <strong>em</strong> homens sóbrios, ladrões <strong>em</strong> homens<br />
honestos, e prostitutas <strong>em</strong> mulheres castas, foi, de algum modo,<br />
efetuado pela pregação dos auxiliares leigos de <strong>Wesley</strong>. Foi deveras<br />
operado <strong>em</strong> escala que deixou o ministério ordeiro e formal inteiramente<br />
falido.<br />
A vida dos primeiros pregadores do metodismo pertence ao<br />
domínio da literatura esquecida; entretanto, os que exploram essas<br />
biografias mortas acharão nelas presa rica e esquisita. É pela maior<br />
parte escrita <strong>em</strong> um inglês comum, o inglês de Bunyan e Cobbett.<br />
Abundam <strong>em</strong> incidentes estranhos, e são retratos notavelmente claros<br />
de caracteres descomunais. A história de João Nelson, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
poderia ser descrita como “A graça Abundante” de Bunyan, outra vez<br />
traduzida <strong>em</strong> termos humanos. Nelson era tipo o do verdadeiro yorkano<br />
(cidadão de York, na Inglaterra, que deu nome nos Estados Unidos à<br />
cidade de Nova York), forte, cabeçudo, dotado de humor esquisito e de<br />
bom senso, e dotado, também, de uma capacidade pelo sentimento<br />
profundamente religioso. Ele possuía segundo diz o próprio Southey,<br />
“espírito tão elevado e coração tão corajoso como qualquer inglês<br />
jamais”. As lutas religiosas pelas quais passou merec<strong>em</strong> classificação,<br />
com as de Bunyan ou de Francisco de Sales e são descritas com igual<br />
clareza. Ele teve uma mocidade t<strong>em</strong>pestuosa, e aos trinta anos de<br />
idade diz:<br />
“preferiria ser antes enforcado a viver outros trinta anos<br />
s<strong>em</strong>elhantes aos que já passei. Decerto, Deus não fez o hom<strong>em</strong><br />
para ser um tal enigma para si mesmo e deixá-lo assim! Deve<br />
haver algo na religião que eu ainda não conheço pra saciar o<br />
espírito vazio do hom<strong>em</strong>, ou então ele está <strong>em</strong> pior estado do<br />
que os amimais que perec<strong>em</strong>”.<br />
João Nelson ouviu Whitefield pregar, mas o mais melífluo (de voz<br />
ou maneiras brandas ou doces, que flui como mel, brando) de todos os<br />
pregadores não agradou o forte yorkano. Mais tarde João Nelson ouviu<br />
João <strong>Wesley</strong>. Diz ele: “Ó quão feliz manhã aquela para a minha alma”.<br />
A sua descrição da pregação de <strong>Wesley</strong> é clássica e já foi citada.<br />
Pode-se imaginar quão heróico seria o t<strong>em</strong>peramento com que<br />
Nelson tomaria a sua religião. Não conhecia meios termos. Ele levou o<br />
<strong>seu</strong> espírito heróico para o domínio de sua piedade e repreendeu o<br />
pecado tanto nos nobres como aos d<strong>em</strong>ais. Era pedreiro e nesse t<strong>em</strong>po<br />
trabalhava no Exchequer, um edifício real. O mestre de obras exigiu que<br />
trabalhasse no domingo, dizendo que era negócio do rei e que até os<br />
Dez Mandamentos teriam de ceder diante da realeza. O honesto<br />
yorkano declarou que não trabalharia no domingo para hom<strong>em</strong> algum<br />
na Inglaterra. O mestre lhe disse: “Então a tua religião te faz inimigo do<br />
rei”. Nelson respondeu: “Não senhor, os maiores inimigos do rei são os
que profanam o domingo, os blasf<strong>em</strong>adores, os bêbados, e os<br />
fornicadores, estes atra<strong>em</strong> sobre o país e sobre o rei os juízos de<br />
Deus”. Foi-lhe dito que teria de perder o <strong>em</strong>prego se não obedecesse<br />
às ordens; mas ele respondeu, “que seria melhor ter falta de pão do que<br />
voluntariamente ofender a Deus”. O mestre asseverou que Nelson<br />
estaria logo tão louco como Whitefield, se continuasse assim. Disse a<br />
João Nelson:<br />
"Que fizeste que precisas de falar tanto da salvação?<br />
S<strong>em</strong>pre te considerei tão honesto como qualquer hom<strong>em</strong> no<br />
serviço e eu era capaz de confiar-te a guarda de quinhentas<br />
libras”. Nelson respondeu: "B<strong>em</strong> poderias e não terias perdido<br />
um penny sequer. Mas eu tenho muito pior opinião de ti agora”,<br />
disse o mestre. “Mestre”, respondeu ele, “eu te levo a vantag<strong>em</strong>,<br />
pois tenho muito pior opinião de mim mesmo, do que tu podes<br />
ter”.<br />
O zelo de João Nelson era de tipo tão ardente que de <strong>seu</strong>s<br />
escassos ganhos ele pagou um de <strong>seu</strong>s companheiros de ofício para ir<br />
e ouvir a João <strong>Wesley</strong> pregar, e deste modo dar à sua alma uma<br />
oportunidade. A religião iluminava com lampejos de poesia a<br />
imaginação inculta deste pedreiro de York e ao descrever os <strong>seu</strong>s<br />
sentimentos ele diz: “A minha alma parecia respirar vida de Deus tão<br />
naturalmente como o meu corpo respirava vida do ar comum”. O vigário<br />
de Bristol, onde Nelson morava, para abafar este sincero cristão,<br />
conseguiu que fosse, à força, sentar praça (prestar serviço militar), e<br />
isto <strong>em</strong> desafio da lei, e a história de <strong>seu</strong>s sofrimentos derrama uma luz<br />
estranha sobre as condições sociais da Inglaterra nesse t<strong>em</strong>po.<br />
Sendo preso, fizeram Nelson marchar pela cidade de York, onde<br />
era b<strong>em</strong> conhecida a sua reputação como um desses novos fanáticos e<br />
metodistas odiados. “Era, diz Nelson, como se o inferno se movesse<br />
debaixo para encontrar-me na chegada. As ruas e as janelas se<br />
apinhavam de gente, que chamavam e gritavam como se eu fosse<br />
alguém que arrasasse a nação. Mas Deus me fez a testa como bronze,<br />
do modo que eu pudesse cont<strong>em</strong>plá-los como gafanhotos, e passar a<br />
cidade como se não houvesse mais ninguém ali senão eu e Deus”.<br />
Nelson, ainda que forçado a entrar nas fileiras, contudo teimava que a<br />
farda vermelha não o eximia das obrigações de pregador, e os <strong>seu</strong>s<br />
oficiais ficaram surpreendidos quando ele lhes repreendia na cara por<br />
causa de suas imprecações. Que soldado cacete (maçante) este! Um<br />
jov<strong>em</strong> porta-bandeira resolveu reprimir este ousado recruta, e<br />
manifestou talento bastante na invenção de insultos e crueldade para<br />
infringir-lhe. Nesta fase da história o yorkano natural aparece por um<br />
momento na autobiografia do honesto João.<br />
“Surgiu-me uma tentação forte”, diz ele “quando refleti<br />
neste hom<strong>em</strong> ignorante e perverso que me atormentava desta<br />
forma e eu capaz de amarrar-lhe a cabeça aos pés! Descobri <strong>em</strong><br />
mim um osso do hom<strong>em</strong> velho”.<br />
Nelson, afinal, obteve baixa pela influência da senhora<br />
Huntingdon, mas a sua história é um pedacinho de inglês tão picante<br />
como qualquer que se encontra na literatura do <strong>século</strong> dezoito. E a vida<br />
de muitos destes pregadores são ricas <strong>em</strong> tais narrações heróicas,<br />
comoventes, e às vezes absurdas, mas com um cintilar de nobreza<br />
manifestando-se através das ações mais simples.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, Alexandre Mather, <strong>em</strong> virtude do <strong>seu</strong> sangue<br />
escocês possuía certa rigidez de corpo e uma energia fogosa no<br />
trabalho que para um hom<strong>em</strong> qualquer pareceria incrível. Era padeiro,<br />
trabalhando um número de horas que o t<strong>em</strong>peramento moderno acharia<br />
intolerável, entretanto achou t<strong>em</strong>po para ser um dos mais efetivos<br />
auxiliares de <strong>Wesley</strong>.<br />
“Não tive t<strong>em</strong>po algum para a pregação senão o que eu<br />
tirasse do sono, de modo que freqüent<strong>em</strong>ente eu não consegui<br />
oito horas de sono numa s<strong>em</strong>ana. Isto junto com o trabalho<br />
pesado, abstinência constante, e freqüentes jejuns, aniquilou-me<br />
tanto que o meu patrão muito cismava que eu havia de me matar,<br />
e talvez os <strong>seu</strong>s receios não foss<strong>em</strong> infundados. Eu<br />
freqüent<strong>em</strong>ente tirava a camisa tão molhada de suor como se<br />
fosse mergulhada <strong>em</strong> água. Depois de me apressar <strong>em</strong> concluir<br />
os meus negócios fora, voltava à tarde todo suado, à casa de<br />
tarde, e mudando de roupa, corria para pregar <strong>em</strong> uma ou outra<br />
das capelas, e então andava ou corria de volta, mudava de roupa<br />
outra vez, e entrava para o serviço às dez horas da noite,<br />
trabalhava constant<strong>em</strong>ente durante a noite toda, e pregava as<br />
cinco horas da manhã seguinte. Eu então corria de volta para<br />
tirar o pão do forno às seis e um quarto (6:15h) ou às seis e meia,<br />
trabalhava na casa do forno até oito horas, e então saía para<br />
entregar pão até a tarde, e talvez à noite ia outra vez pregar”.<br />
Outro auxiliar de <strong>Wesley</strong> era o Thomaz Olivers, gaulês, com todas<br />
as qualidades do t<strong>em</strong>peramento gaulês, o fervor, a simplicidade, a<br />
natureza poética, a capacidade pela ira repentina. Descrevendo a sua<br />
própria condição espiritual depois de sua conversão, ele diz:<br />
“Em verdade vivi pela fé. Vi a Deus <strong>em</strong> tudo – os céus e a
terra e tudo que neles há me mostravam algo dele – sim, até de<br />
uma gota de água, de uma folha de erva, de um grão de areia, eu<br />
tirava a instrução”.<br />
T<strong>em</strong>os muitos ex<strong>em</strong>plos divertidos acerca das suscetibilidades<br />
<strong>em</strong>ocionais de Olivers. Numa ocasião, enquanto almoçava por volta do<br />
meio dia, veio-lhe o pensamento de que ele não era chamado para<br />
pregar; a comida que então estava perante ele não lhe pertencia, e era<br />
ladrão e larápio <strong>em</strong> comê-la.<br />
Não pôde concluir a refeição, desfez-se <strong>em</strong> lágrimas; e, tendo de<br />
dirigir um serviço à uma hora (13h), saiu <strong>em</strong> direção da casa de<br />
pregação, chorando por todo o caminho, e chorou copiosamente<br />
enquanto lia o hino, e enquanto orava e pregava. Naturalmente uma<br />
<strong>em</strong>oção contagiosa corria pela congregação, muitos entre os<br />
assistentes, “clamavam <strong>em</strong> alta voz por causa da inquietação de suas<br />
almas”.<br />
João <strong>Wesley</strong> mostrou-se um capitão ideal destes eclesiásticos<br />
irregulares (pregadores leigos). Eram <strong>seu</strong>s filhos espirituais, b<strong>em</strong> como<br />
<strong>seu</strong>s auxiliares. O governo que exercia sobre eles tinha algo de<br />
paternal; e, no entanto, a disciplina que lhes impunha era quase heróica<br />
<strong>em</strong> <strong>seu</strong> rigor. Eram soldados <strong>em</strong> campanha, e há mais do que um<br />
simples toque da severidade militar as quais lhes sujeitava. Estas<br />
regras desc<strong>em</strong> até os detalhes mais comuns acerca do comer e do<br />
vestir, dos modos, das horas de dormir, dos métodos de trabalhar, e de<br />
conduta geral. Nunca houve um grupo de homens que trabalhasse com<br />
mais diligência, que se tratasse com mais simplicidade, ou que<br />
recebesse menos salário <strong>em</strong> moeda corrente do que a primeira geração<br />
de pregadores metodistas. “Nunca estar s<strong>em</strong> <strong>em</strong>prego. Nunca estar <strong>em</strong><br />
coisas triviais”, era regra que <strong>Wesley</strong> lhes deu – regra esta que foi o<br />
simples reflexo de sua própria prática.<br />
O cuidado que <strong>Wesley</strong> votava a <strong>seu</strong>s pregadores foi qualificado<br />
por uma ampla apreciação da fraqueza da natureza humana. Eis alguns<br />
de <strong>seu</strong>s regulamentos:<br />
“Sede sérios.<br />
Seja o vosso moto: Santidade ao Senhor.<br />
Fugi de toda a leviandade como se fugiss<strong>em</strong> do fogo do<br />
inferno, e de coisas triviais como se foss<strong>em</strong> imprecações.<br />
Não toqueis <strong>em</strong> mulher alguma (exceto os casados com<br />
suas respectivas esposas e os solteiros após se casar<strong>em</strong>); sejais<br />
tão amáveis quanto quiserdes, mas os costumes do país não são<br />
para nós.<br />
Não recebais dinheiro de ninguém: se vos der<strong>em</strong> de comer<br />
quando estiverdes com fome, e roupa quando delas precisardes,<br />
é quanto basta; mas não prata, n<strong>em</strong> ouro; que não haja ocasião<br />
que ninguém diga que nós nos enriquec<strong>em</strong>os pelo Evangelho”.<br />
A inteireza, com que <strong>Wesley</strong> investigava e regulava os hábitos<br />
domésticos de <strong>seu</strong>s pregadores, manifesta-se <strong>em</strong> muitos ex<strong>em</strong>plos. Ele<br />
pergunta:<br />
"Negais a vós mesmos de todo o prazer inútil, quer dos<br />
sentidos, da imaginação, ou da honra? Exerceis a t<strong>em</strong>perança <strong>em</strong><br />
tudo? Por ex<strong>em</strong>plo: No comer, somente tomais a qualidade e a<br />
quantidade que melhor vos serve tanto o corpo como a alma?<br />
Vedes a necessidade disso? Não comeis carne na ceia? Não<br />
ceais tarde? Tais coisas naturalmente tend<strong>em</strong> a minar a saúde do<br />
corpo. Somente comeis três vezes ao dia? Se quatro vezes, não<br />
sois ex<strong>em</strong>plos excelentes para o rebanho! Não comeis mais do<br />
que o necessário a cada refeição? Podeis saber que sim, pelo<br />
peso do estômago; pela sonolência e indisposição; e daqui a<br />
pouco, pelo enfraquecimento nervoso.Tomais unicamente a<br />
quantidade de bebida que vos serv<strong>em</strong> melhor tanto ao corpo<br />
como à alma? Bebeis agora? Já bebestes água? Por que a<br />
deixastes, senão por causa da saúde? Quando começareis outra<br />
vez, hoje? Com que freqüência bebeis vinho ou cerveja? Todos<br />
os dias? Precisais deles ou estais a desperdiçá-los?”<br />
Ele declarou como <strong>seu</strong> próprio propósito de não comer senão<br />
hortaliças nas sextas-feiras, e de tomar somente pão torrado e água<br />
de manhã, e esperava que os pregadores observ ass<strong>em</strong> a mesma<br />
espécie de jejum.<br />
João <strong>Wesley</strong> adiantava-se tanto sobre os do <strong>seu</strong> <strong>século</strong> que<br />
chegou a compreender o poder educacional da imp rensa, e<br />
sist<strong>em</strong>aticamente serviu -se de <strong>seu</strong>s pregadores como <strong>seu</strong> veículo.<br />
Pregador algum podia fazer qualquer excursão pessoal ao domínio<br />
de escritor, s<strong>em</strong> a permissão de <strong>Wesley</strong>; mas um sortimento dos<br />
livros que o próprio <strong>Wesley</strong> publicava, formava parte da equipag<strong>em</strong><br />
de todo o itinerante. <strong>Wesley</strong> diz:<br />
“Leve-os convosco, por todas as cidades. Es forçai-vos<br />
nisso. Não vos envergonheis; n<strong>em</strong> vos canseis; não deixeis<br />
pedra alguma por revolver”.<br />
O ministério dos auxiliares de <strong>Wesley</strong> era ao princípio, de
espécie mui ativo. Ele julgava que um pregador esgotaria a sua<br />
mensag<strong>em</strong> <strong>em</strong> qualquer vizinhança no decorrer de sete ou oito<br />
s<strong>em</strong>anas. Depois desse período, dizia <strong>Wesley</strong>, «o pregador não<br />
acha mais assunto para pregar de manhã e à noite todos os dias,<br />
n<strong>em</strong> o povo quer vir para ouvi-lo. Entretanto, se ele não permanecer<br />
por mais de quinze dias, achará bastante assunto, e o povo<br />
alegr<strong>em</strong>ente ouvirá”. Francamente prossegue <strong>Wesley</strong>: “Sei que se<br />
eu pregasse por um ano inteiro num só lugar tanto eu mesmo como<br />
a congregação ficaríamos adormecidos”. <strong>Wesley</strong>, sabiamente<br />
benevolente, tanto para os pregadores como para as congregações,<br />
insistia que <strong>seu</strong>s auxiliares pregass<strong>em</strong> sermões curtos. Deveras seria<br />
de grande vantag<strong>em</strong> que um dos <strong>seu</strong>s regulamentos fosse pintado <strong>em</strong><br />
letras de ouro das as igrejas do mundo, hoje. Os pregadores foram<br />
admoestados “a começar<strong>em</strong> e a terminar<strong>em</strong> justamente na hora<br />
marcada, e a concluír<strong>em</strong> o culto s<strong>em</strong>pre dentro de uma hora, mais ou<br />
menos”; a adaptar<strong>em</strong> o assunto ao auditório; a escolher<strong>em</strong> o texto mais<br />
claro e a cingir<strong>em</strong>-se ao texto, não se afastando dele n<strong>em</strong><br />
espiritualizando de mais. Não deviam vociferar.<br />
<strong>Wesley</strong> escreveu a um de <strong>seu</strong>s auxiliares:<br />
“Deixai de gritar, pois é pôr <strong>em</strong> perigo a vossa alma. Deus<br />
vos adverte agora por mim, a qu<strong>em</strong> ele colocou sobre vós, falai de<br />
todo o coração, mas <strong>em</strong> voz moderada. Eu muitas vezes falo <strong>em</strong><br />
alta voz, muitas vezes com ve<strong>em</strong>ência, mas nunca grito; nunca<br />
me esforço d<strong>em</strong>asiado. Não ouso fazer isto. Sei que é pecado<br />
contra Deus e contra a própria alma”.<br />
Certamente se encontra nisso o sabor do bom senso. E onde na<br />
história, jamais houve tal combinação de zelo, que era, pela mera<br />
t<strong>em</strong>peratura, sugestivo de fanatismo, ligado com tanta sanidade e com<br />
tanta inteligência prática!<br />
Southey diz <strong>em</strong> espírito de mofa (zombaria, depreciação), desses<br />
pregadores primitivos, “que eIes não possuíam outra qualificação como<br />
ensinadores senão um bom sortimento de vigor animal e de uma fácil<br />
verbosidade, talento que, de todos, com menos freqüência acha-se<br />
ligado a uma inteligência sã”. Mas esta é uma entre muitas passagens<br />
na sua “Vida de <strong>Wesley</strong>” <strong>em</strong> que as prevenções de Southey o cegam<br />
aos fatos. Esses homens eram, s<strong>em</strong> dúvida como um deles se<br />
descreve, “pães pretos”. Mas pelo menos eles sabiam, e sabiam b<strong>em</strong>,<br />
e pela forma mais certa de conhecimento nascido da experiência<br />
verificada – tudo que ensinavam. <strong>Wesley</strong> energicamente diz a respeito<br />
deles:<br />
“Na única coisa que professam saber, não são ignorantes.<br />
Creio que não há ninguém entre eles que não seja capaz de<br />
prestar um exame <strong>em</strong> teologia substancial, prática e experimental<br />
que poucos entre os nossos candidatos a ordens sacras, mesmo<br />
na universidade, digo-o com tristeza e vergonha, mas com terno<br />
amor, seriam capazes de fazer.” (Southey VoI I, pág. 310)<br />
Entretanto o próprio <strong>Wesley</strong>, como douto, odiava a ignorância, e<br />
trabalhava com uma diligência quase divertida para educar os <strong>seu</strong>s<br />
auxiliares. Insistia que foss<strong>em</strong> leitores, e lhes repreendia asperamente<br />
quando lhes achava negligentes de <strong>seu</strong>s livros. Assim escreve a um<br />
deles:<br />
"A vossa capacidade na pregação não aumenta. É a<br />
mesma hoje que era há sete anos. É viva, mas não profunda,<br />
T<strong>em</strong> pouca variedade; não t<strong>em</strong> largueza de pensamento.<br />
Somente a leitura pode r<strong>em</strong>ediar isto, junto com a meditação e a<br />
oração diárias. Vós vos prejudicais grand<strong>em</strong>ente por esta<br />
omissão. S<strong>em</strong> isto nunca serás um profundo pregador, e n<strong>em</strong><br />
mesmo cristão completo. Começai! Determinai uma certa parte de<br />
cada dia para o exercício particular. Podeis adquirir o gosto que<br />
por ora vos falta. O que parece cansativo no começo, depois se<br />
tornará agradável. Quer gostais quer não, lede e orai<br />
diariamente. É <strong>em</strong> abono da vossa vida. Não há outro meio; de<br />
outra maneira estareis vos ocupando com trivialidades durante<br />
toda a vida, e sereis pregador bonito, mas superficial. Fazei<br />
justiça a vossa própria alma, lhe dê o t<strong>em</strong>po e os meios para o<br />
<strong>seu</strong> crescimento; não vós façais passar fome por mais t<strong>em</strong>po”.<br />
<strong>Wesley</strong> estava sabiamente solícito acerca do estilo de <strong>seu</strong>s<br />
auxiliares no púlpito; e segundo ele, no púlpito, a principal de todas as<br />
virtudes, de espécie literária, era a clareza. Ele escreve a um de <strong>seu</strong>s<br />
auxiliares:<br />
"A clareza é necessária para vós e a mim, porque t<strong>em</strong>os de<br />
instruir gente de tão pouco entendimento. Por isso, nós, mais do<br />
que ninguém; ainda que pens<strong>em</strong>os com os sábios, precisamos<br />
falar com todos. Dev<strong>em</strong>os <strong>em</strong>pregar constant<strong>em</strong>ente as palavras<br />
mais comuns, curtas e fáceis que a língua nos oferece, contanto<br />
que sejam puras e apropriadas. Quando comecei, <strong>em</strong> Oxford, a<br />
falar ao povo, no castelo da cidade, notei que ficaram<br />
boquiabertos e admirados. Isto logo me obrigou a mudar de estilo,<br />
e a adotar a linguag<strong>em</strong> daqueles a qu<strong>em</strong> eu me dirigia; e ainda<br />
há uma dignidade da sua simplicidade que não é<br />
desagradável para os da classe mais nobre.“
Os pregadores do metodismo primitivo, se não sabiam muito do<br />
“pensamento elevado” (acadêmico, escolarizado, culto), tinham<br />
experiência (e cultura) abundante da “vida simples”. <strong>Wesley</strong> quis que<br />
Mather lhe acompanhasse <strong>em</strong> viag<strong>em</strong> de pregação na Irlanda, e<br />
perguntou-lhe quanto julgava suficiente para o sustento da mulher<br />
durante a sua ausência. Mather fixou a quantia modestamente <strong>em</strong> 4<br />
shillings por s<strong>em</strong>ana, E esta foi como excessiva! A mulher de um<br />
auxiliar metodista naqueles dias heróicos devia ter possuído um espírito<br />
ainda mais frugal do que a mulher de João Gilpin. Esperava-se que o<br />
auxiliar, quando <strong>em</strong> viag<strong>em</strong> de pregação, achasse a comida entre os<br />
<strong>seu</strong>s ouvintes. Quando estava <strong>em</strong> casa a esposa recebia um schilling e<br />
seis pence por dia pela manutenção do marido, entendido que quando o<br />
marido fosse convidado comer fora o preço da refeição seria deduzido<br />
de um schilling e seis pence. À esposa dava-se quatro shillings por<br />
s<strong>em</strong>ana com mais uma libra por trimestre por cada filho.<br />
Na IX Conferência Metodista, que se celebrou <strong>em</strong> outubro de<br />
1752, <strong>em</strong> Bristol, foi estipulado que os pregadores recebess<strong>em</strong> doze<br />
libras por ano para se prover<strong>em</strong> das coisas necessárias. A sua lista de<br />
coisas devia ter sido de brevidade espartana. Mas, mais de doze anos<br />
depois, na Conferência de 1765, foi admitida e ouvida uma delegação<br />
do circuito de York que achava excessiva a soma de doze libras por<br />
ano! Antes de 1752 cada circuito fazia o <strong>seu</strong> próprio arranjo financeiro<br />
com os pregadores e às vezes eram de uma espécie bastante<br />
interessante.<br />
Ainda <strong>em</strong> 1754, era costume no circuito de Norwich, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
dividir o dinheiro da coleta da festa de caridade entre os pregadores, e<br />
“isto”, diz Myles, com certo acento melancólico, “era muito pouco”.<br />
Quando houve na história uma ord<strong>em</strong> de pregadores tão pouco<br />
dispendiosa como a dos primeiros auxiliares de <strong>Wesley</strong>? Eles<br />
entesouraram muito no céu, mas aqui no mundo tinham os bolsos b<strong>em</strong><br />
vazios. Um deles, João Jane, morreu <strong>em</strong> Epworth. Os <strong>seu</strong>s haveres<br />
eram insuficientes para pagar as despesas do enterro, que importavam<br />
<strong>em</strong> uma libra, dezessete schillings e três pence. Todo o dinheiro que<br />
deixou importava <strong>em</strong> um schilling e quatro pence. <strong>Wesley</strong> laconicamente<br />
diz, “bastante para qualquer pregador solteiro deixar a <strong>seu</strong>s herdeiros”.<br />
É verdade que muitos desses pregadores primitivos deixaram a<br />
<strong>Wesley</strong>. Eles acabaram por tomar pastorados entre os dissidentes do<br />
metodismo ou aceitaram ordens na Igreja Anglicana. Alguns foram<br />
levados por uma ou outra novidade teológica. Pode-se oferecer por eles<br />
muitas atenuantes. A sua posição não estava definida; e o <strong>seu</strong> lugar no<br />
grande movimento estava indeterminado. Eles faziam o trabalho de<br />
ministros s<strong>em</strong> ter<strong>em</strong> ainda qualquer direito ao ofício ministerial. Mas é<br />
quase impossível exagerar o papel que des<strong>em</strong>penharam no movimento.<br />
O ministério metodista de hoje v<strong>em</strong> <strong>em</strong> descendência direta deles.<br />
Deles também saiu a grande ord<strong>em</strong> de pregadores leigos, s<strong>em</strong> a qual o<br />
próprio metodismo não poderia existir.<br />
Para cada ministro metodista hoje no mundo, há mais ou menos<br />
dez pregadores leigos; e para cada sete sermões pregados <strong>em</strong> cada<br />
domingo de púlpitos metodistas, seis são proferidos por pregadores<br />
leigos. Todo o ministro que ocupa um púlpito metodista já passou por<br />
esta ord<strong>em</strong>. O grande sinal e penhor do caráter não sacerdotal do<br />
metodismo se acham <strong>em</strong> dois fatos. Os ministros repart<strong>em</strong> o <strong>seu</strong> ofício<br />
de pregação com os pregadores leigos, e o <strong>seu</strong> ofício pastoral com os<br />
guias (de classes ou guias-leigos).
CAPÍTULO XX<br />
Como se abrigaram os novos conversos<br />
Conversos (os novos convertidos) agora se multiplicavam com<br />
ligeireza; haviam crescido na escala de um exército, e surgiu um<br />
probl<strong>em</strong>a novo e difícil, nascido do próprio êxito de <strong>Wesley</strong>. Como havia<br />
de zelar por <strong>seu</strong>s conversos? Eles tinham a inculta simplicidade de<br />
crianças; estavam espalhados sobre uma grande região; e a atmosfera<br />
espiritual a <strong>seu</strong> redor era-lhes desfavorável. Os clérigos (sacerdotes<br />
anglicanos) <strong>seu</strong>s pastores naturais, tinham para com eles,<br />
freqüent<strong>em</strong>ente, o t<strong>em</strong>peramento de lobos, tratando-os como se foss<strong>em</strong><br />
enjeitados, e tocando-os da mesa da comunhão. Os conversos olhavam<br />
a <strong>Wesley</strong> como sendo o <strong>seu</strong> diretor espiritual; entretanto como podia<br />
ele, um evangelista que corria incessant<strong>em</strong>ente (vivia de modo<br />
itinerante) para pregar a novas multidões, conservar-se <strong>em</strong> contato<br />
pessoal com os conversos que deixava atrás de si?<br />
É, portanto, com algo do gozo da descoberta, o acento de um<br />
Arquimedes espiritual a gritar “Eureka”, que entre a agitação do <strong>seu</strong><br />
trabalho e o aumento constante das multidões de conversos, <strong>Wesley</strong><br />
recebe a sua primeira visão da reunião de classes, e vê a sua grande<br />
utilidade. Ele diz: “É exatamente isto que por tanto t<strong>em</strong>po nos faltava.”<br />
Entretanto a nota de exultante surpresa que ouvimos de <strong>Wesley</strong> é<br />
de admirar-se. <strong>Sociedade</strong>s religiosas de alguma espécie constitu<strong>em</strong><br />
uma feição constante e familiar de toda a sua história até essa data.<br />
Enquanto estudava <strong>em</strong> Oxford, eIe escreveu no <strong>seu</strong> Diário, que um<br />
hom<strong>em</strong> sério – que ele não identifica qu<strong>em</strong> – lhe disse: “ tendes de<br />
achar companheiros ou fazê-los; a Bíblia nada sabe de uma religião<br />
solitária”. E é certo que <strong>Wesley</strong>, com algum instinto sábio, s<strong>em</strong>pre deu a<br />
sua religião uma forma social. Ele fundou uma sociedade <strong>em</strong> Oxford;<br />
estabeleceu outra a bordo do navio que o levou à América; organizou<br />
outra logo que chegou a Savannah, e freqüentou a sociedade dos<br />
Moravianos na rua Aldersgate logo que voltou à Inglaterra. Ele<br />
determina as datas do <strong>seu</strong> almanaque espiritual pelas várias<br />
sociedades que vieram à existência: a sociedade de Oxford <strong>em</strong> 1729,<br />
de Savannah <strong>em</strong> 1736, de Londres <strong>em</strong> 1737, etc. Foi na pequena<br />
sociedade moraviana da rua AIdersgate, <strong>em</strong> Londres, que o próprio<br />
<strong>Wesley</strong> se converteu. E <strong>Wesley</strong> não somente organizou novas<br />
sociedades, mas alegr<strong>em</strong>ente serviu-se das que existiam.<br />
<strong>Sociedade</strong>s dentro da Igreja existiram muito antes do Metodismo.<br />
Apareceram nos t<strong>em</strong>pos dissolutos que seguiam a restauração, e<br />
representavam um esforço por parte da consciência cristã dessa época<br />
para organizar-se, mesmo na própria defesa, contra o vício<br />
desavergonhado que afrontava toda a decência, e contra a<br />
incredulidade trocista (zombeteira) que ameaçava destruir a religião. Na<br />
narração que Woodward fez dessas sociedades t<strong>em</strong>os, diz miss<br />
Wedegwood, ”uma descrição exata da reunião de classes, feita seis<br />
anos antes do nascimento de <strong>Wesley</strong>”. Mas isto é bastante exagerado,<br />
porque nessas sociedades anteriores faltavam os el<strong>em</strong>entos<br />
essencialmente espirituais da reunião de classe. Os Moravianos<br />
também plantaram as suas pequenas sociedades, aqui e ali, no solo<br />
inglês, ou chamaram a si as que já existiam. De modo que é verdade,<br />
se b<strong>em</strong> que meia verdade, que <strong>Wesley</strong> não inventou as sociedades<br />
religiosas na Inglaterra. Mas ele deu nova forma às que existiam e Ihes<br />
incumbiu de uma nova função. As sociedades religiosas descritas por<br />
Woodward eram pequenos viveiros de moralidade. As sociedades<br />
moravianas eram ou tornaram-se meros centros de quietismo (de cultivo<br />
de uma espiritualidade mística segundo a qual a perfeição moral<br />
consiste na anulação da vontade, na indiferença absoluta e na união<br />
cont<strong>em</strong>plativa com Deus). A sociedade Metodista, <strong>em</strong> sua forma final –<br />
a reunião de classe – é coisa profundamente diferente.<br />
João <strong>Wesley</strong>, por certo, achou o grande princípio da comunhão<br />
religiosa <strong>em</strong> operação na igreja apostólica (a Igreja dos t<strong>em</strong>pos dos<br />
apóstolos de Jesus). Em suas reuniões de classe ele simplesmente<br />
organizou de novo aquele princípio e o traduziu <strong>em</strong> novos termos, e o<br />
fez el<strong>em</strong>ento e condição permanente da vida eclesiástica. E <strong>em</strong> fazer<br />
isto, ele era fiel aos mais nobres ideais da ord<strong>em</strong> na Igreja.<br />
Há duas teorias possíveis de relação eclesiástica. Uma pode-se<br />
chamar a Teoria de Bonde: T<strong>em</strong>os um grupo de pessoas que<br />
casualmente se assentam lado a lado, por uns poucos minutos, na<br />
mesma direção; são impelidas pela mesma força e zeladas pelas<br />
mesmas instrumentalidades. Mas são estranhas entre si e não possu<strong>em</strong><br />
língua comum. Não são ligadas por qualquer elo de parentesco<br />
consciente ou articulado. <strong>Sociedade</strong> (vida comunitária, companheirismo<br />
cristão, mutualidade nos cuidados e serviços de uns aos outros), a não<br />
ser no sentido mecânico – ou digamos geográfico – não existe entre<br />
elas (as pessoas se assentam no bonde ou no ônibus mecanicamente<br />
uma ao lado das outras, mas estão assim mecanicamente).
Então há o que se pode denominar a Teoria da Lareira ou teoria<br />
familiar da Igreja. T<strong>em</strong>os aqui um círculo de entes humanos<br />
entrelaçados por um parentesco consciente e reconhecido. Falam uma<br />
língua comum; t<strong>em</strong> gozos, tristezas e perigos comuns. Empenham-se<br />
<strong>em</strong> ajudar e proteger uns aos outros; o que toca num é sentido por<br />
todos (é como uma família e amigos que se reún<strong>em</strong> ao redor de uma<br />
lareira num dia frio).<br />
Qual destas duas concepções de comunhão na Igreja, a do bonde<br />
ou a da lareira, é mais próxima ao ideal de Deus, não será difícil se<br />
dizer.<br />
Na Igreja dessa época não existia tal comunhão familiar, e era isto<br />
um dos segredos da sua decadência. Southey descrevendo uma fase<br />
na vida de João Nelson, diz que “um ministro judicioso (que julga com<br />
acerto, sensato, prudente, consciente) devia ter conhecido o hom<strong>em</strong> (o<br />
coração do hom<strong>em</strong> e suas possibilidades e necessidades de afeição e<br />
de vida comunitária), poderia ter-lhe o ensino preciso. “Mas, acrescenta<br />
com inconsciente severidade, a espécie de relação (familiar. Afetiva,<br />
comunitária) que isto implicaria entre o pastor e o <strong>seu</strong> povo, quase não<br />
existia <strong>em</strong> parte alguma, e de modo algum era possível existir na<br />
metrópole”. Coleridge com isso rompe numa forte anotação,<br />
perguntando: “É verdade isso? E a igreja de que se pode dizer isso será<br />
a verdadeira Igreja de Cristo?”<br />
<strong>Wesley</strong> que b<strong>em</strong> conhecia a Igreja do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po, diz dela:<br />
“Olhai para o leste, oeste, norte ou sul, mencionais a<br />
paróquia que quiserdes: haverá ali a comunhão cristã? Não é<br />
verdade que a maioria dos paroquianos constitui somente uma<br />
corda de areia? (a ligação dos paroquianos não era pelos ternos<br />
laços de misericórdia, mas por algo frágil e seco). Que relação<br />
cristã existe entre eIes? Que comunhão <strong>em</strong> causas espirituais?<br />
Que vigilância e cuidados exerc<strong>em</strong> uns sobre as almas dos<br />
outros?”<br />
Mas se na Igreja dessa época havia pouca comunhão direta entre<br />
o ministro e os <strong>seu</strong>s paroquianos, ainda menos existia, entre os próprios<br />
paroquianos (os m<strong>em</strong>bros da igreja). A Igreja havia perdido não se sabe<br />
a quanto t<strong>em</strong>po uma das suas funções mais nobres: a função<br />
unificadora entre homens e mulheres de todas as camadas. E <strong>Wesley</strong><br />
estava fornecendo uma das necessidades primitivas e imperecíveis da<br />
vida cristã <strong>em</strong> qualquer <strong>século</strong>, e sob todas as condições, quando na<br />
formação de suas sociedades – e mais tarde da reunião de classes –<br />
fez desta comunhão uma feição permanente da vida na Igreja.<br />
É curioso notar como, por aquilo que se pode chamar um “acaso”<br />
– pela mera compulsão dos acontecimentos, e não por plano consciente<br />
– as sociedades Metodistas vieram à existência. Foi com o conselho do<br />
moraviano Pedro Bohler que João <strong>Wesley</strong> fundou a sociedade<br />
metodista que se reuniu <strong>em</strong> Fetter Lane. Mas, <strong>em</strong> 1738, depois de<br />
separar·se dos Moravianos, o Foundry tornou-se o centro do <strong>seu</strong><br />
trabalho. Ele relata:<br />
“Pelos fins do ano 1739, vieram ter comigo, <strong>em</strong> Londres,<br />
oito ou dez pessoas que pareceram estar profundamente<br />
convencidas do pecado. Desejaram que eu <strong>em</strong>pregasse algum<br />
t<strong>em</strong>po com elas <strong>em</strong> orar e <strong>em</strong> aconselhá-las como fugir<strong>em</strong> da ira<br />
vindoura”.<br />
<strong>Wesley</strong> marcou às quintas-feiras, à noite, para este fim. O número<br />
rapidamente aumentou. “Na primeira noite, cerca de doze pessoas<br />
vieram, e na s<strong>em</strong>ana seguinte trinta ou quarenta. Estas aumentavam<br />
até c<strong>em</strong>; e então”, diz <strong>Wesley</strong>, “tomei os <strong>seu</strong>s nomes com a indicação<br />
de suas moradias, afim de visitá-las <strong>em</strong> suas casas. Assim, s<strong>em</strong><br />
qualquer plano prévio, começou a sociedade Metodista na Inglaterra –<br />
uma companhia de homens unidos com o fim de auxiliar<strong>em</strong>-se<br />
mutuamente a obrar a sua salvação”. Formou-se uma sociedade<br />
s<strong>em</strong>elhante <strong>em</strong> Bristol, e mais tarde <strong>em</strong> outros lugares.<br />
Aqui, pois, estava a sociedade metodista, mas ainda não a<br />
reunião de classe. Esta apareceu três anos mais tarde, <strong>em</strong> 1742; e foi<br />
um esforço pagar a primeira dívida da Igreja Metodista que deu orig<strong>em</strong><br />
à reunião de classe.<br />
Havia uma dívida bastante elevada sobre a casa de cultos <strong>em</strong><br />
Bristol, e os m<strong>em</strong>bros da sociedade consultavam entre si como a<br />
pagariam. Certo capitão Foy cujo nome merece viver (não ser<br />
esquecido) levantou-se e disse: “Cada m<strong>em</strong>bro da sociedade dê um<br />
penny por s<strong>em</strong>ana até que seja paga a divida”. Alguém respondeu:<br />
”Muitos são pobres, e não pod<strong>em</strong> dar tanto”. Então disse o primeiro,<br />
“Podeis me dar os nomes de onze dos mais pobres; se puder<strong>em</strong> dar<br />
alguma coisa, bom; os visitarei cada s<strong>em</strong>ana; e se não poder<strong>em</strong> dar eu<br />
darei por eles e por mim também. E cada um de vós visite onze dos<br />
vossos vizinhos s<strong>em</strong>analmente recebendo o que der<strong>em</strong>, e supra o que<br />
faltar”. Assim se fez; e logo se descobriu que o plano dava muito mais<br />
do que dinheiro. <strong>Wesley</strong> diz:
“Mais tarde, alguns destes me informaram que haviam<br />
achado que fulano ou sicrano não vivia cristamente como devia.<br />
Logo pensei, esta é a coisa que por tanto t<strong>em</strong>po nos faltava”.<br />
Aqui havia a sugestão de uma supervisão mui extensa e ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po minuciosa; o mais efetivo pastorado que o gênio do<br />
hom<strong>em</strong> inventou ou que a graça de Deus <strong>em</strong>pregou.<br />
O instinto de <strong>Wesley</strong> pela exatidão, o <strong>seu</strong> hábito <strong>em</strong> seguir uma<br />
simples indicação até torná-la <strong>em</strong> instituição veio logo <strong>em</strong> cena. A<br />
reunião de classe foi sist<strong>em</strong>atizada; feita co-extensiva com o<br />
avivamento. A sua inteligência educada e disciplinada percorria toda a<br />
história <strong>em</strong> busca de precedentes e detalhes, e os achou <strong>em</strong><br />
abundância. Uma test<strong>em</strong>unha tão desapaixonada como Paley achou no<br />
modo de viver – suas formas e <strong>seu</strong>s hábitos – da primitiva Igreja Cristã,<br />
“uma s<strong>em</strong>elhança mui notável com os Unitas Fratrum e com os<br />
Metodistas modernos”. Os tesserae, os símbolos de m<strong>em</strong>bros na Igreja<br />
Apostólica, foram reproduzidos no bilhete, símbolo de m<strong>em</strong>bro na Igreja<br />
Metodista.<br />
O valor das sociedades – especialmente na sua forma<br />
amadurecida de reunião de classe – era simplesmente imensurável.<br />
Elas deram coerência ao avivamento e nutriram a sua vitalidade. Cada<br />
novo convertido trazido à reunião de classe achou-se m<strong>em</strong>bro de um<br />
grupo ligado por grandes <strong>em</strong>oções possuídas <strong>em</strong> comum: tristeza pelo<br />
pecado, gozo do perdão, a consciência de uma nova vida, uma<br />
solicitude comum pela salvação de outros, uma aspiração comum pelas<br />
altas posses da experiência cristã. Ele recebia da sociedade a<br />
inspiração, e achava nela as salvaguardas de camaradag<strong>em</strong>. O abrigo<br />
que estas sociedades lhe deram era de valor indizível. A simples frieza<br />
do mundo secular teria matado a vida espiritual novamente nascida nas<br />
multidões. O encanto de camaradagens anteriores teria se manifestado.<br />
Mas nas novas camaradagens nas quais os conversos foram trazidos<br />
achava-se uma energia contra-balançante.<br />
<strong>Wesley</strong> logo reconhecia na reunião de classe o mais efetivo<br />
instrumento de disciplina que um fundador ou cabeça (líder) da Igreja<br />
poderia desejar.<br />
“É quase inconcebível”, diz ele “as grandes vantagens<br />
que se têm colhido deste pequeno e prudente regulamento ;<br />
muitos felizmente agora experimentavam a comunhão cristã<br />
de que antes não tinham idéia alguma, começavam a levar as<br />
cargas uns dos outros, e naturalmente zelavam uns pelos<br />
outros. Homens maus foram expostos e repreendidos.<br />
Suportamo-los por algum t<strong>em</strong>po; quando abandonavam os<br />
<strong>seu</strong>s pecados nós os receb<strong>em</strong>os alegr<strong>em</strong>ente; quando<br />
obstinadamente persistiam neles, declarávamos que não<br />
eram um de nós”.<br />
Cada classe tinha o <strong>seu</strong> guia, e a reunião dos guias tornaram-se<br />
<strong>em</strong> tribunal disciplinar da Igreja. O bilhete que era o símbolo de m<strong>em</strong>bro<br />
renovava-se de três <strong>em</strong> três meses, durante a visitação pessoal de cada<br />
classe, por <strong>Wesley</strong> mesmo ou por um de <strong>seu</strong>s auxiliares. A simples<br />
negação de bilhete quebrava a sua relação de m<strong>em</strong>bro e excluía os<br />
indignos, e <strong>Wesley</strong>, que com um instinto sábio colocava a eficiência<br />
antes de grande número, purificava as classes deste modo, de ano <strong>em</strong><br />
ano, com uma dedicação completa.<br />
O que o Metodismo t<strong>em</strong> ganhado <strong>em</strong> todos os países e por toda a<br />
sua história da reunião de classe não pode ser expresso <strong>em</strong> palavras. A<br />
instituição dá continuidade, escopo e permanência ao trabalho pastoral<br />
da Igreja. Com um ministério itinerante uma tal organização é<br />
indispensável. S<strong>em</strong> ela não pode haver um pastorado efetivo. Esta<br />
grande instituição não somente influiu profundamente na obra de <strong>Wesley</strong><br />
enquanto eIe vivia, mas t<strong>em</strong> deixado um sinal profundo e permanente<br />
sobre o próprio metodismo. A reunião de classe dá fala à religião; ela<br />
mata o acanhamento mudo e obstinado acerca das coisas espirituais<br />
que à s<strong>em</strong>elhança da fria geada endurece tanta gente boa. Se o<br />
Metodismo t<strong>em</strong> desenvolvido <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s leigos o dom da palavra, da<br />
oração e do serviço, mais do que qualquer outra Igreja , é isto devido<br />
à reunião de classe. E o selo da reunião de classe está sobre o<br />
próprio ministério do Metodismo. Na reunião d e classe todo o<br />
ministro aprende, por assim dizer, a gramática de sua língua<br />
espiritual. Ele recebe dela um ardor, uma certeza, uma força que<br />
não <strong>em</strong>ana de nenhuma outra instituição.<br />
A reunião de classe t<strong>em</strong> os <strong>seu</strong>s riscos característicos. É não<br />
poucas vezes desacreditada pela falta de elasticidade e variedade<br />
na sua direção. Mas para o próprio Metodismo ela é um centro de<br />
poder espiritual. Pode -se predizer com grande confiança, se b<strong>em</strong><br />
que melancólica, que quando a reunião de classe morrer, o próprio<br />
Metodismo, se sobreviver, sofrerá uma mudança silenciosa, mas<br />
profunda e desastrada. Começará a ossificar (transformando-se e<br />
reduzindo-se <strong>em</strong> rígido esqueleto). As formas mais uma vez<br />
parecerão de mais valor do que os fatos (ou seja, reaparecerá o
formalismo, o ritualismo, o clericalismo, o tradicionalismo, etc). O<br />
triste, mas familiar, ciclo de mudanças pelas quais uma grande igreja<br />
se petrifica, e se prepara para ser posta de lado por alguma ag ência<br />
nova e mais intensa mente religiosa, terá começado.<br />
Agora, porém, nos interessa somente notar a contribuição que<br />
as suas sociedades fizer<strong>em</strong> para o êxito do trabalho de <strong>Wesley</strong><br />
durante a sua vida, e o grau <strong>em</strong> que elas, <strong>em</strong> conseqüência influíram<br />
na vida de toda a Inglaterra. As sociedades s<strong>em</strong> dúvida supriram e<br />
satisfizer am a necessidade especial de religião viva, genuinamente<br />
espiritual e socialmente relevante que havia nesse momento na<br />
Inglaterra. Diz a Miss Wedgwood:<br />
“O desejo por alguma relação comum, mais largo do que<br />
mero parentesco, mais forte do que a mera nacionalidade deve<br />
ser forte <strong>em</strong> todo o t<strong>em</strong>po; talvez foi especialmente forte no <strong>século</strong><br />
XVIII. Uma reação da obra da Reforma nesse t<strong>em</strong>po levou muitos<br />
para o Romanismo; e ajuntou outros muitos <strong>em</strong> pequenas<br />
sociedades cimentadas por um interesse comum nas coisas da<br />
eternidade. Mas <strong>em</strong> parte alguma este instinto encontrava-se tão<br />
absolutamente satisfeito como nas fileiras do Metodismo. “<br />
Em suma, nas sociedades de <strong>Wesley</strong>, apareceu uma nova e<br />
extensa fraternidade, a qual cobriu a Inglaterra como rede viva,<br />
vinculando homens ou mulheres, separados uns dos outros pelas largas<br />
diferenças de educação e posição social, de riqueza e pobreza, numa<br />
só família. Produziu entre eles mil ministrações benévolas. E como<br />
contribuição à vida social da Inglaterra nesse t<strong>em</strong>po, essas sociedades<br />
tiveram valor que ainda não t<strong>em</strong> sido devidamente apreciado. Não era<br />
que possuíss<strong>em</strong> meramente a influência do sal no sangue do corpo<br />
social; ou que cada pequena reunião de classe fosse um centro de<br />
energias religiosas, influindo <strong>em</strong> tudo que tocasse; mas as classes<br />
constituíram uma fraternidade, entrelaça de vínculos espirituais, e assim<br />
feita indestrutível. E esta fraternidade sobrepujava as barreiras sociais,<br />
transpondo os abismos que separavam as massas. Não somente tornou<br />
a sociedade mais pura, mas a fez mais forte e unida. As ministrações<br />
sociais, da religião não são s<strong>em</strong>pre apreciadas como deviam sê-lo; e<br />
tais ministrações nunca acharam uma expressão mais feliz do que nas<br />
sociedades de <strong>Wesley</strong>.<br />
CAPÍTULO XXI<br />
Soldados Metodistas<br />
Será mal interpretado um grande movimento religioso se for<br />
traduzido meramente <strong>em</strong> termos pessoais. Ass<strong>em</strong>elha-se às agitações<br />
da maré; é o resultado de forças planetárias; ergue-se de profundidades<br />
insondáveis; faz-se sentir <strong>em</strong> pontos mui distantes uns dos outros;<br />
enche, com o <strong>seu</strong> ruído e espuma, no mesmo instante, centenas de<br />
pequenas baías. É certo que o grande movimento religioso do <strong>século</strong><br />
XVIII, ainda que tendo, como suas figuras mais pro<strong>em</strong>inentes, George<br />
Whitefield e os irmãos Carlos e João <strong>Wesley</strong>, estendeu-se muito além<br />
da influência pessoal deles. Lavrou-se qual contágio invisível através<br />
dos ares; e certas fases de <strong>seu</strong> desenvolvimento, com as quais n<strong>em</strong><br />
Whitefield n<strong>em</strong> os <strong>Wesley</strong> quase nada tinham pessoalmente, eram de<br />
um caráter notável.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, as forças do grande avivamento, alcançaram o<br />
exército inglês e produziram ali resultados mui pitorescos. O exército<br />
inglês <strong>em</strong> Flandres é mais conhecido aos homens da rua pelo famoso<br />
trecho, <strong>em</strong> “Tristram Shandy”, acerca de suas imprecações. Esse infeliz<br />
exército tendo por general <strong>em</strong> chefe o Duque de Cumberland,<br />
marchando e pelejando ao lado de aliados estranhos, e acerca de<br />
causas que pouco conhecia e ainda menosprezava, essas s<strong>em</strong> dúvida,<br />
<strong>em</strong> condições mui tristes. Pode-se pensar <strong>em</strong> religião entre os<br />
Huguenotes (designação depreciativa que na França os católicos deram<br />
aos protestantes) de Henrique de Navare, ou entre os Ironsides de<br />
Cromwell; ou entre os Protestantes holandeses sob Guilherme de<br />
Orange; mas qu<strong>em</strong> pode imaginar o aparecimento espontâneo de<br />
qualquer sentimento ou <strong>em</strong>oção religiosa no bravo, mas mal dirigido,<br />
imprecante (que roga pragas e maldições a alguém) e dissoluto exército<br />
inglês <strong>em</strong> Flandres nos dias de Fontenoy e Dettingen!?! E, entretanto, a<br />
literatura do Metodismo nos dá vislumbres da vida íntima do exército<br />
que os historiadores não conhec<strong>em</strong>, mas que são de grande interesse<br />
humano.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> maio de 1744, um ano depois de Dettingen e<br />
quase um ano antes de Fontenoy, o exército britânico achava-se<br />
acampado num morro perto de Bruxelas e não longe de Waterloo; ali<br />
uma tarde, um grupo de soldados içou uma bandeirinha e começaram a
cantar. Os camaradas afluíram do acampamento e ajuntaram-se <strong>em</strong><br />
redor. Um soldado raso, tipo de sua classe – corpo quadrado, pescoço<br />
curto, rosto largo, sobrancelhas escassas, e olhos inexpressivos –<br />
começou a pregar. A sua voz se ouviu longe, mas era a voz de um<br />
inculto. Ele usava o inglês do plebeu (do povo simples), e que os<br />
plebeus entenderia, para falar do pecado e do juízo, do amor de Cristo<br />
e de sua salvação. A multidão <strong>em</strong> redor dele, soldados aguerridos,<br />
familiarizados com as dificuldades da marcha com as durezas da vida<br />
no campo, com os perigos da linha de batalha, escutou <strong>em</strong> profundo<br />
silêncio. Eram milhares <strong>em</strong> número, e o som do <strong>seu</strong> canto encheu o<br />
vale.<br />
E esta cena repetiu-se no acampamento todos os dias –<br />
freqüent<strong>em</strong>ente duas ou três vezes por dia! O pregador era João<br />
Haime, que depois se tornaria um dos auxiliares de João <strong>Wesley</strong>. Nessa<br />
época, <strong>em</strong>bora Haime ainda não conhecesse a <strong>Wesley</strong> face a face, era<br />
fruto do grande movimento religioso que <strong>Wesley</strong> simbolizava.<br />
Aqui t<strong>em</strong>os outro pequeno retrato de batalha, tirado do sangrento<br />
campo de Fontenoy: dois soldados Metodistas se encontram na<br />
escuridão depois do conflito. Ambos tiveram parte na encarniçada luta<br />
no caminho entre Fontenoy e a floresta de Barri. Haviam permanecido<br />
firmes nas fileiras, enquanto a frente e os flancos foram castigados<br />
pela artilharia francesa; e no fim h aviam retrocedido com os restos,<br />
quebrados mas não vencidos, da divisão inglesa. Haime conta como<br />
passaram na batalha:<br />
“Quando W. Cl<strong>em</strong>ente teve o braço fraturado por uma<br />
bala, queriam levá-lo para fora do conflito. Mas ele disse: ”Não,<br />
ainda tenho um braço para segurar a espada. Não vou por<br />
ora”. Quando veio uma segunda bala, fraturando o outro braço,<br />
ele disse: “Estou tão feliz quanto posso ser fora do Paraíso”.<br />
João Evans, tendo as duas pernas cortadas por uma bala de<br />
canhão, foi deitado <strong>em</strong> cima de uma peça de campanha para<br />
morrer; e ali, enquanto pôde falar, louvava a Deus com lábios<br />
contentes”.<br />
“Por minha parte estive no fogo mais forte do inimigo<br />
durante cerca de sete horas. Mas eu disse a meus camaradas :<br />
“Os franceses não têm a bala para me matar hoje”. Depois de<br />
sete horas no fogo, uma bala de canhão matou o cavalo <strong>em</strong><br />
que eu vinha montado. Um oficial clamou: “Haime, onde está o<br />
teu Deus agora?” Eu respondi: “Senhor! Ele está aqui comigo,<br />
e ele me fará sair desta batalha”. Em seguida uma bala de<br />
canhão lhe cortou a cabeça. Meu cavalo caiu sobre mim e<br />
alguns exclamaram: “Haime se foi!”. Mas eu respondi: "Não fui<br />
ainda...” Eu tinha de ir longe pelo meio da nossa cavalaria, as<br />
balas voando por toda parte. Por todo o caminho multidões de<br />
homens achavam-se prostrados, ensangüentados, g<strong>em</strong>endo<br />
ou já mortos. Certamente passei pela fornalha ardente; mas<br />
não me queimou n<strong>em</strong> sequer um cabelo da cabeça. Quanto<br />
mais violenta tornou-se a batalha, tanto mais força Deus me<br />
deu. Eu era tão cheio de gozo quanto pude conter. ”<br />
Então o João Haime nos conta como ele encontrou-se com o<br />
<strong>seu</strong> camarada na confusão da noite, depois que o ruído da fuzilaria<br />
havia cessado:<br />
“Quando ia me retirando do campo encontrei -me com um<br />
dos nossos irmãos, o qual levava um pequeno vaso na mão,<br />
procurando água. Não o reconheci de momento, pois estava<br />
muito ensangüentado. Ele sorriu e disse: “Irmão Haime, estou<br />
muito ferido”. Eu perguntei: “Tens Jesus Cristo no coração? ”.<br />
“Sim, disse ele, “e o tenho tido comigo durante o dia inteiro.<br />
Tenho visto muitos dias bons e gloriosos, com muito de Deus,<br />
mas nunca vi mais disto do que hoje. Glória a Deus por todas<br />
as suas miseric órdias!” (Lives of Early Methodist Preachers,<br />
Vol. I, pág. 167)<br />
Quando se pode imaginar um ex<strong>em</strong>plo mais notável do poder<br />
sobrenatural da religião do que aquele que se vê nestes dois soldados<br />
enegrecidos como pólvora que, saídos de grande batalha, contam um<br />
ao outro quão notavelmente haviam sentido a presença consoladora de<br />
Deus durante todo aquele terrível e violento dia!?!<br />
A maneira <strong>em</strong> que o grande avivamento influía no exército inglês,<br />
o pessoal <strong>em</strong> que trabalhava, os fenômenos que produzia, são mais<br />
ex<strong>em</strong>plificados <strong>em</strong> narrativas individuais. <strong>Wesley</strong>, que se interessava<br />
sabiamente <strong>em</strong> religião traduzida <strong>em</strong> termos de experiência individual,<br />
fez que <strong>seu</strong>s auxiliares historiass<strong>em</strong> as suas vidas religiosas, e publicou<br />
muita destas narrativas na revista Arminian Magazine, e entre estas<br />
t<strong>em</strong>os algumas biografias dos que haviam sido soldados. São<br />
documentos verdadeiramente humanos no sentido moderno,<br />
assinalados pela veracidade <strong>em</strong> cada sentença; e, sendo escritos por<br />
homens apanhados na correnteza de um grande movimento religioso,<br />
são de valor real na história.<br />
Pode-se tirar um ex<strong>em</strong>plo da história de Staniforth, o qual era<br />
soldado até a idade de vinte e nove anos, e um pregador sob a
liderança de <strong>Wesley</strong> nos cinqüenta anos seguintes.<br />
É difícil imaginar um pedaço de humanidade mais duro ou menos<br />
esperançoso do que o Stanniforth <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s dias de moço, segundo ele<br />
mesmo descreve. Era filho de um cuteleiro (fabricante ou vendedor de<br />
instrumentos de corte, tal como o cutelo) de Sheffield – pródigo,<br />
cabeçudo, ignorante e ingrato – pecava grosseiramente e s<strong>em</strong> r<strong>em</strong>orso.<br />
Possuía os apetites de um animal, e aparent<strong>em</strong>ente não tinha mais<br />
sentimento moral do que um animal. Ele ficou atraído à soldadesca<br />
(bando de soldados indisciplinados) encantado pela camaradag<strong>em</strong><br />
profliga (depravada) dos soldados. Na história da sua juventude a figura<br />
de sua mãe se faz ver vagamente: ela chorava sobre <strong>seu</strong> filho<br />
extravagante, ia aos lugares de vícios freqüentados pelo indigno rapaz,<br />
afim de conduzi-lo para casa, lamentava os <strong>seu</strong>s vícios, e comprou a<br />
sua baixa do exército, depois que ele havia se alistado, com as suas<br />
pequenas economias. O Stanniforth diz: “tudo isso não me fazia a<br />
menor impressão. Não senti gratidão alguma n<strong>em</strong> a Deus n<strong>em</strong> ao<br />
hom<strong>em</strong>”. Ele se alistou outra vez e marchou, deixando a pobre mãe<br />
chorando na rua. E Stanniforth <strong>em</strong> sua autobiografia dá mais um<br />
retoque terrível: “Eu não somente era bravo e genioso, mas também<br />
cabeçudo e malicioso, s<strong>em</strong> qualquer sentimento humano, e até<br />
regozijei-me na dor da minha mãe”.<br />
A história de Stanniforth nós dá uma triste pintura da vida<br />
brutal, e dos vícios também brutais, de um soldado inglês no <strong>século</strong><br />
XVIII. Era de um espírito perverso e indomável, e familiar izado com<br />
as prisões militares e os cruéis castigos militares daq uela época.<br />
Stanniforth mais de uma vez escapou por pouco de ser fuzilado pela<br />
negligência de <strong>seu</strong>s deveres de soldado. Em 1743 o <strong>seu</strong> regimento<br />
partiu para Flandres poucos dias depois da batalha de Dettingen. Se<br />
o exército inglês praguejava muito nesse t<strong>em</strong>po, é certo que o<br />
soldado Stanniforth contribuía com mais do que o <strong>seu</strong> quinhão para<br />
o exercício de sua blasfêmia. A mãe de coração quebrantado de<br />
longe lhe mandou cartas tristes, e pequenos mimos comprados com<br />
os ganhos difíceis; mas este soldado bêbado, sa lteador e<br />
blasf<strong>em</strong>ador não sentia qualquer gratidão por este amor .<br />
Neste t<strong>em</strong>po Stanniforth tornou-se amigo de outro soldado<br />
raso, um rapaz de Bernard Castle, chamado Marcos Bond, que <strong>em</strong><br />
todos os traços de educação, caráter e t<strong>em</strong>peramento era o exato<br />
oposto de Stannifoth. Mas suscitou -se uma amizade de espécie<br />
antiga, tal como poucas vezes se encontra. Bond e Stanniforth eram<br />
simplesmente Damon e Pythio (heróis romanos do <strong>século</strong> IV a.C. que<br />
representavam uma amizade sincera) trasladados para o <strong>século</strong> XVIII<br />
e transformados <strong>em</strong> soldados britânicos. A história de Bond era<br />
muito simples. Era filho de pais piedosos e t<strong>em</strong>ia a Deus desde a<br />
idade de três anos. Em criança foi assaltado de grandes e terríveis<br />
tentações. Nas palavras de Stanniforth, “ele foi violenta e<br />
continuamente importunado a amaldiçoar a Deus”, e num dia fatal,<br />
quando ainda não tinha sete anos, saiu para o campo, entrou <strong>em</strong><br />
baixo de uns arbustos e com os lábios pueris (infantis) proferiu as<br />
t<strong>em</strong>íveis palavras, palavras que para a sua consciência infantil,<br />
selou a sua perdição, e que realmente escureceu a sua vida durante<br />
longos anos. Onde este menino de sete anos teria sabido algo de<br />
blasfêmia contra Deus? Ele guardou o <strong>seu</strong> segredo terrível, que lhe<br />
causava culpa e sofrimento; pensou que era certa a sua perdição e<br />
levou consigo um coração quebrantado (humilhado, quebrado).<br />
Com dezoito anos ele sentou praça (foi servir ao exército) na<br />
esperança que logo seria morto! Ser soldado era para ele um<br />
caminho indireto para o suicídio. Este soldado tristonho que<br />
silenciosamente marchava nas fileiras, que não bebia n<strong>em</strong><br />
praguejava, e que s<strong>em</strong>pre meditava naquela blasfêmia r<strong>em</strong>ota de<br />
sua meninice, foi deveras uma figura esquisita no exército desse<br />
t<strong>em</strong>po.<br />
Bond caiu sob a influência do soldado pregador, João Haime,<br />
e passou a experimentar a alegria e a liberdade do perdão divino.<br />
As novas forças nele tinham de achar expressão. Ele tinha de<br />
historiar a sua libertação para alguém; e por algum impulso<br />
estranho ele escolheu o pior hom<strong>em</strong> da companhia como <strong>seu</strong> amigo<br />
confidencial. Uma história mais estranha para ouvidos mais<br />
admirados nunca se contou. Sobre isso Stanniforth escreveu:<br />
“Ele veio a mim, e relatou o que Deus fizera para a sua<br />
alma. Mas era para mim língua desconhecida; não a<br />
compreendia; e logo que ele saia de perto de mim eu me<br />
costumava caçoar de tudo que ele dizia”.<br />
Mas Bond era paciente e invencível <strong>em</strong> <strong>seu</strong> afeto por <strong>seu</strong><br />
camarada pródigo; e por fim venceu-o.<br />
Stanniforth diz:<br />
“Ele me encontrou um dia quando eu me achava <strong>em</strong><br />
grande necessidade, não tendo n<strong>em</strong> comida, n<strong>em</strong> dinheiro,<br />
n<strong>em</strong> crédito. Quando ele veio e convidou-me para ouvir a<br />
pregação, eu lhe disse: "Melhor seria que tu me desses de<br />
comer e beber; pois estou com fome e sede”. Ele levou-me a
um mascate e deu-me de comer e beber. Então me tomou a<br />
mão e me guiou a um lugar cerca de meio milha distante do<br />
acampamento. Eu não tive desejo algum de ouvir de religião,<br />
pelo contrário, fui com grande relutância. Qu<strong>em</strong> era o pregador<br />
eu não sei; mas sei que Deus me falou ao coração. Dentro de<br />
poucos minutos, eu me achava <strong>em</strong> profundo desespero –<br />
cheio de dor com um profundo sentimento de pecado e aflição,<br />
mas t<strong>em</strong>perado com um desejo pela misericórdia. E agora eu,<br />
que nunca tinha orado durante a minha vida, continuamente<br />
clamava a Deus. Em t<strong>em</strong>pos idos eu não podia chorar; mas<br />
agora a rocha foi fendida; abriu-se uma fonte, e as lágrimas de<br />
contrição me corriam <strong>em</strong> plenitude pelas faces. Um clamor por<br />
Deus que ainda não cessou foi me posto no coração, e, tenho<br />
fé que nunca cessará." (Lives of Early Methodist Preachers,<br />
Vol. II, pág. 156)<br />
Bond exultou-se com as lágrimas do <strong>seu</strong> aflito amigo. Uma<br />
transformação estranha e instantânea se operou nos hábitos de<br />
Stanniforth. O soldado salteador, duro, bêbado blasf<strong>em</strong>ador tornou-se<br />
hom<strong>em</strong> pacato. Teve um desejo insaciável pelos cultos religiosos. Foi a<br />
uma reunião da soldadesca e postou-se desajeitado e solitário, entre os<br />
<strong>seu</strong>s camaradas. Um veio e perguntou-lhe, quanto t<strong>em</strong>po havia<br />
freqüentado a pregação. Ele respondeu que a noite passada fora a<br />
primeira vez. O rapaz então o levou à parte e disse, or<strong>em</strong>os. Stanniforth<br />
disse: “Não posso orar; nunca orei na minha vida!”. O <strong>seu</strong> camarada fêlo<br />
ajoelhar a <strong>seu</strong> lado, e neste instante veio o Bond. Depois da oração<br />
perguntaram a Stanniforth, se possuía uma Bíblia ou qualquer outro<br />
livro bom. Ele disse que não; e n<strong>em</strong> se l<strong>em</strong>brava de ter jamais lido a<br />
Bíblia. Bond tinha como <strong>seu</strong> tesouro principal um pedaço de uma velha<br />
Bíblia. Ele disse: “Leve-a contigo, pois eu posso passar melhor s<strong>em</strong> ela<br />
do que tu”.<br />
Para Stanniforth tudo era uma grande novidade, ainda estava de<br />
tudo s<strong>em</strong> conforto, mas os <strong>seu</strong>s antigos camaradas de farra tentaram<br />
<strong>em</strong> vão fazê-lo voltar a <strong>seu</strong>s hábitos anteriores. Mas ele disse da<br />
mudança que experimentara:<br />
“Eu agora possuía uma consciência muito viva; eu não<br />
podia beber, n<strong>em</strong> praguejar, n<strong>em</strong> jogar n<strong>em</strong> roubar mais. Eu não<br />
tirava uma maçã, nenhum cacho de uvas, coisa alguma que não<br />
me pertencesse”.<br />
Bond se encarregou não somente da condição espiritual do <strong>seu</strong><br />
camarada aflito, mas de <strong>seu</strong>s negócios <strong>em</strong> geral. “Ele indagou de todos<br />
os meus negócios, e, sabendo que eu havia contraído algumas dívidas,<br />
disse: “Os seguidores de Cristo dev<strong>em</strong> ser justiceiros (amantes da<br />
justiça, cumpridores da lei e deveres) primeiro, e depois caritativos<br />
(caridosos, solidários, freaternos). Unamos os nossos soldos (salários),<br />
vivamos tão economicamente quanto nos possível; e com o que sobrar<br />
pagar<strong>em</strong>os suas dívidas.” Quando se pode imaginar um mais lindo<br />
ex<strong>em</strong>plo de amizade cavalheiresca (fraterna, cristã)! Os dois camaradas<br />
agora se achavam acesos de um impulso comum; eles tinham de<br />
repreender o pecado. Eles tinham de cantar a história estranha e<br />
maravilhosa de Cristo e <strong>seu</strong> amor. Os camaradas (amigos) Ihes<br />
escutavam, admiravam e se derretiam e com eles se uniam; é como<br />
nota Stanniforth: “A chama se alastrou por todo o acampamento de<br />
modo, que tiv<strong>em</strong>os grande número de ouvintes”.<br />
Em Gand, onde o exército estava acampado por algumas s<strong>em</strong>anas,<br />
Bond e Stanniforth alugaram duas salas, uma para a pregação e outra<br />
para reuniões particulares, e aqui se reuniam duas vezes por dia,<br />
pequenos grupos de soldados. Entretanto, durante todo esse t<strong>em</strong>po<br />
Stanniforth achava-se no mais profundo desespero espiritual. A sua<br />
condição espiritual foi deveras um paradoxo. Ele estava vivendo<br />
piedosamente, mas ainda suportava o fardo de pecados não perdoados.<br />
Por fim achou entrada no mundo de Iuz por uma porta estranha.<br />
“Julguei-me a criatura mais infeliz neste mundo, mui abaixo<br />
dos brutos e das criaturas inanimadas; que <strong>em</strong> tudo<br />
correspondiam aos fins de sua criação, causa que eu nunca havia<br />
feito! Desde meia noite até as duas horas era a minha vez de ficar<br />
de sentinela num ponto mui perigoso. Eu tinha um companheiro:<br />
mas eu pedi que ele me deixasse sozinho, e isto ele fez com<br />
muito boa vontade. Logo que eu me achava sozinho eu ajoelhei,<br />
resolvido a não levantar mais, mas a continuar clamando e<br />
suplicando a Deus até que Ele me mostrasse a sua misericórdia.<br />
Quanto t<strong>em</strong>po eu estava nesta aflição eu não sei. Mas olhando<br />
para o céu vi as nuvens se abrir<strong>em</strong> com luz excessiva e vi a Jesus<br />
pendurado sobre a cruz. No mesmo instante estas palavras foram<br />
seladas ao meu coração: "Os teus pecados te são perdoados”. O<br />
meu coração ficou livre. Toda a culpa se foi, e a minha alma se<br />
encheu de uma paz indizível. Eu amava a Deus e a toda a raça<br />
humana, e desvaneceu <strong>em</strong> mim todo o t<strong>em</strong>or da morte e do<br />
inferno. Eu me senti tomado de pasmo (assombro, espanto) e<br />
admiração. (Lives of Early Methodist Praachers, Vol. lI, pág. 161<br />
).
Qu<strong>em</strong> não se sente comovido pela visão desta sentinela sozinha<br />
à meia noite, velando na frente do acampamento inimigo, orando,<br />
chorando e lutando? E repentinamente rompe sobre ela desde a<br />
escuridão uma visão tão maravilhosa como a que veio sobre Paulo fora<br />
das portas da cidade de Damasco. A visão foi real? Qu<strong>em</strong> se atreverá a<br />
dizer qual a maneira <strong>em</strong> que Deus poderá se manifestar a uma alma tal<br />
qual a deste soldado indouto e desesperado? Quando na manhã<br />
seguinte, Bond se encontrou com <strong>seu</strong> camarada, não havia<br />
necessidade de qualquer palavra de explicação. O rosto de Stanniforth<br />
denunciava a história. Bond lhe disse: “Sei que Deus t<strong>em</strong> posto a tua<br />
alma <strong>em</strong> liberdade; vejo-o no teu rosto”.<br />
A obra agora se estendeu com nova energia. As reuniões eram<br />
mais freqüentes e atraiam maiores auditórios. “Deus nos aumentou o<br />
número cada dia, de modo que tiv<strong>em</strong>os alguns (auditórios, ouvintes,<br />
trabalho de pregação) <strong>em</strong> quase todos os regimentos”.<br />
Stanniforth teve a sua primeira experiência de batalha <strong>em</strong><br />
Fontenoy. Logo antes do começo da luta o <strong>seu</strong> regimento foi mandado<br />
postar-se <strong>em</strong> repouso.<br />
Os homens se estenderam ao chão. Stanniforth nos conta como<br />
ele se adiantou uns poucos passos e caiu com o rosto sobre a relva, e<br />
“supliquei que Deus me livrasse de todo o medo e me habilitasse a<br />
portar-me como cristão e bom soldado. Graças a Deus ele me atendeu,<br />
e me tirou todo o t<strong>em</strong>or! Eu entrei nas fileiras outra vez e tinha a paz<br />
b<strong>em</strong> como o gozo no Espírito Santo”.<br />
E como pelejaram estes soldados e pregadores metodistas?<br />
Sobre o assunto existe bastante evidência. <strong>Wesley</strong> registra que havia<br />
jantado com um coronel de um dos regimentos que servia <strong>em</strong> Flandres.<br />
O qual lhe disse:<br />
“Ninguém luta como os homens que t<strong>em</strong><strong>em</strong> a Deus. Antes<br />
quero quinhentos desses tais do que qualquer regimento no<br />
exército”.<br />
A religião suavizou os espíritos incultos destes soldados<br />
metodistas, lhes dando uma notável ternura, mesmo para com os <strong>seu</strong>s<br />
inimigos. Diz o Haime:<br />
“Aos vinte e nove marchamos b<strong>em</strong> perto do inimigo, e<br />
quando os vi no <strong>seu</strong> acampamento me senti movido de amor e<br />
compaixão por suas almas”. Foi deveras um sentimento tão<br />
estranho quanto era nobre num soldado britânico da coluna<br />
inimiga!<br />
"Uns dias antes da batalha", diz um destes soldados<br />
Metodistas, "um deles, estando à porta de sua barraca,<br />
rompeu <strong>em</strong> transporte de alegria, sabendo que a sua partida<br />
se aproximava, e estava tão cheio do amor de Deus que ele<br />
dançava diante de <strong>seu</strong>s camaradas. Na batalha antes de<br />
morrer, ele declarou abertamente: ”Vou descansar dos meus<br />
trabalhos no seio de Jesus“. Creio que antes nunca se ouviu<br />
coisa s<strong>em</strong>elhante no meio de exército tão ímpio como o<br />
inglês. Alguns feridos exclamavam: “Vou ter-me com o<br />
Amado”. Outro dizia: ”V<strong>em</strong>, Senhor Jesus, v<strong>em</strong> depressa“! E<br />
muitos que não estavam feridos, clamavam ao Senhor, que<br />
os levasse para si. Havia tanta corag<strong>em</strong> na batalha entre este<br />
pequeno rebanho de desprezados que os oficiais ficaram<br />
admirados; e o confessam até o dia de hoje”. (Lives of Early<br />
Methodist Prenchers – vol II, pág. 163)<br />
Fontenoy é uma das batalhas mais sangrentas da história. É difícil<br />
mencionar batalha <strong>em</strong> que havia menos baixas entre os generais, ou<br />
mais corag<strong>em</strong> e persistência nas fileiras. O regimento do soldado<br />
Stanniforth participou na ação mais quente do dia. Ele diz: “Durante o<br />
dia inteiro eu me achava muito animado, e tão calmo <strong>em</strong> pensamento<br />
como se eu estivesse a ouvir um sermão. Não desejava a vida n<strong>em</strong> a<br />
morte, mas me sentia completamente feliz <strong>em</strong> Deus”. Terminada a luta<br />
os Metodistas sobreviventes se reuniram.<br />
“Começamos então a indagar quais entre os do nosso<br />
regimento haviam ido ao céu. Sentimos a falta de muitos<br />
dentre os do nosso regimento. Um dizia: “Ó quão feliz eu me<br />
sinto!” Enquanto falava, um tiro de canhão lhe tirou a cabeça.<br />
Perd<strong>em</strong>os quatro pregadores e muitos m<strong>em</strong>bros da sociedade<br />
metodista. Mas o meu querido companheiro, com os outros<br />
irmãos do regimento ainda permaneciam como o coração de<br />
um só hom<strong>em</strong>.” Tal era a religião dos soldados nesse t<strong>em</strong>po<br />
antes de quaisquer entre eles se corromper<strong>em</strong> com idéias<br />
novas! Eu então pensava, que esta condição de vida é a única<br />
para amar e servir a Deus. Eu não havia de trocá-la por<br />
qualquer outra, foss<strong>em</strong> quais foss<strong>em</strong> as vantagens<br />
oferecidas.” (Lives of Early Metodista Preachers, VoI. lI, pág.<br />
169)<br />
O regimento de Stanniforth foi chamado outra vez para a
Inglaterra pelo levantamento das Highlands a favor do príncipe Carlos.<br />
Depois de Culloden, o regimento recolheu-se ao quartel <strong>em</strong> Canterbury<br />
e Stanniforth enamorou-se e casou; mas no mesmo dia do <strong>seu</strong><br />
casamento foi chamado a <strong>seu</strong> regimento, então sob ordens repentinas a<br />
seguir para a Holanda. Ele beijou a esposa e marchou. Tomou parte na<br />
batalha renhida (disputada, sangrenta), mas inútil à frente de Maestricht,<br />
e ali perdeu o <strong>seu</strong> fiel amigo Marcos Bond. O comandante, príncipe<br />
Carlos, abandonou a sua retaguarda (parte das tropas) para a<br />
destruição, e escapou com o <strong>seu</strong> exército principal. Stanniforth diz:<br />
“Nós estávamos à espera de ordens de retirada, mas o<br />
príncipe Carlos esqueceu-se de mandá-las, estando muito<br />
entretido com os <strong>seu</strong>s copos e as suas senhoras. A retaguarda<br />
foi atacada por forças sobrepujantes (superiores ), pelejou com<br />
bravura até ficar desfacelada e entã o se retirou.”<br />
Stanniforth também registra:<br />
“Todo este t<strong>em</strong>po eu me achava esperando e todo o<br />
t<strong>em</strong>or havia desaparecido. Não havia tr<strong>em</strong>or no meu espírito, e<br />
a presença de Deus estava comigo o dia inteiro. Meu querido<br />
camarada estava à minha direita, e havia estado durante toda<br />
à noite. Como nós nos achávamos na primeira fileira, veio uma<br />
bala de fuzil que lhe feriu a perna, ele me caiu aos pés, e<br />
olhando para mim, disse: “meu caro, estou ferido”. Eu com<br />
mais outro o tomamos nos braços e o levamos fora das fileiras,<br />
enquanto ele me exortava a permanecer firme no Senhor. Nós<br />
o deixamos, e deixando -o, voltamos às fileiras. Em nossa<br />
retirada eu encontrei -me outra vez com o meu querido amigo<br />
que havia recebido outro balaço na coxa. Mas o <strong>seu</strong> coração<br />
estava cheio de amor, e <strong>seu</strong>s olhos cheios da luz do céu. Eu<br />
posso dizer com verdade: Ah! Caiu um grande cristão, um bom<br />
soldado, um amigo fiel.”<br />
Depois de sua baixa do exército Stanniforth tornou-se um dos<br />
pregadores de <strong>Wesley</strong>, e levou para a sua pregação a energia e a<br />
corag<strong>em</strong> de <strong>seu</strong>s dias de soldado. Ele morreu de velho, e entre as<br />
últimas palavras disse: “Meu Deus sou teu; que conforto divino , que<br />
privilégio saber que Jesus é meu!”<br />
Haime era soldado de outro tipo, e passou por uma experiência<br />
b<strong>em</strong> curiosa: ele era rapaz de Dorsetshire, violento <strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong>peramento, e grosseiro <strong>em</strong> discurso, e completamente<br />
extravagante <strong>em</strong> conduta. Ele, como Marcos Bond, por uma<br />
experiência espiritual que hoje seria quase desconhecida – uma<br />
tentação violenta para blasf<strong>em</strong>ar de Deus. Afinal cedeu, no silêncio<br />
do <strong>seu</strong> coração ele formulou as t<strong>em</strong>íveis palavras e então o tentador<br />
lhe disse: ”Tu és infalivelmente condenado”. O infeliz jov<strong>em</strong> ficou de<br />
coração quebrantado (humilhado, quebrado ). Ele vacilou por algum<br />
t<strong>em</strong>po entre planos de suicídio e terríveis acessos de prazeres<br />
viciados. Os terrores do pecado lhe assombravam. Ele teve<br />
experiências que dificilmente acharão paralelas senão na literatura<br />
fradesca.<br />
“Uma noite ao deitar-me, não ousando, dormir s<strong>em</strong> oração,<br />
caí de joelhos, e comecei a ponderar: “Que devo pedir? Não<br />
tenho n<strong>em</strong> a vontade n<strong>em</strong> o poder de fazer qualquer coisa boa”.<br />
Então me veio a l<strong>em</strong>brança: “Não hei de orar, n<strong>em</strong> quero ser<br />
obrigado a Deus por qualquer misericórdia”. Levantei-me dos<br />
joelhos s<strong>em</strong> orar e deitei-me, mas não <strong>em</strong> paz. Nunca antes tive<br />
uma noite tal. Eu senti como se o meu corpo estivesse no fogo e<br />
tinha um inferno na consciência. Eu estava plenamente convicto<br />
que o diabo se achava no quarto”.<br />
Ele foi violentamente tentado a repetir o ato de blasfêmia contra<br />
Deus, e <strong>em</strong> certo dia quando a tentação vinha sobre ele com violência<br />
sobrepujante, diz ele:<br />
“Tendo eu um pau na mão eu o arrojei (joguei-o com força e<br />
ímpeto) na direção do céu, contra Deus com o mais forte ódio.<br />
Logo vi no céu uma criatura s<strong>em</strong>elhante a um cisne, porém maior,<br />
<strong>em</strong> parte preto e <strong>em</strong> parte pardo. Voou a meu encontro, e passou<br />
um pouco acima da minha cabeça, indo aterrar-se (pousar) a<br />
umas quarenta jardas distante, e dai ficou me olhando. Isto se deu<br />
num dia mui claro, e por volta das 12 horas”.<br />
Haime agora sentou praça num regimento de dragões, deixando a<br />
mulher e filhos, Quando o <strong>seu</strong> regimento se achava <strong>em</strong> marcha para a<br />
Escócia o primeiro vislumbre de luz rompeu na escuridão do pobre<br />
soldado. Caiu-lhe nas mãos “A Graça Super abundante ao Principal<br />
Pecador”, escrito por João Bunyan. E através do espaço de mais de<br />
c<strong>em</strong> anos a voz do mecânico do Bedfordshire falou ao coração deste<br />
aflito soldado.<br />
“Um dia andando à beira do Tweed eu clamei <strong>em</strong> alta voz,<br />
tendo sede de Deus: “Oh, que tu me dignasses ouvir a minha<br />
oração, e deixasses subir a ti o meu clamor!” O Senhor me ouviu.<br />
Mandou-me resposta graciosa. Ele me ergueu da masmorra.<br />
Tirou-me a tristeza e o t<strong>em</strong>or, e encheu-me a alma de paz e gozo
no Espírito Santo. O rio corria com ligeireza e toda a natureza<br />
parecia regozijar-se comigo. Eu me senti deveras livre; e se eu<br />
tivesse tido alguém para guiar-me nunca mais precisaria cair na<br />
escravidão”.<br />
Mas o raio de luz esvaneceu-se logo, e outra vez o pobre Haime<br />
andou no mundo de terrores. “Muitas vezes”, diz ele, “eu parava na<br />
rua t<strong>em</strong>endo que se eu prosseguisse cairia no inferno”.<br />
Qual é o segredo de experiências tais como a de Haime e Bond?<br />
Não nasceram sob a sombra de qualquer credo t<strong>em</strong>ível. Nenhuma<br />
teologia sombria lhes envenenara a imaginação. Praticamente não<br />
possuíam teologia alguma, quer boa quer má. O segredo está no senso<br />
vago e inconsciente dos terrores de um Deus ofendido despertado na<br />
consciência humana, s<strong>em</strong> ser acompanhado por qualquer visão da<br />
misericórdia perdoadora de Deus <strong>em</strong> Cristo.<br />
O regimento de Haime foi enviado a Flandres, e vagarosamente,<br />
com muitas lutas e quedas, ele achou caminho para a luz e a alegria.<br />
Ele escreveu a <strong>Wesley</strong>, e a resposta deste é interessante, pois fornece<br />
uma idéia da correspondência que <strong>Wesley</strong> mantinha com as multidões<br />
de todas as classes.<br />
“É de uma grande benção”, escreveu <strong>Wesley</strong>, “que Deus já<br />
te fez participante, mas se continuares a esperar nele ainda verás<br />
maiores coisas do que essas. Este é somente o começo do reino<br />
do céu que Ele há de estabelecer no teu coração. Se Ele te der<br />
companheiros no caminho estreito, estará b<strong>em</strong> e estará b<strong>em</strong> se<br />
Ele não o fizer. Tanto mais Ele mesmo te ensinará e fortalecerá.<br />
Ele te fortalecerá no íntimo do teu coração. Mas não percas<br />
oportunidade alguma. Fala e não te cales. Declara aquilo que<br />
Deus t<strong>em</strong> efetuado na tua alma. Não te importes com a prudência<br />
deste mundo. Não te envergonhes de Cristo, n<strong>em</strong> de sua palavra,<br />
n<strong>em</strong> de <strong>seu</strong>s servos. Fala a verdade com amor, mesmo no meio<br />
de uma geração corrupta”. (Lives of Early Methodist Preachers,<br />
vol. II, pág. 158.)<br />
Haime tomando o conselho de <strong>Wesley</strong>, começou a falar de Cristo<br />
a <strong>seu</strong>s camaradas. EIe tomou parte na batalha de Dettingen, e a sua<br />
narração da luta é de muito interesse.<br />
“Logo que eu me uni ao regimento o hom<strong>em</strong> à minha<br />
esquerda caiu fulminado. Clamei a Deus, e disse: “Em ti tenho<br />
confiado, não permitas que eu seja confundido”. O meu coração<br />
se encheu de amor, paz e gozo inefáveis. Eu me achava num<br />
novo mundo. Eu soube dizer com verdade: “Ele é precioso para<br />
os que crê<strong>em</strong>”. Suportei o fogo do inimigo durante sete horas. E<br />
quando a batalha terminou fui enviado com outros <strong>em</strong> busca do<br />
tr<strong>em</strong> de bagag<strong>em</strong>, mas voltamos s<strong>em</strong> êxito. Neste meio t<strong>em</strong>po o<br />
exército havia mudado e eu não sabia o rumo que tomara. Fui ao<br />
campo onde a batalha fora ferida (acontecera), e tal cena de<br />
miséria humana eu nunca vi! Era bastante para comover o<br />
coração mais duro. Não sabia que caminho eu devia tomar,<br />
t<strong>em</strong>endo cair nas mãos do inimigo. Mas tendo começado a chover<br />
multo, eu segui avante, <strong>em</strong>bora não soubesse para onde ir. Então<br />
ouvi o rufo de um tambor, adiantei-me na direção de onde vinha o<br />
som e logo me achei com o exército. Mas não me era possível<br />
achar a minha barraca n<strong>em</strong> consegui que me recebess<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />
qualquer outra. Assim estando muito molhado e fatigado, eu me<br />
envolvi na minha capa e deitei-me para dormir. E ainda que<br />
continuasse a chover sobre mim, e a água correu <strong>em</strong>baixo de<br />
mim, eu tive a melhor noite de descanso da minha vida”.<br />
Depois da batalha, o exército retrocedeu para Flandres e ficaram<br />
aquartelados perto de Gand. Haime, conta como ele começou reuniões<br />
ali:<br />
“Estando <strong>em</strong> Gand, fui uma manhã à Igreja Anglicana à<br />
hora do costume. Mas não havia n<strong>em</strong> gente n<strong>em</strong> ministro.<br />
Quando eu ia entrando na igreja, dois homens que pertenciam ao<br />
tr<strong>em</strong> entraram, João Evans e Pitman Stag. Um deles disse: "A<br />
gente d<strong>em</strong>ora-se". Eu disse: "Entretanto eles julgu<strong>em</strong>, vivam<br />
como quiser<strong>em</strong>, irão ao céu depois da morte. Mas receio que a<br />
maioria ficará grand<strong>em</strong>ente desapontada”. Eles me cont<strong>em</strong>plaram<br />
com admiração, e queriam saber o que eu estava a dizer. Eu Ihes<br />
disse: “Nada de impuro pode habitar com o Santo Deus”. Tiv<strong>em</strong>os<br />
umas palavras mais e designamos uma reunião para a noite.<br />
Alugamos um quarto e reunimos cada noite para orar e ler as<br />
Escrituras Sagradas. Dentro <strong>em</strong> pouco éramos como pássaros<br />
pintados, ou homens esquisitos. Mas alguns começaram a<br />
escutar na janela, e logo desejavam se reunir conosco. Logo as<br />
nossas reuniões se tornavam mais queridas do que o próprio<br />
alimento.<br />
Devia ter sido mui difícil se manter<strong>em</strong>-se serviços religiosos entre<br />
tropas que estavam constant<strong>em</strong>ente de marcha; mas Haime nos explica<br />
o <strong>seu</strong> método.
"O nosso plano geral foi, logo que nos achávamos<br />
estabelecidos <strong>em</strong> qualquer acampamento, construirmos um<br />
tabernáculo, com dois, três ou quatro compartimentos. Um dia<br />
vieram três oficiais para ver nossa capeIa, como eles a<br />
chamaram. Fizeram-nos muitas perguntas. Um perguntou-me<br />
particularmente daquilo que eu pregava. Eu respondi: “Prego<br />
contra o praguejar, a impureza e a bebedice; e exorto aos homens<br />
que se arrependam dos <strong>seu</strong>s pecados que não venham a<br />
perecer”. Ele começou a imprecar horrivelmente, e disse que se<br />
estivesse no <strong>seu</strong>, poder me açoitaria até que eu morresse. Eu lhe<br />
disse: “Senhor, vós tendes uma comissão sobre os homens, mas<br />
eu sou comissionado por Deus para dizer-vos que tendes de vos<br />
arrepender dos vossos pecados ou perecereis eternamente”.<br />
O fogo alimentado com tanta corag<strong>em</strong> estendeu-se, e Haime diz:<br />
“Tiv<strong>em</strong>os agora trezentos <strong>em</strong> nossa sociedade, e seis pregadores, não<br />
me contando a mim”. A sangrenta batalha <strong>em</strong> Fontenoy trist<strong>em</strong>ente<br />
reduziu o piedoso grupo, mas o bom trabalho ainda prosseguiu. E não<br />
raramente oficiais se achavam entre os ouvintes de Haime e um dia o<br />
Duque de Cumberland veio e postou-se entre a multidão que escutava.<br />
Mas a experiência humana é suscetível a mudanças trágicas.<br />
Haime foi tentado e caiu. Ele nos dá a data com triste exatidão. Aos 6<br />
de abril de 1746, eu estava desprevenido, e caí <strong>em</strong> uma grande<br />
tentação. “Veio com a ligeireza do relâmpago, não sabia se ainda<br />
estava com os meus sentidos; eu caí, e o Espírito de Deus retirou-se de<br />
mim”. Durante vinte anos o pobre Haime andou na sombra daquela<br />
queda. Ele passou por experiências religiosas que a nada se ass<strong>em</strong>elha<br />
tanto como aos mais escuros confins do inferno de Dante. A dor lhe<br />
minou a saúde e até afetou os <strong>seu</strong>s sentidos.<br />
“Eu não podia ver o sol por mais de oito meses. No dia mais<br />
claro do verão eIe s<strong>em</strong>pre parecia como uma massa de sangue.<br />
Ao mesmo t<strong>em</strong>po perdi o uso dos meus joelhos. Não posso<br />
descrever o que senti. Eu podia dizer com verdade: "Tu tens<br />
enviado fogo aos meus ossos”. Muitas vezes me achava tão<br />
quente como se estivesse a perecer de incêndio. Muitas vezes<br />
olhei para ver se a minha roupa não estava <strong>em</strong> chamas. Tenho<br />
entrado no rio para me refrescar, mas s<strong>em</strong> resultado. Pois que<br />
poderia apagar a ira de Deus que Ele havia soltado contra mim?<br />
Outras vezes <strong>em</strong> pleno verão tenho me sentido com tanto frio que<br />
eu não sabia como suportá-lo. Toda a roupa que eu vestia não me<br />
dava calor, eu tiritava (tr<strong>em</strong>ia, batia os dentes), e até os próprios<br />
ossos tr<strong>em</strong>iam. Deus permita que nunca sintamos quão quente ou<br />
quão frio é o inferno”.<br />
Mas foss<strong>em</strong> quais foss<strong>em</strong> as águas fundas <strong>em</strong> que Haime se<br />
debatesse, ele ainda pregava, admoestava e exortava. “Alguns poderão<br />
indagar, o que me movia a pregar, <strong>em</strong> quanto eu me achava <strong>em</strong> tão<br />
triste estado? Eles terão de perguntar a Deus, pois eu não sei. Os <strong>seu</strong>s<br />
caminhos são insondáveis”. Em outro lugar Haime diz: “Quando<br />
Satanás t<strong>em</strong> sugerido fort<strong>em</strong>ente – ”No fim de tudo eu vou te levar!” –<br />
no momento que eu vou pregar, eu tenho respondido, às vezes com<br />
d<strong>em</strong>ais calor (convicção): “Hei de livrar mais um de tuas mãos<br />
primeiro”. E muitos, enquanto eu mesmo permanecia nó abismo,<br />
foram verdadeiramente convictos e convertidos a Deus.<br />
Não é fácil imaginar se uma figura que ao mesmo t<strong>em</strong>po seja<br />
mais digna de lástima n<strong>em</strong> mais heróica do que a deste soldadopregador,<br />
carregado do fardo daquele pecado r<strong>em</strong>oto e ainda pregando<br />
a outros o Evangelho que ele mesmo não fruía. Depois de sua baixa do<br />
exército Haime foi a <strong>Wesley</strong> e pediu que o aceitasse como um de <strong>seu</strong>s<br />
pregadores. <strong>Wesley</strong> cont<strong>em</strong>plou com olhos ladinos (astutos, críticos),<br />
mas bondosos o rosto desfigurado do veterano e o aceitou. Mais tarde<br />
fê-lo por algum t<strong>em</strong>po o <strong>seu</strong> companheiro pessoal, levando-o consigo<br />
nas viagens. Foi assim que Haime achou caminho para uma<br />
experiência satisfatória, e morreu com quase oitenta anos de idade. A<br />
sua última oração, proferida <strong>em</strong> voz desfalecente, era:<br />
“Ó Deus Todo-poderoso, Tu que habitas na luz inaccessível<br />
a mortais, e onde coisa alguma de imundo pode entrar, purifica os<br />
pensamentos dos nossos corações; concede-nos continuamente<br />
a tua doce paz e o sossego e a certeza do teu favor”.<br />
Homens como Haime, Stanniforth e Bond são tipos de uma<br />
classe; são figuras que simbolizam as forças de uma revolução<br />
espiritual. Estes homens, pelo menos durante as primeiras épocas de<br />
suas vidas religiosas, pessoalmente deviam pouco a <strong>Wesley</strong>.<br />
Haime <strong>em</strong> sua primeira carta a <strong>Wesley</strong> diz:<br />
”Sou a vós estranho na carne. Não sei se tenho vos visto<br />
senão uma vez quando vi a vós pregando aos devolutos<br />
(desocupados) de Kinnington. E então eu vos aborreci tanto<br />
quanto agora, pela graça de Deus, vos amo”.<br />
Eles suportaram grandes lutas antes de ver a face dele<br />
(encontrar<strong>em</strong>-se pessoalmente com João <strong>Wesley</strong>), mas <strong>Wesley</strong> era o
<strong>seu</strong> diretor natural. A sua simpatia pelo exército era s<strong>em</strong>pre viva e<br />
alerta. Ele registra no <strong>seu</strong> Diário, falando da Irlanda: “A primeira<br />
chamada é para a soldadesca”.<br />
O caráter de <strong>Wesley</strong> era de uma natureza que apelava<br />
especialmente para aquilo que se pode chamar a imaginação militar – a<br />
sua corag<strong>em</strong>, o <strong>seu</strong> instinto pela disciplina e o <strong>seu</strong> porte e acento de<br />
comando. Era também a única figura visível <strong>em</strong> todo o movimento<br />
espiritual que afetou estes soldados. Estes falavam de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> suas<br />
marchas, escreviam a ele de <strong>seu</strong>s acampamentos, passavam de mão<br />
<strong>em</strong> mão, como jóias, as cartas que eIe havia escrito a alguns deles E<br />
quando davam baixas era natural que se uniss<strong>em</strong> a suas sociedades.<br />
Aqueles corajosos soldados metodistas jaz<strong>em</strong> esquecidos <strong>em</strong><br />
covas espalhadas sobre o continente; mas vale a pena tê-los <strong>em</strong><br />
m<strong>em</strong>ória: mostram-se como as novas forças espirituais, passando pela<br />
Inglaterra, alcançaram pessoas, grupos e classes que pareciam muito<br />
além do alcance dos pregadores e guias daquele movimento.<br />
CAPÍTULO XXII<br />
Como o Trabalho se Estendeu - Escócia.<br />
Já se sabe que uma revolução espiritual, tal como agora se<br />
desenrolava, não poderia ser contida <strong>em</strong> estreitos limites geográficos.<br />
Os próprios ventos haviam de levá-la por terras e por mares.<br />
Georde Whitefield foi o Avant Courrier do movimento, o príncipe<br />
Rupert (filho mais jov<strong>em</strong> do rei Frederico V apontado como comandante<br />
da cavalaria real durante a Guerra Vicil Inglesa e explorador da parte<br />
norte da então colônia inglesa naa América do Norte) exército espiritual.<br />
João <strong>Wesley</strong> possuía menos imaginação e mais senso prático do<br />
que o <strong>seu</strong> camarada (amigo). Os horizontes r<strong>em</strong>otos não lhe tentavam;<br />
o <strong>seu</strong> espírito se concentrava no trabalho logo à mão. Com o sábio<br />
instinto de grande líder, ele procurava fazer seguro (consolidado) cada<br />
passo tomado antes de dar outro.<br />
Foi assim que dez anos antes de <strong>Wesley</strong>, Whitefield chegou à<br />
Escócia. Os Erskines, que encabeçavam uma dissidência da Igreja<br />
Escocesa nos começos do <strong>século</strong> XVIII, e haviam formado o que era<br />
conhecido como o Presbitério Associado, instaram que ele viesse, e <strong>em</strong><br />
julho de 1741 ele visitou a Dunfermline e teve uma Conferência com o<br />
Erskine Velho.<br />
Whitefield pelo menos possuía um ponto de ardente contacto e<br />
identificação com os Erskines. Era calvinista (adepto da teologia da<br />
predestinação defendida de João Calvino, que se opunha à teologia da<br />
salvação pela graça de Tiago Armínio, a principal doutrina da pregação<br />
de João <strong>Wesley</strong>) convicto, e a convivência com o grande avivalista<br />
Jonathan Edwards na América havia dado a <strong>seu</strong> Calvinismo uma<br />
têmpera (t<strong>em</strong>pero, consistência) ainda mais resoluta. Mas também<br />
existia entre eles (Whitefield e os Erskines) um ponto fundamental de<br />
discórdia. Os dissidentes, segundo <strong>seu</strong> modo escocês, eram fanáticos<br />
no assunto de governo eclesiástico. Eram tão solícitos pelos direitos do<br />
povo na escolha de <strong>seu</strong>s ministros, como eram pela vera doutrina dos<br />
decretos eternos, ou da divindade de Cristo. A impiedade das leis da<br />
patronag<strong>em</strong> era para eles tão detestáveis como as piores formas de<br />
arianismo (teologia do Bispo Ário sobre Jesus que foi condenada pelos
Concílios Gerais da Igreja como sendo heresia). Como os <strong>seu</strong>s inimigos<br />
naturais, os sacerdotalistas, a sua teologia não tinha perspectiva.<br />
É certo que os Erskines desejavam cativar a Whitefield. Ralph<br />
Erskine escreveu: “A não ser que venhas com o propósito de unir-vos e<br />
permanecer conosco no Presbitério Associado eu teria receio das<br />
conseqüências da vossa vinda”. Mas Whitefield menos que ninguém<br />
seria o hom<strong>em</strong> a meter-se <strong>em</strong> estreitos limites eclesiásticos. Ele visitou<br />
o Presbitério Associado composto de homens sérios e veneráveis, e<br />
escreve que depois de uma breve conversa, eles procederam à escola<br />
de um Moderador:<br />
“Eu perguntei: “por quê?”. Eles responderam que<br />
desejavam discorrer comigo e instruir-me a respeito do Governo<br />
Eclesiástico, e da Liga e Aliança SoIenes. Eu respondi que eles<br />
poderiam poupar-se deste trabalho porque eu não tinha escrúpulo<br />
algum acerca disso, e que determinar o governo eclesiástico e<br />
pregar acerca da Liga e Aliança SoI<strong>em</strong>nes não eram do meu<br />
plano” (<strong>Wesley</strong> e Whitefield na Escócia, por ButIer, pág. 23).<br />
Whitefield acrescentou que ele “nunca tinha feito assunto de<br />
estudo da Liga e Aliança Solenes, sendo ocupado de coisas de maior<br />
importância. Isto ao ouvidos dos venerandos dissidentes, não era<br />
menos do que a blasfêmia ousada. Alguns teólogos zangados<br />
exclamavam que “cada prego no tabernáculo era precioso”. Aos olhos<br />
de Whitefield o prego estava <strong>em</strong> perigo de ser considerado mais<br />
precioso do que tabernáculo inteiro! Eles pediram que Whitefield<br />
pregasse só a eles, até que recebesse mais luz.<br />
“Eu perguntei, por que pregar somente para eles? O<br />
Sr.Ralph Erkine disse “que eIes eram o povo de Deus”. Eu então<br />
perguntei se Deus não tinha mais gente além deles, e na<br />
suposição de que todos os d<strong>em</strong>ais foss<strong>em</strong> gente do Diabo,<br />
certamente precisariam mais da pregação, e que eu, portanto, me<br />
achava mais e mais resolvido a sair aos caminhos e valados<br />
(propriedades cercadas por valas, trincheiras ), e que se o<br />
próprio Papa me desse <strong>em</strong>prestado o <strong>seu</strong> púlpito dali mesmo<br />
eu alegr<strong>em</strong>ente proclamaria a justiça de Cristo. (<strong>Wesley</strong> e<br />
Whitefield na Escócia por Butler, pág. 24).<br />
Para certo correspondente que tentara converter a Whitefield às<br />
idéias corretas de ord<strong>em</strong> eclesiástica, o grande pregador expôs com<br />
simplicidade toda a sua teoria da ord<strong>em</strong> na igreja. Ele diz:<br />
“Eu desejo que não vos incomodeis a vós <strong>em</strong> a mim <strong>em</strong><br />
escrever-me acerca da corrupção da Igreja Anglicana. Creio que<br />
não existe igreja perfeita abaixo do céu; mas como Deus, na sua<br />
providência, houve por b<strong>em</strong> me enviar para pregar simplesmente<br />
o Evangelho a todos, julgo que não é necessário jogar-me fora”.<br />
Em suma, o esforço para fazer Whitefield preso a uma pequena<br />
rede de teorias eclesiásticas foi como se alguém tentasse chamar uma<br />
ave marítima do <strong>seu</strong> majestoso voar no espaço e a tentar engaiolar.<br />
Whitefield logo começou a pregar ao ar livre <strong>em</strong> Edimburgo. A<br />
Escócia é terra de grandes pregadores, mas ainda nunca ouvira<br />
pregação que se igualasse à de Whitefield. A sua voz sonora e<br />
melodiosa ressoava sobre as grandes multidões como vibrações de um<br />
grande sino. O <strong>seu</strong> ardor, a nota apaixonada que percorria a sua<br />
retórica, as cadências trêmulas da sua eloqüência, as lágrimas que<br />
visivelmente lhe corriam pelas faces, o zelo flamejante que ardia <strong>em</strong><br />
cada sílaba e que dava energia a todo o gesto – estas coisas cativavam<br />
as multidões escocesas. Em regra, a pregação escocesa apela mais à<br />
razão do que à <strong>em</strong>oção, e geralmente um auditório escocês não quer<br />
ver a <strong>em</strong>oção n<strong>em</strong> manifestá-la. Mas exist<strong>em</strong> fontes profundas de<br />
sentimento escondido no caráter viril dos escoceses, profundezas cuja<br />
existência é muitas vezes desconhecida por <strong>seu</strong> possuidor; e Whitefield<br />
soube descobri-las.<br />
Ele visitou a Escócia quatorze vezes, e nunca antes n<strong>em</strong> depois<br />
houve tais triunfos, sobre auditórios escoceses por uma só voz. Ele<br />
pregou, nos campos ao redor de Edimburgo a multidões de 20.000<br />
pessoas. Na sua segunda visita foram erguidas grandes fileiras de<br />
bancadas no Hospital, e alugadas aos ouvintes por preços estipulados.<br />
A energia concentrada e constante do trabalho de Whitefield na Escócia<br />
b<strong>em</strong> pode parecer incrível nestes t<strong>em</strong>pos modernos. No domingo ele<br />
pregou quatro vezes <strong>em</strong> Edimburgo a vastas multidões e fez uma<br />
preleção à noite numa casa particular. Na segunda-feira pregou três<br />
vezes e outra vez fez uma preleção à noite. Na terça-feira ele pregou<br />
sete vezes e escreve no fim do dia: “Sinto-me, tão renovado como<br />
quando levantei de manhã”. De que substância foram constituídos a<br />
sua carne e sangue?<br />
Mais tarde, quando no pleno desdobramento de <strong>seu</strong>s serviços<br />
apinhados, ele calmamente anota no <strong>seu</strong> Diário:<br />
“Sinto-me grand<strong>em</strong>ente fortalecido na alma como no corpo,<br />
e não posso passar b<strong>em</strong> s<strong>em</strong> pregar três vezes por dia”.
A pregação não lhe minava as forças, antes parecia fortalecê-la!<br />
Butler na sua mui interessante obra “João <strong>Wesley</strong> e Jorge<br />
Whitefield na Escócia”, diz que Whitefield influiu nas cidades escocesas<br />
pela sua pregação como o pregador Jerônimo Savonarola influiu <strong>em</strong><br />
Florença; mas a pregação de Whitefield foi mais intensamente espiritual<br />
do que a do grande florentino, e tomava um voar mais elevado. Talvez a<br />
obra de Whithefield na Escócia alcançou o <strong>seu</strong> auge <strong>em</strong> Cambuslang.<br />
Aqui um pregador escocês Mc Culloch, hom<strong>em</strong> de belos dotes e de<br />
zelo intenso, preparara o caminho para Whitefield. Nas palavras do<br />
próprio Whitefield pod<strong>em</strong>os descrever a cena quando pregava:<br />
“Ao meio dia eu cheguei a Cambuslang e preguei às duas<br />
horas a um vasto concurso de gente; outra vez às seis, e outra<br />
vez às nove da noite. Certamente nunca houve tais comoções<br />
especialmente às onze horas da noite. Durante uma hora e meia<br />
havia muito choro, e muitos <strong>em</strong> grande desespero, davam<br />
expressão <strong>em</strong> vários modos, que não se pode descrever. O povo<br />
parecia morto às centenas. O <strong>seu</strong> desespero e clamor eram<br />
comoventes. Nos campos durante a noite inteira se ouviam as<br />
vozes de oração e louvor” (<strong>Wesley</strong> e Whitefield na Escócia por<br />
Butler, pág. 36).<br />
Mais tarde, se produziam efeitos ainda mais notáveis:<br />
“Nunca antes vi uma comoção tão universal. A <strong>em</strong>oção se<br />
movia com a ligeireza do relâmpago de ama a outra extr<strong>em</strong>idade<br />
do auditório. Milhares se achavam banhados de lágrimas – alguns<br />
torciam as mãos outros quase desmaiavam e outros clamavam e<br />
lamentavam um Salvador traspassado. Toda à noite <strong>em</strong><br />
companhias diferentes, pessoas oravam a Deus e O louvavam”.<br />
Que Whitefield fez a vida espiritual de toda a Igreja Escocesa<br />
pulsar com mais ligeireza, na ocasião, não é de duvidar. Entretanto não<br />
deixou qualquer marca permanente sobre a religião Escocesa.<br />
Edimburgo hoje não t<strong>em</strong> mais sinal dele do que Florença t<strong>em</strong> de<br />
Savonarola.<br />
Os Dissidentes que convidaram a Whitefield para a Escócia<br />
cont<strong>em</strong>plavam o <strong>seu</strong> êxito com alarme e desgosto. Visto ele não querer<br />
marchar sob a bandeira deles era-lhes nada menos do que inimigo. Eles<br />
concertaram (combinaram) um dia de jejum e humilhação por ter<strong>em</strong><br />
dado qualquer apoio a WhitefieId, “Presbítero da Igreja anglicana que<br />
havia tomado o juramento de supr<strong>em</strong>acia e abjurado a Liga e Aliança<br />
Solenes”. Todos os resultados de sua pregação eles secamente<br />
atribuíram ao Diabo – tão cego é o fanatismo!<br />
Em 1751, dez anos depois que Whitefield passara a fronteira,<br />
capitão GalIatin, piedoso oficial do exército, estacionado <strong>em</strong><br />
Musselburgo, convidou a João <strong>Wesley</strong> para visitá-lo. Whitefield instou<br />
fort<strong>em</strong>ente com ele que não fosse, dizendo-lhe francamente:<br />
“Não tendes nada ali, pois os vossos princípios são tão b<strong>em</strong><br />
conhecidos que mesmo que falásseis como um Anjo ninguém vos<br />
ouviria; e se ouviss<strong>em</strong>, não teríeis outra coisa a fazer senão<br />
discutir com um e outro de manhã até a noite”.<br />
Deve-se admitir que <strong>Wesley</strong> tinha algumas qualificações<br />
claramente prejudiciais a uma viag<strong>em</strong> à Escócia. Todos sabiam que ele<br />
se aborrecia da teologia calvinista. Ele era pregador do tipo que se pode<br />
chamar escocês, apelando mais a razão e à consciência do que as<br />
<strong>em</strong>oções, e faltava-lhe o poder sobrepujante de <strong>em</strong>ocionar que<br />
Whitefield possuía. Portanto, a sua pregação, para os ouvintes<br />
escoceses seria privada do encanto de novidade. Mas como <strong>Wesley</strong><br />
escreveu a Whitefield:<br />
“Se Deus me mandar, o povo há de ouvir. Não procurarei<br />
discussões; pois calculadamente me absterei de pontos de<br />
controvérsia, e me cingirei (aterei, restringirei) às verdades<br />
fundamentais do cristianismo; e se houver ainda alguns que<br />
queiram discutir, poderão fazê-lo; mas eu não discutirei com eles”.<br />
A primeira visita de <strong>Wesley</strong> à Escócia durou dois dias. Mas<br />
retornou à Escócia dois anos depois, <strong>em</strong> 1753, e dai <strong>em</strong> diante uma<br />
visita à Escócia de dois <strong>em</strong> dois ou de três <strong>em</strong> três anos constituiu<br />
parte do <strong>seu</strong> trabalho regular. Visitou a Escócia vinte e duas vezes, e<br />
ainda que a sua pregação não produzisse os efeitos maravilhosos e<br />
imediatos da pregação eloqüente de Whitefield, contudo influiu no país<br />
mais permanent<strong>em</strong>ente do que o <strong>seu</strong> grande camarada. Ele criou o<br />
Metodismo Escocês, ramo da grande árvore metodista, que <strong>em</strong>bora de<br />
volume diminuto entre os outros ramos, todavia t<strong>em</strong> dado fruto precioso.<br />
O Velho Erskine conseguiu de momento suscitar muito ódio<br />
contra <strong>Wesley</strong> por avivar a controvérsia calvinista. Ele reeditou na<br />
Escócia com prefácio espalhafatoso, as cartas trocadas entre <strong>Wesley</strong> e<br />
Hervey o autor de “Theron e Aspásio” e foi possível perceber até que<br />
grau de amargurada discussão <strong>em</strong> coisas teológicas pode chegar o<br />
t<strong>em</strong>peramento escocês.
“Os Dissidentes, diz <strong>Wesley</strong>, que tenho encontrado são<br />
mais destituídos da caridade do que os próprios papistas<br />
(católicos). Nunca encontrei um papista que sustentasse o<br />
principio de matar os hereges; mas um ministro dissidente sendo<br />
ao ser perguntado: ”Se estivesse a vosso poder, não faríeis cortar<br />
o pescoço a todos os metodistas?”, respondeu logo: “Pois então,<br />
o profeta Samuel não cortou a Agague <strong>em</strong> pedaços diante o<br />
Senhor?” Ainda não encontrei um papista <strong>em</strong> todo o Reino que<br />
me dissesse na cara que todos –exceto eles – têm de ser<br />
condenados. Mas tenho visto muitos Dissidentes que s<strong>em</strong><br />
escrúpulo algum afirmavam que ninguém senão eles mesmos<br />
serão salvos”.<br />
Mas os Dissidentes, com o <strong>seu</strong> espírito amargurado, não refletiam<br />
o t<strong>em</strong>peramento geral do povo escocês. Por toda parte grandes<br />
multidões escutavam a <strong>Wesley</strong> e lhe mostravam grande honra.<br />
Somente uma vez, enquanto pregando ao ar livre, foi-lhe manifestado<br />
qualquer desacato. Mais de uma cidade escocesa lhe franqueou as<br />
portas. Ele achou na senhora Maxwell, de Edimburgo e no Dr. Gillies, de<br />
Glasgow, amigos e auxiliares de lealdade indelével (permanente,<br />
inapagável) e de grande influência. Whitefield disse nesse t<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />
uma de suas cartas que <strong>Wesley</strong> estava fazendo um grande erro <strong>em</strong><br />
formar na Escócia sociedades segundo o modelo de sua obra na<br />
Inglaterra. Mas <strong>Wesley</strong> possuía um conhecimento d<strong>em</strong>asiado profundo,<br />
tanto da natureza humana como da vida religiosa, para crer que <strong>seu</strong>s<br />
conversos (os que se convertiam com sua pregação) sobrevivess<strong>em</strong> se<br />
ele os deixasse s<strong>em</strong> o abrigo e o estímulo de camaradag<strong>em</strong> espiritual.<br />
E aquilo que Whitefield considerou como o erro de <strong>Wesley</strong> na Escócia<br />
foi, na realidade o segredo de <strong>seu</strong> perdurável trabalho ali.<br />
Na organização dessas sociedades e das classes metodistas<br />
<strong>Wesley</strong> estava realmente seguindo um nobre precedente escocês. Os<br />
reformadores escoceses do <strong>século</strong> XVI, como os Lollardos do <strong>século</strong><br />
XV, formavam reuniões para ”as profecias“, que eram quase análogas<br />
às reuniões de classe fundadas por <strong>Wesley</strong>. Essas sociedades<br />
religiosas eram fortes na Escócia durante o período da Aliança, e<br />
constituíram as raízes profundas e vigorosas que conservaram a<br />
religião com vida sobre o solo escocês. É lícito dizer-se que os<br />
reformadores escoceses anteciparam muitas feições do trabalho do<br />
próprio <strong>Wesley</strong>. Uma vida intensamente espiritual, com certeza, onde<br />
quer que se encontre, e quaisquer que sejam as condições históricas,<br />
naturalmente há de achar expressão, numa comunhão viva. E as<br />
reuniões para “a profecia” de Knox, e as reuniões de classe na Igreja de<br />
<strong>Wesley</strong>, são expressões independentes do mesmo impulso universal,<br />
do espírito religioso.<br />
É, ainda divertido se ler as descrições que <strong>Wesley</strong> faz de <strong>seu</strong>s<br />
auditórios na Escócia: admirado da sua ord<strong>em</strong>, seriedade e falta de<br />
<strong>em</strong>oção. Ele disse:<br />
“Eles ouv<strong>em</strong> muito, sab<strong>em</strong> tudo e nada sent<strong>em</strong>. São tão<br />
sábios que não precisam de mais conhecimentos e tão bons que,<br />
não precisam de mais religião”.<br />
A imobilidade de <strong>seu</strong>s ouvintes escoceses provocou <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> a<br />
grande franqueza <strong>em</strong> falar. Ele diz: “Raramente falo com tanta<br />
aspereza como na Escócia, mas nunca soube de qualquer pessoa na<br />
Escócia que se ofendesse com a franqueza; neste respeito os nortistas<br />
são modelo de toda a raça humana”. Outra vez escreve: “Eu me admiro<br />
deste povo; eu <strong>em</strong>prego as palavras mais ásperas aplicando-as da<br />
maneira mais cortante; ainda me ouv<strong>em</strong>, mas não sent<strong>em</strong> mais do que<br />
os bancos que se sentam”.<br />
Ele nutriu grande respeito pelo bom senso dos escoceses,<br />
dizendo: “Mostrai-lhes somente que é coisa racional e eles se<br />
conformam a qualquer coisa”. Mas <strong>Wesley</strong> não estava <strong>em</strong> nada disposto<br />
a variar os <strong>seu</strong>s métodos para agradar aos escoceses. Os escoceses<br />
gostavam de um pastorado fixo; mesmo que não fosse por outra razão<br />
senão o instinto de propriedade que faz o escocês <strong>em</strong> geral afrontarse<br />
quando tiver de repartir, n<strong>em</strong> que seja o <strong>seu</strong> ministro, com outros.<br />
Assim pediram a <strong>Wesley</strong> que modificasse o itinerário de <strong>seu</strong>s<br />
auxiliares. Ele lhes escreveu <strong>em</strong> resposta:<br />
“Enquanto eu viver, os pregadores itinerantes hão de ser<br />
itinerantes; isto é, se quiser<strong>em</strong> ficar <strong>em</strong> conexão comigo. A<br />
sociedade <strong>em</strong> Greenock está à sua própria vontade; eles ou<br />
pod<strong>em</strong> ter um pregador entre eles e os de Glasgow ou<br />
ninguém. Mas mais do que um para os dois lugares não pode<br />
ter. Tenho d<strong>em</strong>ais amor tanto para os corpos como para as<br />
almas dos nossos pregadores para deixá -los se limitar<strong>em</strong> a um<br />
só lugar. Tenho pesado a causa, e hei de servir os escoceses<br />
como sirvo aos ingleses ou deixá-los.”<br />
Um dos <strong>seu</strong>s auxiliares <strong>em</strong> Glasgow tinha-se conformado ao<br />
costume escocês a ponto de organizar uma sessão eclesiástica<br />
<strong>Wesley</strong> escreveu-lhe de Cork:<br />
“Sessões! Presbíteros! Nós Metodistas não t<strong>em</strong>os tal<br />
costume, n<strong>em</strong> qualquer Igreja de Deus sob o nosso cuidado.
Eu exijo que tu Jonatas Crowther dissolvas essa sessão assim<br />
chamada <strong>em</strong> GIasgow. Desobriga -os de mais se reunir<strong>em</strong>-se.<br />
E se quiser<strong>em</strong> sair da sociedad e que saiam: nós<br />
reconhec<strong>em</strong>os somente pregadores ecônomos (encarregados<br />
da administração dos bens, despenseiros) e guias de classes;<br />
sobre estes os auxiliares <strong>em</strong> cada circuito presid<strong>em</strong>. Devias ter<br />
te cingido ao plano metodista desde o princípio. Qu<strong>em</strong> receb eu<br />
a minha autorizarão para variá-lo? Se o povo de GIasgow ou<br />
de outro qualquer lugar, se cansam de nós, lhes deixar<strong>em</strong>os<br />
para si mesmos. Mas estamos prontos ainda a ser-lhes por<br />
servos no amor de Cristo, segundo a nossa própria disciplina,<br />
mas nenhuma outra.”<br />
<strong>Wesley</strong> amava o <strong>seu</strong> trabalho escocês e os <strong>seu</strong>s ouvintes<br />
escoceses, e continuou as suas viagens na Escócia até os últimos<br />
anos de sua vida. Alguns dos ex<strong>em</strong>plos mais tocantes na velhice de<br />
<strong>Wesley</strong>, prosseguindo com ardor inextinguível no <strong>seu</strong> trabalho,<br />
quando os <strong>seu</strong>s sentidos começavam desfalecer, eram na Escócia.<br />
Ele tinha oitenta e oito anos quando fez a sua vigésima segunda<br />
visita à Escócia, e planejou a sua viag<strong>em</strong> e os serviços de pregação<br />
<strong>em</strong> escala tão grande como s<strong>em</strong>pre. Eis uma narração dada por um de<br />
<strong>seu</strong>s auxiliares da sua última visita à cidade Escocesa de Dumfries:<br />
“Ele veio nesse dia de Glasgow, percorrendo cerca de cento<br />
e dez quilômetros, mas as suas forças estavam quase exaustas, e<br />
quando ele tentou pregar b<strong>em</strong> poucos podiam ouvi-lo. A sua vista<br />
também estava muito fraca, de maneira que n<strong>em</strong> podia ler o hino<br />
n<strong>em</strong> o texto. As rodas vitais estavam prestes a parar<strong>em</strong>; mas as<br />
suas palestras eram agradavelmente edificantes, sendo uma<br />
mistura de sabedoria e seriedade de um pai com a simplicidade<br />
de uma criança”.<br />
A narração de <strong>Wesley</strong> mesmo é: “viajei ont<strong>em</strong> quase cento e trinta<br />
quilômetros, e preguei à noite s<strong>em</strong> dor alguma. O Senhor faz como<br />
quer”.<br />
Butler na sua obra sobre a influência dos metodistas de Oxford na<br />
religião escocesa diz, que <strong>Wesley</strong> era para a Escócia, “um resplendor<br />
espiritual e ainda que o Metodismo como corpo individual não fosse<br />
grande na paisag<strong>em</strong> escocesa, não obstante a sua influência sobre a<br />
vida espiritual da Escócia t<strong>em</strong> sido profunda e perdurável”.<br />
CAPÍTULO XXIII<br />
Como o Trabalho se Estendeu - Irlanda<br />
A Irlanda era para João <strong>Wesley</strong> um campo novo, estranho, bravio<br />
e infeliz – um paradoxo da civilização; campo <strong>em</strong> que, não por qualquer<br />
crueldade da natureza ou por qualquer propósito de Deus, mas<br />
unicamente pelos ódios e tolices do gênero humano, as coisas boas se<br />
tornavam más. A lei inspirava crime. A religião alimentava ódios. A<br />
liberdade tornava-se autor da tirania. A Irlanda dos primeiros Georges e<br />
das leis penais! Havia outro pedaço qualquer do mundo civilizado onde<br />
a religião de Jesus Cristo, se avizinhasse tanto à derrota e onde o<br />
trabalho da religião parecesse tão desesperado?<br />
Lord Hutchinson, recordamos, condensou a Irlanda de então<br />
numa sentença terrível: “Uma aristocracia corrupta, um vulgacho (povo)<br />
feroz, um governo anarquizado e uma nação dividida”. A sociedade<br />
constituía uma teia de ódios t<strong>em</strong>íveis. Os protestantes detestavam e<br />
oprimiam aos católicos; os anglicanos detestavam e oprimiam aos nãoconformistas<br />
(anglicanos e outros protestantes de outros segmentos e<br />
mesmo os independentes que não aceitaram o Ato de Uniformidade, <strong>em</strong><br />
1662, que exigia total aceitação do Livro de Orações anglicano); os romanistas<br />
(católicos romanos) odiavam a ambos e, quando se lhes<br />
oferecia a oportunidade, os matavam. Green diz: “Depois da capitulação<br />
de Limerick todo o católico irlandês – e havia cinco vezes mais católicos<br />
irlandeses do que protestantes – foi tratado como estrangeiro e<br />
forasteiro na sua própria pátria“. (Short History, pág. 811).<br />
O governo estava nas mãos da duodécima parte (uma pequena<br />
minoria) da população que o explorava a <strong>seu</strong> favor para encher os<br />
bolsos às expensas das outras onze partes. Os ódios de classe eram<br />
nutridos pela lei. O católico irlandês estava praticamente fora da lei <strong>em</strong><br />
<strong>seu</strong> solo nativo; o presbiteriano irlandês vivia sob a ameaça do Ato de<br />
Prova (uma série de leis penais inglesas do <strong>século</strong> XVII que<br />
instauravam a revogação de diversos direitos cívicos, civis ou de família<br />
para os católicos e outros dissidentes religiosos não anglicanos,<br />
impondo, por ex<strong>em</strong>plo, que toda pessoa que ocupasse um <strong>em</strong>prego<br />
público, civil ou militar, tinha que prestar juramento de lealdade à Igreja<br />
da Inglaterra e parcipar da eucaristia); e o próprio anglicano Irlandês<br />
tinha de tirar o chapéu e ficar com ele na mão (um ato de respeito e
everência) na presença do anglicano que possuísse o mérito de ser<br />
Inglês.<br />
Mas é o paradoxo de negócios Irlandeses no <strong>século</strong> XVIII que<br />
mais impressiona o estudante no <strong>século</strong> XX. Representa uma inversão,<br />
quase s<strong>em</strong> paralelo na história, de toda a ord<strong>em</strong> natural. Os ingleses<br />
haviam ganho a liberdade na Irlanda somente para negá-la aos<br />
irlandeses da Irlanda. As duas forças mais nobres na sociedade<br />
humana são a autoridade da lei e a autoridade da religião. São, ou<br />
dev<strong>em</strong> ser aliadas. Mas na Irlanda de então eram inimigos mortais. A<br />
principal finalidade da lei na Irlanda visava a eliminação daquilo que<br />
quatro <strong>em</strong> cada cinco de <strong>seu</strong>s habitantes tinha por sua religião. Em<br />
parte alguma o protestantismo – ou melhor, o que se dizia ser<br />
protestantismo – se achava tão forte, e <strong>em</strong> parte alguma ele havia<br />
fracassado tão completamente. Em nenhum outro país o romanismo se<br />
achava tão vexado e coagido; e <strong>em</strong> nenhum outro país ele se vinha tão<br />
perto do triunfo! Foi perseguido e a perseguição converteu os <strong>seu</strong>s<br />
sacerdotes <strong>em</strong> fanáticos, e lhes enobreceu <strong>em</strong> mártires.<br />
O protestantismo que a Irlanda conheceu nesses tristes t<strong>em</strong>pos<br />
havia tomado <strong>em</strong>prestado do antigo Império de Roma sua política de<br />
perseguição: a perseguição neste caso era irmã gêmea da avareza.<br />
Estava tão pronta <strong>em</strong> bater a carteira de suas vítimas ou <strong>em</strong> confiscar<br />
as suas fazendas, como <strong>em</strong> punir-lhes a teologia tão notavelmente<br />
corrupta. O povo irlandês por sua vez, estava casado com a sua<br />
religião, não simplesmente por forças espirituais – freqüent<strong>em</strong>ente não<br />
tinham nada de espirituais – mas por um conjunto de forças que<br />
constituíam uma contradição do termo espiritual: ódio de classe; a<br />
l<strong>em</strong>brança de injustiças imperdoáveis, injustiças às vezes sofridas, às<br />
vezes cometidas; a lealdade a sua classe; a sua ignorância. Ou numa<br />
palavra: os <strong>seu</strong>s ódios. E nunca houve ignorância tão completa, n<strong>em</strong><br />
ódios tão amargos! Eram ódios raciais, que tinham as suas raízes na<br />
história, e que se conservavam vivos e fundos pela opressão.<br />
E jamais o protestantismo pecou tão fatalmente contra o próprio<br />
gênio como na Irlanda desse t<strong>em</strong>po. O pároco protestante tirava o<br />
dízimo das batatas do povo romanista para o <strong>seu</strong> próprio sustento; mas<br />
não fazia esforço algum para convertê-lo, entendê-lo, falar a sua língua,<br />
ou para iluminar a sua ignorância. A descrição dada por Lecky da Igreja<br />
do Estado na Irlanda desse t<strong>em</strong>po t<strong>em</strong> um toque da ironia severa de<br />
Tácito:<br />
“A Igreja do Estado na Irlanda era do pobre no sentido que<br />
foi ele que pagava o <strong>seu</strong> sustento , mas <strong>em</strong> nenhum outro sentido.<br />
Os <strong>seu</strong>s aderentes (adeptos da Igreja do Estado, ou seja, da<br />
Igreja Anglicana) constituíam menos do que a sétima parte da<br />
população e estes pertenciam quase exclusivamente à classe<br />
mais abastada. E este maravilhoso estabelecimento foi<br />
sustentado principalmente pelos dízimos. A missa dos católicos<br />
irlandeses que viviam <strong>em</strong> choupanas numa pobreza abjeta e<br />
miserável que dificilmente achava paralelo na Europa, e tiravam<br />
uma parca subsistência para si e para as suas famílias de<br />
pequenos lotes de terras que plantavam batatas, lotes estes que<br />
freqüent<strong>em</strong>ente não excediam de 250 a 400 metros quadrados. O<br />
dízimo do produto destes pequenos lotes foi exigido<br />
rigorosamente do miserável inquilino <strong>em</strong> benefício de um clérigo<br />
que lhe hostilizava violentamente a religião, clérigo que <strong>em</strong> muitos<br />
casos ele nunca tinha visto, e de cujas ministrações nunca<br />
recebia benefício algum.” (Lecky, vol. lI, pág. 197).<br />
“Prosseguiu-se num sist<strong>em</strong>a de meia perseguição”, diz<br />
Southey, “de odiosa injustiça e de condenável ineficácia. Bons<br />
princípios e sentimentos generosos foram, portanto, incitados a<br />
formar<strong>em</strong> aliança com a superstição e o sacerdotalismo; e os<br />
padres, que a lei somente reconhecia afim de castigá-los, caso<br />
des<strong>em</strong>penhass<strong>em</strong> as funções do <strong>seu</strong> ofício, estabeleceram um<br />
domínio mais absoluto sobre espírito do povo irlandês do que<br />
possuíam <strong>em</strong> qualquer outra parte do mundo. Seria difícil achar,<br />
nos limites da história, outro caso <strong>em</strong> que conspirass<strong>em</strong> forças<br />
tão variadas e poderosas <strong>em</strong> degradar o caráter e <strong>em</strong> destruir a<br />
prosperidade de uma nação”. (Southey, vol. lI, pág. 107)<br />
Que tipo de caráter foi criado por estas condições perversas? Os<br />
irlandeses são notavelmente susceptíveis às influências que lhes advém<br />
da história, da legislação e da Igreja. Lecky diz:<br />
“Jamais houve outro povo que meditasse mais sobre as<br />
injustiças passadas, ou que se apegasse mais tenazmente a<br />
hábitos velhos ou que se deixasse governar mais pela<br />
imaginação, associação ou costume”.<br />
E a história, a lei e as Igrejas todas combinaram para corrompêlos.<br />
Citamos outra vez a Lecky:<br />
“Estavam s<strong>em</strong>inus, famintos, e de tudo destituídos de todas<br />
as coisas necessárias, de toda a educação, expostos a expulsões<br />
de <strong>seu</strong>s lares a qualquer hora, moídos ao pó por três grandes<br />
encargos: 1 - os aluguéis que se pagavam, não aos proprietários,<br />
mas aos intermediários; 2 - os dízimos pagos ao clero - muitas
vezes clero ausente - da Igreja de <strong>seu</strong>s opressores; e 3 - as<br />
espórtulas (esmolas, donativos), pagas a <strong>seu</strong>s próprios padres”.<br />
(Lecky; vol I, pág. 241)<br />
E foi <strong>em</strong> campo tão pouco esperançoso, e s<strong>em</strong>eado tão<br />
abundant<strong>em</strong>ente de joio, que João <strong>Wesley</strong> e o metodismo iam entrar.<br />
Southey diz que “todas as circunstâncias eram tão favoráveis ao<br />
progresso do Metodismo <strong>em</strong> Irlanda quanto lhe eram adversas <strong>em</strong><br />
Escócia”, e ele prossegue <strong>em</strong> citar o fracasso da Igreja estabelecida,<br />
etc. Mas isto é uma inversão absurda de fatos. Na Escócia <strong>Wesley</strong> pelo<br />
menos falava como protestante a protestantes. Não era visto ali como<br />
um represente de uma raça estranha e odiada (os ingleses invasores,<br />
colonizadores e opressores). Mas na Irlanda o ódio do romanista pelo<br />
protestante, a desconfiança do irlandês a respeito de tudo que se<br />
chamava (que tinha a ver) inglês, e a amargura nascida de injustiças<br />
políticas e ódios raciais, cuja orig<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ontava há <strong>século</strong>s longínquos<br />
seriam todos colocados contra <strong>Wesley</strong>.<br />
No entanto, grandes são as forças da religião simples e genuína!<br />
Pela maravilha da verdade, verdade com o amor por veículo e ministro,<br />
<strong>Wesley</strong> na Irlanda conseguiu um êxito que foi certamente maior do que<br />
aquele que teve na Escócia, e segundo unicamente ao êxito que<br />
conseguiu na Inglaterra.<br />
Não se pode medir a obra do Metodismo na Irlanda pelas capelas<br />
construídas, os circuitos estabelecidos, ou as sociedades formadas. O<br />
Metodismo foi a primeira e a mais nobre entre as forças curativas que<br />
influíram na história irlandesa, e que têm feito tanto <strong>em</strong> transformá-la.<br />
Nele se encontrava uma forma de religião que não carregava a lança<br />
numa mão, e um processo de proscrição na outra. Aqui havia<br />
mensageiros do Evangelho de Cristo, cujo principal característico não<br />
era a fome insaciável pelos dízimos dos bolsos daqueles que odiavam<br />
tanto a eles como a <strong>seu</strong> credo.<br />
O Metodismo salvou o protestantismo como força espiritual na<br />
Irlanda. Fez algo <strong>em</strong> obstar (impedir) o t<strong>em</strong>ível divórcio entre as classes<br />
que ameaçava destruir a própria sociedade. Quando ele passou para o<br />
solo Irlandês, tornou-se visível uma forma do protestantismo que sofria<br />
a perseguição <strong>em</strong> vez de infringi-la. Falava a linguag<strong>em</strong> do primeiro<br />
<strong>século</strong> cristão, e possuía algo, ao menos, do espírito desse <strong>século</strong><br />
longínquo – do <strong>seu</strong> zelo heróico, de sua fé exultante, de sua simpatia<br />
terna e pronta.<br />
João <strong>Wesley</strong> mesmo não trouxe para Irlanda qualquer cura<br />
política, e permanecia tão afastado das rixas partidárias dos irlandeses,<br />
quanto se afastava das lutas teológicas dos escoceses. Mas pelo<br />
menos deu um olhar, com a vista penetrante de estadista cristão,<br />
através da densa cerração da política irlandesa. Era “hom<strong>em</strong> do rei e da<br />
Igreja”, com um pouco do toreyismo de Oxford no <strong>seu</strong> sangue.<br />
Entretanto no que tocava a Irlanda, era <strong>em</strong> juízo e simpatia um Pittiano<br />
antes de Pitt! Eis como ele descreve o romanismo da Irlanda:<br />
“Pelo menos noventa e nove <strong>em</strong> c<strong>em</strong> dos Irlandeses nativos<br />
permanec<strong>em</strong> na religião de <strong>seu</strong>s antepassados. N<strong>em</strong> é de<br />
admirar-se que os que nasc<strong>em</strong> papistas geralmente vivam e<br />
morram tais, quando o protestantismo não acha melhores meios<br />
de convertê-los do que as leis penais e os Atos do Parlamento”.<br />
Ele relata como a cavalo pelas estradas da Irlanda, com o livro<br />
adiante de si, lia a obra pouco acurada de Sir João Davies: “Uma<br />
Narração Histórica Concernente à Irlanda”, e no <strong>seu</strong> Diário comenta:<br />
“Ninguém, lendo estes dados, pode ficar surpreendido que,<br />
fértil como é a Irlanda, s<strong>em</strong>pre permanecesse esparsamente<br />
habitada; porque ele faz b<strong>em</strong> patente – 1) Que o assassinato<br />
nunca foi crime capital entre os Irlandeses nativos; o assassino<br />
somente pagava uma pequena multa ao chefe da sua tribo. 2)<br />
Desde quando os ingleses se estabeleceram aqui, os irlandeses<br />
ainda não receberam benefício algum das leis Inglesas. Não<br />
podiam processar qualquer inglês; de modo que os ingleses lhes<br />
açoitavam, espoliavam e até lhes matavam a vontade. Daí, 3)<br />
vinham guerras contínuas entre eles, durante trezentos e<br />
cinqüenta anos consecutivos e desta maneira, tanto os Ingleses<br />
como os irlandeses nativos continuavam poucos e pobres “.<br />
<strong>Wesley</strong> acrescenta que no massacre geral de 1641, e na guerra<br />
que seguiu, “mais de um milhão de homens, mulheres e crianças foram<br />
destruídos no espaço de quatro anos”, um pedaço de aritmética<br />
imaginaria que prova de novo quão difícil coisa para os que viv<strong>em</strong> perto<br />
de grandes acontecimentos históricos, apreciar o <strong>seu</strong> verdadeiro<br />
tamanho.<br />
A missão de <strong>Wesley</strong> na Irlanda, entretanto, s<strong>em</strong>pre foi espiritual,<br />
tanto nos métodos como nos fins. Chegou a Dublin aos 9 de agosto de<br />
1747; era domingo, os sinos das igrejas estavam a repicar, e ele foi,<br />
como era do <strong>seu</strong> costume, diretamente ao serviço na Santa Maria, e<br />
pregou nessa igreja à noite. O Metodismo já havia achado lugar <strong>em</strong><br />
Dublin. Um auxiliar leigo da Inglaterra, Thomas Williams, havia reunido
uma sociedade ali, e alugara uma velha capela Luterana como lugar de<br />
pregação. Aqui <strong>Wesley</strong> pregou a multidões que enchiam o edifício e o<br />
terreno ao redor.<br />
Passou quinze dias <strong>em</strong> Dublin, estudando atenciosamente o<br />
caráter de <strong>seu</strong>s ouvintes irlandeses.<br />
Não havia neles sinal algum da seriedade escocesa; e nada da<br />
estultícia do rústico inglês. Os novos ouvintes eram espirituosos,<br />
corteses e acessíveis; e como o mesmo <strong>Wesley</strong> anota: “Um povo<br />
imensamente amável”. Mais tarde <strong>Wesley</strong> descobriu que o converso (o<br />
novo convertido) irlandês, com a sua franqueza e generosidade céltica,<br />
a sua susceptibilidade a <strong>em</strong>oções, tinha os defeitos de suas qualidades.<br />
“As águas”, dizia ele <strong>em</strong> descrever uma congregação que se desfez <strong>em</strong><br />
lágrimas sob um de <strong>seu</strong>s sermões, “alargavam-se d<strong>em</strong>ais para ser<strong>em</strong><br />
fundas”. Também registra, quão pouca relação a religião do povo<br />
irlandês freqüent<strong>em</strong>ente t<strong>em</strong> com o <strong>seu</strong> entendimento. A ignorância no<br />
caso dele não estorva n<strong>em</strong> limita a devoção. Ele diz:<br />
“Quanto mais converso com esta gente, tanto mais fico<br />
admirado. Que Deus t<strong>em</strong> feito uma grande obra entre ele é<br />
manifesto; entretanto a maioria deles, tanto crentes como<br />
incrédulos, não são capazes de fazer uma narração racional dos<br />
princípios mais simples da religião. É manifesto que Deus começa<br />
o <strong>seu</strong> trabalho no coração; então a inspiração do Todo-Poderoso<br />
dá entendimento”.<br />
Depois de somente quinze dias de trabalho <strong>em</strong> Dublin, <strong>Wesley</strong><br />
escreve:<br />
“Se eu ou meu irmão pudesse estar aqui por uns poucos<br />
meses, não duvido que haveria aqui sociedade maior do que <strong>em</strong><br />
Londres”.<br />
Mas quinze dias depois de sua partida, o <strong>seu</strong> irmão Carlos,<br />
acompanhado por CarIos Perronet, chegou, e continuou o <strong>seu</strong> trabalho;<br />
e mesmo nesse curto intervalo, entre a partida de um irmão e a<br />
chegada de outro, a qualidade variável da t<strong>em</strong>pera irlandesa e o ciúme<br />
inquieto dos padres romanistas se manifestaram. Os padres ficaram<br />
alarmados! Aqui se via uma nova espécie de protestantismo que exercia<br />
sobre os <strong>seu</strong>s rebanhos uma magia estranha. Devia dar-lhe combate!<br />
Portanto aparecia um padre irlandês nos limites da multidão que<br />
escutava o auxiliar Metodista, e enxotava o povo com gestos e<br />
imprecações, qual cachorro de rebanho a perseguir as ovelhas que se<br />
haviam desviado a pastos proibidos.<br />
Um motim papista assaltou a capela <strong>em</strong> Dublin, fazendo uma<br />
fogueira dos bancos e do púlpito, e ameaçando matar a qualquer um<br />
que ali assistisse. Este rompimento de violências do povo na Irlanda<br />
geralmente teve o apoio das autoridades locais, que eram protestantes,<br />
e que, não raras vezes, odiavam mais aos Metodistas do que aos<br />
papistas. O próprio Carlos <strong>Wesley</strong> foi apedrejado nas ruas de Dublin.<br />
Uma mulher foi morta a socos num assalto que o motim deu numa<br />
reunião Metodista. Um dos auxiliares de João <strong>Wesley</strong>, João Beard,<br />
morreu <strong>em</strong> conseqüência dos maus tratos recebidos, e foi o primeiro –<br />
mas não o último – mártir Metodista na Irlanda.<br />
A segunda visita de <strong>Wesley</strong> à Irlanda (<strong>em</strong> 1748) durou três meses<br />
e foi assinalada por labor intenso, por alguns resultados triunfantes, e<br />
por muita perseguição. <strong>Wesley</strong> achou que os <strong>seu</strong>s ouvintes irlandeses<br />
não tomavam muito a sério a sua religião. Não encontrou neles a<br />
convicção profunda, e o sobrepujante senso do pecado, que se<br />
manifestavam nos <strong>seu</strong>s conversos ingleses e escoceses. <strong>Wesley</strong><br />
registra: “Preguei os terrores da lei da maneira mais forte de que eu era<br />
capaz. Entretanto, os que estavam prontos a devorar<strong>em</strong> toda a palavra<br />
não pareciam digerir parte alguma dela”. Mas de algum modo, <strong>Wesley</strong> –<br />
o catito (elegante), intenso, metódico e calmo Inglês – possuía o<br />
segredo de cativar o amor de <strong>seu</strong>s ouvintes irlandeses.<br />
Em Athlone pregou para vasta multidão no mercado, e com<br />
dificuldade se separou dos admiradores que lhe rodeavam. Afinal partiu;<br />
mas uma milha distante da cidade, num outeiro no qual havia uma<br />
encruzilhada, achou outra multidão de crentes que o esperava para<br />
interceptá-lo. Abriu-lhe caminho até achar-se no meio, quando fecharam<br />
a <strong>seu</strong> redor e não o deixavam ir. A multidão cantava hino após hino, e<br />
quando, por fim, <strong>Wesley</strong> escapou, ele declara “que homens, mulheres e<br />
crianças ergueram as vozes num clamor que nunca antes ouvi”.<br />
“Entretanto, daqui a um pouco”, acrescenta ele, com uma repentina<br />
visão do mundo feliz, “hav<strong>em</strong>os de nos encontrar para nunca mais<br />
separar-nos, e a tristeza e o choro fugirão para s<strong>em</strong>pre”.<br />
O mais violento motim do povo foi o de Cork. Ali o povo<br />
praticamente tomou conta da cidade sob a direção de um cantor<br />
ambulante de modinhas, que era meio tolo meio velhaco, por nome<br />
Butler, o qual costumava comparecer na rua mascarado de clérigo, com<br />
uma Bíblia numa mão e um pacote de modinhas na outra. Os<br />
magistrados simpatizavam-se com a multidão, e os Metodistas foram<br />
caçados nas ruas como se foss<strong>em</strong> bichos. Um apelo ao intendente
esultou somente na resposta que os padres papistas eram protegidos,<br />
mas Metodistas não. Muitos Metodistas, tanto homens como mulheres,<br />
foram atacados a pau ou feridos à espada; as suas casas foram<br />
saqueadas e grand<strong>em</strong>ente prejudicadas. Fizeram um informe contra<br />
Carlos <strong>Wesley</strong> como sendo “pessoa de má fama, vagabundo,<br />
perturbador ordinário da paz real, pedindo que fosse desterrado<br />
(expulso da Irlanda)”. Uma queixa s<strong>em</strong>elhante foi formada contra todo o<br />
auxiliar Metodista que nesse t<strong>em</strong>po se achava na Irlanda.<br />
Quando o processo veio perante o tribunal o juiz indagou, onde<br />
estavam os acusados? Ele olhou sobre Carlos <strong>Wesley</strong>, com o grupo de<br />
<strong>seu</strong>s pregadores <strong>em</strong> redor, enquanto eles vinham para frente, e ficou<br />
por algum t<strong>em</strong>po visivelmente agitado, e impossibilitado a proceder.<br />
Diante dele estava um grupo de curiosos réus! A primeira test<strong>em</strong>unha<br />
pelos acusadores foi o Butler, que sendo redargüido (indagado) a<br />
respeito do <strong>seu</strong> oficio respondeu que era cantor de modinha. Então o<br />
juiz levantou a mão <strong>em</strong> admiração e clamou: “Eis aqui seis cavalheiros<br />
acusados de vagabundag<strong>em</strong>; e o principal acusador é vagabundo de<br />
profissão”.<br />
A perseguição ainda não matou qualquer credo ruim que fosse;<br />
não era, pois provável que obstasse (impedisse) a marcha do<br />
Metodismo. Na Irlanda os pregadores Metodistas tinham muitas<br />
experiências estranhas; muitos trabalhos; muitos conversos (novos<br />
convertidos) esquisitos; muitos seguidores descomunais; mas o <strong>seu</strong><br />
êxito era grande. O próprio <strong>Wesley</strong> fez um sumário dos frutos do <strong>seu</strong><br />
trabalho <strong>em</strong> Dublin. Diz ele:<br />
“Em certas fases, a obra de Deus <strong>em</strong> Dublin era mais<br />
notável do que <strong>em</strong> Londres. 1) É muito maior, <strong>em</strong> proporção ao<br />
t<strong>em</strong>po e ao número de habitantes. 2) A obra é mais pura. Durante<br />
todo esse t<strong>em</strong>po, enquanto eram tratados com gentileza e<br />
bondade, não havia ninguém entre eles teimoso ou rebelde;<br />
ninguém que queria ser mais sábio do que os <strong>seu</strong>s mestres;<br />
ninguém que sonhava <strong>em</strong> ser imortal ou infalível, ou incapaz de<br />
ser tentado; <strong>em</strong> suma, nenhuma pessoa desequilibrada ou<br />
entusiasta; todos eram calmos e pacíficas”. (Diário, 26 de Julho,<br />
1762)<br />
Pode-se acrescentar que <strong>Wesley</strong> adaptou os <strong>seu</strong>s métodos às<br />
condições da sociedade irlandesa. Ele tinha de fortificar a moralidade de<br />
<strong>seu</strong>s conversos <strong>em</strong> certos aspectos pela mais rígida disciplina. Ele<br />
expulsou sumariamente de suas sociedades àqueles que ajudaram a<br />
saquear a carga de um navio naufragado até que fizess<strong>em</strong> a restituição.<br />
O autor do rifão (provérbio) notório que “a limpeza vive às portas<br />
pegadas à santidade” naturalmente cont<strong>em</strong>plava com severidade os<br />
hábitos relaxados e sujos de muitos dentre os <strong>seu</strong>s conversos. Ele<br />
exigiu que <strong>seu</strong>s pregadores, tanto no vestir como nos hábitos, foss<strong>em</strong><br />
uma repreensão a todo o relaxamento. Assim escreve a um de <strong>seu</strong>s<br />
pregadores irlandeses, instruindo-o, com franca clareza, a evitar toda a<br />
preguiça e indolência, toda a vileza, imundícia, relaxamento, etc:<br />
“Qualquer que seja a vossa roupa, que seja inteira: que não seja<br />
esburacada, rasgada, n<strong>em</strong> esfarrapada”. Achou necessário dizer-lhe:<br />
“Livrai-vos de piolhos. Curai a vós e a vossa família da sarna”.<br />
Ganhou muitos conversos (convertidos) dentre os católicos<br />
romanos irlandeses, e um destes, por nome Thomaz Walsh, teria tido<br />
notabilidade <strong>em</strong> qualquer <strong>século</strong> e sob qualquer forma da sociedade.<br />
Southey fala largamente sobre o caso de Walsh, visivelmente<br />
inclinado a um sentimento de admiração pela erudição que este<br />
estranho converso adquiriu. Aqui havia um irlandês, filho de carpinteiro,<br />
de pais romanistas fanáticos, que renunciara ao romanismo (a fé<br />
católica romana) como resultado de uma revolta intelectual contra os<br />
<strong>seu</strong>s erros. Ele fora trazido a uma vida espiritual plena e feliz enquanto<br />
escutava um pregador Metodista fazer exposição, numa rua de<br />
Limerick, das palavras de Cristo: “Venham a mim, todos os que andam<br />
<strong>em</strong> trabalhos, etc.”. As palavras de <strong>Wesley</strong> sobre Walsh: “o hom<strong>em</strong> se<br />
fez o melhor versado na Bíblia que tenho conhecido”. Sabia o hebraico<br />
e o grego tão b<strong>em</strong> como se fosse a sua língua nativa. Se fosse<br />
redargüido (indagado, questionado) de qualquer palavra hebraica ou<br />
grega na Bíblia, depois de pequena pausa, dizia quantas vezes e onde<br />
se encontrava, e o <strong>seu</strong> significado <strong>em</strong> cada lugar.<br />
Mas Walsh era mais do que notável sábio <strong>em</strong> certas coisas. Ele<br />
possuía um gênio pela religião; e a sua vida, segundo Southey, “poderia<br />
b<strong>em</strong> convencer até um católico que santos se acham <strong>em</strong> outras<br />
comunhões b<strong>em</strong> como na Igreja Romana”. Walsh mesmo descreve as<br />
alturas, que se pode chamar de montanhosas, as quais foi elevado <strong>em</strong><br />
virtude da sua conversão. Ele diz:<br />
“Agora senti na verdade que a fé é a substância ou<br />
subsistência das coisas esperadas, a prova das coisas não vistas.<br />
Deus e as causas do mundo invisível, das quais eu ouvira<br />
apenas, agora me apareciam no <strong>seu</strong> verdadeiro aspecto como<br />
realidades substanciosas. A fé me deu a visão de um Deus<br />
reconciliado e de um Salvador todo suficiente. O reino de Deus<br />
estava dentro de mim. Eu tirava água das fontes da salvação,
andando e falando com Deus todo o dia: tudo que eu cria ser a<br />
vontade dEle isto eu fazia de todo o coração. Eu sabia amar s<strong>em</strong><br />
fingimento aos que me odiavam e orar por aqueles que me<br />
maltratavam e perseguiam. Os mandamentos de Deus eram o<br />
meu prazer”. (Southey, voI. lI, pág. 119)<br />
Walsh trouxe a piedade a <strong>seu</strong>s estudos, e aqui está a oração<br />
que costumava servir de pref ácio a cada hora que ele novamente se<br />
dedicava ao estudo:<br />
“Senhor Jesus, deito a minha alma a teus pés para ser<br />
ensinada e governada por ti. Do mistério tira-lhe o véu e mostralhe<br />
a verdade como ela é <strong>em</strong> ti mesmo. Sê tu meu sol e minha<br />
estrela tanto no dia como de noite”.<br />
A sua religião possuía algo que não era meramente da terra.<br />
Ele parecia, respirar ares estranhos. Seus pés pisavam a terra, mas<br />
o <strong>seu</strong> espírito estava nas regiões celestes. Southey diz:<br />
“Os <strong>seu</strong>s amigos lhe descreviam como s<strong>em</strong>elhante a qu<strong>em</strong><br />
havia voltado de outro mundo, e talvez fosse esse jeito<br />
descomunal que fez o padre romano dizer a <strong>seu</strong> rebanho que<br />
aquele Walsh que se tornou herege e andou pregando morrera<br />
havia muito, e que qu<strong>em</strong> agora pregava sob esse nome era o<br />
Diabo com as feições dele. Diz<strong>em</strong> que ele passava pelas ruas de<br />
Londres, dando tão pouca atenção às coisas <strong>em</strong> redor de si como<br />
se estivesse no deserto, cego a tudo que teria atraído a atenção<br />
de outros, e tão indiferente a todos os sons de excitação, reclame<br />
e exultação como aos ventos que sopravam. Ele mostrou a<br />
mesma influência de belas paisagens e do sol. A única coisa na<br />
natureza de que ele falava com animação foi o firmamento<br />
estrelado, porque ali cont<strong>em</strong>plava o infinito... Às vezes ele parecia<br />
absorto, diz<strong>em</strong>, <strong>em</strong> meditação gloriosa, de joelhos, com o rosto<br />
virado para o céu e os braços cruzados sobre o peito, <strong>em</strong> tal<br />
sossego que quase não se percebia-lhe a respiração. A sua alma<br />
parecia absorta <strong>em</strong> Deus; e da serenidade e de algo que<br />
ass<strong>em</strong>elhava-se ao resplendor que se notava no <strong>seu</strong> s<strong>em</strong>blante e<br />
<strong>em</strong> todos os <strong>seu</strong>s atos depois, facilmente se via o que tinha sido a<br />
sua ocupação. Ainda no sono predominava o hábito devocional, e<br />
a sua alma se elevava a Deus <strong>em</strong> g<strong>em</strong>idos, suspiros e lágrimas.<br />
Test<strong>em</strong>unham a <strong>seu</strong> transporte e êxtase, e registram<br />
circunstâncias que eles mesmos crê<strong>em</strong> ser provas da sua<br />
comunhão com o mundo invisível”. (Southey, vol. lI, pág. 122)<br />
Se a religião de Walsh possuía um ardor que se aproximava ao<br />
nível de paixão, ainda era assinalada por uma bela caridade e sanidade.<br />
Eis como ele fala da Igreja Romana que ele havia deixado:<br />
“Eu lhes dou test<strong>em</strong>unho que têm zelo de Deus, porém não<br />
segundo o conhecimento. Muitos entre eles amam a justiça, a<br />
misericórdia e a verdade; e não obstante os <strong>seu</strong>s erros <strong>em</strong><br />
sentimento e, portanto, na prática – tal seja a majestade qual seja<br />
também a sua misericórdia – pod<strong>em</strong> ser assim tratados. Mas eu<br />
confesso abertamente que agora, desde que Deus me iluminou a<br />
inteligência e me deu a verdade tal como é <strong>em</strong> Jesus Cristo, se eu<br />
ainda permanecesse na Igreja de Roma, não poderia ter-me<br />
salvo. A respeito de outros nada digo; sei que todo o hom<strong>em</strong><br />
levará o <strong>seu</strong> próprio fardo e dará conta de si mesmo a Deus.<br />
Perante o mesmo Mestre tanto eles como eu permanecer<strong>em</strong>os de<br />
pé ou cair<strong>em</strong>os para s<strong>em</strong>pre. Mas o amor e a terna compaixão<br />
me constrang<strong>em</strong> a fazer as minhas preces perante Deus a favor<br />
deles. Todas as almas são tuas, ó Senhor Deus; e tu queres que<br />
todos venham ao conhecimento da verdade e se salv<strong>em</strong>. Rogo-te,<br />
ó Deus eterno, a mostrar a tua terna misericórdia a essas pobres<br />
almas que por tanto t<strong>em</strong>po se enganaram pelo deus deste mundo,<br />
o Papa e o <strong>seu</strong> clero. Jesus, que amas as almas e que és o amigo<br />
dos pecadores, envia-Ihes a tua luz e verdade para guiá-las”.<br />
(Southey, vol. lI, pág. 116).<br />
É quase divertido notar-se os contrastes entre os dois tipos que<br />
representam os extr<strong>em</strong>os da longa fileira dos auxiliares de <strong>Wesley</strong>, João<br />
Nelson, o pedreiro de Yorkshire e Thomas Walsh, o filho de carpinteiro<br />
irlandês. O primeiro era Inglês típico: cabeça quadrada, forte de corpo,<br />
com pouca imaginação, mas muito humor; dotado do sal de bom senso<br />
e com o dom da palavra no Inglês caseiro que dá idéia de João Bunyan<br />
ou Guilherme Cobbett. O segundo, Walsh, é o tipo céltico com o <strong>seu</strong><br />
ardor, e o <strong>seu</strong> toque de melancolia e <strong>seu</strong> parentesco com o mundo<br />
espiritual. Walsh não teve n<strong>em</strong> a força corporal, n<strong>em</strong> a sanidade de<br />
juízo, n<strong>em</strong> o constante bom senso de João Nelson. E Nelson nunca<br />
poderia ter sido douto, sonhador e místico como Walsh. Nunca subiu ao<br />
<strong>seu</strong> fervor n<strong>em</strong> foi tocado por sua melancolia. Mas os dois eram<br />
s<strong>em</strong>elhantes na corag<strong>em</strong>, no fogo e zelo com que serviram o<br />
Metodismo, e proclamaram a mensag<strong>em</strong> até o fim de suas vidas às<br />
multidões. E um movimento religioso que criou, e serviu-se de tipos<br />
espirituais tão diversos, foi certamente mui notável.<br />
<strong>Wesley</strong> visitou a Irlanda pela primeira vez <strong>em</strong> 1747, e entre esta<br />
data e a da sua morte ele atravessou o mar irlandês não menos de<br />
quarenta e duas vezes. Tão próspero foi o <strong>seu</strong> trabalho <strong>em</strong> solo irlandês
que ele celebrou <strong>em</strong> 1752 a primeira Conferência Metodista Irlandesa; a<br />
qual reuniu-se <strong>em</strong> Limerick, durando dois dias, e os m<strong>em</strong>bros<br />
constituintes eram <strong>Wesley</strong> e nove de <strong>seu</strong>s auxiliares. A primeira<br />
Conferência Irlandesa, à s<strong>em</strong>elhança das primeiras Conferências<br />
Inglesas, gastou muito t<strong>em</strong>po num vigoroso exame da teologia e do<br />
ensino dos auxiliares; e as notas das “Conversações” são às vezes<br />
quase humorísticas <strong>em</strong> sua franqueza e pungência. “Até que ponto<br />
qualquer um entre nós crê na doutrina da Predestinação?” - diz uma das<br />
perguntas. A resposta é: “Ninguém entre nós a crê <strong>em</strong> sentido algum”.<br />
Certas perguntas e respostas têm um gosto local. As congregações<br />
irlandesas eram naturalmente dadas a conversas, dai v<strong>em</strong> a pergunta,<br />
“Como dar<strong>em</strong>os ex<strong>em</strong>plo ao povo de decoro no culto público? Primeiro,<br />
ajoelh<strong>em</strong>o-nos s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> oração, fiqu<strong>em</strong>os de pé durante o canto e<br />
enquanto se repete o texto. Segundo, sejamos sérios e quietos tanto<br />
durante o serviço (o culto), como enquanto estamos a entrar e sair”.<br />
Há também um gosto do local numa outra pergunta e resposta.<br />
“Não dev<strong>em</strong>os pregar mais expressamente e mais fort<strong>em</strong>ente sobre a<br />
abnegação do que t<strong>em</strong>os feito até aqui? ”. Resposta: “Pois não; mais<br />
especialmente neste reino, onde quase nunca se fala n<strong>em</strong> pensa<br />
nela”. Outra pergunta: “Que dev<strong>em</strong>os evitar quase tanto como o<br />
luxo?”. Resposta: “A vadiação (levar vida ociosa, na farra, não ter<br />
ocupação e responsabilidades), de outro modo destruir -se-ia a obra<br />
de Deus na alma; e para cortar essa vadiação, não pass<strong>em</strong>os um<br />
dia sequer s<strong>em</strong> darmos pelo menos uma hora à oração particular .“<br />
Este era exatamente o ensino pungente; forte e prático, que os<br />
conversos <strong>em</strong>ocionados de <strong>Wesley</strong> no sul da Irlanda precisavam. E<br />
este ensino, <strong>em</strong> conexão com a doutrina evangélica do tipo mais<br />
fervoroso, e pregado na mais fervorosa maneira, deu na Irlanda<br />
frutos mui notáveis.<br />
CAPÍTULO XXIV<br />
Através do Atlântico<br />
Qu<strong>em</strong> deseja ver o modo estranho e esquisito – adiantando-se<br />
sobre todos os planos humanos, ou independent<strong>em</strong>ente deles – <strong>em</strong> que<br />
um grande movimento religioso tal qual o do <strong>século</strong> XVIII, se estende,<br />
b<strong>em</strong> pode estudar a história da extensão do trabalho de <strong>Wesley</strong> na<br />
América. As forças do grande movimento voaram através do largo<br />
Atlântico como faíscas levadas pelo vento – o vento que sopra onde<br />
quer.<br />
Não havia campo humano que parecia menos promissor – no<br />
tocante a condições espirituais do que o oferecido pelos Estados Unidos<br />
nesse t<strong>em</strong>po. Possuíam a aspereza de colônias novas, onde as forças e<br />
instituições da vida civilizada somente achavam-se meio desenvolvidas.<br />
Uma população esparsa espalhava-se por uma imensa área geográfica,<br />
e onde hoje se encontram algumas das maiores cidades do mundo<br />
achavam-se então pouco mais do que vilas. Por ex<strong>em</strong>plo, a Filadélfia<br />
<strong>em</strong> 1739, quando Whitefield chegou ali, tinha apenas 2.076 casas, e<br />
uma população de dez a onze mil pessoas. A maravilhosa voz de<br />
Whitefield podia se ter feito ouvir pela população inteira num só<br />
auditório. A vida social estava na sua forma mais rude; a vida industrial<br />
só começava se mexer; as instituições da própria religião, <strong>em</strong> largas<br />
regiões, ainda estavam s<strong>em</strong> existência.<br />
Franklin conta uma história interessante de período ainda mais<br />
primitivo, quando alguém intercedia com o Procurador Geral desse<br />
t<strong>em</strong>po, pedindo patente de incorporação e fundos para o<br />
estabelecimento de um colégio na Virgínia, e fez l<strong>em</strong>brar ao Procurador<br />
“que o povo da Virgínia tinha almas que necessitavam da salvação tanto<br />
como as da Inglaterra”. Mas a grande autoridade da lei exclamou:<br />
“Almas, sejam condenadas as vossas almas! Plantai tabaco!” E <strong>em</strong><br />
largos distritos das colônias primitivas este conselho brusco e pagão<br />
fora seguido. O povo considerava o negócio do plantio do tabaco – ou<br />
<strong>seu</strong> equivalente – como sendo muito mais urgente e importante do que<br />
o da salvação de suas almas, se, realmente, acreditaram ter almas que<br />
necessitass<strong>em</strong> de salvação. Também já nos horizontes políticos dos<br />
Estados Unidos se divisava a ameaça de uma guerra iminente da<br />
colônia desejosa de liberdade com a pátria-mãe, guerra esta que havia
de dividir o povo inglesa durante os anos desconhecidos do porvir.<br />
É b<strong>em</strong> curiosa a história do primeiro estabelecimento do<br />
Metodismo no solo americano. Em 1752 João <strong>Wesley</strong> visitou uma<br />
interessante colônia de al<strong>em</strong>ães, do Palatinato sobre o Reno,<br />
estabelecida na Irlanda – um grupo de pequenas vilas, Ballingarene,<br />
KilIeheen e Courtmatrix. A sua visita resultou <strong>em</strong> muitas conversões e<br />
na formação de algumas sociedades Metodistas. <strong>Wesley</strong> registra a<br />
visita s<strong>em</strong> comentário no <strong>seu</strong> Diário; pois ele formava parte do trabalho<br />
do dia. No entanto, naquela pequena comunidade Germano-Irlandesa,<br />
ele tinha, s<strong>em</strong> saber, plantado a s<strong>em</strong>ente da qual havia de nascer mais<br />
tarde sob outros céus a grande Igreja Metodista dos Estados Unidos.<br />
Um de <strong>seu</strong>s conversos foi Philippe Embury, que se tornou<br />
pregador leigo; um hom<strong>em</strong> que não possuía qualquer dote notável de<br />
inteligência, entretanto, o <strong>seu</strong> nome – quase por acaso – t<strong>em</strong> se tornou<br />
parte da história. Embury era parte de um grupo de imigrantes germanoirlandeses<br />
para os Estados Unidos <strong>em</strong> 1764. Ele estabeleceu-se <strong>em</strong><br />
Nova York, mas lhe faltava a corag<strong>em</strong> para ali começar a obra religiosa,<br />
e por uma reação forçosa e notável a sua própria vida religiosa<br />
começou a morrer. Outro grupo desses imigrantes germano-irlandeses,<br />
da mesma vizinhança, chegou <strong>em</strong> Nova York no ano seguinte. Entre<br />
estes, Bárbara Heck, mulher humilde, mas de caráter corajoso, e<br />
Metodista sincera. O <strong>seu</strong> zelo acendeu-se com ve<strong>em</strong>ência f<strong>em</strong>inil<br />
(f<strong>em</strong>inina) quando achou que o primeiro grupo de imigrantes havia<br />
praticamente se esquecido do <strong>seu</strong> Metodismo. Uma história familiar,<br />
mas de duvidosa autenticidade, relata como ela foi a uma sala onde<br />
Embury e <strong>seu</strong>s companheiros estavam jogando cartas; ela pegou no<br />
baralho, jogou-o no fogo e clamou a Embury: “Tereis de pregar para nós<br />
ou então todos ir<strong>em</strong>os juntamente ao inferno; e Deus requererá o nosso<br />
sangue das vossas mãos”. O hom<strong>em</strong> repreendido balbuciou: “Não<br />
posso pregar, pois não tenho n<strong>em</strong> capela n<strong>em</strong> congregação”. Bárbara<br />
Heck lhe respondeu: "Pregai na Vossa própria casa, e para a nossa<br />
companhia". E assim se pregou o primeiro sermão Metodista na<br />
América sob um teto particular e a um auditório de cinco pessoas.<br />
Diz-se às vezes, <strong>em</strong> referência a este incidente, com ar de mofo,<br />
que o Metodismo Americano “nasceu numa mesa de jogo”: mas há<br />
evidência que o próprio Embury não havia perdido os <strong>seu</strong>s hábitos<br />
Metodistas e n<strong>em</strong> tinha se tornado <strong>em</strong> jogador de cartas.<br />
A obra que começou deste modo espalhou-se. Logo se formou<br />
uma congregação e organizou-se uma primeira sociedade Metodista.<br />
Era para esta congregação que veio, num domingo, um oficiai inglês<br />
plenamente fardado; caiu de joelhos com os outros adoradores, e uniuse<br />
com eles no canto quando se levantaram. Era o Capitão Webb do<br />
42º Regimento, soldado denodado (intrépido, dest<strong>em</strong>ido) que se<br />
convertera ao escutar um sermão pregado por João <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> Bristol.<br />
Webb era soldado distinto e, de muitos modos, hom<strong>em</strong> notável!<br />
Pelejou no sítio de Louisburgo, sendo grav<strong>em</strong>ente ferido. Recebeu um<br />
balaço que, entrou pelo lado direito da cabeça, dirigindo-se para baixo,<br />
furou-lhe a vista direita, caiu na boca e no choque incidente à ferida,<br />
Webb engoliu a bala. O camarada que veio examiná-lo disse: “Está<br />
morto!” Mas o indomável Webb disse <strong>em</strong> voz b<strong>em</strong> baixinha: “Não, ainda<br />
não morri”. Viveu e acabou tomando parte <strong>em</strong> muitas outras guerras <strong>em</strong><br />
que a Inglaterra estava envolvida. Ele, por ex<strong>em</strong>plo, estava com a<br />
pequena, mas heróica coluna de soldados que, à meia noite de 12 de<br />
set<strong>em</strong>bro de 1759, escalou a penha (penhasco, penedo, fraga) se<br />
colocando nas “alturas de Abraão” (num lugar b<strong>em</strong> alto) e, na t<strong>em</strong>ível<br />
batalha da manhã seguinte ele viu a morte de Wolfe e a destruição do<br />
poder francês no Canadá.<br />
Era hom<strong>em</strong> robusto, de rosto cheio, e o pedaço de pano verde<br />
que lhe cobria a vista vazada deu-lhe às feições um aspecto peculiar.<br />
Ele costumava levar consigo ao púlpito a espada, e antes de começar a<br />
pregação a deitava sobre a mesa <strong>em</strong> frente. Era peça de aço valente<br />
(rijo, resistente), e junto com o rosto assinalado pelas batalhas do<br />
pregador, nunca deixou de impressionar o auditório.<br />
João Adams, o segundo Presidente dos Estados Unidos, bom juiz<br />
de oratória, descreve a Webb como “o soldado velho, um dos homens<br />
mais eloqüentes que jamais ouvi”. Webb levou para a sua religião todas<br />
as belas qualidades do soldado – a corag<strong>em</strong>, a lealdade, a iniciativa.<br />
Tornou-se pregador local, e costumava ir ao púlpito pregar <strong>em</strong> uniforme<br />
de rigor. Ele estava destacado com o <strong>seu</strong> regimento <strong>em</strong> Albany, quando<br />
ouviu sobre a existência da sociedade Metodista <strong>em</strong> Nova York; assim<br />
desceu o rio, fez-se conhecido, e logo deu o impulso de uma nova<br />
energia aos trabalhos Metodistas.<br />
Uma mulher encabeça a grande lista dos conversos cristãos na<br />
Europa: Lídia, a vendedora de púrpura de Filipos. Igualmente nos<br />
Estados Unidos a figura de uma mulher, a de Bárbara Heck, está na<br />
frente do Metodismo Americano. E ao lado dela se achavam os vultos<br />
de dois leigos, Embury, o carpinteiro e Webb, o soldado.
Construiu-se a primeira capela Metodista <strong>em</strong> Nova York, nos<br />
Estados Unidos e <strong>em</strong> todo o continente americano. Embury com as<br />
próprias mãos fez o púlpito e dele pregou o primeiro sermão aos 30 de<br />
outubro de 1768. Era um edifício baixo de pedra, 60x42 pés, e tinha<br />
lareira e chaminé. Isto se fez para escapar às exigências da lei que<br />
proibia a construção de quaisquer casas de culto a não ser<strong>em</strong><br />
anglicanas (a igreja oficial do Estado inglês e soberano das colônias<br />
americanas). A obra se estendeu com ligeireza e escreveu-se uma carta<br />
a João <strong>Wesley</strong> pedindo-lhe que enviasse um dirigente, e acrescentando<br />
que, caso a Conferência Inglesa não pudesse pagar a passag<strong>em</strong> do<br />
pregador, os m<strong>em</strong>bros da pequena sociedade <strong>em</strong> Nova York venderiam<br />
os paletós e as camisas para prover os fundos.<br />
Deve-se l<strong>em</strong>brar que <strong>Wesley</strong> tinha uma tática b<strong>em</strong> definida e<br />
prudente <strong>em</strong> suas operações. Ele tomava passos curtos, e nunca ia<br />
longe de sua base. Não ultrapassou o canal de S. Jorge até maio de<br />
1747, n<strong>em</strong> passou a fronteira escocesa até 1751. Transpor o Atlântico<br />
até a América parecia, a <strong>seu</strong>s olhos prudentes, uma política, senão<br />
ousada, pelo menos, d<strong>em</strong>ais apressada. Um pouco mais tarde, quando<br />
se pedia que o próprio João <strong>Wesley</strong> visitasse a América, ele respondeu:<br />
“O caminho não está claro; não tenho que fazer ali<br />
enquanto puder<strong>em</strong> passar s<strong>em</strong> a minha presença. Present<strong>em</strong>ente<br />
sou devedor ao povo da Inglaterra e da Irlanda”.<br />
Mas o clamor da América foi mui urgente; um metodista pertinaz<br />
escreveu:<br />
“O Senhor <strong>Wesley</strong> diz que a primeira mensag<strong>em</strong> de <strong>seu</strong>s<br />
pregadores é para as ovelhas perdidas da Inglaterra. E não as<br />
há na América? Elas se extraviaram da Inglaterra para as<br />
matas virgens daqui, e estão correndo desenfreadamente atrás<br />
das coisas deste mundo. Estão bebendo vinho a cântaros<br />
(exageradamente), estão pulando e dançando, e servindo ao<br />
diabo nos bosques e <strong>em</strong>baixo das árvores verdes. E não são<br />
ovelhas perdidas? E não há ninguém entre os pregadores que<br />
queira vir aqui? Onde está o Senhor Brownfleld? Onde está o<br />
João Pawson? Onde está o Nicolau Manners? Estão vivos, e<br />
não quer<strong>em</strong> vir aqui?“ (Southey vol. II, pág. 202)<br />
Não fora possível recusar este apelo, e a Conferência de 1769<br />
chamou por voluntários para ir<strong>em</strong> à América. Dois auxiliares, Ricardo<br />
Boardman e José Pilmoor, se ofereceram. Não foram enviados através<br />
do Atlântico com as mãos vazias. Os m<strong>em</strong>bros da Conferência – a<br />
companhia de homens que talvez trabalhass<strong>em</strong> mais e recebiam menos<br />
do que qualquer outro grupo na Grã-bretanha nesse t<strong>em</strong>po – ajuntou as<br />
suas moedas escassas. Precisavam de vinte libras para pagar a<br />
passag<strong>em</strong> dos voluntários através do Atlântico, e levaram consigo a<br />
soma de cinqüenta libras como penhor do amor fraterno do Metodismo<br />
da Inglaterra para o da América. Aqueles dois auxiliares, pois<br />
encetaram a cristianização de um continente com somente cinqüenta<br />
libras!<br />
A Conferência de 1771 fez uma contribuição ainda mais notável<br />
para a vida religiosa dos Estados Unidos. Ela mandou Francisco Asbury<br />
e Ricardo Wright para a América; e Francisco Asbury era s<strong>em</strong> dúvida a<br />
dádiva mais nobre que Inglaterra deu a <strong>seu</strong>s filhos além do Atlântico.<br />
Ele ainda não chegou a ser devidamente apreciado, n<strong>em</strong> pelos<br />
americanos n<strong>em</strong> pelos próprios metodistas.<br />
Foi no ano <strong>em</strong> que Whitefield morreu que Asbury pisou <strong>em</strong> solo<br />
americano, e enquanto este desconhecido de Staffordshire não possuiu<br />
nenhum dos poderes notáveis da oratória de Whitefield, ainda estava<br />
destinado a fazer uma impressão mais profunda e permanente sobre a<br />
vida religiosa da América do que aquela feita pelo grande pregador.<br />
Este filho de um casal do povo começou a pregar quando rapaz<br />
de dezessete anos. Seguiu, para a América quando tinha sido auxiliar<br />
por somente quatro anos, e estava ainda, <strong>em</strong> termos modernos, “<strong>em</strong><br />
experiência”. Ele encetou aquela peregrinação que havia de guiá-lo a<br />
destinos gloriosos, s<strong>em</strong> ter um penny no bolso. No vasto e rude palco<br />
da América ele fez o papel de apóstolo, s<strong>em</strong> ostentar o <strong>seu</strong> apostolado;<br />
e deveras, s<strong>em</strong> no mínimo ter qualquer idéia que fosse apóstolo. As<br />
suas viagens rivalizam <strong>em</strong> termos de t<strong>em</strong>po e distância – se não<br />
sobrepujam! – às do próprio João <strong>Wesley</strong>, e foram feitas <strong>em</strong> condições<br />
muito mais difíceis. Ele achou pouso (hospitalidade e abrigo) nas rudes<br />
choupanas dos pioneiros (os primeiros habitantes europeus na maior<br />
parte dos territórios norte-americanos); o <strong>seu</strong> curso (caminho)<br />
atravessou as florestas sombrias e quase desertas, passou as largas<br />
planícies e rios s<strong>em</strong> pontes. O <strong>seu</strong> salário durante a maior parte de sua<br />
vida era inferior a 20 libras por ano. Alto e magro, o <strong>seu</strong> corpo delgado<br />
possuía a rigidez do aço, ao passo que o <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>peramento possuía a<br />
gentileza de uma mulher.<br />
Foi um Fletcher s<strong>em</strong> o t<strong>em</strong>ível aspecto de outros mundos que<br />
estava constant<strong>em</strong>ente visível na testa de Fletcher; foi um <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong><br />
a imperiosa vontade, obstinação, e inclinação para o alto<br />
“eclesiasticismo” do <strong>seu</strong> grande líder. Mas o próprio João <strong>Wesley</strong> não<br />
podia ter viajado, pregado ou trabalhado mais do que ele. A vida santa
(consagrada) de Fletcher não tinha talvez mais da atmosfera de oração<br />
do que a de Asbury. A oração formava parte de cada fibra de sua vida.<br />
Com a magia (o poder sobrenatural) da oração ele influiu <strong>em</strong> todos que<br />
encontrava, por um só momento que fosse. Permanecendo na<br />
choupana de algum colono por dois ou três dias ele tinha oração com a<br />
família <strong>em</strong> cada refeição. Nenhum visitante vinha à casa de Asbury s<strong>em</strong><br />
ser recebido ou despedido com oração. Asbury não possuía o gênio de<br />
comando de <strong>Wesley</strong>, mas dava-se melhor com o caráter e as condições<br />
da vida americana do que o <strong>seu</strong> grande líder. Não tinha prevenção de<br />
classe; não pertencia a qualquer escola política; n<strong>em</strong> tinha qualquer<br />
tendência a ritualismo. Ele conservou a unidade, como <strong>Wesley</strong> talvez<br />
não teria feito, entre as sociedades Metodistas na América durante a<br />
sanguinolenta guerra civil (pela independência das 13 Colônias), e as<br />
conteve pela sábia suavidade que o amor ensina; pois o <strong>seu</strong> único<br />
gênio foi aquele dado pelo amor. Neste aspecto ele parecia mais com o<br />
Fletcher do que com <strong>Wesley</strong>; era realmente uma versão inglesa plebéia<br />
(popular) daquele suíço angélico. Asbury era meio serafim (anjo, pessoa<br />
de beleza e caráter raros) meio plebeu (popular) – um serafim com o<br />
toque do comum que se encontra no povo, mas n<strong>em</strong> por isso menos<br />
seráfico (angélico).<br />
Não obstante a brevidade de sua relação pessoal com o Asbury,<br />
<strong>Wesley</strong> pôs nele o <strong>seu</strong> selo característico. É ainda visível nas suas<br />
sentenças curtas e vigorosas. Estava b<strong>em</strong> legível a <strong>seu</strong>s<br />
cont<strong>em</strong>porâneos na nitidez no vestir, na sua diligência metódica, na sua<br />
avidez pela instrução, e nos <strong>seu</strong>s hábitos de estudante. Este hom<strong>em</strong> de<br />
Staffordshire, viajando cinco mil milhas por ano, pregando<br />
incessant<strong>em</strong>ente, dando três horas por dia à oração, e s<strong>em</strong> moradia<br />
certa, entretanto tinha por regra fixa ler c<strong>em</strong> páginas por dia. Asbury fezse<br />
douto e tornou-se senhor do latim, grego e hebraico.<br />
A que ord<strong>em</strong> misteriosa pertenciam tais homens? Parec<strong>em</strong> ter<br />
possuído faculdades que jaz<strong>em</strong> esquecidas nos homens <strong>em</strong> geral, e<br />
que tiraram a vida de fontes mais ricas. As experiências que para outros<br />
homens são raras e momentâneas – sentimentos de <strong>em</strong>oção e de<br />
visão, que v<strong>em</strong> e desaparec<strong>em</strong> de momento – eram para homens tais<br />
como <strong>Wesley</strong>, Fletcher e Asbury condições permanentes e comuns da<br />
vida. São deveras revelações das forças não utilizadas que dorm<strong>em</strong><br />
esquecidas na religião.<br />
Não é necessário louvar a inteligência de Asbury. O amor lhe<br />
ensinou a sabedoria, e o amor lhe deu poder. Pelo encanto deste amor,<br />
ele alcançou alturas de influência impossíveis à energia meramente<br />
intelectual. Ele curou as divergências de 1779-80 entre os ramos norte e<br />
sul da recém nascida Igreja Metodista na América, não à força de<br />
argumentos, n<strong>em</strong> pelo mero jeito ou autoridade, mas por suas lágrimas<br />
e orações, e por aquele amor que cintilava <strong>em</strong> suas lágrimas e<br />
respirava <strong>em</strong> suas orações. Hom<strong>em</strong> solteiro e solitário; rústico por<br />
nascimento, que nada devia às escolas e pouco a dotes naturais; não<br />
tendo qualquer poder de debate, e aparent<strong>em</strong>ente não possuindo dom<br />
algum para a liderança; entretanto, na história de sua Igreja, como Deus<br />
vê, e o escreve, e há de guardá-lo, b<strong>em</strong> poucos vultos são maiores do<br />
que o bispo do Metodismo nos Estados Unidos Francisco Asbury.<br />
João <strong>Wesley</strong>, bom juiz de homens como foi, não reconheceu no<br />
princípio os pro<strong>em</strong>inentes dons de Asbury. É verdade que reconheceu a<br />
mansidão que constituiu a nota saliente no caráter de Asbury, mas não<br />
descobriu logo a força e a sagacidade envoltas nessa mansidão.<br />
<strong>Wesley</strong> possuía os instintos de um general; e acreditava que na<br />
formação da nova Igreja no solo inculto da América, seria necessária<br />
uma mão forte; portanto <strong>em</strong> 1773, ele mandou, como reforços ao<br />
trabalho na América, a Thomas Rankin e a Jorge Shadford. A sua carta<br />
de autorizarão a Shadford é característica.<br />
“Eu te solto, Jorge, no grande continente Americano.<br />
Publica a tua mensag<strong>em</strong> à luz do sol, e faze todo o b<strong>em</strong> que<br />
puderes”.<br />
Rankin, que figura nas cartas de <strong>Wesley</strong> como “querido Tommy”,<br />
era escocês de nascimento, soldado de educação – soldado da escola<br />
de João Haime – e <strong>Wesley</strong> o fez auxiliar geral das sociedades na<br />
América, com o propósito expresso de apertar mais as rédeas<br />
disciplinares ali. Rankin certamente trouxe para a sua religião algo da<br />
têmpera (austeridade, índole, t<strong>em</strong>peramento), e muito da disciplina do<br />
soldado. Sabe-se que o mesmo Asbury, onde era coisa de princípios,<br />
era capaz de exercer mão de ferro; mas o toque de Rankin era o de aço<br />
trabalhado! O <strong>seu</strong> senso de ord<strong>em</strong> ficou tão profundamente abalado<br />
pelas manifestações físicas que se viam <strong>em</strong> certos avivamentos que ele<br />
ficou disposto a queixar-se dos mesmos avivamentos. Ele levou para as<br />
reuniões das <strong>Sociedade</strong>s os acentos mandantes do soldado, e por<br />
algum t<strong>em</strong>po parecia como se a natureza meiga de Asbury, com as<br />
influências mais belas e sábias que ele representava, seria banido do<br />
campo. Em suma, a fábula de Esopo a respeito do torneio entre o sol e<br />
o vento foi novamente, ex<strong>em</strong>plificada no contraste entre os métodos dos<br />
dois homens; e como na fábula, a meiga luz do gênio de Asbury se<br />
mostrou mais eficaz do que o vento forte e rijo personificado na<br />
administração de Rankin.
O Metodismo desde o começo cresceu com rapidez quase<br />
tropical no solo Americano. Era adaptado ao gênio do povo, e quadrava<br />
(adaptava-se) perfeitamente com as suas circunstâncias. Um ministério<br />
tão móbil e <strong>em</strong>preendedor como a cavalaria ligeira de um exército<br />
invasor, espalhou-se por todo o vasto continente. Os primeiros<br />
pregadores trouxeram os métodos de <strong>Wesley</strong>, e as tradições do<br />
primeiro grupo heróico de <strong>seu</strong>s auxiliares à América. Sobrepujaram a<br />
marcha dos imigrantes e trabalharam mais do que os colonos; levaram<br />
a mensag<strong>em</strong> e o espírito de religião por toda à parte. E ano após ano a<br />
história de novas sociedades e múltiplas capelas, e de um s<strong>em</strong>pre<br />
crescente exército de auxiliares, foi relatado à Conferência Britânica (da<br />
qual o Metodismo das Colônias fazia parte).<br />
Asbury contribuiu grand<strong>em</strong>ente para isso pelo jeito de sua<br />
administração. Ele possuía muitos dons de um grande general; sabia<br />
escolher os homens; podia olhar sobre um continente inteiro e ver os<br />
<strong>seu</strong>s pontos estratégicos, e colocar <strong>em</strong> cada lugar o hom<strong>em</strong> justamente<br />
adaptado ao posto. Ele sabia, também, combinar exatamente o<br />
t<strong>em</strong>peramento e o gênio do pregador com o grau de espiritualidade de<br />
cada <strong>Sociedade</strong>; e não obstante a sua meiguice, Asbury possuía<br />
suficiente resolução para agir sob sua própria interpretação da situação.<br />
Distribuiu os <strong>seu</strong>s auxiliares pelo continente com o método e com muito<br />
da perícia de um grande general na distribuirão de suas tropas.<br />
Entretanto o Metodismo na América foi logo no começo<br />
grand<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>baraçado. Uma guerra civil estava preste a se<br />
rebentar. A primeira Conferência reuniu-se enquanto os canhões de<br />
Lexington estavam ainda despedindo a suas vibrações sinistras através<br />
do mundo. O encontro histórico de Coke e Asbury na América, aos 13<br />
de Agosto de 1776 (*), era o ponto de partida da grande Igreja<br />
Metodista Episcopal dos Estados Unidos. Somente três s<strong>em</strong>anas antes<br />
fora assinada a Declaração da Independência e os laços que<br />
vinculavam as 13 colônias à Inglaterra foram desfeitos. Fundar uma<br />
nova Igreja <strong>em</strong> solo sacudido por terr<strong>em</strong>oto político de tamanha escala<br />
era tarefa que b<strong>em</strong> poderia se considerar como d<strong>em</strong>asiado grande para<br />
as forças humanas conseguir<strong>em</strong>. Mas algo mais sábio do que o<br />
entendimento humano e mais poderoso do que a força humana se<br />
dedicou à tarefa.<br />
(*) Nota do Tradutor Eduardo E. Joiner: - O ilustre autor W. H.<br />
Fetchett errou quanto ao encontro entre Coke e Asbury. Coke só visitou<br />
à América <strong>em</strong> fins do ano 1784, e a Igreja Metodista Episcopal foi<br />
formalmente organizada <strong>em</strong> Baltimore no Natal desse ano.<br />
Os auxiliares que <strong>Wesley</strong> enviara através do Atlântico par a<br />
América eram, por certo, ingleses ou escoceses de nascimento,<br />
simpatizavam com a sua terra nativa, compartilhavam da obstinada<br />
lealdade de <strong>Wesley</strong>. Durante o conflito entre as colônias e a Inglaterra<br />
surgiu um grande mal estar entre os pregadores europeus e as<br />
congregações compostas pelos americanos: os metodistas americanos<br />
mui naturalmente tiveram suspeitas de que os pregadores que eram<br />
faltos de patriotismo, para não dizer anti-americanos.<br />
<strong>Wesley</strong> do outro lado do Atlântico (que opunha-se a<br />
independência das colônias) declarava nesse mesmo momento que tão<br />
prontamente teria sociedade com um bêbado ou com fornicador como<br />
com revoltoso (ou seja, que o simpático ou militante pela independência<br />
americana era tão pecador quanto um bêbado ou fornicador). Com que<br />
complacência, pois, poderia o Rankin, ex-praça da Cavalaria, com mais<br />
do que o instinto ·do soldado pela disciplina e o ódio do soldado pela<br />
deslealdade, cont<strong>em</strong>plar os revoltosos? Um por um os primeiros<br />
auxiliares de <strong>Wesley</strong> tiveram de retirar-se da América, retornando à<br />
Inglaterra. Mais tarde o Congresso americano exigiu que os pregadores<br />
fizess<strong>em</strong> juramento de fidelidade ao novo governo; mas isto até o mui<br />
paciente Francis Asbury se recusou a fazer. Ele foi multado <strong>em</strong> 5 libras<br />
por pregar s<strong>em</strong> fazer o juramento, e foi praticamente silenciado durante<br />
dois anos, e teve de ficar escondido por grande parte deste t<strong>em</strong>po.<br />
Os tristes efeitos da guerra civil reflet<strong>em</strong>-se nas Atas da<br />
Conferência Inglesa. Durante dez anos – dez anos tristes e<br />
melancólicos – 1773 a 1783 – não há menção alguma do trabalho<br />
metodista na América. É como se esse trabalho – uma igreja inteira! –<br />
desaparecera! De 1773-1784 não se publicou Ata alguma da<br />
Conferência Americana.<br />
Pode-se acrescentar que <strong>Wesley</strong> aumentou grand<strong>em</strong>ente as<br />
dificuldades de <strong>seu</strong>s auxiliares na América, por suas expressões<br />
(posicionamentos) políticas na Inglaterra. Em 1775 ele publicou um<br />
folheto de quatro páginas intitulado: “Um apelo calmo a nossas colônias<br />
americanas”. Talvez n<strong>em</strong> antes n<strong>em</strong> desde então, houvesse um tão<br />
pequeno pedaço de papel impresso que produzisse tamanha sensação.<br />
Mais de 40.000 ex<strong>em</strong>plares foram vendidos <strong>em</strong> poucas s<strong>em</strong>anas. O<br />
folheto moveu a gratidão quase lacrimosa dos m<strong>em</strong>bros do governo<br />
inglês, admirados de achar ao lado deles um hom<strong>em</strong> como <strong>Wesley</strong>, que
conhecia tão b<strong>em</strong> o vulgo (povo) e que tinha sobre ele tanta influência,<br />
mas o folheto ofendeu profundamente a todos que eram opostos à<br />
guerra, e trouxe sobre o próprio <strong>Wesley</strong> uma t<strong>em</strong>pestade de invectivas<br />
(insultos). Os <strong>seu</strong>s amigos na América tentaram suprimir (dar fim) o<br />
folheto, queimando todos os ex<strong>em</strong>plares que por lá chegaram. <strong>Wesley</strong><br />
bruscamente declara <strong>em</strong> <strong>seu</strong> folheto que os americanos não tinham<br />
nenhuma razão de queixa, e, que não foram destituídos de direito<br />
algum. Afirmou que o Parlamento Britânico tinha poder para tributar às<br />
colônias americanas, e que a revolta no fundo não era luta pela<br />
liberdade; mas um esforço para subverter a monarquia.<br />
Mas o tal “ApeIo Calmo” de <strong>Wesley</strong> era, de fato, uma simples<br />
abreviação do b<strong>em</strong> conhecido folheto de Johnson, “Tributação não é<br />
Tirania”, adornado com o nome de <strong>Wesley</strong> e umas poucas sentenças do<br />
<strong>seu</strong> nervoso inglês. A sua publicação, nesta forma, não s<strong>em</strong> razão,<br />
expôs <strong>Wesley</strong> a acusação de plágio. O folheto estava também <strong>em</strong><br />
flagrante contraste com certas expressões de <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> data anterior.<br />
Por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> 15 de junho de 1755, <strong>Wesley</strong> se dirigiu ao Lorde<br />
North, protestando contra o tratamento dado aos americanos. Ele<br />
escreveu:<br />
“Todas as minhas prevenções são contra os<br />
americanos; porque sou High Churchman - ritualista - filho de<br />
High Churchman, crendo assim, desde a infância, nas idéias<br />
de obediência passiva e de não resistência; e não obstante as<br />
minhas b<strong>em</strong> enraizadas prevenções, não posso deixar de<br />
pensar, se penso coisa alguma, que um povo oprimido está a<br />
pedir nada mais do que o <strong>seu</strong> direito legal, e isto do modo<br />
mais modesto e inofensivo que a natureza do caso permite.<br />
Mas pondo de lado todas as considerações da justiça ou da<br />
injustiça, eu pergunto se é de bom senso <strong>em</strong>pregar a força<br />
para com os americanos? Estes homens não se assustarão; e<br />
parece que não serão vencidos tão facilmente como no<br />
princípio se imaginara. Talvez contestarão cada polegada de<br />
terreno; e, se morrer<strong>em</strong>, morrerão com a espada na mão”.<br />
(Tyerman, voI. I, pág. 198).<br />
Sentimentos admiráveis são estes; mas ao passo que <strong>Wesley</strong><br />
escreveu deste modo <strong>em</strong> particular, como foi que escrevesse de um<br />
modo tão diferente para o público?<br />
A verdade é que na política <strong>Wesley</strong> estava susceptível a falar com<br />
conhecimentos inadequados sendo d<strong>em</strong>asiado ocupado num domínio<br />
maior para poder se assenhorear dos fatos pertinentes a um mundo tão<br />
diferente. Em negócios políticos, também, tanto por educação como por<br />
caráter, fez que ele fosse o que se chamava nesse t<strong>em</strong>po um Tory.<br />
Somente quando a sua consciência se tornava per<strong>em</strong>ptória se corrigia<br />
as suas idéias políticas.<br />
Facilmente se entende como as expressões de <strong>Wesley</strong> na<br />
Inglaterra aumentariam as dificuldades de <strong>seu</strong>s pregadores na América.<br />
Mas é forçoso dizer que <strong>Wesley</strong> era muito mais sábio por <strong>seu</strong>s<br />
pregadores do que por si mesmo. Ele lhes escreveu assim:<br />
"O vosso papel é o do pacificador; deveis ser amáveis e<br />
ternos para com todos, mas s<strong>em</strong> ligar-vos a partido algum. Na<br />
face de todas as solicitações quer sejam por palavras ásperas<br />
quer por suaves, não digais uma palavra sequer contra um ou<br />
outro partido; conservai-vos puros; fazei o que puderdes para<br />
ajudar e suavizar a todos; mas cuidai que não vos metais nas<br />
rixas de outros”.<br />
Com o mesmo espírito CarIos <strong>Wesley</strong> lhes escreveu dizendo:<br />
"Quanto aos negócios públicos desejo que sejais como eu.<br />
Não sou n<strong>em</strong> de um lado n<strong>em</strong> de outro e, entretanto sou de<br />
ambos: ao lado da Inglaterra nova e velha”.<br />
Logo veio a crise dos negócios eclesiásticos na América – crise<br />
que apressou a solução da mesma questão na própria Inglaterra.<br />
<strong>Wesley</strong> exigiu que os <strong>seu</strong>s auxiliares na América, como na Inglaterra se<br />
conservar<strong>em</strong>, não somente <strong>em</strong> relações de amizade para com a Igreja<br />
Anglicana, mas deviam até se considerar os humildes e desconhecidos<br />
servos dela. Não deviam administrar os sacramentos, n<strong>em</strong> celebrar<br />
cultos nas horas dos serviços na Igreja, n<strong>em</strong> haviam de se chamar-se<br />
Dissidentes (dissidentes da Igreja oficial). Mas o número de párocos nos<br />
Estados Unidos era diminuto (pois a maioria durante a guerra retornou<br />
para a Inglaterra); as paróquias (as vilas, cidades e áreas geográficas<br />
que um pároco tinha sob sua responsabilidade) eram vastas, e com<br />
d<strong>em</strong>ais freqüência eram servidas de homens s<strong>em</strong> zelo n<strong>em</strong> piedade.<br />
Era absurdo imaginar que as enérgicas e crescentes <strong>Sociedade</strong>s do<br />
Metodismo continuariam a depender da caridade – caridade<br />
freqüent<strong>em</strong>ente mesquinha e pouco generosa – de uns poucos<br />
clérigos anglicanos (que, tal como acontecia na Inglaterra,<br />
desprezavam os metodistas ) para a ministração dos sacramentos.<br />
A guerra civil de fato, destroçou toda a política de <strong>Wesley</strong><br />
neste assunto. A maioria dos clérigos anglicanos abandonou as suas<br />
paróquias e fugiram das colônias revoltadas. A administração dos
sacramentos nas <strong>Sociedade</strong>s Metodistas ameaçava ficar – e por<br />
áreas largas praticamente ficou – obsoleta e quase esquecida.<br />
A questão dos sacramentos na América tornou -se assim<br />
urgente e per<strong>em</strong>p tória. João <strong>Wesley</strong> pediu aos bispos (anglicanos)<br />
ingleses que ordenass<strong>em</strong> alguns de <strong>seu</strong>s auxiliares para atenuar a<br />
crise, mas eles o recusaram. Os bispos ingleses não tinham grande<br />
desejo para ministrar os benef ícios da religião a revoltos os<br />
americanos que guerreavam contra a pátria mãe e ao <strong>seu</strong> soberano<br />
legitimo. <strong>Wesley</strong> escreveu ao Bispo de Londres:<br />
“Tenho dó da pobre América e das ovelhas dispersas ali;<br />
<strong>em</strong> parte elas não têm pastor algum, especialmente nas<br />
colônias do norte; e a condição das d<strong>em</strong>ais é pouco melhor,<br />
pois os <strong>seu</strong>s próprios pastores não têm compaixão delas”.<br />
João <strong>Wesley</strong> com paciência característica esperou por quatro<br />
anos antes de agir. Escreveu duas vezes a Lowth, o Bispo de<br />
Londres, hom<strong>em</strong> de espírito liberal e de simpatias generosas,<br />
pedindo que ordenasse, pelo menos, um pregador que pudesse<br />
viajar entre as <strong>Sociedade</strong>s Metodistas Americanas para administrar<br />
os sacramentos. Mas Lowth recusou. Ele disse: “Já exist<strong>em</strong> três<br />
ministros naquele país”. <strong>Wesley</strong> mui naturalmente respondeu : “E<br />
quantos são estes para zelar<strong>em</strong> por um continente?” Não somente<br />
eram d<strong>em</strong>asiado pouco <strong>em</strong> número; mas eram visivelmente<br />
destituídos do caráter necessário para o trabalho a se fazer.<br />
<strong>Wesley</strong> escreveu novamente ao Bispo Lowth:<br />
“Vossa Senhoria não teve por b<strong>em</strong> ordená-lo (auxiliar de<br />
<strong>Wesley</strong>), mas vossa Senhoria teve por b<strong>em</strong> ordenar e mandar<br />
para a América outros homens que sabiam algo de Grego e<br />
Latim, mas que não sabiam mais de salvar almas do que de<br />
pescar baleias”.<br />
Os fatos para <strong>Wesley</strong> s<strong>em</strong>pre possuíam uma lógica final. Nesse<br />
t<strong>em</strong>po ele começara cont<strong>em</strong>plar toda a situação com olhos<br />
desvendados das prevenções eclesiásticas. Ele refletiu que, talvez,<br />
fosse um b<strong>em</strong> os bispos não ter<strong>em</strong> ordenado os pregadores metodistas.<br />
“Se eles Ihes ordenass<strong>em</strong> agora (escreveu ele) haviam de<br />
querer governá-los; e quão seriamente isto nos <strong>em</strong>baraçaria! Mas<br />
os nossos irmãos americanos agora se achando totalmente<br />
des<strong>em</strong>baraçados, tanto do Estado inglês como da sua hierarquia,<br />
não ousamos <strong>em</strong>baraçá-los n<strong>em</strong> com um n<strong>em</strong> com outro. Estão<br />
agora com a plena liberdade de seguir<strong>em</strong> com simplicidade as<br />
escrituras e a Igreja primitiva; e julgamos melhor que eles<br />
permaneçam firmes naquela liberdade com que Deus tão<br />
maravilhosamente lhes libertou”. (Southey voI. lI, pág. 213).<br />
Ele resolveu a dificuldade ao ordenar um superintendente ou<br />
bispo para a América. <strong>Wesley</strong> age com deliberação, e expõe com<br />
grande força as razões que lhe influíram. Por que fez para a América<br />
aquilo que recusara fazer para a Inglaterra? Ele responde:<br />
“Aqui há bispos que têm jurisdição legal. Na América não há<br />
ninguém, n<strong>em</strong> exist<strong>em</strong> ministros nas paróquias; de modo que na<br />
extensão de centenas de milhas não há ninguém para administrar<br />
n<strong>em</strong> o batismo n<strong>em</strong> a ceia do Senhor. Aqui, pois se findam os<br />
meus escrúpulos; e julgo-me com plena liberdade, não estou<br />
violando ord<strong>em</strong> alguma, n<strong>em</strong> invadindo os direitos de ninguém,<br />
por nomear e enviar trabalhadores para a seara”. (Southey, voI. lI,<br />
pág. 213).<br />
Desta forma, pois, <strong>Wesley</strong> e Creighton, clérigo que era também<br />
um de <strong>seu</strong>s auxiliares devotos, ordenaram a Thomaz Coke como<br />
superintendente, e Ricardo Whatcoat e Thomas Vasey como<br />
presbíteros para a América. Coke, por sua vez devia ordenar a Francis<br />
Asbury.<br />
<strong>Wesley</strong>, a <strong>seu</strong> modo prático, só iria até onde tinha de ir, mas não<br />
mais longe. É verdade que <strong>seu</strong>s princípios iam muito além dos <strong>seu</strong>s<br />
atos; porque era inglês s<strong>em</strong> imaginação que conservou os pés <strong>em</strong> terra<br />
firme, cuidando muito de coisas concretas e nada de abstratas; muito de<br />
eficiência prática e pouco de lógica. Na Inglaterra como na América, ele,<br />
esticou, quase a ponto de rompimento, a lealdade de <strong>seu</strong> povo por <strong>seu</strong><br />
desejo de conservar a amizade da Igreja Anglicana. Por ex<strong>em</strong>plo, na<br />
América, <strong>em</strong> 1779, as Igrejas Metodistas nos Estados do Sul<br />
deliberadamente romperam e resolveram começar a existência como<br />
uma Igreja independente (autônoma), visto não haver outra maneira de<br />
conseguir<strong>em</strong> a administração dos sacramentos entre si. A cisão foi<br />
unicamente fechada pelas orações e lágrimas e pelo jeito especial de<br />
Asbury.<br />
É divertido notar, na própria ordenação de Coke, a ternura<br />
característica de <strong>Wesley</strong> para com a teoria ritualista que havia muito<br />
renunciara e que agora ele está a repudiar publicamente. Não quer<br />
chamá-lo de “bispo”, está o constituindo tal, mas o denomina<br />
“superintendente”. Foi a singeleza e o bom senso americano que mais<br />
tarde pôs de lado a palavra pesada de “superintendente”, fazendo o
nome e o fato se harmonizar<strong>em</strong> no termo bispo.<br />
<strong>Wesley</strong> era, também, pouco lógico <strong>em</strong> outro ponto. Ele declara<br />
que Lorde King havia-lhe convencido que presbíteros e bispos são da<br />
mesma ord<strong>em</strong>. Porque, então o julgou necessário ordenar a Coke como<br />
bispo sob o nome de “superintendente”? A crítica de Southey sobre este<br />
ponto é perfeitamente sã. Sob o princípio de <strong>Wesley</strong> a consagração era<br />
inútil, pois Dr. Coke, havendo sido regularmente ordenado, era já tão<br />
bom bispo como o próprio <strong>Wesley</strong>.<br />
Coke era uma dádiva quase tão boa para a América como foi o<br />
Asbury. O <strong>seu</strong> jeito, o <strong>seu</strong> zelo e a sua sobrepujante personalidade fê-lo<br />
de vez um poder; e se pode acrescentar que era cavalheiro por<br />
nascimento e posição, e douto por educação. Possuía uma posição<br />
social que os outros auxiliares de <strong>Wesley</strong> não podiam pretender.<br />
Asbury estava fazendo uma viag<strong>em</strong> pelo país na ocasião da<br />
chegada de Coke; mas logo que Coke acabou de pregar numa<br />
capela <strong>em</strong> Delaware, “um hom<strong>em</strong> singelo e robusto lhe veio ao<br />
púlpito e o beijou, pronunciando ao mesmo t<strong>em</strong>po uma saudação<br />
primitiva”. Era Francis Asbury. E os dois homens destinados a<br />
impressionar<strong>em</strong> tão profundamente aos Estados Unidos tornaram -se<br />
imediatamente <strong>em</strong> amigos íntimos.<br />
Não está à alçada deste livro descrever mais minuciosamente<br />
o progresso da obra na América. O Metodismo ali era simplesmente<br />
uma muda do avivamento inglês plantada sob outros céus, e <strong>em</strong><br />
condições difíceis. Entretanto t<strong>em</strong> crescido e t<strong>em</strong> se tornado o ramo<br />
mais vigoroso do protestantismo, entre povos que falam a língua<br />
inglesa que se conhece na história! As condições geográficas e<br />
políticas lhe deram a forma de Igreja independente mais cedo do<br />
que o movimento materno na Inglaterra; e é hoje o mais poderoso<br />
corpo religioso numa nação de oitenta milhões de habitantes. Se o<br />
trabalho de <strong>Wesley</strong> fosse julgado por este, <strong>em</strong> certo sentido um<br />
resultado secundário, mesmo assim quão grande é a sua escala!<br />
CAPÍTULO XXV<br />
O Segredo do Grande Avivamento<br />
Até este ponto o escopo e a escala do avivamento têm sido<br />
explicados; mas vale a pena indagar agora qual é a explicação do<br />
movimento que tão profundamente afetou a nação inteira; e onde se<br />
deve procurar o segredo de sua energia estranha.<br />
É certo que o segredo pertence ao domínio espiritual. É fútil<br />
buscá-lo nas qualidades pessoais dos homens que eram os <strong>seu</strong>s<br />
agentes, na oratória sobrepujante de Whitefield, nos hinos de Carlos<br />
<strong>Wesley</strong>, ou no gênio pela organização de João <strong>Wesley</strong>. N<strong>em</strong> se acha a<br />
explicação no domínio de doutrina. A Inglaterra do <strong>século</strong> XVIII não foi<br />
revolucionada pela descoberta de uma nova teologia, n<strong>em</strong> ainda pela<br />
força de uma velha teologia posta <strong>em</strong> nova perspectiva e proclamada<br />
<strong>em</strong> novos acentos.<br />
O avivamento do <strong>século</strong> XVIII, costuma-se dizer, foi o supr<strong>em</strong>o<br />
renascimento histórico do evangelismo entre o povo que fala o inglês. E<br />
é verdade, mas não tudo, pois, a mera pregação evangélica da teologia<br />
é, <strong>em</strong> si, coisa impotente. Não salvará n<strong>em</strong> o indivíduo, e muito menos<br />
ainda abalará uma nação.<br />
Em última análise, o segredo do grande movimento aqui descrito<br />
acha-se no copioso (abundante) derramamento do Espírito do Deus<br />
vivo sobre a nação; e na circunstância que, neste momento crucial, o<br />
Espírito Divino achou, num certo grupo de homens e mulheres,<br />
instrumentos idôneos, com o devido quinhão de devoção e fé, para um<br />
trabalho tão grande. Correndo pelo canal da doutrina verdadeira, e<br />
servindo-se da instrumentalidade de homens idôneos, foi a graça do<br />
Espírito Santo que operou esta grande obra.<br />
Mas permanece a pergunta: qual foi a interpretação particular do<br />
Cristianismo representada pelo avivamento, e que serve <strong>em</strong> explicar a<br />
sua escala e a sua energia perdurável? Quais são as doutrinas<br />
evangélicas?<br />
A religião cristã, como se vê <strong>em</strong> toda a história, está exposta,<br />
perpetuamente, ao perigo de dois extr<strong>em</strong>os opostos. Um extr<strong>em</strong>o o
esolve num deismo (onde se acredita na existência de Deus, mas não<br />
há necessidade de um relacionamento pessoal com ele; Deus é<br />
impessoal, uma “força” do universo) falido e extenuado, uma teoria que<br />
extrai o significado de todas as grandes palavras do Cristianismo, e a<br />
realidade de todos os ofícios de Cristo. Ignora – trata como não<br />
existente ou insignificante – aquele intervalo t<strong>em</strong>ível e imensurável, um<br />
abismo moral, que nenhuma perícia n<strong>em</strong> trabalho humano pode<br />
transpor, entre o pecado e a justiça. O pecado, segundo esta<br />
interpretação, é meramente um grau no desenvolvimento humano. Não<br />
possui nenhum el<strong>em</strong>ento perdurável de culpa, n<strong>em</strong> é perseguido por<br />
qualquer penalidade eterna. O perdão, se é que haja necessidade de<br />
um perdão qualquer, não v<strong>em</strong> por meio de qualquer mistério de<br />
sofrimentos t<strong>em</strong>íveis que alcançam a própria personalidade e trono de<br />
Deus. É coisa barata e fácil, a mera dádiva da bondade de Deus. A<br />
conversão é uma simples frase. O sacerdócio de Cristo, se não é coisa<br />
impertinente, ao menos, é irrelevante; pois o hom<strong>em</strong> não necessita de<br />
sacerdote algum. Uma redenção divina efetuada pelo sofrimento é coisa<br />
que não se entende. Cristo não t<strong>em</strong> qualquer oficio redentor; é<br />
simplesmente um mestre, talvez, um pouco mais sábio do que Epíteto<br />
ou Marco Aurélio; ou talvez, n<strong>em</strong> tão sábio! A religião é um pequeno<br />
plano de reforma moral, facilmente conseguido pelas energias da<br />
vontade humana s<strong>em</strong> auxílio de fora (s<strong>em</strong> a ajuda de Deus, inclusive).<br />
Tal teoria evapora a Bíblia <strong>em</strong> cerração; esgota-lhe todo o<br />
significado das passagens supr<strong>em</strong>as. É credo que não inspira mártir<br />
algum, n<strong>em</strong> cria santos, n<strong>em</strong> envia missionários, n<strong>em</strong> escreve hinos, e<br />
t<strong>em</strong> muito pouco a fazer com a oração. Jesus Cristo, segundo esta<br />
escala de valores, é meramente um “Confúcio judeu”.<br />
A negação ou o esquecimento dos ofícios de Cristo – do Cristo<br />
que busca, do Cristo Redentor – é a reprovação desta teoria e o<br />
segredo de sua fraqueza. E como já vimos, tal era a versão do<br />
Cristianismo que, na época <strong>em</strong> que começou o grande avivamento,<br />
havia se apossado de todos os púlpitos e de quase todas as<br />
inteligências da Inglaterra.<br />
A contrária interpretação (no outro extr<strong>em</strong>o!) do Cristianismo é a<br />
versão sacerdotal <strong>em</strong> todas as suas fases e formas. Não nega o<br />
sacerdócio de Cristo, mas entre a alma pessoal do hom<strong>em</strong> e o Grande<br />
Sumo Sacerdote da raça humana levanta a barreira de um sacerdócio<br />
humano. A redenção, nesta interpretação do sist<strong>em</strong>a cristão, é roubada<br />
da sua liberdade, da sua simplicidade, e da sua graça admirável. A<br />
religião torna-se num sist<strong>em</strong>a de deveres medidos e mecânicos; de<br />
esforços piedosos que são regulados pelo relógio e <strong>em</strong>preendidos <strong>em</strong><br />
um “espírito da escravidão”. O sacerdotalista (clericalista), quando<br />
analisado, é um que nunca ouviu a grande mensag<strong>em</strong> do Cristianismo a<br />
cada alma aceita e perdoada – “Não és mais escravo, mas filho”.<br />
Segundo a teoria sacerdotal, a graça divina corre exclusivamente pelo<br />
fraco e delgado cano que é constituído de uma sucessão de homens<br />
ordenados. É uma teologia que serve para uns poucos, mas não é a<br />
mensag<strong>em</strong> para a multidão comum. Ela inspira grande zelo, mas não<br />
resplandece a luz. Às vezes produz mártires, mas nunca cria santos<br />
(pessoas com vida santificada) alegres.<br />
Estas duas interpretações opostas e errôneas do Cristianismo<br />
formam um contraste sombrio com aquele grande sist<strong>em</strong>a de crença<br />
evangélica que, destituído das falsidades, acha-se entre esses dois<br />
extr<strong>em</strong>os. Quais são as doutrinas evangélicas? Uma serra de<br />
montanhas cujas sumidades furam os céus e que se banham<br />
perpetuamente na luz do sol. Constitu<strong>em</strong> uma concatenada sucessão<br />
de verdades que romp<strong>em</strong> da eternidade e que têm a sua escala.<br />
Verdades que tratam do pecado, e que proclamam a sua culpa<br />
imensurável; a sua condenação iminente e inevitável; mas que também<br />
revelam um livramento do pecado que é imediato e pessoal – livramento<br />
este que v<strong>em</strong> como ato da graça divina, e sob os termos mais simples<br />
de aceitação por arrependimento. Mas não é um livramento leve e fácil<br />
que nada custou ao Libertador. É o supr<strong>em</strong>o milagre do Universo, que<br />
se fez possível unicamente <strong>em</strong> virtude do mistério da redenção por<br />
Cristo. É nos trazido ao alcance pelo mistério da graça do Espírito<br />
Santo. Coloca a alma perdoada <strong>em</strong> relação pessoal e alegre com o Pai,<br />
reconciliado e amado.<br />
Uma redenção divina; um perdão realizado; relações<br />
restabelecidas com Deus mediante a fé; a entrada de forças<br />
sobrenaturais na vida pela graça do Espírito Divino; o alcance de um<br />
presente e perfeito ideal de Deus no caráter. Tudo isto se torna<br />
inteligível e crível mediante a obra e os ofícios redentores de Jesus<br />
Cristo – e pelas energias salvadoras do Espírito Santo na alma humana.<br />
Eis a versão evangélica do Cristianismo!<br />
Nestas doutrinas genuinamente cristãs (que se apóiam realmente<br />
sobre a vida e o ensino de Jesus e a mensag<strong>em</strong> da Palavra de Deus de<br />
Gênesis a Apocalipse) não há nada de novo. Elas não representam<br />
quaisquer descobertas teológicas; mas são as doutrinas efetivas do<br />
Cristianismo. São elas que o distingu<strong>em</strong> de um mero sist<strong>em</strong>a de moral.<br />
Faz<strong>em</strong>-no algo mais do que uma teologia. Elas afetam diretamente o
caráter. Todas as energias dinâmicas do Cristianismo originam-se<br />
delas. São as doutrinas que enviam missionários, que inspiram mártires,<br />
que regeneram os becos! Despertam vibrações mais profundas na alma<br />
humana do que todas as outras verdades juntas. São as doutrinas nas<br />
quais os homens moribundos acham conforto. Todos os grandes hinos<br />
do culto cristão as reflet<strong>em</strong>; todas as grandes orações que originam das<br />
precisões humanas lhes dão a fala. Constitu<strong>em</strong> exatamente a<br />
mensag<strong>em</strong> que o Cristianismo moribundo da Inglaterra desse t<strong>em</strong>po<br />
precisava. A mensag<strong>em</strong> asseverou que os homens estão <strong>em</strong> iminente e<br />
grande perigo; não necessitam de alguma cadeia de deveres novos e<br />
pesados, mas precisam da salvação divina operada pela graça<br />
redentora. E esta salvação é possível. O Salvador anda entre os<br />
homens, lhes tocando com mãos beneficentes. Nasce a esperança!<br />
Todos se pod<strong>em</strong> salvar aqui e agora.<br />
Não havia outros pregadores que pintass<strong>em</strong> o pecado tão escuro,<br />
e, entretanto tão convincente à consciência, como faziam os homens<br />
incumbidos desta mensag<strong>em</strong>. Não havia outros que pintass<strong>em</strong> o amor<br />
de Deus mediante a Cristo <strong>em</strong> cores tão radiantes, ou que<br />
proclamass<strong>em</strong> Cristo como Salvador <strong>em</strong> tons tão confiados (confiáveis).<br />
Estas doutrinas eram também pregadas por homens que as haviam<br />
verificado (experimentado). Haviam os sujeitado àquela prova final de<br />
todas as teorias religiosas, ao tribunal da experiência comum. Não eram<br />
advogados, eram test<strong>em</strong>unhas. Toda a sílaba <strong>em</strong> <strong>seu</strong>s lábios retinia<br />
com os acentos da realidade que arte alguma sabe fingir. Desafiavam<br />
os <strong>seu</strong>s ouvintes a uma verificação (uma experiência pessoal) imediata<br />
e perfeita das verdades que proclamavam.<br />
Na fala desses homens ressoa o poder estranho que se serve de<br />
lógica e da <strong>em</strong>oção humana como instrumentos, entretanto, é algo<br />
diferente e maior do que elas todas – “o poder do Espírito Santo”; o<br />
poder que primeiramente fez veículo da fala humana no Pentecostes, e<br />
que nunca faltou, desde então naqueles que têm aprendido o segredo<br />
de Pentecostes.<br />
É de se admirar que o Evangelho – pregado por tais homens <strong>em</strong><br />
tal espírito e <strong>em</strong> tal momento crítico – conseguisse nada menos do que<br />
uma revolução moral? Mudou permanent<strong>em</strong>ente a própria correnteza<br />
da história religiosa.<br />
Mas pode-se perguntar: <strong>Wesley</strong> não pregou certas doutrinas<br />
estranhas e surpreendentes dos quais o Cristianismo sóbrio nada sabe,<br />
ou pelo menos as conhece mui pouco? Mais adiante tratar<strong>em</strong>os de todo<br />
o assunto da teologia do avivamento, mas pode-se perguntar aqui: De<br />
que consistiam as duas grandes doutrinas da “certeza e da perfeição”<br />
com que são associados os nomes de <strong>Wesley</strong> e Whitefield, e que na<br />
opinião de multidões ainda desacreditam o <strong>seu</strong> trabalho e lhes mancha<br />
a fama?<br />
Que estas doutrinas ainda sejam olhadas com suspeitas somente<br />
prova quão imperfeitamente, mesmo depois de dezenove <strong>século</strong>s de<br />
história Cristã, se entende a religião de Cristo <strong>em</strong> terras que se gabam<br />
de ser<strong>em</strong> cristãs.<br />
A doutrina da perfeição como ensinada por João <strong>Wesley</strong>, é<br />
somente a crença que os ideais de Deus, na redenção da alma<br />
humana, são susceptíveis de cumprimento, e que são realizáveis aqui e<br />
agora: ensina que as mais altas possibilidades da religião não são<br />
meramente lutas, mas vitórias; que o que Deus exige ao hom<strong>em</strong>, pela<br />
graça divina, este pode render.<br />
O primeiro e grande mandamento, que encerra <strong>em</strong> suas sílabas<br />
todo o dever humano – “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu<br />
coração, de toda a tua força e de todo o teu entendimento” – t<strong>em</strong> de<br />
permanecer s<strong>em</strong>pre, para as almas que Cristo r<strong>em</strong>iu e nas quais o<br />
Espírito Santo habita, s<strong>em</strong> cumprimento; um desafio para a consciência<br />
humana que não t<strong>em</strong> resposta; a sua dor e condenação? Afirmar tal<br />
coisa é dizer que a religião Cristã, quando traduzida para os termos da<br />
vida e experiência humana é um fracasso. É dizer que o ideal de Deus e<br />
o caráter do hom<strong>em</strong> têm de permanecer s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> desacordo. Isto<br />
seria uma teologia de desespero; uma doutrina que seria mais nada que<br />
o ateísmo disfarçado.<br />
S<strong>em</strong> dúvida havia muitas interpretações estranhas e disparatadas<br />
da doutrina no t<strong>em</strong>po de <strong>Wesley</strong>; mas como ele a ensinou, é um trecho<br />
mui são e escritural da teologia, e a sua rejeição importa na negação,<br />
não somente da esperança humana, mas da graça divina.<br />
Mas <strong>em</strong> que consistia a doutrina da “Certeza” que, para os<br />
ouvidos maravilhados das multidões daquele t<strong>em</strong>po, parecia uma nova<br />
e perigosa heresia, e que ainda é uma coisa suspeita – ou pelo menos<br />
pouco compreendida – pelas multidões nas Igrejas Cristãs de hoje?<br />
Pelos lábios de <strong>Wesley</strong> era, certamente, só a reafirmação de um dos<br />
ofícios do Espírito Santo. Era trazer, de novo, um dos dons essenciais<br />
da religião Cristã à luz do sol desde algum esconderijo de esquecimento<br />
mofado e bolorento.
João <strong>Wesley</strong> ensinou que o perdão achava a sua verificação e<br />
selo na consciência da alma perdoada. O perdão de Deus não havia de<br />
permanecer s<strong>em</strong>pre no domínio do duvidoso, como uma incerteza<br />
escura e perplexa; somente uma esperança tr<strong>em</strong>ente; e para a maioria<br />
dos homens, um probl<strong>em</strong>a assombrado que só acharia a solução na<br />
morte. Segundo a mensag<strong>em</strong> do grande avivamento: “O Espírito<br />
mesmo dá test<strong>em</strong>unho com o nosso espírito de que somos filhos de<br />
Deus”. Aquilo que constitui a alegria da consciência Cristã do primeiro<br />
<strong>século</strong> havia de ser o desespero da consciência Cristã do <strong>século</strong> XVIII?<br />
E a doutrina da “Certeza”, como ensinada por <strong>Wesley</strong>; era um<br />
apelo à consciência humana. Ele insistiu que o perdão efetuava na alma<br />
humana uma paz divina que constituía o <strong>seu</strong> test<strong>em</strong>unho e selo. É triste<br />
que esta grande doutrina hoje, como s<strong>em</strong>pre, ache um reflexo tão fraco<br />
na experiência pessoal das multidões que ainda se esforçam <strong>em</strong> seguir<br />
a Cristo. Desta forma as limitações humanas têm negado à graça de<br />
Deus alguns de <strong>seu</strong>s ofícios mais preciosos!<br />
É digno de nota quão firm<strong>em</strong>ente, desde o momento de sua<br />
conversão até a sua morte, <strong>Wesley</strong> conservou a própria experiência e<br />
doutrina dentro dos limites radiantes da fé evangélica. Nesses limites,<br />
ele mesmo, um sacerdote cansado, achou a liberdade. Ele faz a<br />
narração do longo desespero que havia pairado sobre a sua vida<br />
anterior; do cansaço espiritual dos treze anos tristes entre a sua entrada<br />
no ministério e a sua conversão. Ficou convencido, diz eIe <strong>em</strong> 1738,<br />
que a causa de sua inquietação espiritual era a incredulidade, e que<br />
“alcançar a verdadeira fé era a única coisa para ele”. Deveras possuía,<br />
<strong>em</strong> certo sentido, a fé, mas, diz ele, “não tenho fixado a fé no objetivo<br />
idôneo. Tenho fé unicamente <strong>em</strong> Deus, mas não a fé <strong>em</strong> ou mediante<br />
Cristo”. Estas palavras tocam no próprio miolo desta teoria evangélica!<br />
Como já vimos, <strong>Wesley</strong> achou a salvação quando chegou <strong>em</strong><br />
contacto pessoal (quando teve <strong>seu</strong> encontro pessoal) com Cristo como<br />
Salvador pessoal. A fé justificadora, na luz daquela grande experiência,<br />
ele definiu como sendo “a plena confiança no sangue de Cristo<br />
derramado por mim; confiança nele como sendo o meu Salvador, como<br />
a minha única justificação, santificação e redenção”. A ênfase salvadora<br />
está nos pronomes! Foi então que <strong>Wesley</strong> provou o gozo daquela<br />
abençoada experiência que ele chamou a “certeza”.<br />
“Foi me dado uma certeza que havia perdoado todos os<br />
meus pecados, mesmo meus, e havia me livrado a mim da lei do<br />
pecado e da morte”.<br />
<strong>Wesley</strong>, durante o resto de <strong>seu</strong>s dias, repetimos, continuou nas<br />
alturas de uma crença e experiência evangélicas. Achou nas doutrinas<br />
evangélicas a nota principal de todos os <strong>seu</strong>s sermões. O texto de <strong>seu</strong><br />
primeiro sermão ao ar livre foi a passag<strong>em</strong>: “O Espírito do Senhor está<br />
sobre mim, pelo que me ungiu para anunciar boas novas aos pobres”.<br />
Mais de cinqüenta anos depois ele pregou o <strong>seu</strong> último discurso <strong>em</strong><br />
Leatherhead do texto: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar,<br />
invocai-o enquanto está perto”. O texto sobre o qual ele pregou com<br />
mais freqüência foi a passag<strong>em</strong> que declara como Deus <strong>em</strong> Cristo “é<br />
feito para nós sabedoria, justificação, santificação e redenção”. Uma<br />
das últimas palavras que proferiu antes de morrer era: ”Não há outro<br />
caminho para o Santo lugar, senão pelo sangue de Jesus”. Qu<strong>em</strong><br />
aprende o significado destas palavras entenderá a doutrina evangélica<br />
que constituiu a mensag<strong>em</strong> especial de <strong>Wesley</strong> a sua geração, e é<br />
realmente a grande proclamação do Cristianismo a todas as gerações.<br />
O próprio <strong>Wesley</strong> é quase mais notável como test<strong>em</strong>unha destas<br />
verdades do que como obreiro e líder. Paley t<strong>em</strong> construído sobre a<br />
conversão de São. Paulo uma d<strong>em</strong>onstração quase inigualável da<br />
verdade do Cristianismo. A transformação moral repentina e<br />
permanente de uma natureza forte, orgulhosa e apaixonada, é um dos<br />
fatos mais notáveis na história humana. Transformar um fanático, com<br />
um sopro, <strong>em</strong> santo, um perseguidor do Cristianismo <strong>em</strong> mártir por<br />
amor das verdades do Cristianismo – eis um milagre! Um<br />
acontecimento tão surpreendente devia ter tido uma causa não menos<br />
maravilhosa. E tal é o probl<strong>em</strong>a na história de <strong>Wesley</strong>.<br />
Qual é a explicação da diferença nos dois graus de sua própria<br />
experiência – o sacerdote atormentado pelas dúvidas de <strong>seu</strong>s primeiros<br />
anos, e o santo radiante de <strong>seu</strong>s anos mais maduros? Até 24 de maio<br />
1738, <strong>Wesley</strong> trazia a sua religião qual o monge do <strong>século</strong> XIII trajava a<br />
sua camisa de pelo de camelo. Era um fardo, uma angústia e uma<br />
tarefa. Mas a partir daquele 24 de maio de João <strong>Wesley</strong> de repente<br />
passou para o domínio da certeza, liberdade e alegria.<br />
Aquela grande hora na reunião humilde na rua Aldersgate foi<br />
certamente o ponto onde a carreira de <strong>Wesley</strong> mudou-se. Marcou a<br />
linha divisória de sua vida. De um lado se acham as lutas, dúvidas,<br />
trabalhos e fracassos; de outro lado acham-se certeza, alegria poder e<br />
êxito. Algo aconteceu nesse momento supr<strong>em</strong>o que explica a mudança.<br />
Foi a conversão de <strong>Wesley</strong>. Ele recebeu o Cristo vivo pela fé pessoal<br />
como Salvador vivo e pessoal; e cumpriram-se nele os ideais sublimes
da redenção como exist<strong>em</strong> na mente e no propósito de Deus.<br />
Talvez alguém diga que foi esta uma experiência puramente<br />
subjetiva; válida, talvez, para ele, mas de nenhuma autoridade para<br />
outro qualquer. Que conclusão, de autoridade para a humanidade <strong>em</strong><br />
geral, pode-se tirar da experiência subjetiva de uma alma humana<br />
solitária. E talvez não fortaleça o caso por argüir que as experiências de<br />
<strong>Wesley</strong> foram repetidas <strong>em</strong> milhares de outros. Multiplicando-se um<br />
zero quantas vezes quiser<strong>em</strong>, fica s<strong>em</strong>pre zero.<br />
Mas a mudança <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> não foi meramente subjetiva.<br />
Concretizou-se na sua vida. Registrou-se na história, t<strong>em</strong> a escala e a<br />
permanência da história. Como foi que o mesmo hom<strong>em</strong>, que no ano de<br />
1727 não era capaz de mover uma vila, depois de 1739 abalou três<br />
reinos? Como aconteceu que o mestre, que fora tocado de uma<br />
pequena colônia (ele foi desonrado e praticamente expulso da colônia<br />
americana na Geórgia!), por ser um mero irritante humano, se tornou<br />
mestre, consolador e líder apreciado de gerações inteiras?<br />
Certamente a explicação não se acha <strong>em</strong> qualquer dom pessoal,<br />
quer corporal quer intelectual que <strong>Wesley</strong> possuísse. Esses dons eram<br />
exatamente os mesmos, <strong>em</strong> ambas as fases de sua carreira. <strong>Wesley</strong><br />
<strong>em</strong> Wroote tinha vinte e cinco anos de idade. Ele possuía nesse t<strong>em</strong>po<br />
o cérebro do douto, o fogo do fanático, a língua do orador; mas faliu – e<br />
ele sabia que havia fracassado por completo. Ele mesmo escreve:<br />
“Preguei muito, mas vi pouco resultado dos meus; trabalhos”. Em<br />
Charleston, também, <strong>Wesley</strong> tinha trinta e três anos; e <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po algum<br />
de sua vida mostrou mais zelo ou mais dedicação metódica e resoluta,<br />
ou uma abnegação que mais avizinhasse o heroísmo, mas fracassou.<br />
Mas algo lhe entrou na vida pela porta de sua conversão, algo que<br />
nunca perdeu, algo que transfigurou a sua carreira. Era um dom estranho<br />
de poder – poder que utilizava os dons naturais de <strong>Wesley</strong> – do <strong>seu</strong> corpo<br />
entesado, da sua viva inteligência, da sua vontade resoluta – como<br />
instrumentos, mas que era mais do que todos estes. Aquele que<br />
cont<strong>em</strong>pla a vida de <strong>Wesley</strong> como um todo, e vê, de um lado de certa<br />
data, dúvida, fraqueza e derrota; e de outro lado certeza, alegria e poder<br />
inigualáveis, não pode duvidar que o segredo da carreira de <strong>Wesley</strong> está<br />
no domínio espiritual. A história de <strong>Wesley</strong> é uma d<strong>em</strong>onstração simples<br />
e sobrepujante da verdade daquele que se chama a interpretação<br />
evangélica do Cristianismo.<br />
CAPITULO XXVI<br />
Como <strong>Wesley</strong> influiu na Inglaterra<br />
Parece coisa ousada e descomedida medir a obra de uma só vida<br />
pela mudança que essa vida t<strong>em</strong> efetuado no caráter de uma nação. A<br />
figura humana, mais notável que seja, quando colocada no palco de um<br />
reino, b<strong>em</strong> pode parecer reduzida a dimensões microscópicas. Em<br />
certos casos raros, como no de Pedro Magno na Rússia, Cavour na<br />
Itália, ou Bismarck na Al<strong>em</strong>anha, pode-se aplicar uma prova tão elevada<br />
s<strong>em</strong> qualquer senso de desproporção surpreendente. Mas na história<br />
Inglesa, tal prova, ainda quando aplicada a Pitt ou a Gladstone parece<br />
d<strong>em</strong>asiado cruel.<br />
No caso de João <strong>Wesley</strong> faltavam visivelmente muitos dos<br />
el<strong>em</strong>entos ordinários de poder. Era até o dia de sua morte hom<strong>em</strong><br />
pobre ainda que fosse porque dava tudo que possuía. No momento que<br />
a sua carreira tomou escala histórica ele era clérigo (anglicano) s<strong>em</strong><br />
paróquia, líder s<strong>em</strong> partido, pregador ao qual se fecharam todos os<br />
púlpitos (anglicanos) dos três reinos (Inglaterra, Escócia e Irlanda).<br />
Entretanto, admitido tudo isto, permanece o fato que <strong>Wesley</strong> desafia o<br />
consenso da humanidade à prova do caráter que a sua obra deixou na<br />
história dos povos que falam o Inglês.<br />
E a sua contribuição àquela história pode ser comprimida numa<br />
só sentença: Ele restaurou o Cristianismo ao <strong>seu</strong> lugar como força vital<br />
no credo individual dos homens e na vida da nação.<br />
Uma mudança profunda e maravilhosa, levando <strong>em</strong> si o penhor e<br />
o segredo de mil mudanças mais! Durante mais de cinqüenta anos –<br />
desde o momento que rompeu com todas as convenções eclesiásticas<br />
e pregou na várzea aberta de Kingswood aos mineiros incultos até o<br />
momento quando lhe faltou a fala no <strong>seu</strong> leito de morte <strong>em</strong> City Road –<br />
<strong>Wesley</strong> era a maior força individual na Inglaterra. E era uma força <strong>em</strong><br />
tudo que o Cristianismo significa.<br />
Possuía a uma visão espiritual tão acurada como a de Thomas<br />
K<strong>em</strong>pis; uma percepção da eternidade tão profunda como a de<br />
Guilherme Law; convicções espirituais tão sobrepujantes como aquelas<br />
possuídas por João Henrique Newman, e <strong>em</strong> harmonia infinitamente
mais íntima com o gênio essencial do Cristianismo. E não foi, qual o<br />
autor do Irnitatio Tomaz K<strong>em</strong>pis), recluso numa cela. Não foi, qual<br />
Guilherme Law, acondicionado <strong>em</strong> algodão por um grupo de ricas<br />
admiradoras f<strong>em</strong>ininas. Não foi, qual Newman, enterrado <strong>em</strong> reclusão<br />
s<strong>em</strong>i-monástica (como se vivesse recluso num mosteiro) <strong>em</strong> Littl<strong>em</strong>ore.<br />
João <strong>Wesley</strong> viveu ao ar livre; converteu os morros e as ruas<br />
urbanas <strong>em</strong> púlpito. Pregou diariamente a vastas multidões; tocou <strong>em</strong><br />
milhares de vidas por sua influência pessoal; e fez isto durante mais de<br />
cinqüenta anos! Rodeou-se de uma grande ord<strong>em</strong> de pregadores de<br />
tipo inteiramente novo. Edificou uma extensa organização espiritual que<br />
incorporava os <strong>seu</strong>s próprios ideais, e estava acesa de <strong>seu</strong> próprio<br />
espírito. Como resultado ele vivificou a consciência, não meramente de<br />
<strong>seu</strong>s próprios seguidores, mas da Igreja que o enjeitou (rejeitou) e da<br />
nação inteira a qual pertencia. O Cristianismo, não meramente como<br />
credo, mas como consciência, deste modo, renasceu sob os céus<br />
britânicos.<br />
O escopo e caráter do trabalho de <strong>Wesley</strong> pod<strong>em</strong> ser julgados<br />
pelos padrões da história. E quando essas provas elevadas são<br />
aplicadas, pode-se dizer com razão que <strong>Wesley</strong> não fez tanto <strong>em</strong> avivar<br />
a tradição evangélica do Cristianismo, como <strong>em</strong> criá-la. Todos os<br />
grandes movimentos evangélicos, desde o <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po até o presente,<br />
têm encerrado algo do espírito de <strong>Wesley</strong>. E pode-se asseverar que a<br />
tradição evangélica que data de <strong>Wesley</strong> é o tipo mais prático e são.<br />
Present<strong>em</strong>ente se ouve dizer com freqüência que o próximo<br />
avivamento t<strong>em</strong> de ser ético. Se for assim, será uma volta a <strong>Wesley</strong>,<br />
pois o avivamento que leva o <strong>seu</strong> nome foi ético no sentido mais intenso<br />
e prático. A religião, segundo a definição e o ensino dele, subsistia num<br />
t<strong>em</strong>peramento e numa conduta piedosos. O próprio Leslie Stephen, que<br />
<strong>em</strong> coisa de crença teológica, acha-se separado de <strong>Wesley</strong> por largos<br />
horizontes, e que julga a obra de <strong>Wesley</strong> por padrões puramente<br />
literários, dá test<strong>em</strong>unho enfático das qualidades práticas dessa obra.<br />
Ele diz que o propósito de <strong>Wesley</strong> foi “extirpar o vício, suprimir a<br />
bebedice e a prodigalidade (desperdício, dissipação, esbanjamento), e<br />
mostrar aos homens o caminho direito ao céu”. Em outras palavras,<br />
queria estabelecer na vida humana aquela Civitas Dei da qual todos os<br />
santos têm sonhado, um vero e imperecível Reino de Deus, reino de<br />
justiça, paz e gozo no Espírito Santo.<br />
Lecky numas quantas passagens, nota, com certo acento de<br />
admiração, a influência que o avivamento Metodista exerceu fora do<br />
Metodismo. Era uma das forças que produziu a Escola Dominical. Influiu<br />
no exército, nas universidades, na literatura, e isto, não obstante os<br />
literatos de então ter<strong>em</strong> para com <strong>Wesley</strong> e o metodismo senão o<br />
escárnio. Não é fácil mencionar as inúmeras formas práticas que a obra<br />
de <strong>Wesley</strong> tomou. Ele estabeleceu um dispensário com sortimento de<br />
medicamentos gratuitos para os pobres; lutou contra a corrupção<br />
política; estabeleceu <strong>em</strong>pregos para socorrer os desprotegidos. Lecky<br />
diz:<br />
“Não é exagero algum dizer que <strong>Wesley</strong> possuía uma<br />
influência mais largamente construtiva na esfera da religião<br />
prática do que qualquer outro hom<strong>em</strong> que t<strong>em</strong> aparecido desde o<br />
<strong>século</strong> XVI.”<br />
Em suma, todas as grandes contribuições características da vida<br />
cristã, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos modernos, v<strong>em</strong> por descendência direta de <strong>Wesley</strong>. E<br />
a influência indireta de sua obra – o <strong>seu</strong> reflexo <strong>em</strong> corporações<br />
estranhas a dele próprio é, talvez, maior e mais maravilhosa do que os<br />
resultados diretos. Por ex<strong>em</strong>plo, a Igreja Anglicana o enjeitou. Rejeitou<br />
a sua obra. Entretanto a Igreja Anglicana de hoje está profundamente<br />
sob a influência de <strong>Wesley</strong>. Ele criou naquela Igreja uma nova<br />
consciência; despertou um espírito que silenciosa e absolutamente<br />
matou, qual um bafo de oxigênio puro a certos micróbios, o clero vadio<br />
e falto de espiritualidade do <strong>seu</strong> t<strong>em</strong>po, que havia reduzido o<br />
Cristianismo a uma espécie de moralidade chinesa, um mero<br />
confucionismo com rótulo Cristão, e que ficava mais alarmado com a<br />
idéia de ser crente d<strong>em</strong>ais do que de não crer coisa alguma. <strong>Wesley</strong>,<br />
pregando desde o túmulo de <strong>seu</strong> pai fora da Igreja de Epworth, tornou<br />
impossível o pároco bêbado dentro. O espetáculo das vastas multidões<br />
que ao ar livre esperavam as palavras de <strong>Wesley</strong> fez que as igrejas<br />
vazias tornass<strong>em</strong> para s<strong>em</strong>pre intoleráveis.<br />
A influência de <strong>Wesley</strong> fora de sua própria igreja corre às vezes<br />
por canais estranhos e desconhecidos. S<strong>em</strong> dúvida chamou à<br />
existência o grande partido evangélico na Igreja Anglicana; mas<br />
também ajudou <strong>em</strong> formar o partido oposto. O movimento de Oxford,<br />
senão por outra coisa, simplesmente porque foi servido por talentos<br />
literários mais luminosos para uma grande parte da humanidade,<br />
sobrepuja <strong>em</strong> escala e importância o avivamento <strong>Wesley</strong>ano. Ainda<br />
ninguém t<strong>em</strong> feito um traçado adequado da relação que existe entre os<br />
dois movimentos; entretanto tal relação é inegável, e constitui um<br />
notável – se b<strong>em</strong> que quase desconhecido – ex<strong>em</strong>plo da influência<br />
reflexa do grande avivamento. <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> certo sentido explica a<br />
Newmam e fê-lo possível.
Há notáveis s<strong>em</strong>elhanças e contrastes entre os dois. Newman<br />
nasceu dez anos depois da morte de <strong>Wesley</strong>, e assim respirava a nova<br />
atmosfera religiosa que <strong>Wesley</strong> criou. E realmente Newman reconheceu<br />
francamente a sua dívida ao grande avivamento. Ele diz: “O escritor que<br />
mais profundamente me impressionou a inteligência, do que qualquer<br />
outro, e a qu<strong>em</strong>, humanamente falando, eu quase devo a alma, é o<br />
Thomaz Scott.” Mas Scott era discípulo de Newton, e Newton se<br />
converteu sob o Whitefield, e sobre este ponto torna-se clara a linha de<br />
conexão entre Newman e o avivamento. Contrario a <strong>Wesley</strong>, Newman<br />
foi primeiramente evangélico, e depois sacerdotalista (clericalista). Ele<br />
veio sob a influência de Law quando ainda menino; converteu-se no<br />
sentido evangélico com quinze anos, e dessa conversão íntima, ele diz<br />
<strong>em</strong> sua Apologia, quase sessenta anos depois: “Ainda estou mais certo<br />
dela do que sou das mãos e pés”.<br />
Mas ainda que seja invertida a ord<strong>em</strong> de acontecimentos na vida<br />
dos dois homens, a correspondência é maravilhosa. É verdade que<br />
Newman era evangélico da escola de Whitefield e não de <strong>Wesley</strong>. Era<br />
evangélico calvinista; e quando, como <strong>Wesley</strong>, descobriu, segundo diz<br />
ele, que o "calvinismo não é a chave dos fenômenos da natureza<br />
humana que ocorr<strong>em</strong> no mundo”, ele não somente abandonou o<br />
calvinismo, mas juntamente toda a teoria evangélica.<br />
Newman talvez fosse mais crédulo do que o próprio <strong>Wesley</strong>.<br />
<strong>Wesley</strong> acreditava no "Velho Jeffrey” (um suposto fantasma que<br />
assombrava a casa onde moravam com os pais quando meninos); mas<br />
Newman, na sua juventude, julgou-se a si mesmo como anjo e a terra<br />
sólida ao redor como sendo um sonho. Recorda na sua Apologia: “Eu<br />
julguei que a vida fosse um sonho ou eu um anjo, e todo este mundo<br />
uma ilusão, os meus companheiros-anjos se escondiam de mim por<br />
divertimento, enganando-me com as ilusões de um mundo material”. A<br />
natureza foi para ele uma parábola, e as Escrituras uma alegoria.<br />
Ambos eram lentes <strong>em</strong> Oxford; ambos eram figuras familiares no<br />
histórico púlpito de S. Maria, e ambos passaram, por uma ord<strong>em</strong><br />
invertida, pelas mesmas fases teológicas. Ambos foram, <strong>em</strong> sucessão,<br />
místicos, ascetas e sacerdotalistas (clericalistas).<br />
Mas <strong>Wesley</strong> teve um encontro com Pedro Bohler e atravessou a<br />
porta radiante da fé para a terra de liberdade espiritual; Newman teve<br />
um encontro com Pusey e passou pelas portas estreitas do<br />
sacerdotalismo para o domínio assombrado de uma teologia falsa.<br />
<strong>Wesley</strong> tinha trinta e dois anos quando partiu para a América, e antes<br />
de ser tocado pelas influências Moravianas. Newman tinha trinta e dois<br />
anos quando partiu de Froude <strong>em</strong> Roma, <strong>em</strong> d<strong>em</strong>anda da Sicília, e<br />
enquanto sulcava as águas estreitas da Sicília ele escreveu <strong>seu</strong> hino<br />
“Benigna Luz”.<br />
Se os dois homens tivess<strong>em</strong> se encontrado (antes daquele 24 de<br />
maio de 1738 na vida de <strong>Wesley</strong>), quão perfeitamente eles se teriam<br />
compreendido mutuamente! E com que complacência o Arcebispo Laud<br />
teria aprovado a ambos! Ambos eram <strong>seu</strong>s filhos eclesiásticos.<br />
<strong>Wesley</strong> teria lutado pela sucessão apostólica e pela integridade<br />
do Livro de Oração tão ardent<strong>em</strong>ente como Keble ou Newman. Ele teria<br />
expulsado a todos os dissidentes, tanto do domínio de sua própria<br />
caridade como do Reino de Deus, com um escárnio tão completo como<br />
o deles. Com os <strong>seu</strong>s companheiros de Oxford era capaz, <strong>em</strong> vez do<br />
Clube Santo, de ter fundado uma casa s<strong>em</strong>i-mosnástica <strong>em</strong> Littl<strong>em</strong>ore,<br />
exatamente como fez Newman um <strong>século</strong> depois. Sacerdote, místico e<br />
asceta, repetimos, se acha <strong>em</strong> ambos. Mas Newman é um <strong>Wesley</strong><br />
impedido. Teria sido possível que <strong>Wesley</strong>, à s<strong>em</strong>elhança de Newman<br />
abandonasse o Anglicanismo pela Igreja de Roma? A sua lógica<br />
inexorável, a sua corag<strong>em</strong> <strong>em</strong> suspender a vida, a morte e a eternidade<br />
sobre um silogismo (dedução a partir de pr<strong>em</strong>issas)., o faz possível.<br />
Realmente o sacerdotalista que não acaba por fazer-se Católico<br />
Romano é um ex<strong>em</strong>plo de lógica impedida, um silogismo incompleto dá<br />
carne e sangue. O argumento de Newman é inexpugnável: “Crer na<br />
Igreja” - no sentido sacerdotalista – “é crer no Papa”. <strong>Wesley</strong>, <strong>em</strong> 1745,<br />
s<strong>em</strong> dúvida, teria achado mais difícil unir-se à Igreja Romana do que<br />
Newman achou <strong>em</strong> 1815. O Romanismo de meados do <strong>século</strong> XVIII<br />
estava, para o Inglês, ligado a um odiado sist<strong>em</strong>a de política.<br />
Representava a Carlos I contra Hampden; aos Stuart contra a casa de<br />
Hanover; a Star Chamber contra o Projeto de Direitos, a Jayme II contra<br />
Guilherme de Orange. E estas coisas eram de importância mesmo aos<br />
olhos do sacerdotalista. Se o próprio Newman vivesse c<strong>em</strong> anos mais<br />
próximo ao julgamento dos Sete Bispos teria feito mais difícil a sua<br />
entrega ao Papado.<br />
A diferença na religião dos dois homens acha a sua expressão na<br />
diferença de atmosfera. A atmosfera de <strong>Wesley</strong> estava radiante com a<br />
luz do sol; a de Newman é uma espécie de cerração s<strong>em</strong> sol.<br />
Comparando-se a lógica super-sutil, a nota indefinível de cansaço que<br />
percorre a “Gramática de Assentimento” de Newman, com a energia<br />
exultante e alegre, o acento de certeza triunfante, <strong>em</strong> que <strong>Wesley</strong> faz “o
ApeIo aos Homens de Razão e Religião” e achar-se-á expresso <strong>em</strong><br />
termos literários o intervalo espiritual entre os dois homens.<br />
Newman nunca escapou da roda sacerdotal naqual <strong>Wesley</strong> girara<br />
por treze anos; só mudou de direção. Diz Newman na sua “Gramática<br />
de Assentimento”: “A religião é um sist<strong>em</strong>a, é um rito, um credo, uma<br />
filosofia, uma regra do dever”. Mas não acrescentou, como <strong>Wesley</strong>, que<br />
ela é uma vida; sim é uma sociedade na mais alta forma e energia de<br />
vida, a vida do próprio Deus! A religião para Newman quer <strong>em</strong> Christ-<br />
Church quer <strong>em</strong> Littl<strong>em</strong>ore era coisa de “ritos prescritos incorporados<br />
<strong>em</strong> instituições”. Para <strong>Wesley</strong> a religião era a recepção de forças<br />
sobrenaturais que vinham do domínio espiritual, inundando a todos os<br />
canais da natureza humana.<br />
Mas é curioso notar quão profundamente Newman e <strong>Wesley</strong><br />
concordaram quanto ao valor da consciência espiritual. <strong>Wesley</strong>, desde o<br />
princípio até o fim, julgava a religião no foro de sua consciência.<br />
Newman, seguindo a Kant, baseou a sua crença <strong>em</strong> Deus sobre o<br />
test<strong>em</strong>unho da própria consciência. Ele asseverou: “T<strong>em</strong>os o<br />
conhecimento direto e consciente do nosso Criador”. Ele achou nos<br />
fatos indestrutíveis da consciência a única força capaz de resistir o<br />
ceticismo dissolvente da inteligência no domínio religioso. Na filosofia<br />
de Newman, a personalidade constitui a chave da verdade. O Dr. Barry,<br />
o <strong>seu</strong> melhor biógrafo, diz: “Os metafísicos geralmente começavam com<br />
o universal para chegar ao particular; mas aquele que não é de sua<br />
seita inverte o processo”. “Venha primeiro o concreto”, diz Newman, “e<br />
os assim chamados universais <strong>em</strong> segundo lugar”. Ele voltou para os<br />
dias de sua meninice quando se achava a sós com o Único, e sobre<br />
esta base adamantina (íntegra) da realidade ergueu a sua religião.<br />
Ver-se-á que <strong>em</strong> princípio – no valor dado à personalidade –<br />
Newman e <strong>Wesley</strong> são s<strong>em</strong>elhantes; mas <strong>Wesley</strong> não “voltou à sua<br />
meninice” <strong>em</strong> busca de Deus. Ele achava constant<strong>em</strong>ente uma<br />
test<strong>em</strong>unha viva da existência de Deus no <strong>seu</strong> íntimo. A sua doutrina do<br />
test<strong>em</strong>unho do Espírito é simplesmente uma forma desta grande<br />
filosofia.<br />
<strong>Wesley</strong> foi salvo de sacerdotalismo (clericalismo) pelo toque das<br />
mãos maternas; pela influência da doutrina Moraviana; e ainda além<br />
dessas forças, pela graça do Espírito Santo. Entretanto escapou por<br />
pouco. Ele poderia ter sido um Newman do <strong>século</strong> XVIII! É ainda que<br />
pareça paradoxo, contudo é a simples verdade que <strong>Wesley</strong> <strong>em</strong> Oxford,<br />
<strong>em</strong> 1730 fez possível, Newman <strong>em</strong> Oxford, <strong>em</strong> 1830. <strong>Wesley</strong> deixara o<br />
acampamento sacerdotalista (o clericalismo), mas o hálito do <strong>seu</strong> zelo<br />
fazia que esses ossos secos sobrevivess<strong>em</strong>. Criara uma nova<br />
consciência no sacerdotalismo, e dessa nova consciência, fermentando<br />
qual vinho <strong>em</strong> odres velhos, saiu todo o Movimento Tractariano dos<br />
Trinta (movimento que visava reformar a Igreja Anglicana e que<br />
defendia que a Igreja da Inglaterra deveria encontrar sua legitimidade<br />
no cristianismo antigo, no cristianismo dos Padres da Igreja) liderado<br />
por Newman.<br />
O Anglicanismo High Church acha-se hoje naquela via media à<br />
qual Newman o guiou e no ponto onde o abandonou. Talvez esse<br />
Anglicanismo zombar-se-ia da sugestão que ele devesse coisa alguma<br />
a <strong>Wesley</strong>; certamente não d<strong>em</strong>onstra qualquer senso de obrigação à<br />
Igreja que <strong>Wesley</strong> fundou. E também à Igreja Católica Romana sorriria<br />
com a idéia que ela devesse algo a <strong>Wesley</strong> pelo dom de Newman.<br />
Entretanto se as influências indiretas de <strong>Wesley</strong> for<strong>em</strong> traçadas, ver-seá<br />
que a dívida é incontestável. Se <strong>Wesley</strong> chamou à existência uma<br />
nova Igreja, ele também avivou a consciência da Igreja que deixou.<br />
Se descermos até os t<strong>em</strong>pos recentes, ninguém negará que o<br />
toque da mão de <strong>Wesley</strong> e o sopro do <strong>seu</strong> espírito estejam na Igreja<br />
moderna. O Exército da Salvação é um aspecto do trabalho de <strong>Wesley</strong><br />
– o <strong>seu</strong> trabalho entre os decaídos e desprotegidos – avivado sob<br />
condições modernas e <strong>em</strong> formas pitorescas. As <strong>Sociedade</strong>s de Esforço<br />
Cristão vieram da grande instituição de <strong>Wesley</strong> na reunião de Classes,<br />
traduzida <strong>em</strong> termos modernos e adaptada a novos serviços. Todas as<br />
grandes missões urbanas que nasc<strong>em</strong> sob todos os céus encerram <strong>em</strong><br />
si o próprio espírito de <strong>Wesley</strong>. Se a religião moderna está aprendendo<br />
a tomar formas sociais, se está se manifestando <strong>em</strong> beneficências<br />
práticas, isto também, <strong>em</strong> parte é devido a tradição que v<strong>em</strong> de <strong>Wesley</strong>.<br />
Porque ele era o primeiro entre os mestres religiosos da Inglaterra que<br />
dotou a religião com feições sociais. Quase não há forma de<br />
beneficência prática hoje conhecida ao mundo que <strong>Wesley</strong> não pusesse<br />
<strong>em</strong> operação.<br />
É um historiador secular como Lecky que diz:<br />
“Não somente os germens de quase todo o zelo existente<br />
na Inglaterra, <strong>em</strong> abono da verdade e da vida cristãs são devidos<br />
ao Metodismo, mas a atividade despertada <strong>em</strong> outras partes da<br />
Europa Protestante, t<strong>em</strong>os de traçar, indiretamente, pelo menos,<br />
à <strong>Wesley</strong>”. (Lecky, voI. II, pág. 521).<br />
E foi um escritor da escola de Newman, Palmer, que declara que
“o movimento agressivo e ousado que <strong>Wesley</strong> simbolizava, uma vez<br />
mais fez do Cristianismo o mestre do mundo”.<br />
Mas estamos agora considerando o efeito que o trabalho de<br />
<strong>Wesley</strong> produziu sobre a vida e o caráter nacionais, mais do que<br />
qualquer mudança eclesiástica que ele efetuou; e é difícil escrever<br />
sobre este ponto s<strong>em</strong> exagero. O que foi que salvou a Inglaterra “da<br />
louca e sangrenta fúria do Sena” (da revolução francesa; na expressão<br />
o rio Sena representa a França), e a conservou indestrutível enquanto<br />
as forças indomadas da Revolução estavam derrocando o trono e a<br />
Igreja na França? Maurício nos conta como <strong>seu</strong> pai costumava dizer<br />
que “a Inglaterra escapou de uma revolução política, porque já havia<br />
passado por uma revolução espiritual” – aquela efetuada por <strong>Wesley</strong> e<br />
Whitefield.<br />
E o test<strong>em</strong>unho de Lecky ao mesmo fato é enfático. Ele diz:<br />
“Muitas coisas conspiraram para salvar a Inglaterra do<br />
contagio do espírito revolucionário da França, mas entre elas<br />
deve·se dar o lugar pro<strong>em</strong>inente ao entusiasmo novo e ve<strong>em</strong>ente<br />
que estava neste mesmo t<strong>em</strong>po lavrando nas classes medianas e<br />
baixas do povo”. (Lecky, voI. II, pág. 636).<br />
É fato histórico que o deísmo inglês ajudou <strong>em</strong> produzir a<br />
Revolução Francesa. Os deistas ingleses forneceram a Voltaire e a sua<br />
escola de argumentos, e na França esses argumentos acharam solo <strong>em</strong><br />
que se enraizaram profundamente; ou para variar a figura, eles serviram<br />
de faíscas <strong>em</strong> gás inflamável. Mas como foi que o mesmo ensino,<br />
<strong>em</strong>bora uma importação do estrangeiro, produzisse tais efeitos na<br />
França, ao passo que falhasse completamente na Inglaterra, o <strong>seu</strong> solo<br />
nativo? A resposta se acha <strong>em</strong> <strong>Wesley</strong> e o avivamento que leva o <strong>seu</strong><br />
nome. Se <strong>Wesley</strong> fosse um “Voltaire inglês”, corroendo toda a crença<br />
com o ácido do <strong>seu</strong> espírito, e destilando o fel do <strong>seu</strong> amargurado<br />
espírito no sangue da nação, poderia ter havido um Reinado de<br />
Terrores <strong>em</strong> Londres b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> Paris.<br />
L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>o-nos que nesse t<strong>em</strong>po um novo movimento social – o<br />
nascimento das grandes indústrias manufatureiras da Grã-Bretanha<br />
estava mudando o centro de toda a vida nacional. Era movimento que<br />
produziu resultados esplêndidos, mas o <strong>seu</strong> nascimento foi<br />
acompanhado dos mais graves perigos sociais. Era o movimento de<br />
dissolução, pondo <strong>em</strong> desord<strong>em</strong> todas as relações sociais de classes<br />
inteiras. Ele modificou o tipo da própria vida nacional; aumentou a soma<br />
total da riqueza, mas alterou completamente a sua distribuição; por<br />
algum t<strong>em</strong>po, pelo menos, fez os ricos ainda mais ricos e os pobres<br />
ainda mais pobres. Fomentou uma guerra entre o trabalho e o capital<br />
que ainda não achou tréguas; congregou todos os el<strong>em</strong>entos<br />
inflamáveis da nação; conduziu ao enfraquecimento – senão o<br />
aniquilamento – das forças morais, substituindo-as com forças não<br />
morais e anti-sociais – a avareza, a prevenção de classe e o egoísmo.<br />
Lecky diz que foi “peculiarmente afortunado” que o aparecimento deste<br />
grande fenômeno social na Inglaterra fosse precedido por “um<br />
avivamento religioso que abriu uma nova fonte de energia moral e<br />
religiosa entre os pobres, e ao mesmo t<strong>em</strong>po deu um impulso poderoso<br />
à filantropia dos ricos“. ´<br />
Mas foi apenas um golpe da ”boa fortuna“ que explica o<br />
aparecimento, nesse momento supr<strong>em</strong>o e crítico na história nacional,<br />
do grande avivamento Metodista? Foi a Providência de Deus, a<br />
operação da Vontade Divina, que conformou a história humana ao<br />
modelo dos propósitos divinos.<br />
Às vezes, <strong>em</strong> nações como <strong>em</strong> indivíduos, o credo não t<strong>em</strong><br />
relação alguma com a consciência. Mas o grande avivamento fez do<br />
cristianismo autoridade no senso moral da nação, e naquela augusta<br />
mudança está o segredo de mi! mudanças mais. Aquele que espreita o<br />
aparecimento daquela nova força na história Inglesa, e nota a sua<br />
operação na vida nacional, t<strong>em</strong> a chave para quase tudo que é nobre na<br />
legislação Britânica <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos modernos.<br />
Naturalmente havia, no momento, muitas forças que obstaram ou<br />
obscureceram – <strong>em</strong>bora não destruíss<strong>em</strong> – o desenvolvimento da<br />
s<strong>em</strong>ente de justiça e bondade que o avivamento plantou no solo do<br />
caráter Inglês. Por ex<strong>em</strong>plo, a grande guerra com a França tinha<br />
lavrado por dez anos quando <strong>Wesley</strong> morreu, e durou ainda dez anos<br />
depois. Quão profundamente essa guerra, tanto durante o <strong>seu</strong> curso<br />
como depois de sua terminação, desviou a vida nacional, não é fácil<br />
calcular. Como um dos resultados o Parlamento continuou s<strong>em</strong> reforma,<br />
e falhou por completo <strong>em</strong> refletir a consciência nacional. É difícil hoje<br />
avaliar os males do velho sist<strong>em</strong>a eleitoral. Dois terços da Câmara dos<br />
Comuns foram simplesmente nomeados pelos ricos. O Duque de<br />
Norfolk era dono de onze m<strong>em</strong>bros; o Lorde Lonsdale tinha nove.<br />
Sarum Velho tinha dois m<strong>em</strong>bros, mas nenhum habitante. Setenta<br />
m<strong>em</strong>bros foram dados por trinta e cinco eleitorados que dificilmente<br />
contass<strong>em</strong> igual número de eleitores. Calcula-se que 300 m<strong>em</strong>bros<br />
foram enviados por 160 pessoas, ao passo que grandes cidades não<br />
possuíram nenhum.
Em tais condições, os melhores ideais que a obra de <strong>Wesley</strong><br />
criara não acharam expressão nas leis públicas. A legislação era<br />
parcial, e a justiça ainda brutal. Ainda havia 253 ofensas capitais no<br />
código. Seria enforcado qu<strong>em</strong> fizesse dano à ponte de Westminster;<br />
qu<strong>em</strong> matasse uma lebre, cortasse uma árvore nova ou furtasse coisa<br />
que valesse cinco shillings. Em data tão recente como 1816 havia de<br />
uma vez <strong>em</strong> Newgate cinqüenta e oito pessoas sob sentença de morte,<br />
e uma delas era uma criança de dez anos. Romney conta de dois<br />
homens, associados no mesmo crime de roubo, foram levados a<br />
julgamento. Um deles moveu a compaixão dos jurados, e o julgaram<br />
culpado do roubo de 4 shillings e 10 pence (conforme nota desta<br />
edição eletrônica, valor correspondente a 58 pence); o outro foi achado<br />
culpado do furto de 5 shillings (60 pence), quantia essa cuja lei<br />
determinava como penalidade a morte. Dois míseros pence de<br />
diferença resultaram na sua condenação à morte. Esta quantia mediu a<br />
diferença entre a vida e a morte! Em suma, a crueldade percorria todas<br />
as avenidas da vida social. Mulheres trabalhavam <strong>em</strong> mina carvão,<br />
arrastando-se sobre as mãos e os pés, como amimais, na escuridão<br />
das minas. Crianças de seis anos eram habitualmente <strong>em</strong>pregadas<br />
(também nas minas). Até o ano 1804 o direito dos operários para se<br />
organizar<strong>em</strong> foi regulado por uma lei promulgada no dia da batalha de<br />
Bannockburn. Mais da metade de todas as crianças da Inglaterra foram<br />
criadas s<strong>em</strong> instrução.<br />
OBS: NOTA DA EDIÇÃO ELETRÔNICA DO SITE DA<br />
IGREJA METODISTA DE VILA ISABEL - O dinheiro inglês<br />
era muito complicado. Antes de 1971, além de um monte<br />
de moedas que tinham nomes baseados na tradição e, no<br />
caso de algumas, n<strong>em</strong> existiam na prática como moedas.<br />
É o caso do guinéo (guinea), que correspondia a 21<br />
shillings, ou seja, uma libra mais um shilling. A<br />
conversão era a seguinte antes de 1971 (quando tudo foi<br />
decimalizado) era: 1 Libra = 20 shillings; 1 shilling =<br />
12 pence; 1 penny (que no plural é pence) = 4 farthings.<br />
Assim no caso descrito no parágrafo acima um dos<br />
criminosos roubou 4 shillings e 10 pence, ou seja, 58<br />
pence. O segundo roubou 5 shillings = 60 pence. A letra<br />
“d”, que era símbolo do penny, v<strong>em</strong> da palavra latina<br />
denarium.<br />
Impostos eram inevitáveis; mas o sist<strong>em</strong>a tributário era cruel e<br />
estúpido <strong>em</strong> grau quase incrível. Tributava-se o sal <strong>em</strong> quarenta vezes<br />
o <strong>seu</strong> preço original, e na costa litorânea os pobres se serviam da água<br />
do mar para substituí-lo na cozinha. O papel pagava três pence por<br />
libra, jornais pagavam quatro pence o ex<strong>em</strong>plar, anúncios três shillings<br />
e seis pence por edição. A lei foi <strong>em</strong>pregada para matar as<br />
oportunidades do saber. Também a Inglaterra dos últimos anos do<br />
<strong>século</strong> dezoito foi afligida por um rei lunático e uma regência<br />
desregrada; e mais tarde por um monarca, George IV, que menos<br />
escândalo teria dado à nação se fosse também lunático.<br />
Tudo isto se deu depois que <strong>Wesley</strong> avivara a consciência da<br />
nação e lhe derramara as veias o vinho de uma nova humanidade.<br />
Porque tardou tanto <strong>em</strong> tornar-se efetiva essa nova consciência? Em<br />
resposta, consider<strong>em</strong>os as forças perturbadoras que já mencionamos,<br />
as agitações da Grande Guerra, os prejuízos de um viciado sist<strong>em</strong>a de<br />
política, a influência de uma corte corrupta, a persistência de formas<br />
antigas e cruéis na legislação, entender-se-á como foi que a<br />
consciência nova que <strong>Wesley</strong> criara na nação achou expressão tão<br />
imperfeita e tardia nos negócios públicos.<br />
A oposição convicta e apaixonada que <strong>Wesley</strong> fez à escravidão é<br />
histórica, e é ainda mais notável por ter-se adiantado tanto sobre os<br />
sentimentos e políticas do <strong>seu</strong> <strong>século</strong>. O Parlamento Britânico durante o<br />
<strong>século</strong> XVIII – dev<strong>em</strong>os nos l<strong>em</strong>brar – promulgou não menos de vinte e<br />
três projetos, benevolamente “regulando” o trafico de escravos<br />
(humanos). Pelo tratado de Utrecht (1713) a Grã-Bretanha <strong>em</strong>preendeu<br />
o fornecimento de 4800 negros à América do Sul anualmente durante<br />
trinta anos; e foi renovado o contrato <strong>em</strong> 1748. A Grã-Bretanha<br />
ignobilmente (vergonhosamente) virou-se, nesta escala gigantesca,<br />
provedora de escravos para os espanhóis! Não foi meramente e<br />
somente a consciência política que se achava completamente s<strong>em</strong><br />
sensibilidade para aquilo que <strong>Wesley</strong> descreve como “a maior de todas<br />
as vilanias”, a consciência clerical e a teologia foram igualmente<br />
insensíveis e omissas. Um grande dignitário eclesiástico, o Bispo de<br />
Londres, numa pastoral publicada <strong>em</strong> 1727, declarou que “o<br />
Cristianismo e a aceitação do Evangelho não faz<strong>em</strong> a menor alteração<br />
<strong>em</strong> propriedade civil”; mesmo que esta “propriedade” fosse carne e<br />
sangue humanos; outro ser humano.<br />
Quando finalmente a reforma eleitoral fez com que o Parlamento<br />
inglês fosse a verdadeira expressão da consciência nacional, então veio
uma grande procissão (fila, desfile, processo) de atos humanitários. A<br />
revolta contra o tráfico de escravos, e a reforma Howardiana (que<br />
ganhou esse nome de John Howard que iniciou um movimento<br />
revolucionário para humanizar o sist<strong>em</strong>a prisional) das prisões foram as<br />
primeiras e as mais felizes expressões da nova consciência assim<br />
criada. O novo sentimento de justiça, e da igualdade humana, da<br />
dignidade e do valor da natureza humana que acompanhou o grande<br />
avivamento achou expressão na reforma dos tribunais, na purificação<br />
do código criminal, no grande Projeto de Reforma de 1836, e na<br />
legislação humanitária ligada ao nome de Shaftesbury. <strong>Wesley</strong> e os<br />
evangélicos, <strong>em</strong> geral, eram contra o desimpedimento dos Católicos, e<br />
contra a ab-rogação da Lei de Prova – fato este que mostra que eram<br />
imperfeitamente <strong>em</strong>ancipados das más condições de <strong>seu</strong>s t<strong>em</strong>pos, e<br />
que a inteligência neles não marcava passo com a consciência. Mas os<br />
princípios, que eles ensaiaram, e o novo espírito que introduziram no<br />
governo, na sociedade e nos negócios nacionais eram poderosos<br />
dissolventes, nos quais a legislação cruel de anos anteriores –<br />
legislação que tentou fazer-se a guarda da injustiça e da crueldade, o<br />
servo da religião – desapareceu.<br />
Pode-se acrescentar que um <strong>século</strong> é apenas a largura de um<br />
palmo na vida de uma nação. Estenda-se a visão e ver-se-á que entre a<br />
Inglaterra de 1703 e a Inglaterra de 1903 exist<strong>em</strong> diferenças notáveis. O<br />
pequeno grupo de ilhas com escassa franja de colônias inquietas têmse<br />
tornado <strong>em</strong> império, cuja bandeira tr<strong>em</strong>ula sobre a quinta parte da<br />
superfície do planeta, e quase a quarta parte da raça humana. Mas a<br />
diferença na escala e no poder que distingue o império é ainda menos<br />
impressionante do que o adiantamento de <strong>seu</strong>s ideais e t<strong>em</strong>peramento.<br />
T<strong>em</strong>-se criado uma nova consciência; uma nova humanidade respira na<br />
sua vida social; novos ideais de legislação registram-se nos códigos. A<br />
GrãBretanha ainda t<strong>em</strong> muitos probl<strong>em</strong>as a resolver, e muitos males<br />
característicos para vencer ainda, mas coloqu<strong>em</strong>o-la na perspectiva da<br />
história; meçamo-Ia pelos grandes impérios de outros t<strong>em</strong>pos; e é certo<br />
que com todas as suas imperfeições ela mais avizinha-se aos ideais do<br />
Cristianismo do que qualquer outra comunidade <strong>em</strong> que os homens<br />
jamais viveram juntos.<br />
Na criação desta Inglaterra mais livre e mais nobre mil forças têm<br />
cooperado. Mas se fosse desenleada (desenrolada, identificado os fios)<br />
a teia das forças contribuintes, as mais ricas e as mais fortes seriam as<br />
que pertenc<strong>em</strong> a religião. E qu<strong>em</strong> negaria que, as de maior influência e<br />
efetividade são as que rodeiam a <strong>Wesley</strong> e o avivamento religioso do<br />
<strong>século</strong> XVIII experimentado e promovido pelo povo chamado metodista!<br />
E o segredo não está tanto no hom<strong>em</strong> como na mensag<strong>em</strong>; não no<br />
líder, mas no ensino; não no agente humano, mas nas forças espirituais<br />
(a graça e a ação de Deus) das quais João <strong>Wesley</strong> e os metodistas e o<br />
avivamento metodista serviram de canal.